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Da atuação do delegado de polícia civil frente às alterações da Lei nº 12.403/11 no Código de Processo Penal.

Um estudo breve, analítico e crítico

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26/07/2011 às 08:23
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DA PRISÃO EM FLAGRANTE E DA PRISÃO PREVENTIVA

A prisão em flagrante foi transformada numa espécie de prisão pré-cautelar ou subcautelar (importante é o registro de que há, entretanto, abalizada posição em sentido contrário, a sustentar que a prisão em flagrante continua a ser uma espécie de prisão provisória, como é o caso do pensamento de MARTINS, Charles Emil Machado. Crimes inafiançáveis: uma interpretação da Lei nº 12.403/11 à luz da jurisprudência do STF. Jus Navigandi, Teresina, ano 16, n. 2926, 6 jul. 2011. Disponível em:<http://jus.com.br/revista/texto/19476>. Acesso em: 11 jul. 2011.).

Segundo o art. 310, CPP, a prisão em flagrante é efêmera, pois dura somente 24 horas, tempo necessário para ser comunicada ao juiz (fundamento constitucional: art. 5º, LXII) e por este ser: a) Relaxada, se entendê-la ilegal (fundamento constitucional: art. 5º, LXV); b) Convertida em prisão preventiva (fundamento constitucional: art. 5º, LXI); c) Ter cessados seus efeitos em face da concessão de liberdade provisória, com ou sem fiança ou outra medida cautelar (fundamento constitucional: art. 5º, LXVI) e d) Ser convertida em prisão domiciliar, quando, apesar de cabível a conversão em prisão preventiva, o indiciado preencher os requisitos do art. 318, CP.

A prisão em flagrante no curso do processo penal desapareceu.

Para os delegados

, temos a dizer que além de dever justificar o uso das algemas (nos termos da súmula vinculante nº 11, do STF, se for o caso), deve-se também comunicar os direitos constitucionais do preso (art. 5º, incisos LXII a LXIV) quando da lavratura do auto de prisão em flagrante e, em 24 horas, fornecer-lhe a nota de culpa, assinada pela autoridade, com o motivo da prisão, o nome do condutor e os das testemunhas, remetendo cópia integral dos autos à Defensoria Pública, caso o autuado não informe o nome de seu advogado. Além disso, deve a autoridade policial imediatamente após a prisão promover sua comunicação à família ou pessoa indicada pelo preso, ao juiz e, agora, ao Ministério Público também (Art. 306, CPP).

Ressaltamos que, agora, dada a nova configuração de prisão pré-cautelar que a prisão em flagrante assumiu, as prisões processuais ou provisórias são, unicamente, a prisão temporária (Lei 7.960/89), a prisão preventiva (Art. 311 e seguintes, CPP) e a prisão domiciliar (Arts. 317 e 318, CPP).

E hodiernamente, com a prisão preventiva como extrema ratio da ultima ratio (na expressão feliz de Luiz Flávio Gomes) e impossibilitado que está o magistrado de decretar a prisão preventiva antes do início da ação penal (redação atual do art. 311, CPP), parece-nos lógico, prudente e correto que o delegado represente fundamentadamente pela decretação da prisão preventiva, temporária ou pela imposição da medida cautelar que entender necessária tão logo comunique a prisão em flagrante ao juiz.

Para isso, os delegados, os membros do Ministério Público e agora também os querelantes e assistentes de acusação deverão seguir a nova sistemática trazida pela lei das prisões.

Atualmente, deve-se demonstrar: 1) Que estão presentes os pressupostos ensejadores da segregação ante tempus, que são os indícios suficientes de autoria e prova da existência do crime (Art. 312, caput, CPP); 2) Que as medidas cautelares são ineficazes, pois se revelam inadequadas e insuficientes ao caso em tela (Art. 282, CPP); 3) Que está presente pelo menos um dos fundamentos da prisão preventiva, quais sejam: a garantia da ordem pública, a garantia da ordem econômica, a conveniência (imprescindibilidade) da instrução criminal, a segurança quanto à futura aplicação da lei penal ou, agora, também o descumprimento de qualquer das obrigações impostas por força de outras medidas cautelares outrora aplicadas (Art. 312, caput, e c/c parágrafo único, CPP); 4) Que a prisão preventiva está justificada por uma das suas hipóteses de admissibilidade: crimes dolosos punidos com pena privativa de liberdade máxima superior a 4 (quatro) anos; condenação por outro crime doloso, em sentença transitada em julgado, exceto se entre o cumprimento ou extinção da pena e a prática de novo crime houver passado tempo superior a cinco anos; se o crime envolver violência doméstica e familiar contra a mulher, criança, adolescente, idoso, enfermo ou pessoa com deficiência, para garantir a execução das medidas protetivas de urgência e quando houver dúvida sobre a identidade civil da pessoa ou quando esta não fornecer elementos suficientes para esclarecê-la (Arts. 312 e 313, CPP)

Na última hipótese de admissibilidade, esclarecida a identidade do preso, deve este ser colocado em liberdade imediatamente, salvo se por outro motivo deva continuar custodiado (Parágrafo único, do art. 313, CPP). Pode ser que o preso esteja recolhido na delegacia, situação na qual é dever do delegado informar ao juízo para que este providencie a libertação.

Os fundamentos da prisão preventiva devem ser demonstrados idoneamente, é dizer, calcados em fatos concretos, não se podendo substituir o empirismo da motivação fática pelos termos exatos da lei. Por exemplo, não basta dizer que a prisão preventiva deve ser decretada para garantia da ordem pública, há que se explicar porque se acredita que o indiciado, mantido solto, possui alta probabilidade de voltar a delinquir.

Importante dizer que concordamos com a posição esposada por Rogério SANCHES no que tange à decretação da preventiva no caso de descumprimento de medida cautelar. Diz o promotor de justiça fluminense que, sob este fundamento, é necessário que se verifique de antemão a existência das hipóteses de admissibilidade do art. 313, CPP. Convém deixar claro, se, por exemplo, uma pessoa é submetida a uma medida cautelar por um homicídio culposo, não pode, mesmo que descumprida aquela obrigação, vir a ser presa preventivamente, em face da não realização do inciso I, do art. 313, CPP. Citando Eugênio Pacceli, SANCHES afirma que por mais que sob essa nova configuração o liberto cumpra a medida cautelar "se quiser", infelizmente a falha legislativa não pode servir de supedâneo à prisão preventiva, que agora é excepcional (4).

Sobre essa situação, temos a dizer que acreditamos que a própria lei já baste para solucionar o impasse: o juiz pode substituir ou cumular as medidas cautelares. Não cabendo ao delegado, nesta apertada hipótese, representar pela preventiva em face da não realização dos ditames do art. 313, CPP.

Observa-se que havendo reincidência ou em se tratando de caso de violência doméstica, a prisão preventiva é sempre possível, independente da quantidade da pena (ou seja, a despeito do comando do inciso I e em respeito aos incisos II e III do art. 313, CPP), por quaisquer dos fundamentos do modificado art. 312, CPP. Nos demais casos, a baliza é o quantum da pena máxima fixada in abstracto para a infração penal. Se for não superior a quatro anos (inclusive), não cabe a prisão preventiva. Se exceder quatro anos, é possível (mas não é automática nem obrigatória) a decretação da custódia cautelar.

A faixa de pena superior a quatro anos para permitir a imposição da prisão preventiva não foi escolhida de forma aleatória pelo legislador. Até quatro anos, o regime penitenciário pode ser o aberto (art. 33 letra "c", CP), isso se não for cabível a substituição da pena privativa de liberdade por penas alternativas (são as restritivas de direitos do art. 43, CP).

Segundo a opinião de SANCHES e, ao que parece, também do legislador, ocorreu uma democratização das medidas protetivas de urgência, haja vista que agora cabe a prisão preventiva com espeque na sua necessidade para garantir a execução das referidas medidas, e não só para a mulher, mas também para a criança, o adolescente, o idoso, o enfermo e a pessoa deficiente (4). Logo se vê que a reforma abriu espaço para que o homem também seja sujeito de direitos no que se refere às medidas protetivas de urgência, o que, até em respeito ao princípio da igualdade (art. 5º, caput, e inciso I, CF), já vinha acontecendo na jurisprudência (5).

Neste sentido, veja-se o escólio do sempre percuciente Luiz Flávio GOMES (6):

Aplicação analógica das medidas protetivas da lei Maria da Penha em favor do homem: 

as medidas protetivas desta lei poderiam ser aplicadas analogicamente em favor de outras pessoas? Desde que se constate alguma analogia fática, sim. Por exemplo: violência doméstica contra o homem. Nesse caso, constatada que a violência está sendo utilizada pela mulher como uma forma de imposição, não há dúvida que todas as medidas protetivas da Lei 11.340/2006 podem favorecer o homem, impondo-se a analogia in bonam partem (TJMG, Apel. Crim. 1.0672.07.249317-0, rel. Judimar Biber, j. 06.11.07). Nesse mesmo sentido, decisão do juiz Mário R. Kono de Oliveira (Cuiabá-MT), que sublinhou: o homem que, em lugar de usar violência, busca a tutela judicial para sua situação de ameaça ou de violência praticada por mulher, merece atenção do Poder Judiciário.

Assim, nada obsta que, no atendimento policial a qualquer dessas pessoas, o delegado represente tanto pela prisão preventiva com base nessa hipótese quanto remeta o expediente acerca das próprias medidas protetivas, nos termos do art. 12, III, da Lei 11.340/06, em relação aos seus agora amplos beneficiários.

É oportuno dizer que a prisão preventiva, nos casos de violência doméstica, em nossa opinião, permanece possível de ser decretada de ofício durante a fase do inquérito policial. Isso em face do princípio da especialidade da Lei Maria da Penha, dos crescentes índices estatísticos de violência de gênero, bem como o escopo finalístico da Lei: a proteção dos direitos humanos da mulher (art. 3º da Lei 11.340/06).

Toda decisão que decreta, denega ou substitui a prisão preventiva será devidamente fundamentada (art. 315, CPP). E isto guarda consonância com o art. 93, IX, CF.

Pôs-se fim a execução provisória da pena, antes do trânsito em julgado, em situação que não a prisão preventiva, durante a fase processual. Isto é, em tese, todas as prisões em flagrante motivadas por infrações com pena não superior a quatro anos, após 04 de julho de 2011 devem ser reavaliadas e convertidas fundamentadamente em prisões preventivas, medidas cautelares ou liberdades provisórias, nos termos do art. 310, CPP.


DA PRISÃO DOMICILIAR

A prisão domiciliar, nova forma de aprisionamento cautelar, vem somar-se à prisão preventiva e à prisão temporária como as únicas espécies de encarceramento processual admitidas em direito na atualidade.

A prisão em flagrante, como visto, torna-se subcautelar, podendo, se for o caso, vir a ser substituída pelas outras formas de prisão acima expostas ou sucedida pelas medidas cautelares.

Outras formas de prisão já haviam sido revogadas pela reforma de 2008, como a prisão decorrente de pronúncia, a prisão decorrente de sentença penal condenatória recorrível e a prisão para apelar. Foram alterados o art. 319 do CPP que tratava da prisão administrativa, deixando esta de ser encontrada no referido diploma, o que para muitos será entendida como um avanço, dado que esta era considerada patentemente inconstitucional (Guilherme NUCCI (7), em contrário, sustentava sua possibilidade quando a prisão administrativa fosse decretada por juiz), apesar daquela nunca ter sido, com efeito, modalidade de prisão processual.

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A prisão disciplinar só existe no âmbito militar, tal como prevista no art. 5º, LXI, CF (ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei). Já com relação ao que se entende por prisão civil, prevista no art. 5º, LXVII (não haverá prisão civil por dívida, salvo a do responsável pelo inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia e a do depositário infiel), atualmente refere-se apenas ao devedor de alimentos, haja vista que a prisão do depositário infiel foi considerada ilícita, malgrado esteja encartada na Constituição. É a conclusão a que se chega após a leitura da súmula vinculante 25 do STF (é ilícita a prisão civil de depositário infiel, qualquer que seja a modalidade de depósito) e da súmula 419 do STJ (descabe a prisão civil do depositário infiel).

A prisão domiciliar que já estava prevista no art. 117 da Lei de Execuções Penais (LEP) passa a ter validade somente para os casos em que a execução penal está em curso, como deveria ser, não fosse a lacuna agora suprida pelos arts. 317 e 318 do CPP, os quais, antes da sua entrada em vigor, motivavam magistrados a estender os efeitos da LEP aos presos provisórios em condição assemelhada aos definitivos que faziam jus ao benefício, por falta de previsão legal.

A prisão domiciliar é o recolhimento do indiciado ou acusado ao seu domicílio, dele só podendo se ausentar com autorização judicial. As hipóteses que o(a) beneficiado(a) deve provar de forma idônea para que ocorra a substituição da prisão preventiva pela prisão domiciliar, segundo a redação do art. 320 do CPP, são: a) Possuir mais de 80 anos; b) Encontrar-se extremamente debilitado por doença grave; c) Ser imprescindível aos cuidados de menor de seis anos de idade ou pessoa portadora de deficiência, e; c) Encontrar-se grávida a partir do sétimo mês ou ser acometida de gestação de alto risco.

O que interessa aos delegados de polícia é o fato de que a Lei 12.043/11 não estabeleceu quem pode pedir ao juiz a conversão da prisão preventiva em domiciliar, razão pela qual entendemos que nada obsta que a autoridade policial, deparando-se com uma das situações em que um preso provisório tenha direito ao recolhimento domiciliar, possa (deva) peticionar em favor deste. A simples leitura das hipóteses de admissibilidade da prisão domiciliar revela que todas são de natureza urgente (a prisão gera acentuado risco para a vida do preso ou de outra pessoa), não havendo razão em quedar-se inerte o delegado de polícia em face da omissão legislativa quanto aos legitimados ao pleito, podendo aquele incorrer, conforme o caso, nas formas de crime de abuso de autoridade previstas nos arts. 3º, letra "i" e 4º, letra "b" da Lei 4.898/65.

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Sobre o autor
Ivens Carvalho Monteiro

Delegado de Polícia Civil do Estado do Pará

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MONTEIRO, Ivens Carvalho. Da atuação do delegado de polícia civil frente às alterações da Lei nº 12.403/11 no Código de Processo Penal.: Um estudo breve, analítico e crítico. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2946, 26 jul. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/19641. Acesso em: 25 abr. 2024.

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