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Remuneração de membros da diretoria nas sociedades anônimas.

Aspectos societários e tributários

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20/05/2011 às 14:15
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7.Stock Options

A opção de compras de ações foi ferramenta muito utilizada no passado, mas que, pela implicação societária e nenhuma vantagem tributária, diante das novas políticas de remuneração propostas, hoje em dia não é praticamente utilizada.

Prevista no artigo 168, § 7º da lei 6.404/76, diferentemente do que muitos pensam equivocadamente, as ações que figuram na opção de compra não são ações negociáveis em Bolsa ou em mercado de balcão, mas instrumentos meramente remuneratórios a administradores, empregados ou pessoas que prestem serviço à companhia.

Muito mais do que na temática do Mercado de Capitais, a questão parece se situar no âmbito do Direito das Obrigações, tendo em vista que a opção de compra de ações constitui-se em negócio jurídico que dá ao beneficiário direito de adquirir novas ações emitidas em razão de futuro aumento de capital, autorizado e dentro do plano da assembléia-geral.

A descaracterização destes títulos como valores mobiliários está no fato de serem personalíssimos e não negociáveis em mercado, o que não significaria qualquer aporte de recursos para a companhia.

A doutrina discute se a opção se caracterizaria como contrato preliminar, ensejando execução específica ou obrigação de fazer, resolvendo-se o descumprimento em perdas e danos.

De qualquer forma que analisemos a questão, verificamos que, do ponto de vista da empresa, tal forma de remuneração não possui qualquer vantagem, tendo em vista que a opção pela compra modificará o quadro societário, além de não significar qualquer dedução em qualquer das escalas da apuração do lucro real.

O contrato se aperfeiçoa com a efetiva compra das ações e, a partir deste momento, o beneficiário passará a acionista, recebendo seu dividendo do lucro líquido apurado após a aplicação das alíquotas de Imposto de Renda e Contribuição Social sobre o Lucro Líquido.

Para o administrador os lucros e dividendos pagos ou creditados pelas pessoas jurídicas tributadas com base no lucro real, presumido ou arbitrado, não ficarão sujeitos à incidência do imposto de renda na fonte, nem integrarão a base de cálculo do imposto de renda do beneficiário pessoa física ou jurídica, domiciliada no país ou no exterior. 


8.Debêntures com Participação nos Lucros

As debêntures, espécie de valor mobiliário, são títulos representativos de investimentos, até por que, pela própria dinâmica do Mercado de Capitais, o lançamento de títulos para negociação no mercado, pressupõe captação de recursos, neste caso, com direito de crédito a médio ou longo prazo.

Retomando as indicações sobre a teoria da agência, é importante termos em mente que a remuneração do diretor por meio de valores mobiliários implica a máxima de que a rentabilidade está condicionada ao sucesso do empreendimento, significando, necessariamente, um capital que corre risco.

Estes valores mobiliários podem ser emitidos por companhias abertas ou fechadas e, neste caso, com o fim específico de remuneração. Desta forma, o debenturista, diretor, será considerado credor da sociedade.

É importante destacar que aqui tratamos unicamente das debêntures com participação nos lucros, ou seja, a companhia emite os papéis, com autorização da assembléia geral (artigo 56 da lei 6404/76), possuindo o debenturista um crédito contra a companhia e sendo remunerado em função do lucro apurado pela companhia emissora.

Desta forma, além de ter direito de resgate a longo prazo do crédito que representa a debênture, o diretor terá, em cada exercício, a remuneração de acordo com o lucro líquido da companhia, e dele subtraída.

As debêntures são dívidas e, por isso, são registradas no exigível a longo prazo ou no passivo circulante, dependendo do prazo de vencimento e, portanto, serão computadas na composição do patrimônio líquido.

A emissão de debêntures não significa qualquer mudança nos quadros societários da companhia, desde que não emitidas com a opção de conversão em ações.

Estes valores mobiliários parecem ser a melhor opção de remuneração de diretores, tendo em vista atender a exigência por boas normas de governança corporativa, divisão de riscos, vantagem tributária e inalterabilidade do quadro acionário.


9.Partes Beneficiárias

As partes beneficiárias são valores mobiliários de emissão privativa das companhias fechadas que, historicamente, eram já utilizadas para remuneração de serviços prestados para a companhia (parts de fondateur) na construção do Canal de Suez.

Diferentemente das debêntures que dão um crédito certo para a companhia, isto é, o debenturista tem direito ao crédito representado pelo título, as partes beneficiárias dão direito ao detentor de crédito eventual contra a companhia, configurado em determinado percentual de participação na divisão anual do lucro líquido.

É certo levantar a discussão pela qual as partes beneficiárias não seriam valores mobiliários e sim títulos de crédito causais, que dariam direito de remuneração eventual ao diretor, caso a companhia experimentasse lucros líquidos.

Na cadeia tributária, o valor pago será descontado diretamente do lucro líquido, sem que integre o passivo, pois não possuem, como as debêntures, o direito de resgate.

Não há mudança no quadro societário da companhia.


10.A full disclosure e as práticas de insider trading

A remuneração de administradores por parcelas variáveis que, conforme pregamos aqui, significa incentivo ao diretor, pela divisão dos riscos, que geraria um interesse maior no sucesso do negócio e conseqüente aumento dos investimentos, pode trazer à companhia problemas reputados na prática de insider trading.

O insider trading pode ser definido como a utilização de informações privilegiadas e desconhecidas do mercado, por pessoa ligada à companhia emissora com o intuito de vantagem.

Nelson Eizirik cuidou de aplicar a regra teórica à realidade do mercado de capitais explanando que "o insider compra ou vende no mercado a preços que ainda não estão refletindo o impacto de determinadas informações sobre a companhia, que são de seu conhecimento exclusivo". (EIZIRIK, 1983, p.42)

José Marcelo Martins Proença atribui, no Brasil, à Lei das Sociedades Anônimas (6.404/76) a regulamentação e punição mais austera do insider trading, em seus artigos 155 e 157. (PROENÇA, 2005, P.276)

Porém, foi apenas em 2001, por meio da Lei 10.303, que introduziu o artigo 27D á Lei 6385/76, que o crime foi tipificado no capítulo VII-B, na seção de crimes contra o mercado de capitais.

A CVM já se manifestou que, para a configuração da conduta delituosa e fraudulenta, não é necessária a obtenção de lucro, bastando, como bem salientou Eli Loria ao julgar o processo sancionador CVM SP2005/0155, in verbis, "a negociação em indevida posição de desequilíbrio em face dos demais participantes da operação".

O insider trading foi vedado no Brasil pela lei 10.303/01, que introduziu o parágrafo 4° ao artigo 155 da Lei das Sociedades Anônimas, dirigindo-se a proibição de utilização de informação relevante a "qualquer pessoa que a ela tenha tido acesso, com a finalidade de auferir vantagem, para si ou para outrem, no mercado de valores mobiliários".

Nelson Eizirik, a respeito deste alargamento do conceito, entende que, para a configuração da conduta "deve haver um nexo profissional entre o vazamento de informações e os terceiros, para que possam ser enquadrados na norma". (EIZIRIK, 2008, p.533)

Alfredo Sérgio Lazzareschi Neto compartilha desta opinião, defendendo que não se pune o conhecimento eventual da informação, ou seja, aquele que não provém do exercício de profissão junto à sociedade, punindo-se, neste caso, apenas o administrador divulgador da informação (LAZZARESCHI NETTO, 2008, p.146).

Seguindo a tendência americana que, desde a década de 30, já vinha tentando combater a figura do insider trading, o legislador brasileiro, por meio da Lei 6.385/74, expressou o princípio da transparência e ampla divulgação de informações no mercado de capitais, conferindo à CVM a função de assegurar o acesso a informações relevantes a todos os investidores.

Este princípio, em consentimento à garantia de igualdade pregada pelos mercados, significa a proteção ao investidor que, de posse das informações relevantes para aquele investimento pretendido, conheceria os riscos dele decorrentes.

Buscando a equalização do acesso à informação, determinando-se que toda informação essencial deve ser divulgada imediatamente ao mercado, tenciona-se garantir a confiabilidade dos investidores no mercado e sua eficiência.

Desta forma, podemos até mesmo dizer que o acesso às informações no mercado de capitais estimula o investimento ao facilitar a tomada de decisões, além de, garantir a justa formação de preços.

Sob o ponto de vista econômico, a ampla divulgação de informações relevantes ao mercado é figura imperativa, tendo em vista que a tendência em um mercado não norteado pelo princípio da transparência é seu perecimento e migração dos investidores para mercados mais confiáveis, e com maior retorno de investimento.

Nelson Eizirik promoveu a análise econômica do integral cumprimento do princípio, concluindo que, com a igualdade de informações entre investidores, a cotação dos valores mobiliários refletirá a realidade, além de permitir que o investimento só ocorra em papéis de companhias rentáveis e produtivas (EIZIRIK, 1987, 123).

Roberto Quiroga Mosquera também prega o direito de igualdade de informações entre os agentes do mercado, destacando o princípio da transparência como um dos fundamentais no mercado financeiro e de capitais (MOSQUERA,1999, P. 270).

Para José Marcelo Martins Proença, a igualdade de conhecimento entre os agentes do mercado, garante a segurança e a estabilidade das relações. (PROENÇA, 2005, p.123)

Calixto Salomão Filho correlaciona a transparência a um dever de lealdade, só alcançado com a igualdade de oportunidades obtida por meio da difusão do conhecimento entre os indivíduos. (SALOMÃO FILHO, 2001, p.15)

Este dever de informação, segundo os defensores da punição ao uso de informações privilegiadas, estaria diretamente ligado ao risco existente no mercado de capitais, sendo que, um desequilíbrio nas informações proporcionaria ao detentor de informação privilegiada o poder de direcionar seus investimentos a operações de menos risco.

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Não obstante as regras punitivas já existentes sobre o assunto, os repressores do insider trading são unânimes em afirmar que o país ainda possui muito a aperfeiçoar tendo em vista o elevado número de processos constantes na CVM sobre este tema.

Reconhecem, outrossim, que o Brasil ainda não está dotado das ferramentas para diminuir a incidência da conduta, lembrando que demoramos longos 43 anos para incorporar ao mercado o indispensável princípio, o que é inaceitável em um mundo globalizado.

As falhas na divulgação de informações e o desconhecimento sobre sua relevância, talvez, sejam responsáveis pela constante observância da conduta delituosa, devendo o legislador e as empresas impedir que os indivíduos negociem com as informações privilegiadas, atribuindo-se papel importante a esta última.


11.

Formas de Diminuição do Risco

Mesmo os defensores da regulação do insider trading são quase unânimes em reconhecer que o Brasil ou o mundo não possuem, ainda, ferramentas eficazes para a erradicação da conduta.

Este problema se agrava no mundo de hoje em que enfrentamos a globalização e desenvolvimento tecnológico acentuado.

Linda Chatman, diretora da SEC, demonstra que os casos de insider trading significam 12% de todos os casos julgados pela comissão, 50 por ano, somando penalidades de U$ 150 milhões anuais (CHATMAN, 2008).

A diminuição destes números, dizem os especialistas, só pode ser alcançada por uma interação entre órgãos fiscalizadores, que devem desenvolver mais instrumento de supervisão das companhias e as empresas pelo desenvolvimento de políticas severas de garantia do cumprimento do disclosure.

O Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC) já se pronunciou no sentido de que o mercado acionário brasileiro ainda não possui a expressividade que poderia representar em termos de financiamento da produção e incentivo a novos investimentos. A falta de transparência na gestão e a ausência de instrumentos adequados de supervisão das companhias são apontadas como principais causas desse cenário. Trata-se de um ambiente que facilita a multiplicação de riscos.

O Professor Luis Gastão Paes de Barros Leães, antes mesmo das modificações introduzidas pela lei 10.303/01 já antevia este cenário, ipsis litteris (LEÃES,1982, p.172):

o princípio do disclosure não se esgota apenas com a prestação de informações: é preciso que paralelamente medidas sejam tomadas para que todos os investidores potenciais tenham, ao mesmo tempo, acesso à novas informações, impedindo-se assim que os administradores, altos empregados e acionistas controladores, utilizem-se em proveito próprio de formações colhidas em primeira mão por força da posição que ocupam. A repressão ao insider trading é, destarte corolário natural da adoção do princípio do disclosure na regulação do mercado de valores. (LEÃES, 1982, p.172)

Marcelo Trindade, ex-presidente da CVM, em julgamento de processo administrativo sancionador, propôs, para a efetividade do princípio da transparência, a adoção, pelas companhias, de políticas de chinese wall, blindando as informações, de modo a evitar ao máximo a prática do insider trading, sugerindo até, em certos casos, a proibição de negociar, ad litteram:

Um dos pontos jurídicos importantes deste processo é a adequação e o cumprimento das políticas de chinese wall. Os mecanismos de chinese wall são criados, exatamente, porque coincidências acontecem. Esta é sua razão de existir: a coincidência. Entretanto, os órgãos reguladores do mundo inteiro não podem acreditar na casualidade das coincidências, e, por isto, criaram mecanismos para prevenirem-se contra a ocorrência de coincidências, de forma a restringir ao máximo as possibilidades de construções e defesas ensaiadas a posteriori, de acordo com as conveniências de cada um. Em outras palavras: para que não se tome por coincidência o que é intencional, e vice versa, os reguladores vêm insistindo na adoção prévia de procedimentos de alerta ou, dependendo do caso, de proibição, que, se completos e efetivos, têm a função de sinalizar e evitar a ocorrência de determinados eventos, pouco importando se são, ou não, resultado do acaso. (...) Chinese wall não significa, apenas, uma restrição ao fluxo de informação dentro da empresa, ou, ainda uma limitação à atuação da empresa com determinados papéis. Muitas vezes, dependendo da sensibilidade da informação e da gravidade do conflito de interesse, o chinese wall adequado equivalerá à proibição de negociar.

Norma Parente, porém, adverte, no julgamento do processo sancionador CVM 06/2003, que a vinculação do indivíduo à companhia não impede, necessariamente, a negociação de títulos desta empresa, devendo-se evitar, contudo, a contaminação do negócio pelo uso da informação privilegiada por aqueles que tenham conhecimento desta.

A relatora, ainda, aponta a possibilidade de que o indivíduo conhecedor do dado relevante revele-o, desde que não ponha em risco o interesse da companhia, para a observância da igualdade de informações.

Os defensores da regulação, ademais, citam a necessidade da adoção pelas companhias de normas eficazes de governança corporativa, pois, como bem observa Norma Parente, companhias com um sistema de governança que proteja todos os seus investidores tendem a ser mais valorizadas, tendo em vista que investidores reconhecem que o retorno dos investimentos será usufruído igualmente por todos (PARENTE, 2002).

A governança corporativa pode ser comparada a um tipo de sinalização, uma vez que esta prática indica aos investidores que a empresa implementará (BORGES e SERRÃO, 2005, p. 113):

um conjunto de práticas que tem por finalidade otimizar o desempenho de uma companhia ao proteger todas as partes interessadas, tais como investidores, empregados e credores, facilitando o acesso ao capital.

Assim, a regulação estatal deve ser seguida de uma resposta da Companhia para eliminação das vantagens do insider trading, devendo diminuir os benefícios de descumprir a lei, além de melhorar a forma de transparência das informações e as formas de detecção da conduta (BRIS, 2000).

Adotar tais práticas significaria, inclusive, o encorajamento do capital estrangeiro, tendo em vista que os investidores, acostumados com tais políticas em seus países, condicionam a inversão de recurso à existência da mesma governança.

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Sobre a autora
Gabriela Di Pillo de Paula

Advogada. Especializada em Direito Empresarial/ Societário pela FGV.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PAULA, Gabriela Di Pillo. Remuneração de membros da diretoria nas sociedades anônimas.: Aspectos societários e tributários. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2879, 20 mai. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/19154. Acesso em: 26 abr. 2024.

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