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Da ação monitória embasada em cheque prescrito

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11/02/2011 às 08:17
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3 Evolução da Tutela dos Direitos Subjetivos

Com base em indícios, conjectura-se que a evolução da tutela dos direitos se tenha dado em quatro etapas, desde uma justiça absolutamente privada, passando por fases intermediárias, até a uma justiça quase que totalmente pública [41].

Inicialmente, na que se pode chamar de primeira fase, os conflitos entre particulares eram resolvidos precipuamente pela força. Nesse período, certas regras, estabelecidas gradualmente pelos costumes, distinguem a autotutela legítima da violência, sendo esta vitanda.

A segunda fase consiste no chamado arbitramento facultativo, em que o ofendido, em vez de utilizar-se da força para a realização de seu direito, faz uso, de comum acordo com o ofensor, do julgamento por um terceiro, um árbitro [42].

No entanto, com a necessidade de se dar o arbitramento facultativo apenas com a anuência do ofensor e como as mais das vezes não havia comum acordo, o arbitramento passou a ser obrigatório, o Estado passou a obrigar os litigantes a escolher um árbitro cuja decisão seria assegurada também pela força estatal [43].

A quarta e última fase consiste no afastamento quase que total do emprego da justiça privada, passando a ser os conflitos resolvidos por funcionários estatais, não mais havendo um árbitro a ser escolhido pelos litigantes.

O direito romano conheceu, de certa forma, todas as quatro fases da evolução da tutela dos direitos. A primeira está representada pela pena de talião, em que predomina a vingança privada, estabelecida pela lei das XII tábuas [44].

A segunda fase, de certo modo, sempre existiu no direito romano, pois sempre foi permitida a autocomposição, por meio da escolha, pelos litigantes, de um árbitro.

Todavia, foi a terceira fase, a do arbitramento obrigatório, a que melhor caracterizou o direito romano. Vigora nesse período o ordo iudiciorum priuatorum. Nesse ordo, costumam-se individuar dois grandes sistemas processuais, o per legis actiones e o per formulas [45].

O processo per legis actiones, o mais antigo, é todo oral e caracteriza-se pela grande rigidez do formalismo a ser observado pelos litigantes. Tamanha é tal rigidez que Gaio refere ser possível um litigante perder a demanda por ter dito uites (videira), e não arbor (árbore), como deveria ter dito, conforme a lei, ainda que na questão se tratasse de videiras [46].

Esse sistema tornou-se odioso, porém, em razão da sua rigidez excessiva, como relata Gaio em suas Institutiones:

Mas todas essas ações da lei (legis actiones), paulatinamente, tornaram-se odiadas. Pois, pelo excessivo formalismo dos antigos que criaram essas normas, podia perder a demanda quem cometesse o menor erro. Essas legis actiones, então, foram abolidas pela lei Aebutia e por duas leis Júlias, passando-se a litigar por fórmulas [47] (tradução nossa).

Como se lê na passagem acima transcrita, com a Lex Aebutia, do século II a.C., aproximadamente, iniciou-se a transição do sistema das legis actiones para o formulário, ou per formulas [48]. Nesse sistema do processo romano, era criada uma fórmula pelo praetor, conforme a qual o iudex (árbitro) julgaria a lide. A fórmula torna o processo escrito e menos formalista, não mais havendo palavras imutáveis ou gestos rituais [49].

Tanto o sistema per legis actiones quanto o per formulas fazem parte, como predito, do ordo iudiciorum priuatorum, típico exemplo de arbitramento obrigatório, sendo-lhe característica a divisão da instância em duas etapas sucessivas. Uma, perante o pretor, chamada in iure (aqui significando perante o tribunal). Nessa fase, o pretor ouvia as partes e nomeava um cidadão como árbitro (iudex). Com essa indicação de um árbitro, passava-se à fase seguinte, a chamada apud iudicem, ou perante o iudex, que agora julgaria a lide, condenando ou absolvendo o réu.

A quarta e última fase do processo civil romano começou a estender seu campo de aplicação entre o fim do século II e o início do século III d.C. Seu início, porém, deu-se no final da idade de augusto (talvez antes, como afirma Pugliese [50]), quando era aplicada a casos específicos.

A cognitio extra ordinem, cujo nome se deve justamente por ser excepcional ao ordo iudiciorum priuatorum vigente à época de seu início, conviveu por vários séculos com o processo per formulas [51].

Na cognitio extraordinária deixa de existir a divisão da instância em duas fases, passando a administração da justiça a ser totalmente púbica. Deixa, portanto, de haver a figura do iudex, árbitro privado, em verdade um cidadão romano. Nas palavras de Danilo Knijnik, na extraordinaria cognitio, o juiz-cidadão é suplantado pelo juiz-funcionário [52].

Nesse momento histórico, delineia-se o processo como é hodiernamente conhecido, isto é, um processo em que predomina o caráter público da administração da justiça e a proibição da autotutela. Daqui, daremos um salto para o século XIX, visto que não há interesse, para o estudo de nosso objeto, a análise das vicissitudes vividas pelo processo durante o chamado direito intermédio.

Na segunda metade do século XIX, mais precisamente em 1868, Oskar Von Bülow lança a obra, intitulada teoria das exceções e dos pressupostos processuais, que forneceu os fundamentos iniciais para a independência dogmática do processo [53].

O elemento que vem a dar ao processo essa autonomia científica é justamente a idéia de uma relação jurídica processual diversa da relação jurídica material, que seria o objeto daquela.

Bülow procura demonstrar que o processo é uma relação jurídica dinâmica, de direito público e que se forma entre o estado e as partes. Conforme Bülow:

A relação jurídica processual se distingue das demais relações de direito por outra característica singular, que pode ter contribuído, em grande parte, ao desconhecimento de sua natureza de relação jurídica contínua. O processo é uma relação jurídica que avança gradualmente e que se desenvolve passo a passo [54].

No dizer de Ovídio Baptista, Bülow defronta processo como ciência e procedimento como praxismo anacrônico [55]. Seguindo, afirma o ilustre processualista gaúcho que:

O que interessa à nova ciência é o estudo da relação processual, enquanto tal, através do exame das condições que lhe determinam o nascimento e das regras sob as quais a relação jurídica de direito público desenvolve-se, independentemente dos conteúdos concretos e, muito especialmente, abstraindo das individualidades procedimentais, determinadas pelas exigências, porventura impostas pelo direito litigioso [56].

Nesse momento surge, então, a construção teórica da ação processual como dispositivo indispensável à formação da relação processual, considerada como uma categoria abstrata, porquanto atribuída indistintamente a todos os interessados, independentemente de terem o direito alegado no processo [57].

Entretanto, para que se possa entender com mais clareza os conceitos de ação de direito material e de ação de direito processual, abordaremos as duas juntamente no próximo item.


4 Ação de Direito Material e Ação de Direito Processual

O conceito de ação é sem dúvida um dos mais intrincados da ciência jurídica, tendo dado ensejo a inúmeras disputas entre aqueles que se aventuraram a conceituá-la.

Como afirmou Giovanni Pugliese na introdução que fez à tradução italiana da Polêmica sobre a actio de Windscheid e Muther, antes de Windscheid a doutrina se dava por satisfeita com a definição de Celso, segundo a qual nihil aliud est actio quam ius quod sibi debeatur iudicio persequendi. A possibilidade de uma divergência entre o que os romanos chamavam de actio e o que os modernos entendem por ação não se delineava, até então, de forma séria [58].

Tampouco, segue Pugliese, havia dúvida quanto ao sujeito passivo da actio; considerava-se óbvio identificá-lo com o adversário. Quanto à relação entre o direito subjetivo e a ação, aqui sim, havia divergência entre os que, como Savigny, consideravam a actio como um novo direito proveniente da lesão do direito primitivo e aqueles que, como Puchta, consideravam-na como um anexo do direito subjetivo [59].

Windscheid refere que à corrente que considerava a actio como um anexo do direito se contrapôs a que a considerava como o próprio direito em atuação ou em ação para fazer-se valer; aquela defendida por Puchta e esta por Böcking e Kierulff [60].

Entretanto, segue o célebre pandectista, essas teorias, embora eliminando alguns erros de idéias anteriores, não foram satisfatórias no definir a actio romana. Para Windscheid, "así como la actio no es el derecho a la tutela de otro derecho, nacido de la lesión de éste, tampoco es la facultad de requerir tutela para el derecho en caso de lesión" [61].

Assim, define ele, por fim, que "la actio es la facultad de imponer la propia voluntad mediante la persecución judicial" [62], aduzindo, a seguir, que "la actio está en lugar del derecho; no es una emanación de éste" [63].

Pugliese, referindo-se a essa definição de Windscheid, afirma que dela só se pode lamentar por sua indeterminação ou inexata determinação do objeto da "persecutio" judicial. Em suas palavras:

[...] egli definisce per la prima volta l’actio come ‘la facoltà di far valere la propria volontà mediante la persecuzione giudiziaria’, defiizione in cui è solo da lamentare, a nostro parere, l’indeterminatezza o l’inesatta determinazione dell’oggetto della ‘persecutio’ [...] [64].

A maior contribuição, todavia, da monografia de Windscheid [65] foi a de demonstrar que o conceito de actio romano era estranho ao direito moderno e não coincidia, em absoluto, com o conceito de ação (Klagerecht) [66]. Identificou ele na actio romana o equivalente ao moderno conceito de pretensão (Anspruch) e a delineou, pela primeira vez, de forma clara, como distinta da ação em sentido processual e, por outro lado, como não-identificável com o direito subjetivo, do qual seria uma emanação [67].

Dessarte, como assevera Pugliese:

"[...] no es exagerado decir que la misma figura de la acción abstracta, dibujada primeramente por Degenkolb y por Plósz y concebida después de manera diversa por los estudiosos del proceso hasta estos últimos tiempos, es una consecuencia lógica del planteamiento de Windscheid." [68]

No entanto, na monografia de Windscheid, encontram-se importantes contradições, sendo a principal delas a de definir a actio ora como pretensão (Anspruch), ora como o poder de ‘fazer valer’ a pretensão em juízo.

Como afirmou Pugliese:

Il Windscheid ha palesemente davanti a sè due concetti, quello del potere di agire in giudizio per la esecuzione di um Anspruch e quello dell’Anspruch, inteso come diritto di pretendere da altri um certo comportamento. [69]

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Não é possível, no dizer de Pugliese, contemperar essas duas situações jurídicas, pois pertencem dogmaticamente a campos diversos, sendo a pretensão voltada para a vontade do sujeito passivo cujo comportamento constitui seu objeto, enquanto a outra proposição considera a actio como o poder de operar a tutela jurisdicional, prescindindo da vontade do sujeito passivo e tendo por fim a atuação de uma determinada sanção. Assim, em suas palavras:

Ma un simile contemperamento non è concepibile, perchè le due situazioni giuridiche appartengono dogmaticamente a due campi diversi: l’uno, l’Anspruch, del cui concetto ora non si discute l’ammissibilità, si rivolge alla volontà del subietto passivo ed ha per oggetto un suo contegno, l’altra, il potere di far operare la tutela giudiziaria, prescinde da quella volontà ed ha per oggetto l’attuazione di una determinata sanzione. [70]

A confusão só fez aumentar quando August Thon [71] afirmou que "o direito subjetivo corresponderia à tutela outorgada a seu titular, como se o direito fosse a tutela e não a situação existencial que a justifica" [72], como assevera Ovídio Baptista.

Giovanni Pugliese, referindo-se a essa conceituação de direito subjetivo, afirma que o conceito, segundo o qual o direito seria em substância um poder reconhecido ao privado para a tutela de um interesse seu, "se accolto, condurrebbe logicamente a negare la distinzione tra diritto subiettivo e azione e a vedere assorbito quello in questa" [73].

Quando Liebman, ao definir a teoria civilista da ação, afirma que "por muchos siglos [...], la acción era considerada nada más que um aspecto del mismo derecho subjetivo privado, que la parte actora afirmaba pertenecerla" [74], resulta-nos clara a confusão criada por diversas doutrinas que tentaram definir o conceito de ação.

A confusão começa com a chamada teoria civilista da ação, defendida por grandes juristas do século XVIII e XIX, como Savigny e Pothier, para a qual a ação não passava de um aspecto do próprio direito subjetivo, um meio técnico para exercê-lo em juízo. Como assevera Liebman, "[…] no había un concepto propio, autónomo de la acción. Acción y derecho subjetivo aparecían una sola unidad" [75].

Liebman segue e afirma que, para a teoria civilista, a ação parece ser nada mais que o próprio direito quando entra em guerra a combater por sua própria existência. Ela não seria nada além do direito subjetivo em um aspecto novo que toma com a resistência à sua satisfação. Para o processualista italiano:

La acción no parece nada más que el mismo derecho subjetivo que la parte afirma pertenecerle, cuando entra en guerra, se pode el casco, empuña la espada y disciende al terreno a combatir por su propia existencia. No sería, pues, nada de distinto al derecho subjetivo, sino el mismo derecho subjetivo en un aspecto nuevo que toma al encontrarse no satisfecho y al querer obtener satisfacción por medio del proceso [76].

Contudo, quando reconhecemos, como com razão afirma Liebman, "que la jurisdicción es una actividad que persigue un distinto interés del simple interés de ayudar a las partes, un interés público que tiene el estado de ver actuando […] el orden jurídico" [77], vemos ser insuficiente e confusa essa conceituação.

Diante disso, outras teorias sobrevieram e contestaram-na, afirmando a autonomia da ação, ao verificarem que casos ocorriam em que ao final se constatava não haver direito, mas houvera uma movimentação da máquina estatal, que se chamava ação. Assim, concluindo que "la acción no puede ser simplemente el mismo derecho subjetivo en un aspecto especial" [78], formularam-se teorias defendendo a autonomia da ação frente ao direito subjetivo.

Um argumento para essa autonomia, afirma Liebman, é a diferença de conteúdo do direito subjetivo e da ação. Aquele "tiende a un comportamiento determinado de otra persona. La acción, en cambio, tiene por fin obtener un determinado efecto frente a esta misma parte, pero por intermedio de la actividad de un órgano público" [79].

Já aqui podemos ver claramente a confusão posta, pois se está a separar a ação do direito subjetivo, colocando este no campo do direito substancial, material, e aquela, no campo do direito processual, instrumental, sem, contudo, desvinculá-la do seu caráter substancial: nisso reside a confusão.

Wach inaugura a doutrina da ação como direito à tutela jurídica. Para ele, a jurisdição tem o fim de defender os direitos subjetivos por meio da atividade dos órgãos estatais. À parte que tenha um direito insatisfeito nasceria um novo direito contra o Estado [80] de obter o que lhe seria devido caso o obrigado tivesse cumprido o seu dever. [81]

A teoria de Wach é conhecida como concretista, pois, por não se ter apercebido da dualidade de ações (uma de direito material e outra processual), equivocadamente sustentou que apenas teria ação a parte que ao final efetivamente tivesse razão.

O mérito de sua teoria está na distinção entre ação e direito subjetivo, além de ter posto em evidência o caráter público da ação (que mais tarde chamaríamos de ação processual), e por conseguinte, do processo. Como comenta Liebman:

La dirección de la acción, contra el Estado, destaca cabalmente la distinción, la diferencia, entre el derecho subjetivo y la acción. El derecho subjetivo particular lo tiene la parte contra el adversario; la acción, según esta teoría, pertenece a la parte contra el Estado. Desde muchos siglos el Estado ha prohibido la defensa privada de los derechos, y ofrece, en cambio, la actividad de sus órganos para tutelar los derechos de los ciudadanos. [82]

A teoria civilista, embora sem distinguir claramente e com alguns equívocos, oferece, em verdade, um conceito de ação de direito material. Já a doutrina de Wach oferece os elementos para a formação de um conceito de ação processual, o que veio a ser aperfeiçoado pela teoria que Degenkolb e outros, posteriormente, lançam, segundo a qual, a ação é pública e dirigida contra o Estado, sendo, todavia, abstrata, isto é, independente de ser ou não o autor titular do direito subjetivo em questão.

Contudo, é a seguinte frase de Pugliese que resume a definição de ação de direito material, pois nela vemos claramente que, em origem, a ação era a própria realização da invasão na esfera do devedor, feita pelo credor. Nas palavras do preclaro romanista:

In origine l’agere era proprio il compimento di quell’atto di aggressione del debitore, che si doveva poi venire a configurare come sanzione dell’obbligo di prestare [83].

Como vimos em item anterior, a pretensão é a possibilidade de exigir que o devedor cumpra a obrigação (lato sensu). Assim, resta evidente que com o exercício da pretensão, a realização da obrigação, isto é, o seu cumprimento, depende de um agir voluntário (e não espontâneo, pois se assim fosse não seria mister o exercício da pretensão, ou seja, do exigir) do devedor.

É, porém — nas palavras de Ovídio Baptista da Silva —, quando o titular da pretensão exige do obrigado a satisfação e tal exigência se torna infrutífera, por deixar o sujeito passivo de cumprir o dever jurídico, que nasce ao titular da pretensão a ação de direito material [84]. Esta, segue ele, "é o agir – não mais o simples exigir – por meio do qual o titular do direito realiza-lo-á por seus próprios meios, ou seja, independentemente da vontade ou de qualquer conduta positiva ou negativa voluntária do obrigado" [85].

No momento em que o obrigado (lato sensu) se recusa a satisfazer a obrigação (também lato sensu), nasce a ação de direito material, quando passa o titular do direito subjetivo "a poder agir para a satisfação, sem contar mais com a ação voluntária do obrigado". Concluindo, Ovídio Baptista da Silva, define que "a ação de direito material é, pois, o exercício do próprio direito por ato de seu titular, independentemente de qualquer atividade voluntária do obrigado" [86].

Entretanto, como bem diz Luiz Guilherme Marinoni, o exercício da ação de direito material, que se encontra no campo do direito substancial e não processual, foi proibido pelo Estado:

Como foi proibida a autotutela, e o Estado tem o dever de conferir ao cidadão o mesmo resultado que se verificaria caso o agir privado (a ação de direito material) não estivesse proibido, é adequado e politicamente generoso o estudo do direito de ação como o direito à invocação do poder do Estado para que este realize a ação de direito material que ele mesmo proibiu, utilizando-se dos instrumentos processuais que devem estar adequadamente preordenados para atender ao direito material [87] (grifo nosso).

Em contrapartida, o Estado tomou a si o exercício e administração da justiça. Como diz Liebman, "el Estado assume como funcción propia la jurisdicción" [88] e como "no hay jurisdicción sin acción" [89], deve a parte requerer a atuação estatal para a realização do direito que, não atendido pelo devedor (lato sensu), está ele proibido de realizar por si mesmo.

O meio que o Estado põe à disposição dos jurisdicionados é a ação, esta, porém, como o Estado não tem a obrigação de prestar uma sentença de procedência, como sustenta Liebman [90], é abstrata, quer dizer, é concedida indiferentemente a qualquer jurisdicionado, pois apenas ao final da prestação jurisdicional, o que se dá com ao exercício da ação processual, é que se verificará se a parte realmente é titular do direito que alega. Ela é, ademais, dirigida contra o Estado, e não contra o adversário, evidenciando, assim, o seu caráter público.

Assim, a ação processual é o motor da jurisdição [91], é por meio dela que se move a máquina Estatal responsável por buscar a realização, por meio de provimentos e técnicas próprias, do resultado equivalente ao que teria o titular do direito violado caso realizado voluntariamente pelo devedor.

A ação de direito material, por sua vez, é o elemento que dará suporte ao provimento que busque o resultado equivalente ao cumprimento do direito. Suporte porque, em verdade, o que o juiz verifica, as mais das vezes, é se se faz presente a ação de direito material, e não o direito, pois o direito subjetivo em si pode estar desprovido de pretensão, isto é, não ser ainda ou não ser mais exigível (pretensão) e, mesmo que exigível seja, se não houve resistência à pretensão (o que faz nascer a ação de direito material), não fará jus o jurisdicionado ao provimento equivalente à realização do direito por falta de interesse (necessidade de recorrer ao Estado, pois o direito, nas palavras de Pontes de Miranda, com o direito subjetivo realiza-se a política de se deixar aos indivíduos o cuidar dos direitos que têm, dos bens que lhes tocam [92]).

Casos há em que o que se verifica para a prestação jurisdicional não é a presença da ação de direito material, mas, sim, busca-se o exercício da pretensão em juízo. Assim, apenas excepcionalmente haverá prestação jurisdicional sem que se verifique a existência da ação de direito material, sendo esta, portanto, o elemento material que justifica o provimento jurisdicional cujo resultado seja equivalente à realização, não do direito subjetivo, mas da ação de direito material.

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Sobre o autor
Eduardo Cunha da Costa

Bacharel em Direito, com Láurea Acadêmica, pela UFRGS, onde também cursou Mestrado em Direito Processual. Professor e Palestrante convidado em Cursos de Extensão e Pós-Graduação. Diretor Acadêmico da Escola Superior de Advocacia Pública. Membro do Conselho Editorial da Revista da PGE-RS. Procurador do Estado do Rio Grande do Sul.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

COSTA, Eduardo Cunha. Da ação monitória embasada em cheque prescrito. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2781, 11 fev. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/18446. Acesso em: 28 mar. 2024.

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