3. Da definição de acidente de trabalho
Sem deslembrar que a causa genética da relação jurídica em tela é um acidente laboral, é sobremaneira relevante analisar a definição legal desta espécie de infortúnio, encontrada na Lei 8.213/91:
Art. 19. Acidente do trabalho é o que ocorre pelo exercício do trabalho a serviço da empresa ou pelo exercício do trabalho dos segurados referidos no inciso VII do art. 11 desta Lei, provocando lesão corporal ou perturbação funcional que cause a morte ou a perda ou redução, permanente ou temporária, da capacidade para o trabalho.
§ 1º A empresa é responsável pela adoção e uso das medidas coletivas e individuais de proteção e segurança da saúde do trabalhador.
(...)
§ 3º É dever da empresa prestar informações pormenorizadas sobre os riscos da operação a executar e do produto a manipular.
§ 4º O Ministério do Trabalho e da Previdência Social fiscalizará e os sindicatos e entidades representativas de classe acompanharão o fiel cumprimento do disposto nos parágrafos anteriores, conforme dispuser o Regulamento.
O conceito trazido pelo caput do artigo é aquele doutrinariamente tido por típico, ou próprio, ocorrido no exercício do trabalho em si. Analogicamente, são colocadas as doenças profissionais e do trabalho (artigo 20) - caracterizadas pela ausência do elemento subtaneidade - e os acidentes trabalhistas por equiparação (artigo 21).
O evento do qual se está a falar é definido, com erudição, por Mozart Russomano [04]:
"O acidente de trabalho, pois, é um acontecimento em geral súbito, violento e fortuito, vinculado ao serviço prestado a outrem pela vítima que lhe determina lesão corporal, por aproximação, podemos dizer que é esse o pensamento de Rouast e Givord (Traité sur Accidents du Travail, p. 98)"
Some-se ainda, entre os aspectos formadores do conceito, a possibilidade do resultado morte, ao lado da lesão corporal.
Ademais, para ser assim caracterizado, deve o infortúnio estar vinculado ao trabalho em favor da empresa, ou, por expressa dicção legal, encontrar-se a vítima entre os segurados especiais (artigo 11, VII) que não sejam empregados da empresa.
Caracteriza-se, destarte, o acidente de trabalho pela subtaneidade, pela violência, pela relação com a atividade laborativa e pela exterioridade da causa acidentária.
O rol de deveres elencados no dispositivo acima reflete, fidedignamente, o disposto no inciso XXII do artigo 7º da Constituição, e a eles justapõe-se, sem prejuízo de outros porventura não relacionados, aqueles previstos no artigo 157 da Consolidação das Leis do Trabalho:
Art. 157 - Cabe às empresas:
I - cumprir e fazer cumprir as normas de segurança e medicina do trabalho;
II - instruir os empregados, através de ordens de serviço, quanto às precauções a tomar no sentido de evitar acidentes do trabalho ou doenças ocupacionais;
III - adotar as medidas que lhes sejam determinadas pelo órgão regional competente;
IV - facilitar o exercício da fiscalização pela autoridade competente
O mesmo diploma normativo, nos artigos 155 e 200, estabelece a competência do Ministério do Trabalho para editar preceitos atinentes à segurança e medicina laboral. Foi no exercício desta atribuição que o órgão estatal instituiu, mediante a Portaria nº 3.214/78, uma série de normas regulamentares - NR's - acerca da matéria, as quais impõem deveres adicionais às empresas, concernentes, por exemplo, à manutenção de Serviços Especializados em Engenharia de Segurança e em Medicina do Trabalho, cujo dimensionamento é dado pela gradação do risco da atividade principal da empresa e pelo número total de empregados do estabelecimento (NR – 4), à constituição de uma Comissão Interna de Prevenção de Acidentes – CIPA, composta por representantes do empregador e dos empregados (NR – 5), à distribuição de equipamentos de proteção individual (NR – 6), à implementação do Programa de Controle Médico de Saúde Ocupacional – PCMSO (NR – 7), e à elaboração do Programa de Prevenção de Riscos Ambientais – PPRA (NR – 9).
Não se tratam, como parece estar translúcido, de processos de fácil resolução. A apreciação e o julgamento deste tipo de lide exigirão, a mais não poder, uma detida análise de provas. Questões intricadas e fatores abstrusos levantar-se-ão exigindo uma límpida e escorreita elucidação, a fim de que se possa responder à indagação fulcral que se apresentará nos autos: o dano suportado pelo trabalhador sinistrado, do qual se origina o benefício previdenciário, decorre de uma conduta negligente da empregadora? Ou, em outros termos: o infortúnio laboral poderia ter sido evitado pela empresa, caso tivesse adotado as providências cabíveis e as devidas medidas de segurança e higiene? Para tanto, far-se-á imperiosa uma profícua instrução, e, na medida do possível, a reconstituição da cena do acidente e das condições de trabalho do sinistrado.
Conclusão
Alcançado o ponto de chegada do estudo, pode-se volver um olhar retrospectivo e conferir o cumprimento dos objetivos delineados no início. Com efeito, pode-se concluir:
- É distinta, subjetiva e objetivamente, a relação jurídica titularizada pela Previdência e pelo empregador, daquelas em que figuram no pólo ativo o trabalhador ou seus familiares;
- Igualmente, o fundamento normativo da pretensão regressiva do Instituto Nacional do Seguro Social ramifica-se por diversos diplomas normativos. Constitucionalizada no coração da Carta de Outubro, busca guarida nas legislações trabalhista e previdenciária, além de lançar mão da clássica teoria da responsabilidade civil;
- A responsabilidade do empregador face à Autarquia Previdenciária é subjetiva, e não prescinde da comprovação da culpa, cujo ônus, de não simples desincumbência, é do INSS.
Metaforicamente, pode-se afirmar que este estudo é somente a ponta de um grande iceberg. Deveras, o tema suscita uma plêiade de questionamentos agudos, cuja clarificação ensejaria trabalhos monográficos de elevada relevância científica. Não foi este o escopo a que nos propusemos. Intentamos, neste breve trabalho, fornecer algumas diretrizes para o enfrentamento desta matéria na rotina forense, visto que, como dito, cresce rapidamente o número de ações deste jaez.
Referências bibliográficas:
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CASTRO, Carlos Alberto Pereira de; LAZZARI, João Batista. Manual de direito previdenciário, 6. ed. São Paulo: Ltr, 2005;
DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: Responsabilidade Civil, 18 ed. São Paulo: Saraiva, 2004, 7. vol.;
MARTINEZ, Wladimir Novaes. Comentários à lei básica da Previdência Social, 6. ed. São Paulo: Ltr, 2003;
NERY JUNIOR, Nelson e NERY, Rosa Maria de Andrade. Novo Código Civil e legislação extravagante anotados. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002;
ROCHA, Daniel Machado da; JÚNIOR, José Paulo Baltazar. Comentários à Lei de benefícios da Previdência Social, 9. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora: ESMAFE, 2009;
SAVARIS, José Antonio. Direito Processual Previdenciário. Curitiba: Juruá, 2008.
Notas
- REsp 1067738/GO, Rel. Ministro SIDNEI BENETI, Rel. p/ Acórdão Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, DJe 25/06/2009.
- TRF4, AC 2004.72.07.006705-3, Terceira Turma, Relator Roger Raupp Rios, D.E. 16/12/2009.
- NERY JUNIOR, Nelson e NERY, Rosa Maria de Andrade. Novo Código Civil e legislação extravagante anotados. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 91.
- RUSSOMANO, Mozart Victor. Comentários à consolidação das leis da previdência social. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1981, p. 395. Apud CASTRO, Carlos Alberto Pereira de; LAZZARI, João Batista. Manual de direito previdenciário, 6. ed. São Paulo: LTr, 2005, p. 486.