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Da possibilidade de desapropriação de bem sobre o qual recaia uma penhora judicial e do procedimento a ser seguido

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O presente artigo pretende analisar a problemática da desapropriação de bens sobre os quais recaiam direitos de terceiros, especificamente, os bens gravados por penhora judicial.

Nas palavras de Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart [01], a penhora é o procedimento de segregação dos bens que efetivamente se sujeitarão à execução, respondendo pela dívida inadimplida.

Ainda segundo os autores, realizada a penhora, os bens constritos tornam-se indisponíveis para o devedor – que não pode aliená-los ou onerá-los eficazmente. A penhora não retira do titular a propriedade do bem, mas torna inoperante o poder de disposição sobre ele.

Vê-se, pois, que a penhora é um mecanismo de garantir o adimplemento do credor que detém um título judicial, individualizando, dentro a esfera patrimonial do devedor, o bem que deverá satisfazer a dívida existente.

Nesse sentido, cumpre esclarecer que a garantia outorgada ao credor não deve ser oponível à consecução das finalidades públicas coletivas por parte do Estado. É que a desapropriação perfaz-se em um meio de aquisição originária da propriedade, de modo que nenhum gravame ou direito anterior que recaia sobre o bem obsta a sua efetivação.

Aqui vale transcrever a lição de José dos Santos Carvalho Filho [02]:

A desapropriação é, realmente, modo sui generis de aquisição da propriedade. Mas, pela forma que se consuma, é de ser considerada forma de aquisição originária, porque só a vontade do Estado é idônea a consumar o suporte fático gerador da transferência da propriedade, sem qualquer relevância atribuída à vontade do proprietário ou ao título que possua. A desapropriação, assim, é considerada o ponto inicial da nova cadeia causal que se formará para futuras transferências do bem.

Dessa premissa surgem dois importantes efeitos. O primeiro consiste na irreversibilidade da transferência, ainda que indenizado tenha sido terceiro que não o dono do bem desapropriado. Ademais, com a desapropriação consideram-se extintos os direitos reais de terceiros sobre a coisa. Nesse sentido, aliás, consta do art. 31 da lei geral expropriatória: "Ficam sub-rogados no preço quaisquer ônus ou direitos que recaiam sobre o bem expropriado. Como exemplo, temos o caso da hipoteca: o credor hipotecário terá o seu direito real substituído pelo preço total ou parcial da indenização; esta, dependendo da hipótese, poderá ser repartida, em partes iguais ou não, entre o proprietário e o credor hipotecário. Mas o bem em si ingressa no patrimônio do expropriante sem qualquer ônus em favor de terceiro.

Não obstante o caráter originário da desapropriação, vale salientar que a sua fase executória possibilita a satisfação dos interesses de eventuais titulares de direitos que recaiam sobre o bem a ser transferido ao domínio do Poder Público.

É que nos termos do art. 31, do Decreto-Lei 3.365/41, os direitos e ônus que recaiam sobre o bem se sub-rogam no valor da indenização a ser paga pela desapropriação:

Art. 31. Ficam subrogados no preço quaisquer ônus ou direitos que recaiam sobre o bem expropriado.

Nesse turno, apesar de os direitos de terceiros sobre o bem não obstarem a ultimação da desapropriação, não deve o Poder Público se portar de modo a ferir direitos de terceiros quando isso pode ser evitado. Destarte, constatando-se um gravame sobre o bem, deve o Expropriante assegurar que o credor tenha a possibilidade de satisfazer seu interesse ao longo da fase executória da desapropriação, sub-rogando-se na parte que lhe couber da indenização.

Aqui vale esclarecer que a implementação da desapropriação depende da superação de duas fases ou momentos distintos, a saber: i) a declaração de utilidade pública do bem (fase declaratória); e ii) a promoção propriamente dita da desapropriação (fase executória).

Ao comentar a fase declaratória no processo desapropriatório, assevera José dos Santos Carvalho Filho [03] que "declarar de utilidade pública ou o interesse social é conduta que apenas reflete a manifestação do Estado no sentido do interesse público que determinado bem desperta com vistas à transferência coercitiva a ser processada no futuro. Portanto, não se pode dizer ainda que, com a declaração, já exista a desapropriação. A declaração é apenas uma fase do procedimento". Nota-se, pois, que a declaração de utilidade pública, apesar de medida necessária, não é suficiente para tornar perfeita a desapropriação.

Concluída a fase declaratória, chega-se ao segundo momento (fase executiva), atinente à efetivação propriamente dita da desapropriação, com a transferência da propriedade do bem. Nessa fase, abrem-se duas possibilidades, a saber: o acordo (desapropriação administrativa) ou o ingresso em juízo (desapropriação judicial).

Saliente-se, por relevante, que, em face do disposto no Decreto-Lei 3.365/41 (art. 3º) e na Lei 8.987/95 (art. 29, IX), o universo de legitimados para exercer a competência executória é mais amplo do que a da competência declaratória, uma vez que estão ali incluídas as concessionárias de serviço público, quando expressamente autorizadas para tanto:

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Decreto-Lei 3.365/41:

Art. 3º  Os concessionários de serviços públicos e os estabelecimentos de carater público ou que exerçam funções delegadas de poder público poderão promover desapropriações mediante autorização expressa, constante de lei ou contrato.

Lei n º 8.987/1995:

Art. 29. Incumbe ao poder concedente:

(...)

IX - declarar de necessidade ou utilidade pública, para fins de instituição de servidão administrativa, os bens necessários à execução de serviço ou obra pública, promovendo-a diretamente ou mediante outorga de poderes à concessionária, caso em que será desta a responsabilidade pelas indenizações cabíveis

A fase executória através da via administrativa encerra a ultimação da transferência do bem por intermédio de acordo entre o Poder Público e o proprietário, que travam um negócio jurídico com vistas a concretizar a desapropriação. Nesse sentido, como bem salienta Diógenes Gasparini [04], esse negócio alienativo só pode ser ajustado se houver certeza quanto ao domínio e quanto aos documentos que o comprovam. A Administração, em conseqüência, precisa cercar-se de todas as cautelas para celebrar negócio jurídico válido e evitar que seja inquinado de vício na vontade ou na forma, proporcionando futuramente sua anulação.

Nesse turno, como a penhora tem o condão de tornar ineficazes os negócios alientativos sobre o bem penhorado em relação ao credor judicial, a desapropriação administrativa somente deve ocorrer se contar com a anuência do titular da penhora, o que assegurará o resguardo dos interesses deste no que tange à satisfação de sua dívida - sendo certo que, nos termos do art. 569, do CPC, o exeqüente pode dispor da execução judicial.

De outra banda, caso o Poder Público não logre uma composição com o proprietário, com o titular da penhora ou com a titular de promessa de permuta de parte da área, resta a via da ação judicial de desapropriação, a fim de que esta seja concretizada de forma cogente.

Nesse sentido, tendo o Poder Público conhecimento de direitos de terceiros que recaiam sobre a parte a ser desapropriada, deve tal fato ser noticiado ao Juízo da desapropriação para que providencie a habilitação de seus titulares nos autos daquele processo, viabilizando-se, assim, que estes requeiram a sub-rogação de seus direitos sobre o valor da indenização ou mesmo reivindiquem outros direitos em face do expropriado em ação própria. Nesse sentido, cumpre transcrever precedente do próprio Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, local onde se localiza o bem em questão:

APELAÇÃO CÍVEL. DESAPROPRIAÇÃO. BEM OBJETO DE PENHORA. LEVANTAMENTO DO VALOR. IMPOSSIBILIDADE.

Sendo o bem expropriado objeto de penhora não pode o expropriante levantar o valor, tendo em vista que o credor hipotecário subroga-se na desapropriação, podendo habilitar-se no recebimento do valor da indenização pela desapropriação do imóvel penhorado.

NEGARAM PROVIMENTO Á APELAÇÃO. UNÂNIME. (Apelação Cível Nº 70023850977, Quarta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Alexandre Mussoi Moreira, Julgado em 29/04/2009)

Destarte, conclui-se que eventual penhora ou direitos de terceiros que recaiam sobre o imóvel não obstam a desapropriação do bem por parte da Administração, devendo apenas o responsável pela fase executória (Administração ou mesmo um concessionária particular) cuidar para que os titulares de direitos sobre o bem possam vir a exercer suas pretensões em relação à futura indenização decorrente da desapropriação.


Notas

  1. Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart. Curso de Processo Civil, V.3, Execução, 2ª edição, São Paulo, Ed. Revista dos Tribunais, p. 254.
  2. José dos Santos Caralho Filho. Op. Cit., p. 706.
  3. José dos Santos Carvalho Filho. Manual de Direito Administrativo, 17ª edição, Rio de Janeiro, Ed. Lumen Júris, 2007, p. 707.
  4. Citado por José dos Santos Carvalho Filho, Op. Cit., p. 717-718.
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Sobre o autor
Paulo Brandão Cavalcanti Neto

Procurador Federal. Pós-Graduando em Direito Constitucional

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CAVALCANTI NETO, Paulo Brandão. Da possibilidade de desapropriação de bem sobre o qual recaia uma penhora judicial e do procedimento a ser seguido. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2732, 24 dez. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/18110. Acesso em: 22 nov. 2024.

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