6 DA APLICAÇÃO DA PENA NO CONCURSO DE PESSOAS
A aplicação da pena no concurso de pessoas é tema de grande importância, vez que o julgador, quando da análise dos autos, deve ater-se a todas as circunstâncias de fato e de direito, para então, após isso, ao tomar sua decisão, no caso de concurso de pessoas, analisar calmamente qual foi a participação de cada um dos sujeitos ativos no decorrer do iter criminis.
É neste instante que a sua tarefa se torna complicada, pois existe além de todas as teorias que tratam do concurso de pessoas, há ainda questões, como a participação de menor importância ou a cooperação dolosamente distinta, razão pela qual, não é possível realizar uma pesquisa que trate do concurso de pessoas, sem falar da punibilidade dos agentes.
6.1 PUNIBILIDADE NO CONCURSO DE PESSOAS
O Código Penal, em seu artigo 29 e seguintes traz o concurso de pessoas, bem como faz a divisão do mesmo, da forma a seguir disposta:
"Art. 29 - Quem, de qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas a este cominadas, na medida de sua culpabilidade.
§ 1º - Se a participação for de menor importância, a pena pode ser diminuída de um sexto a um terço.
§ 2º - Se algum dos concorrentes quis participar de crime menos grave, ser-lhe-á aplicada a pena deste; essa pena será aumentada até metade, na hipótese de ter sido previsível o resultado mais grave.
Art. 30 - Não se comunicam as circunstâncias e as condições de caráter pessoal, salvo quando elementares do crime.
Art. 31 - O ajuste, a determinação ou instigação e o auxílio, salvo disposição expressa em contrário, não são puníveis, se o crime não chega, pelo menos, a ser tentado".
Desta forma, resta claro, que a pena aplicada a cada um dos agentes na medida de sua culpabilidade, devendo ainda ser observa a participação de menor importância, a qual possibilita a redução da pena de um sexto a um terço, e ainda sobre a cooperação dolosamente distinta, e da participação não punível.
A princípio, todos os autores, co-autores e partícipes incidem nas penas cominadas ao delito praticado, exceto os partícipes se tiverem desejado participar de crime menos grave.
Com a adoção da teoria monista, o juiz, ao aplicar a pena, deve levar em consideração a reprovabilidade do comportamento de cada co-autor e de cada partícipe, individualmente.
A fim de facilitar o entendimento desta questão, cada uma dessas modalidades será estudada na seqüência, em tópico individualizado.
6.2 PARTICIPAÇÃO DE MENOR IMPORTÂNCIA
Prado (2006, p. 482), ensina que: "como decorrência lógica da orientação insculpida no art. 29, caput, do Código Penal, surge essa causa redutora de pena, de caráter obrigatório, em sendo a contribuição do partícipe de menor importância ou apoucada relevância para o delito".
Nesta hipótese, a palavra "participação tem de ser entendida em seu sentido mais amplo, ou seja, de forma que seu entendimento abarque as formas moral e material, e somente deve ser aplicada quando a conduta do partícipe demonstre leve eficiência causal. E essa questão, é decorrente do princípio segundo o qual a a punibilidade dos participantes é determinada de acordo com sua culpabilidade, tomada no sentido de reprovabilidade social. Já a expressão "de somenos importância" refere-se à contribuição prestada pelo agente e não à sua capacidade de delinqüir. De modo que, a redução de um sexto a um terço deve variar de acordo com a maior ou menor contribuição do partícipe na prática delituosa: quanto mais a conduta se aproximar do núcleo do tipo, maior deverá ser a pena; quando mais distante do núcleo, menor deverá ser a reprimenda penal.
6.3 COOPERAÇÃO DOLOSAMENTE DISTINTA
No parágrafo segundo do artigo 29 do Código Penal, encontra-se previsto a forma de punição da hipótese em que um dos partícipes quis participar de um crime menos grave.
Para explicá-la, novamente, vem a tona a idéia de Prado (2006, p. 482), o qual leciona que:
"[...] essa previsão legal serviu para matizar a teoria monística ou unitária abraçada, implicando a reafirmação do caráter individual da culpabilidade. Determina-se claramente que, em caso de desvio subjetivo de conduta – quando um dos intervenientes queria (dolo) participar do delito menos grave e não do mais grave realizado por outro concorrente (participação do crime menos grave) -, a culpabilidade seja mensurada individualmente, com a aplicação proporcional da pena. Todavia, responderá o partícipe pelo crime menos grave, com a pena aumentada até a metade, em lhe sendo previsível o resultado (artigo 29, § 2º do CP)".
Mirabete (2004, p. 297), complementa esta idéia, dizendo que: "Se, entretanto, o agente previu o resultado, e o aceitou, responderá pelo crime mais grave em decorrência do dolo eventual".
Esta não se aplica aos crimes culposos em razão de que não é possível falar em querer resultado diverso do pretendido nos crimes desta categoria.
Esse dispositivo cuida da hipótese de o autor principal cometer delito mais grave que o pretendido pelo partícipe. Ex.: A determina B a espancar C. B age com tal violência que produz a morte de C. Segundo a disposição, A responde por crime de lesão corporal (delito menos grave), cuja pena deverá ser aumentada até metade se a morte da vítima lhe era previsível.
Jesus (2005, p. 319), acerca do tema, assim exemplifica:
"A regra da disposição tem aplicação a todos os casos em que algum dos participantes quis realizar delito de menor gravidade. Assim, suponha-se que dois assaltantes combinem a prática de um roubo. Um deles permanece fora da residência da vítima. O outro nela penetra e comete um latrocínio. Demonstrado que a morte da vítima não ingressou na esfera do dolo direto ou eventual do partícipe, este deverá responder por roubo qualificado, mas não por latrocínio. Se, entretanto, lhe era previsível a morte do sujeito passivo, sem ter agido com dolo direto ou eventual, a pena do roubo qualificado será aumentada até metade. Com isso, o novo texto proscreveu a antiga regra do parágrafo único do art. 48 do CP de 1940, que consagrava caso de responsabilidade objetiva".
Razão pela qual, novamente dependerá da análise dos autos que estão sob os olhos do julgador para então aplicar esta modalidade de causa de diminuição de pena, em razão do desvio subjetivo de conduta do partícipe e do autor.
6.4 PARTICIPAÇÃO IMPUNÍVEL
Dispõe o artigo 31 do Código Penal, que "o ajuste, a determinação ou instigação e o auxílio, salvo disposição expressa em contrário, não são puníveis, se o crime não chega, pelo menos, a ser tentado".
Diante disso, não são puníveis as formas de concurso de pessoas, quando o crime não chega à fase de execução. Sendo importante ressalvar a disposição que diz respeito aos casos em que a determinação, o ajuste etc. são puníveis como delitos autônomos. Exs.: CP, arts. 286 e 288 (incitação a crime e quadrilha ou bando, respectivamente). Outro dado importante é que a reforma de 1984 extinguiu a medida de segurança ao autor da participação impunível.
Novamente, caberá ao julgador, ao analisar os autos verificar se ocorreu a participação impunível, para tanto, o mesmo deverá ter conhecimento do iter criminis do crime que está sob julgamento, para, após a divisão do delito, ter a possibilidade de constatar se os atos praticados pelo partícipe ultrapassaram ou não os atos preparatórios.
7 DO JULGAMENTO DOS CRIMES DOLOSOS CONTRA A VIDA
Os tipos penais têm como objetivo a tutela abstrata dos bens jurídicos, de modo que o tipo e a sanção respectiva são pontos que dizem no momento da cominação abstrata. Desta forma, violado o preceito, passa a ter o Estado, em relação ao agente autor do fato violador, o direito de punir, também conhecido por jus puniendi, o qual consiste em um direito subjetivo e público e de exercício autolimitado pelo próprio Estado.
Assim, ocorrendo a infração penal, o Estado passa a, em razão deste direito subjetivo, a realizar investigações visando que o direito de punir seja satisfeito e efetivado, garantindo à sociedade a pacificação social por meio da repressão aos atos contrários ao ordenamento criminal.
Depois de aplicada a sanção, cabe também ao Estado promover a execução da condenação, a qual é reflexo da violação do preceito, o que então possibilita o perfeito encerramento da relação jurídica existente entre o Estado, a sociedade e o infrator.
7.1 DA COMPETÊNCIA PARA JULGAMENTO DOS CRIMES CONTRA A VIDA
Todavia, alguns crimes, como é o caso dos crimes dolosos contra a vida são julgados pelo Tribunal do Júri, diferentemente do que ocorre com os crimes contra o patrimônio, por exemplo, que são julgados pelo juiz singular.
E isso se deve ao previsto no artigo 5º, inciso XXXVIII da Constituição Federal, in verbis:
"Art. 5º - [...]
XXXVIII - é reconhecida a instituição do júri, com a organização que lhe der a lei, assegurados:
a) a plenitude de defesa;
b) o sigilo das votações;
c) a soberania dos veredictos;
d) a competência para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida;
[...]"
Assim, são apreciadas pelo Tribunal do Júri as infrações consideradas como crimes dolosos contra a vida e as infrações eventualmente conexas, conforme dispõe o artigo 78, inciso I do Código de Processo Penal.
Além disso, ainda há o artigo 74, § 1º do Código Penal que estabelece que:
"Art. 74 - A competência pela natureza da infração será regulada pelas leis de organização judiciária, salvo a competência privativa do Tribunal do Júri.
§ 1º - Compete ao Tribunal do Júri o julgamento dos crimes previstos nos arts. 121, §§ 1º e 2º, 122, parágrafo único, 123, 124, 125, 126 e 127 do Código Penal, consumados ou tentados.
[...]".
Há algumas hipóteses, em que mesmo havendo o crime contra a vida, a competência seja da Justiça Federal nos termos do artigo 109 da Carta Magna, como por exemplo, no caso de um homicídio ser cometido no interior de aeronave (art. 109, IX da CF), delito este que virá a ser julgado pelo Tribunal do Júri Federal, o qual segue as mesmas normas processuais.
Pois bem, agora que já se tem a noção do motivo pelo qual os crimes dolosos contra a vida são julgados pelo Tribunal do Júri, será dado ênfase ao estudo da forma de aplicação da pena.
7.2 DO JULGAMENTO DOS CRIMES DOLOSOS CONTRA A VIDA E A APLICAÇÃO DA PENA
Como visto no tópico acima, a competência para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida é do Tribunal do Júri, o qual é formado de 7 jurados, que após o interrogatório do acusado ou dos acusados, inquirição das testemunhas de acusação e de defesa, são encaminhados à sala de votação secreta, onde respondem aos quesitos formulados pelo juiz.
Do conjunto de respostas destes quesitos é que ocasiona a condenação, absolvição ou desclassificação do delito, sendo que com base no resultado da votação é que o juiz passa a redigir a sentença.
Ou seja, não são os jurados que aplicam a pena, eles apenas decidem a natureza da conduta do acusado, e o juiz fica atrelado a esta decisão para então proferir sua sentença.
Como salienta Noronha (1979, p. 278) "a sentença, como é óbvio, não pode se afastar do veredicto do júri", e, assim, a sentença no processo de crimes de competência do Tribunal do Júri é de formação complexa e subjetivamente complexa, porque o Tribunal do Júri é um órgão colegiado heterogêneo em que os jurados decidem sobre o crime e o juiz togado sobre a aplicação das sanções penais, e isso se deve ao princípio da soberania dos veredictos, conforme dispõe o artigo 5º, XXXVIII, c da Constituição Federal.
Importante ressaltar que tal sentença deverá ser fundamentada, devendo o juiz reportar-se às conclusões a que chegou o conselho de sentença, que é formado pelos jurados, entretanto, quando da aplicação da pena, deverá o juiz fundamenta-la restringindo, seu arbítrio na individualização da mesma.
Então, após esta breve explanação, já tem-se a noção mínima de que, acerca da valoração do fato e da conduta a decisão é tomada pelos jurados, cabendo então ao juiz presidente do Tribunal do Júri, de acordo com a decisão dos jurados, no caso de condenação aplicar a pena, seguindo os ditames dos artigos 59 e 68 do Código Penal.
7.3 DOS JULGAMENTOS DOS CRIMES DOLOSOS CONTRA A VIDA CUJA APLICAÇÃO DA PENA DIVERGE ENTRE OS AGENTES
Em decorrência do concurso de pessoas, pode que dois agentes, mesmo tendo praticado em conjunto o mesmo delito, recebam penas diferentes, e isso se deve ao que já foi estudado, pois pode que um seja, quando do julgamento condenado como sendo o autor principal, e o outro como simples partícipe, ou ainda que para um deles, quando da votação dos quesitos, seja reconhecida o desvio subjetivo de conduta, ou ainda qualquer outra das demais causas já analisadas anteriormente.
Além disso, deve o juiz, quando da elaboração da sentença, analisar a culpabilidade de cada um dos agentes, e ainda obedecer ao sistema trifásico de aplicação da pena, o que pode ocasionar que um agente receba pena maior que a do outro que participou da execução do mesmo delito.
E isso se deve ao fato das circunstâncias previstas nos artigos 59 e 68 do Código Penal, bem como agravantes ou atenuantes que podem ser cabíveis a um agente e não ao outro, daí é que se fundamenta a diferença da pena aplicada aos agentes.
Pode ainda, que ocorrer que um agente seja condenado e o outro seja absolvido, pois pode que os jurados reconheçam que um deles foi o autor do delito e o outro, apesar de ter sido denunciado como co-autor ou partícipe, não tenha sequer participado do delito.
São inúmeras as situações que podem ocasionar que entre os agentes que executaram o mesmo fato delituoso sejam apenados de forma distinta.
Ensina Porto (2001, p. 343) que:
"Identificado, no concurso de pessoas, o autor direto ou autor principal, a ordem lógica, que pode ser a orientadora da apresentação aos jurados dos fatos relacionados com a conduta de autor não direto, ou co-autor, e assim identificado pela decisão de pronúncia, é aquela que tem por necessário o julgamento, em primeiro lugar, do autor principal. o que foi agora enunciado mostra, em hipóteses diversas que podem ser levantadas, não merecer aplicação, pois, em, um exemplo, poderá o agente tido como autor principal não estar presente, por motivações diversas, na instalação da sessão de julgamento, mas estando presente um co-autor; poderá, também, acontecer, se presente ambos, a separação dos julgamentos em decorrência do exercício do direito de recusa de jurados (§ 2º do art. 459, art. 461). Ainda, mencionada ordem lógica poderá, em decorrência de decisão fundamentada, não ser cumprida, na independência do exercício de recusas, por "motivos relevante" (art. 80), ou através de expressa concordância dos responsáveis pela acusação ou defesa".
Porém, é no que concerne à regras de fixação penal que o autor acima mencionado brilhantemente expõe:
"O concurso de pessoas prevê quatro hipóteses de orientação para o encontro da pena do partícipe, com atenção à sua culpabilidade. Para os agentes (1ª) que tenham concorrido com a mesma intensidade de vontade voltada para o resultado final, penas iguais (sem contar, é óbvio, com diversificações de caráter pessoal de cada partícipe), por que considerados os partícipes em um mesmo grau de culpabilidade (art. 29, caput); tendo sido (2ª) a conduta de um dos partícipes (§ 1º, do art. 29) de menor importância para o resultado, incidirá, na fixação da pena, causa de diminuição, "de um sexto a um terço"; se desejou (3ª) o partícipe, como resultado, um crime menos grave (§ 2º, do art. 29 – parte inicial), responderá como se tivesse praticado tal crime (por exemplo, desejava, somente, causar lesões corporais, enquanto outro partícipe decidiu matar); finalmente, em corolário dessa previsão, surge a 4ª hipótese, que trata (parte final do § 2º do art. 29) de causa de aumento de pena incidindo sobre a pena cominada para o crime desejado".
Ainda deve ser levada em consideração, quando da aplicação da pena a questão trazida pelo artigo 30 do Código Penal, o que somente, em razão de sua complexidade, pode ser analisada em cada caso.
Desta forma, estão elencadas as razões e situações pelas quais os agentes que praticam o mesmo delito, em ação conjunta, acabam por ser apenados com pena distintas entre si, o que é uma tarefa árdua, e exige um conhecimento pleno das circunstâncias do delito e dos sujeitos do delito, para que então, possa o juiz proferir sua decisão de acordo com as mesmas, e ainda observando a complexa regra dos artigos 59 e 68 do Código Penal.