Resumo: Este estudo tem como objetivo analisar se o Projeto de Lei da Câmara dos Deputados de número 122/2006, no que tange à discriminação por orientação sexual, viola a Liberdade Religiosa e de Expressão das Igrejas Cristãs Brasileiras, posto que estas pregam embasadas na Bíblia que a homossexualidade é uma prática pecaminosa.Trata-se de um estudo do tipo descritivo que utilizou pesquisa bibliográfica, legislativa e jurisprudencial, nacionais e alienígenas, na abordagem da colisão do princípio da igualdade ínsita aos homossexuais e o princípio da liberdade religiosa. Diversas pesquisas apontam um elevado índice de violência aos homossexuais, por conseguinte, o Projeto de Lei da Câmara de número 122/2006 visa criminalizar a homofobia. De outro giro, a Igreja Cristã tem como dogma a visão da homossexualidade como pecado. Apesar de os grupos religiosos temerem a intervenção estatal em seu âmbito interno, não há como impedir a produção de leis que visam proteger grupos sociais hostilizados. Da mesma forma, não podem os homossexuais exigir que o Cristianismo mude os seus dogmas. O ordenamento jurídico deve abarcar diferentes visões de mundo e, diante de eventual colisão de princípios, o intérprete deverá socorrer-se dos critérios de ponderação de interesses e, no caso concreto, atribuir precedência condicionada a um dos princípios colidentes. Nesta perspectiva, a presente pesquisa aponta casos reais em que julgadores solucionaram colisões dos princípios em discussão.
Palavras-chave: homossexualidade; igualdade; Cristianismo; liberdade; colisão
INTRODUÇÃO
O presente trabalho surgiu do interesse de analisar uma polêmica matéria legislativa, o Projeto de Lei da Câmara Federal de número 122/2006, que se encontra, atualmente, na Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa do Senado Federal.
O Projeto de Lei em discussão determina, dentre outras previsões, sanções às práticas discriminatórias em razão de orientação sexual de pessoas.
As Igrejas Cristãs veem a homossexualidade como prática pecaminosa. Questiona-se, então, se o referido projeto fere o princípio da liberdade religiosa.
A resposta a tal questionamento é o objetivo geral dessa pesquisa, que apresenta os seguintes objetivos específicos: analisar o Projeto de Lei da Câmara número 122/2006, sua história e os princípios a ele inerentes; demonstrar a visão doutrinária das Igrejas Cristãs acerca da homossexualidade e o princípio da liberdade religiosa; e, por último, averiguar se o Projeto de Lei da Câmara viola o princípio da liberdade religiosa e de expressão das igrejas cristãs brasileiras.
Trata-se de um estudo do tipo descritivo que utilizou pesquisas bibliográficas, legislativas e jurisprudenciais na abordagem de eventuais conflitos entre o princípio da igualdade, garantidor da proteção dos homossexuais, e o princípio da liberdade religiosa, ínsita à mensagem Cristã.
No primeiro capítulo, será feita uma breve definição científica acerca da homossexualidade, bem como a visão desta prática ao longo da história. Também será analisada a violência enfrentada pelos homossexuais, atualmente no Brasil, tendo em vista ser este o cerne da elaboração do Projeto de Lei da Câmara n° 122/2006.
No segundo capítulo, será conceituado, à luz das ciências sociais, o significado de religião e, à luz das ciências jurídicas, analisado o princípio da liberdade religiosa. Será estudada também a história do Cristianismo e a doutrina cristã acerca da homossexualidade.
O terceiro capítulo trará aspectos gerais sobre a atual doutrina da normatividade dos princípios e as regras de solução de eventuais colisões entre a igualdade dos homossexuais e a liberdade religiosa.
Foram ainda carreadas ao trabalho, jurisprudências que enfrentaram, na prática, o conflito de interesses de homossexuais e cristãos.
Por último, nas considerações finais, foram apresentados os resultados da pesquisa realizada.
CAPÍTULO I
A EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA HOMOSSEXUALIDADE E O PROJETO DE LEI DA CÂMARA DOS DEPUTADOS N. 122/2006
1.1.Definições da homossexualidade
Para uma análise mais apropriada do Projeto de Lei da Câmara dos Deputados (PLC) n. 122/2006, que visa a criminalizar a homofobia, faz-se necessária uma breve análise histórica da homossexualidade. Também é indispensável identificar os avanços do Direito no que tange à questão homossexual, conflitando-os com o princípio da igualdade, a fim de que se chegue a uma conclusão do contexto sociológico em que o referido projeto foi formulado e, à luz do Direito, questionar se esse possui ou não legitimidade.
Cumpre, inicialmente, definir o que é homossexualidade. Uma tarefa difícil, pois, conforme Marco Aurélio Máximo Prado e Frederico Viana Machado "embora pareça um contra-senso, não temos uma definição consensual sobre o que seja homossexualidade, ou até mesmo a respeito do termo homossexualidade." (2008, p. 28). Entretanto, Débora Vanessa Caús Brandão, seguindo a classificação mais aceita, assim a define:
pode-se afirmar que homossexual é a pessoa que se relaciona sexualmente, quer de fato, quer de forma fantasiosa, imaginária, com parceiros pertencentes ao mesmo sexo que o seu, mantendo-se, todavia, satisfeita com o seu sexo biológico. (2002, p.17).
Na visão de Débora Vanessa Caús Brandão (2002), os estudos existentes acerca dos motivos pelos quais um indivíduo possui essa orientação sexual não são satisfatórios. No entanto, a autora destaca os mais aceitos, quais sejam: a teoria que aponta ser a homossexualidade fruto de um pré-determinismo biológico e a outra que explica a homossexualidade como fator genético.
Ainda, segundo Roger Raupp Rios (2002), há quatro concepções que possibilitam traçar um quadro a respeito das diversas visões sobre a homossexualidade, sejam elas: a homossexualidade como pecado, a homossexualidade como doença, a homossexualidade como critério neutro de diferenciação e a homossexualidade como construção social.
Entretanto, à luz dos diversos estudos científicos inconclusos, pode-se dizer que, conforme preleciona Débora Vanessa Caús Brandão (2002) a OMS (Organização Mundial de Saúde), desde 1995 não mais considera a homossexualidade doença, e, sim, uma variação da sexualidade humana.
1.2.História da homossexualidade
Segundo Rodrigo da Cunha Pereira "a homossexualidade existe desde que o mundo é mundo" (2003, p. 32). Preleciona Marco Aurélio Máximo Prado e Frederico Viana Machado (2008) que as relações sexuais e afetivas entre pessoas do mesmo sexo sempre estiveram presentes na estruturação das sociedades e que na história da humanidade, em todos os seus períodos, encontramos comportamentos não-heterossexuais orientados.
Genival Veloso de França afirma que "na Caldéia, o mais antigo berço da civilização, encontram-se os primeiros vestígios dessa conduta" (2008, p. 247).
Observa Débora Vanessa Caús Brandão (2002) que a homossexualidade era praticada por romanos, egípcios, gregos e assírios. No cerne da homossexualidade entre os gregos a autora ainda destaca que:
Entre os gregos a homossexualidade tomou maior vulto. Trazia no seu bojo características como a intelectualidade, a estética corporal e a estética comportamental, o importante era a valorização do belo, não existindo discriminações das relações mantidas entre pessoas do mesmo sexo ou não. (2002, p. 31)
Em Roma, Débora Vanessa Caús Brandão (2002) observa que existia tolerância em relação às práticas homossexuais, entretanto, os homens que, eventualmente, prestavam favores sexuais aos outros, eram equiparados a escravos, não possuindo relevância social. Já no período Justianeu, dois éditos trataram a questão homossexual com maior rigor, posicionando-se contrários a essa prática. Em relação a esses éditos Javier Gafo apud Débora Vanessa Caús Brandão apresenta a seguinte transcrição:
No Édito, ou Novela 77 (ano 538), condenam aos homens que atuam ‘contra naturam’. Deve-se, primeiro, admoestá-lo, mas deve-se lhes aplicar as penas se persistem em seu vício. A condenação alude ao castigo de Sodoma e Gomorra e às calamidades públicas que os homossexuais podem acarretar, como conseqüência de seu comportamento, sobre o Estado. Esta condenação deve ser entendida no contexto de uma época de pestes e terremotos que assolaram por então, diversas regiões do Império. Seis anos mais tarde, em 544, na novela 141, volta-se a condenar os atos homossexuais. É um édito que, dentro de um clima quaresmal, admoesta ao arrependimento, mas ameaça com penas extremas em casos de falta de conversão. É importante sublinhar que, enquanto os éditos anteriores centravam-se na prostituição homossexual e no abuso dos jovens, os éditos de Justiniano condenam indiscriminadamente todo ato homossexual. (2002, p. 35)
Essa orientação contrária à prática homossexual foi também seguida na Idade Média. Para Regina Navarro Lins (2007), nesse período histórico havia uma clara oposição à homossexualidade devido à hegemonia da Igreja Católica. Segundo a autora, nesse período "a condenação dessas práticas evoluiu da simples penitência à morte na fogueira, o que se estendeu até o século XVIII" (2007, p. 230).
No Brasil, as práticas homossexuais puderam ser percebidas desde os primórdios da colonização, como observa Tatiana de Lima Trigueiro (2001), estando entre as denúncias e confissões mais comuns levadas ao Tribunal Eclesiástico do Santo Ofício à época. Evidencia Luiz Mott (1998) que, entre os aborígenes do Brasil e os das partes mais meridionais da América do Sul, abundam evidências de que a homossexualidade fazia parte das alternativas eróticas socialmente aceitáveis antes da chegada dos conquistadores portugueses.
Após o século XIX, conforme Regina Navarro Lins (2007), o discurso sobre a homossexualidade passou a oscilar entre duas hipóteses: para os conservadores seria uma perversidade a ser condenada; para os liberais, uma doença a ser compreendida e tratada.
No final do citado século, surgem novas concepções sobre a homossexualidade. Nesse diapasão, Luciana Rosa Shreiner (2008) afirma que, a partir de 1869, a homossexualidade começa a se desvincular da visão criminológica, superando-se também a ideia medieval que preconizava essa prática sexual como sendo pecaminosa e imoral. Tal fato, segundo a autora, se deve às constatações do médico húngaro, Karoly Benkert, que defendia a homossexualidade como algo inata à pessoa, uma preferência desviada da heterossexualidade.
A partir das constatações do médico húngaro a homossexualidade passou a ser vista como doença. Essa visão permaneceu até 1995, conforme preleciona Débora Vanessa Caús Brandão:
A CID nº 9 era de 1975 e nela o homossexualismo aparecia como um diagnóstico psiquiátrico, no capítulo "Das doenças mentais" e no subcapítulo "Dos desvios e transtornos sexuais" sob o nº 302.0. Após dez anos em 1985, numa das revisões periódicas, a OMS publicou uma circular em que esclarecia que o homossexualismo estava deixando de ser considerado uma doença por si só. Do capítulo "das Doenças mentais" deveria passar para o dos "sintomas decorrentes de situações psicossociais. Ou seja, passou a ser considerado um desajustamento social decorrente de discriminação política, religiosa e sexual. (2002, p. 20)
Ainda, segundo Débora Vanessa Caús Brandão (2002), em 1995, na última revisão da CID (Classificação Internacional de Doenças), o homossexualismo deixou de constar nos diagnósticos, sendo o sufixo ismo que significa doença, substituído pelo sufixo dade, que significa "modo de ser", observando Luís Afonso Heck (2002), nesse sentido, que a homossexualidade deixou de ser criminalizada, sendo vista hoje como uma variante da sexualidade humana.
Por fim, mesmo à luz dos consideráveis avanços no que concerne à igualdade entre homossexuais e heterossexuais, afirma Regina Navarro Lins (2007) que, no século XX, o homossexual continuou aprisionado, sendo ainda hoje visto por muitos como perigoso ou sem-vergonha e, na melhor das hipóteses, como doente e desviante.
1.3 O preconceito e a violência aos homossexuais no Brasil e o nascimento do Projeto de Lei da Câmara dos Deputados n. 122/2006
Malgrado a evolução, na forma de ver a homossexualidade pela ciência e pela sociedade, Roger Raupp Rios (2002) afirma que a homossexualidade ainda é objeto de intenso preconceito e violência em nossa sociedade.
Na realidade brasileira ainda permanece a discriminação contra os homossexuais. Essa discriminação, segundo Álvaro Ricardo de Souza Cruz (2005), é ilícita, pois viola o direito de pessoas com base em critérios injustificáveis e injustos, provenientes de opiniões preestabelecidas no senso comum, impostos pela cultura, educação, religião e tradições de um povo.
Álvaro Ricardo de Souza Cruz destaca que:
No Brasil é preciso deixar claro que a questão da discriminação contra os homossexuais não se limita ao campo moral, ao contrário, O Grupo Gay da Bahia (GGB) concluiu no seu livro relatório referente ao ano de 2002, que é o país onde ocorrem mais assassinatos de homossexuais. (2005, p. 77).
O índice de assassinatos não diminuiu, pois, segundo relatório atualizado do Grupo Gay da Bahia (GGB) do ano de 2008, o Brasil ainda é o país onde mais se matam homossexuais no mundo, sendo que 2.998 homossexuais foram assassinados nos últimos 20 anos, constituindo média de um homicídio a cada três dias. Em relação ao ano anterior, dos homossexuais assassinados, 64% eram gays, 32% travestis e 4% lésbicas [01].
Diante dessa realidade de intolerância e violência em que se encontram os homossexuais no Brasil, a ex-Deputada paulista, Iara Bernadi, idealizou o Projeto de Lei n. 5003/2001.
No que tange à história do Projeto de Lei, Paulo Fernando Melo da Costa (2007) relata que o seu início deu-se em 2001 quando a então Deputada paulista, Iara Bernadi, apresentou à Câmara o Projeto de Lei 5003/2001, sendo designado relator o Deputado Bispo Rodrigues que o devolveu sem nenhuma manifestação, em 18 de dezembro de 2002, levando a matéria a ser arquivada em fevereiro de 2003 [02].
Ainda em 2003, segundo Paulo Fernando Melo da Costa (2007), o Projeto de Lei 5003/2001 foi desarquivado, sendo designado relator o Deputado Bonifácio de Andrada que o devolveu sem manifestação em 24 de março de 2004. Após, foi designado novo relator, o Deputado Aloysio Nunes Pereira, que também o devolveu sem manifestação.
Em 17 de março de 2005, ainda segundo Paulo Fernando Melo da Costa (2007), foi designado relator o Deputado Luciano Zica, que apresentou o parecer em nome da Comissão de Constituição e Justiça, sendo apensados o Projeto de Lei 05/2003 da própria Deputada Iara Bernadi, o Projeto de Lei 381/2003 do Deputado Maurício Rabelo, o Projeto de Lei 3143/2004 da Deputada Laura Carneiro, o Projeto de Lei 3770/2004 do Deputado Eduardo Valverde e o Projeto de Lei 4243/2004 do Deputado Edson Duarte.
Impressiona-se Paulo Fernando Melo da Costa (2007) com o fato de, apesar do conteúdo polêmico, não terem sido apresentadas emendas ao substitutivo, sendo a matéria aprovada sem maiores ressalvas na Comissão de Constituição e Justiça.
Outro fato polêmico que marcou o trâmite legislativo do Projeto em baila, na visão de Paulo Fernando Melo da Costa (2007), foi o despacho inicial do projeto, pelo então Presidente da Câmara dos Deputados à época, Deputado Aécio Neves, sem antes o ter enviado para discussão na Comissão de Direitos Humanos, como previsto no Regimento Interno, prejudicando a discussão do mérito.
Paulo Fernando Melo da Costa (2007) também critica a votação do referido projeto na Câmara dos Deputados, pois, segundo ele, em 20 de abril de 2006 foi apresentado requerimento do Líder do PFL, Deputado Rodrigo Maia, pedindo regime de urgência da matéria, que só foi apresentado sete meses depois, em novembro de 2006, em plena quinta-feira, dia atípico para votação de projetos polêmicos.
Segundo Melo da Costa (2007), ao chegar ao Senado o projeto recebeu a denominação de Projeto de Lei da Câmara n. 122/2006 e, no dia 07 de fevereiro de 2007, foi encaminhado ao gabinete da Senadora do PT de Rondônia, Fátima Cleide, designada como relatora na Comissão de Direitos Humanos, encontrando-se atualmente em discussão na Comissão de Assuntos Sociais.
O projeto altera a Lei n. 7716 de 05 de janeiro de 1989, que define os crimes resultantes de preconceito de raça ou de cor; dá nova redação ao § 3º do art. 140 do Decreto-Lei n. 2848, de 07 de novembro de 1940, que dispõem sobre a injúria na utilização de elementos referentes a raça, cor, etnia, religião, origem ou condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência; altera o Código Penal Brasileiro e o art. 5º da Consolidação das Leis do Trabalho, aprovada pelo Decreto-Lei n. 5452, de primeiro de maio de 1943, que dispõe sobre a igualdade salarial, sem distinção de sexo [03].
O PLC n. 122/2006, tem por escopo punir com maior rigor as práticas discriminatórias, em razão da orientação sexual de pessoas, visando coibir a homofobia que, segundo Roger Raupp Rios, significa "distúrbio psíquico revelado por aqueles que possuem medo ou ódio irracional diante da homossexualidade" (2002, p. 120) e, ainda conforme Regina Navarro Lins, "serve também para o heterossexual deixar claro para os outros que ele não é homossexual" (2007, p. 249).
No cerne da sociedade atual, Regina Navarro Lins (2007) destaca que os homossexuais objetivam tão-somente legalizar sua situação afetiva, reivindicando os mesmos direitos e as vantagens concedidas aos heterossexuais; para tal fim, vêm se organizando de várias maneiras, seja através de grupos militantes na luta pelo fim da discriminação ou por grupos de discussão crescentes nas grandes cidades. Segundo Marco Aurélio Máximo Prado e Frederico Viana Machado (2008), eles vêm tentando conquistar um status social menos marginalizado e ganhar direitos no espaço público.
No que tange à justificação do PLC 122/2006, de acordo com o texto original aprovado na Câmara dos Deputados sob o n. 5003/2001, atendo-se à questão da discriminação por orientação sexual, assim se fundamenta:
A orientação sexual é direito personalíssimo, atributo inerente e inegável à pessoa humana e como direito fundamental, surge o prolongamento dos direitos a personalidade, como direitos imprescindíveis para uma sociedade que se quer livre, justa e igualitária [...] estamos propondo o fim da discriminação de pessoas que pagam impostos como nós [...] garantindo que não serão molestados em seus direitos de cidadania e para que prevaleça o art. 5º da nossa Constituição. [04] (BRASIL, 2001)
Corroborando com a ideologia do projeto em epígrafe, doutrinariamente, Roger Raupp Rios (2002) destaca que a emergência das inúmeras situações envolvendo as relações homossexuais requer uma abordagem jurídica que analise as discriminações motivadas na orientação sexual, dada a intensidade e a gravidade que decorrem das diferenciações, nestes domínios da realidade.
1.4.O projeto de Lei da Câmara dos Deputados n. 122/2006 e o princípio da igualdade
Em contrariedade ao PLC n. 122/2006, Magno Malta (2009) sustenta que o referido projeto de lei é desnecessário, sob argumento de que já há lei que criminaliza qualquer tipo de discriminação. [05]
Interessante notar que tanto os que são contrários, quanto os que são favoráveis ao PLC n. 122/2006, sustentam seus posicionamentos no princípio da igualdade. Para saber se é legítimo dispensar um tratamento legislativo diferente aos homossexuais, necessária é uma análise acerca do princípio da igualdade.
Para Álvaro Ricardo de Souza Cruz (2005), o Direito acompanhou uma formidável evolução da sociedade nos últimos 250 anos, partindo de uma sociedade medieval dividida em estamentos determinados pelo nascimento, desaguando em uma sociedade que tolera e respeita projetos de vida entre si.
Álvaro Ricardo de Souza Cruz (2005) ainda afirma que, junto com essa evolução, mudou-se também a noção de igualdade, tendo em vista que na Idade Média a igualdade era definida a partir do nascimento. Após a Idade Média, no período humanista, racionalista, a noção de igualdade passa a ser definida como a ausência de prerrogativas injustificáveis e irracionais perante a lei.
Sobre a igualdade no período humanista, Joaquim Barbosa Gomes (2003) destaca que seu conceito edificou-se perante a lei, desde as experiências revolucionárias da França e dos Estados Unidos da América, aduzindo que a Lei, genericamente abstrata, deve ser aplicada de forma neutra sobre situações jurídicas concretas e sobre conflitos interindividuais. É a denominada igualdade formal, que prevaleceu até o século XX.
Entretanto, essa noção de igualdade formal que, segundo Joaquim Barbosa Gomes (2003), era a noção de igualdade indistinta a todos na lei, não foi capaz de conter as injustiças. Roger Raupp Rios destaca que:
o princípio da igualdade formal passou a operar como mandamento de aplicação universalista da lei, sem se preocupar com a justiça ou injustiça dos efeitos desta aplicação em face das semelhanças e das diferenças próprias de cada situação concreta. (2002, p. 128).
Por isso, Joaquim Barbosa Gomes (2003) preleciona que deve se consolidar a idéia de igualdade material, recomendando-se uma posição inversa do conceito de igualdade formal, posto que essa é estática, enquanto aquela é dinâmica, pois requer que sejam avaliadas as desigualdades concretas existentes na sociedade.
Prevalece hoje no campo do constitucionalismo a noção de igualdade material, no qual Joaquim Barbosa Gomes destaca que "situações desiguais devem ser tratadas de maneira dessemelhante, evitando-se assim a perpetuação de desigualdades engendradas pela própria sociedade" (2003, p. 19).
Joaquim Barbosa Gomes (2003) ainda aduz que, na acepção hodierna de igualdade, visa-se proteger e defender o interesse das pessoas socialmente fragilizadas e desprotegidas, por isso o Direito passa a perceber o ser humano ou grupos em suas especificidades e singularidades, daí surge o conceito de ações afirmativas que são políticas sociais que têm como escopo concretizar a igualdade material, sendo uma igualdade positiva.
Em relação ao Direito Constitucional Pátrio, Joaquim Barbosa Gomes (2003), afirma que este é compatível com as ações afirmativas, no mesmo sentido Alexandre de Moraes, afirma que:
A constituição Federal de 1988 adotou o princípio da igualdade de direitos prevendo a igualdade de aptidão, uma igualdade de possibilidades virtuais, ou seja, todos os cidadãos têm o direito de tratamento idêntico pela lei, em consonância albergada pelo ordenamento jurídico [...] o que se veda são as diferenciações arbitrárias, as discriminações absurdas, pois o tratamento desigual dos casos desiguais, na medida em que se desigualam é exigência do próprio conceito de Justiça. (2002, p. 92)
Para Roger Raupp Rios (2002), os homossexuais devem ter tratamento diferenciado por parte da legislação e da aplicação da mesma, pois as relações homossexuais são objeto de intensos preconceitos e violência em nossa sociedade. Ainda conforme o autor, a discriminação em relação à homossexualidade decorre do fato de que esta orientação é tida como desvio de conduta e estigma, sendo moralmente e religiosamente considerada como prática imoral, pecaminosa e reprovável.
E é neste cenário de violência e preconceito que surge o PLC 122/2006, reclamando uma ação afirmativa em favor dos homossexuais, por serem vítimas de discriminação moral e de violências.
1.5 Críticas em relação ao Projeto de Lei da Câmara dos Deputados n. 122/2006
O Projeto de Lei da Câmara em foco encontra-se, atualmente, em discussão na Comissão de Assuntos Sociais do Senado Federal, sendo que, conforme Paulo Sérgio Vasco (2009), durante o ano de 2007 o projeto esteve em tramitação na Comissão de Direitos Humanos [06].
Após a tramitação do Projeto na Comissão de Direitos Humanos do Senado Federal, segundo Paulo Sérgio Vasco (2009), a Senadora Fátima Cleide concluiu em seu relatório que os questionamentos mais frequentes referentes ao PLC n. 122/2006 foram no que concerne às garantias constitucionais à liberdade de expressão e à liberdade religiosa.
Além das objeções retromencionadas, Paulo Sérgio Vasco (2009) afirma que juristas indicaram ressalvas quanto à técnica legislativa do projeto no tocante à definição de sujeitos passivos nos tipos penais e das condutas delituosas, além da proporcionalidade das penas e sua conformidade com as regras gerais do Código Penal Brasileiro e da Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT).
Em relação às críticas e aos conflitos de ideologias atinentes ao Projeto de Lei da Câmara, é importante ressaltar que a presente pesquisa tem o foco atinente apenas aos possíveis conflitos da eventual lei contra a homofobia e a discriminação de homossexuais com a liberdade de crença e de expressão das Igrejas Cristãs, os quais serão tratados oportunamente nos próximos capítulos.