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Prisão preventiva e a Lei nº 12.403/11: a outra face da proporcionalidade

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14/11/2011 às 15:18
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4. A individualização da prisão preventiva e a interpretação sistemática como instrumentos de superação da insuficiência normativa

Muito embora a ausência deste outro enfoque da proporcionalidade por parte da doutrina quando trata de abordar os critérios e fundamentos da prisão preventiva, estabelecidos pela reforma implementada pela Lei 12.403/11, é possível verificar-se que o legislador também não descurou da face "da proteção eficiente" ao instituir os quatro requisitos legais de admissibilidade, propostos na nova redação do artigo 313 CPP.

Efetivamente, note-se que o segundo requisito previsto no art. 313 CPP viabiliza a prisão preventiva, independente da quantidade pena máxima cominada ao delito, se o agente "tiver sido condenado por outro crime doloso, em sentença transitada em julgado", desde que não tenha operado o prazo de caducidade de cinco anos, previsto no art. 64 CP, igualmente o terceiro tem em mira a peculiar condição em que se encontra pessoa da vítima, estando ambos em consonância com a "proibição de proteção deficiente", nessa quadra ressaltada, pois levam em consideração a periculosidade do agente e/ou a situação de hipossuficiência da vítima. De igual modo, o último requisito, introduzido pelo parágrafo único do artigo 313, permite a prisão preventiva como instrumento de pressão do autor do delito que não queira se identificar ou cuja identidade seja duvidosa.

Nada obstante, todo o debate é centrado na inserção do primeiro requisito, de ordem objetiva, disposto no inc. I do art. 313 CPP, o qual estabelece que a decretação da prisão preventiva somente será admitida "nos crimes dolosos punidos com pena privativa de liberdade máxima superior a 4 (quatro) anos", o que fez surgir, na mídia, duras críticas à Lei n.º 12.403/11, afirmando-se que a reforma por ela proposta dificultará sobremaneira a decretação da prisão preventiva, destacando-se o favorecimento aos denominados "criminosos do colarinho branco", os quais, por praticarem crimes sem violência ou grave ameaça, com penas inferiores a quatro anos, dificilmente serão submetidos à prisão preventiva.

Como expoente dessa crítica, pode-se citar a opinião de Fausto M. DE SANCTIS, o qual reputa que, com vigência deste requisito, restará afastada a possibilidade de preventiva em casos de consumação de crimes graves, tais como "o crime de quadrilha ou bando; autoaborto; lesão corporal dolosa, ainda que grave; maus tratos; furto; fraude; receptação; abandono de incapaz; emprego irregular de verbas públicas; resistência; desobediência; desacato; falso testemunho e falsa perícia; todos os crimes contra as finanças públicas; nove dos dez crimes de fraudes em licitações (o remanescente tentado), contrabando ou descaminho." [18]

DE SANCTIS aponta, ainda, a inviabilidade de preventiva na hipótese de tentativa de outros crimes graves, como "homicídio, ainda que qualificado; infanticídio; aborto provocado por terceiro; lesão corporal seguida de morte; furto qualificado; roubo; extorsão; apropriação indébita, inclusive previdenciária; estupro; peculato; corrupção passiva, advocacia administrativa e concussão; corrupção ativa e lavagem de dinheiro. Também estariam afastados da prisão os autores de crimes ambientais e de colarinho branco - sejam consumados ou tentados - e ainda parte dos crimes previstos na Lei de Drogas, inclusive os casos de fabricação, utilização, transporte e venda tentados." Questionando, ironicamente, se a Lei nº 12.403/11 não "Seria o direito penal do amigo?" e concluindo que "a prisão estará praticamente inviabilizada no país" aos "criminosos do colarinho branco". [19]

Não é para tanto. Na realidade, se a disposição em comento também for interpretada de forma sistemática e à luz da dupla face da proporcionalidade, ela não será assim tão nociva aos interesses da sociedade, tampouco alterará significativamente a realidade anteriormente existente, pois, em que pese o fato de o legislador, nitidamente, ali ter almejado a atuação da proporcionalidade à ótica da "proibição do excesso", isso não significa que a sua disposição normativa não possa ser submetida a controle jurisdicional acerca da proporção nela contida, de modo a evitar "proteção deficiente". Isso não é apenas possível, mas, sobretudo, recomendável quando se percebe que a dicção legal, vista de modo isolado, não atende o objetivo almejado pela reforma como um todo. [20]

Efetivamente, não pode haver dúvidas de que, com a aludida disposição, a pretensão do legislador foi "proibir o excesso", compatibilizando a prisão preventiva com as penas alternativas, ao inviabilizar a decretação de prisão preventiva quando se antevê que o arguido, se condenado, não irá para prisão, pois será beneficiado com cumprimento da pena em regime aberto (desde que não reincidente, ut art. 33, § 2.º, "c", CP), ou com a substituição da pena privativa de liberdade por penas restritivas de direitos (exceto quando o delito for cometido com violência ou grave ameaça, ou quando o autor for reincidente e estiverem ausentes os requisitos do art. 44, § 3º, CP).

Muito embora seja de todo louvável essa harmonização – que, no tratamento específico da prisão preventiva, reforça o supramencionado pressuposto da homogeneidade ou simetria, estabelecido para todas as medidas cautelares no art. 283, I, CPP -, há que se ter em mente, primeiramente, o que Guilherme de Souza NUCCI denomina de "individualização da medida cautelar" ao afirmar que a premência "do vínculo entre as medidas cautelares e a proporcionalidade, ou seja, tal como se fosse uma autêntica individualização da pena, deve-se analisar o fato, seu autor, em detalhes, para aplicar a mais adequada medida cautelar restritiva de liberdade". [21]

Deveras, a individualização da pena não é levada em consideração apenas na sentença condenatória, mas também em momentos processuais anteriores, nos quais o juiz se vale do cálculo da pena para tomar decisões, podendo-se citar como exemplos a análise da competência; do procedimento a ser adotado e da concessão de benefícios despenalizadores previstos na Lei 9.099/95. Em todos esses momentos, sem ofensa alguma ao princípio da presunção da inocência, o juiz utiliza como parâmetro uma "dosimetria endoprocessual" da pena aplicável ao delito imputado, guiado pela denominada "teoria da asserção", pela qual sua decisão é feita com base nas alegações feitas na denúncia (desde que a acusação possua justa causa, por óbvio), as quais deverão ser tidas como verdadeiras até o exame definitivo, no juízo de mérito.

Daí porque se entende que o juiz deve levar em consideração a regras de aplicação de pena também na análise do quantum de pena previsto no inc. I do art. 313 CPP. É dizer, no momento de avaliar o cabimento da prisão preventiva, o juiz deverá levar em consideração a eventual existência de causas gerais e especiais de aumento de pena e/ou a soma ou exasperação prevista na hipótese de concurso de crimes. A esse respeito, paradigmáticas são as Súmulas 243 e 81 do Superior Tribunal de Justiça. [22]

Exemplo cotidiano encontra-se no furto simples, que isoladamente possui pena máxima de 04 (quatro) anos, o que a princípio torna impossível a preventiva, porém, ele terá aumento de um terço se for praticado durante o repouso noturno, restando viabilizada, em termos objetivos de apreciação da pena em abstrato, o decreto da prisão cautelar. No mesmo norte, por exemplo, o crime continuado: se o arguido praticar dois ou mais crimes de furto em situações que, pelas condições de tempo, lugar, maneira de execução e outras semelhantes, os subseqüentes devem ser havidos como continuação do primeiro, será possível o decreto da preventiva, em virtude da previsão de aumento da pena de um sexto a dois terços (art. 71 CP).

Desse modo, de antemão, considerando a futura fixação da pena, o juiz corrigirá topicamente a deficiência da lei, fazendo defluir resposta estatal adequada, evitando que direitos fundamentais e bens jurídicos tutelados pela norma penal fiquem a descoberto, alinhando, no caso concreto, o requisito do inc. I do art. 313 CPP à ideia de "individualização da medida cautelar", ou do "princípio tácito ou implícito da individualização da prisão (não somente da pena)", recentemente reconhecido pelo STF (HC 106963, Relator: Min. Ayres Britto, Segunda Turma, julgado em 27/09/2011), afinal é sabido que o legislador nem sempre consegue dispor de modo sistemático e coerente o que pretende. Adotando o posicionamento aqui delineado, já existe precedente no Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul:

HABEAS CORPUS. FURTO E AMEAÇA. PRISÃO EM FLAGRANTE CONVERTIDA EM PRISÃO PREVENTIVA. Presentes os pressupostos e os requisitos da prisão preventiva, corroborados com os fortes indícios de autoria e prova da materialidade do delito, em razão do flagrante, bem como não havendo qualquer ilegalidade na prisão do paciente, é de ser esta mantida. REITERAÇÃO DELITIVA. OFENSA À ORDEM PÚBLICA. Nos termos da jurisprudência, tanto desta Corte quanto dos Tribunais Superiores, é válida a prisão preventiva para a garantia da ordem pública, fundamentada no risco de reiteração da(s) conduta(s) delitiva. PRISÃO PREVENTIVA. CABIMENTO. ARTIGO 313, I, DO CPP. LEI 12.403/11. ENTENDIMENTO DAS SÚMULAS 243 DO STJ E 723 DO STF. Tendo em vista que o paciente foi preso pela prática, em tese, dos delitos de furto e ameaça, em concurso material, devem ser somadas as penas para aferição do cabimento da segregação preventiva, consoante interpretação pacificada nos Tribunais Superiores no tocante ao cabimento da suspensão condicional do processo e competência dos juizados Especiais Criminais. MEDIDAS CAUTELARES DIVERSAS DA PRISÃO. ARTIGO 310 DO CPP. IMPOSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO AO PACIENTE. É sabido que o decreto de prisão preventiva deve ser tido como a ultima ratio, como bem refere o §6º do artigo 282 do CPP, entretanto, diante dos elementos contidos nos autos, no caso, esta é necessária, verificando-se concretamente que não apresenta o paciente a personalidade compatível com esta espécie de benefício. NATUREZA PROCESSUAL DAS PRISÕES CAUTELARES. As prisões cautelares têm natureza processual, uma vez que estão pautadas pelos requisitos elencados no artigo 312 do CPP, quais sejam, garantia da ordem pública, da ordem econômica, conveniência da instrução criminal, ou assegurar a aplicação da lei penal, não constituindo forma de cumprimento antecipado de eventual pena, desimportando, deste modo, a possibilidade de o tipo de delito comportar substituição da pena privativa de liberdade. DENEGADA A ORDEM. (Habeas Corpus Nº 70044277002, Oitava Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Isabel de Borba Lucas, Julgado em 31/08/2011) (grifei).

Ainda na mesma ordem de idéias, mas já em outro enfoque, realmente há que se atentar que a ratio essendi da prisão cautelar é muito distinta da finalidade da "prisão pena" e, portanto, certamente haverá casos em que a situação processual recomendará a decretação de prisão preventiva, mesmo quando o juiz vislumbre a possibilidade de aplicação de pena alternativa em sentença. Eis o porquê do legislador ter introduzido, no parágrafo único do artigo 312 CPP, um fundamento adicional para a decretação da preventiva: a ineficácia das outras medidas cautelares. Logo, independentemente da pena privativa de liberdade máxima cominada ao delito, será permitido o decreto da prisão preventiva em caso de descumprimento das obrigações impostas por força das medidas cautelares diversas da prisão (art. 282, § 4º).

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A respeito, como PACCELI [23], há que entender que existem três situações distintas em que poderá ser imposta a prisão preventiva: a) por conversão da prisão em flagrante, quando insuficientes ou inadequadas outras medidas cautelares (art. 310, II, CPP); b) de modo autônomo, independentemente de prévia medida cautelar, a qualquer momento da fase de investigação ou do processo (art. 311, CPP), e c) por substituição de medidas cautelares anteriores, eventualmente descumpridas (art. 282, § 4º, CPP).

Nas suas primeiras situações, a prisão preventiva dependerá da presença dos tradicionais fundamentos cautelares do art. 312, bem como dos requisitos legais do art. 313. Já na terceira situação, denominada por PACCELI de "subsidiária", bastará o descumprimento de medida cautelar anteriormente imposta, independentemente dos requisitos do art. 313 CPP, afirmando "ser essa a única conclusão possível, sob pena de não se mostrarem efetivas as medidas cautelares diversas da prisão, nos casos em que a pena cominada ao crime doloso seja igual ou inferior a quatro anos (o teto estabelecido no art. 313, I). A prisão preventiva para garantir a execução das medidas cautelares, portanto, não se submete aos limites do art. 313, CPP." [24]

No mesmo toar é o posicionamento doutrinário de NUCCI, para quem aanálise sistemática da novel legislação indica que a prisão preventiva pode ser decretada para todas as hipóteses de descumprimento das obrigações fixadas por medidas cautelares alternativas, válidas para qualquer espécie de delito, independente do quantum máximo de pena privativa de liberdade que lhe for cominado, visto que: "As medidas cautelares, alternativas ao cárcere, são salutares e representam a possibilidade real de esvaziamento de cadeias. Porém, elas precisam de credibilidade e respeitabilidade. Não sendo cumpridas as obrigações fixadas, nos termos estabelecidos no art. 282 § 4º, parte final, do CPP, pode-se decretar a preventiva, como última opção. Assim sendo, soa-nos válida a hipótese para qualquer espécie de delito."

Interpretação diversa conduziria ao absurdo, o qual, juntamente com Érico BARIN, [25] ilustramos na hipotética situação de um cidadão que opte por se especializar na prática de crimes de furto simples. Pela estrita dicção do inc. I do art. 313, ele, mesmo sendo preso em fragrante uma, duas, três ou cem vezes (desde que fora do reconhecimento do crime continuado), sempre responderá por todos os crimes em liberdade. Seus processos, em conta da liberdade, sabidamente tramitarão em passos lentos, quiçá levando alguns anos para uma primeira condenação. E, no curso desses processos, o réu poderá simplesmente "dar de ombros" às medidas cautelares que eventualmente lhe forem aplicadas. Poderá mais: diante de cada admoestação judicial, proclamará que para o juiz "não vai dá nada", quiçá anunciando que prosseguirá cometendo furtos simples. Enfim, seria como se o Estado chancelasse e protegesse a "profissionalização" do criminoso, a quem restaria, apenas, ter cuidado "na escolha" da prática delituosa. Ora, não se pode tolerar que o Código de Processo Penal, em vez de instrumento para a aplicação do Direito Penal e proteção de direitos fundamentais, passe a servir como uma espécie de bill de indenidade ao criminoso contumaz!

NUCCI, ao desenhar quadro semelhante, conclui que se a possibilidade de prisão preventiva for afastada nestes casos, "as medidas cautelares alternativas tornam-se ineficientes e inúteis. Podem, inclusive, chegar ao ponto de ressuscitar a cultura da prisão, visto ter sido constatada a sua ineficácia. Portanto, num primeiro momento, para o acusado de furto simples, não cabe a preventiva, desde que ele não descumpra obrigações advindas de medidas cautelares alternativas."

Para reforçar o entendimento aqui esposado, também com BARIN, [26] lembramos que no Estatuto da Criança e do Adolescente, microssistema legal de natureza eminentemente protecionista, em seu artigo 108, caput, combinado com o art. 122, III, é permitida a internação provisória de adolescente, ante demonstração da necessidade imperiosa da medida extrema, por descumprimento reiterado e injustificável de medida anteriormente imposta. Dito de outra forma: o ECA autoriza a que um adolescente na situação hipotética acima exemplificada (autor de dezenas de furtos simples e ainda não sentenciado) seja internado, sendo tolhido de sua liberdade por até 45 dias. Seria flagrante contrassenso, pelo viés que se queira escolher, admitir que a legislação pátria autorize a restrição da liberdade de um adolescente, mas impeça, como cautela social, a prisão de criminoso renitente que insiste em descumprir medidas cautelares menos agraves e ele aplicadas.

Na mesma ordem de idéias, mas sob outro prisma, vale destacar que a Lei n.º 12.403/11 está em consonância com a crescente importância que as medidas cautelares vêm assumindo em todas as áreas da jurisdição, como revelam as inúmeras e recentes reformas feitas no processo civil. De fato, a incontestável morosidade na prestação jurisdicional provoca ânsia pela antecipação da tutela estatal, temendo-se a inefetividade das decisões judiciais e o consequente desprestígio dos mecanismos legais de resolução de litígios, o que torna extremamente relevante o correto manejo de medidas cautelares.

Aliás, ao se falar em processo civil e medidas cautelares, pode-se apontar que o parágrafo único do art. 312, aliado ao § 4º do art. 284 CPP fazem lembrar as sanções aplicáveis ao "contempt of court", as quais possuem nítido espírito disciplinador, conexo à idéia de pleno respeito à atividade jurisdicional e à credibilidade da justiça. Nesse toar, Pedro R. PORTO, com sua usual acuidade, traça um paralelo entre a situação em análise e "às tutelas específicas do processo civil", pois ambas buscam dar respeito à jurisdição e efetividade ao processo, concluindo que, no caso de descumprimento das medidas cautelares, a prisão preventiva dispensa os requisitos dos arts. 312, caput, e 313 do CPP, sujeitando-se apenas ao pressuposto do art. 283, § 1º (crime punido com pena privativa da liberdade), pois "Raciocínio diverso conduz a um paradoxo incontornável, pois deixaria desprovida de força cogente e efetividade as medidas cautelares, estabelecidas alternativamente à prisão preventiva (...) Obviamente não é este o escopo da lei reformadora. Na medida em que cria alternativas à prisão, também ela parece multiplicar as hipóteses de tutelas, especificando-as em medidas menos gravosas, mas às quais empresta efetividade ao garanti-las, em último caso, também com a prisão preventiva, ainda que, neste caso e apenas neste, dispensados os estreitos requisitos do art. 312, caput, e 313 do CPP."

Note-se, portanto, que para além dos requisitos legais do ar. 313, como reconhecem PACCELI e NUCCI, há que se concluir que sequer será necessária presença dos fundamentos tradicionais previstos no caput do art. 312 CPP, pois, seguindo com PORTO, dentro da técnica legislativa, a função dos parágrafos é excepcionar o caput, concluindo que o caput art. 312 estabelece os fundamentos tradicionais da prisão preventiva, enquanto o parágrafo único, excepcionalmente, "entroniza um requisito alternativo que se apresenta como nova modalidade, qual seja, a prisão preventiva, como medida cautelar de eficácia coativa ao cumprimento fiel das medidas cautelares, ou prisão preventiva subsidiária," que não se submete aos fundamentos do caput.

Diversa não é a conclusão final de Antonio SCARANCE, o qual, a respeito da "preventiva subsidiária", escreveu: "Outra prisão preventiva é a decorrente do descumprimento de outra medida cautelar. Esta hipótese suscita dúvida. Indaga-se se, para sua decretação, será necessário observar a previsão do artigo 312 ou basta o simples descumprimento de outra medida cautelar. A nossa primeira impressão foi de que seria necessário observar as regras do artigo 312. Todavia, se ocorrente uma das hipóteses do art. 312, a prisão preventiva já deveria estar decretada, não sendo imposta outra medida cautelar. Assim, se trata de prisão cuja finalidade é assegurar a efetividade das demais medidas cautelares. [27]

Igualmente, essa orientação já repercutiu na jurisprudência, sendo acolhida pelo TJSP, por ocasião do Habeas Corpus n° 0063673-84.2011.8.26.0000 (AC 010711), julgado em 14 de julho de 2011, oportunidade em que o Des. Marco de Lorenzi estadeou: Convém ressaltar, ainda, o entendimento de que as situações previstas no artigo 313 do Código de Processo Penal não serão exigíveis em caso de descumprimento de medidas cautelares diversas da prisão, anteriormente impostas ao indiciado/acusado, havendo, tão somente, para a ecretação da custódia preventiva, a necessidade de preenchimento dos requisitos elencados no artigo 312, situação em que a prisão preventiva não é autônoma, mas subsidiária. É o que se infere do disposto no artigo 282, § 4o, c.c.o artigo 312, parágrafo único, ambos do referido diploma legal.

É bem verdade que, na realidade cotidiana, certamente na maioria dos casos em que houver o descumprimento injustificado das medidas cautelares diversas da prisão haverá de estar presente algum dos fundamentos tradicionais do caput do art. 312 CPP, porém poderá ocorrer, como de fato ocorrem, situações em que isso não ocorre, como amiúde se verifica em casos de agressão doméstica ou familiar, nos quais o agressor teima em desobedecer ordem de afastamento da vítima, sem que, necessariamente, ele esteja atentando contra a ordem pública ou contra regularidade da instrução criminal.

Sem embargo do entendimento aqui esposado, obviamente será preciso muito cuidado ao ser decretar uma prisão preventiva em caso de crime punido com pena máxima inferior ou igual a 4 (quatro) anos, medida efetivamente excepcional, pois sempre será preferível optar-se por outras medidas cautelares menos gravosas, todavia, em havendo reiterado descumprimento de tais medidas, "em último caso", observado o contraditório, elas poderão ser convertidas em prisão preventiva (independentemente da pena cominada ao crime).

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Sobre o autor
Charles Emil Machado Martins

Promotor de Justiça, Professor de Direito Processual Penal na FESMP-RS e UNISINOS.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MARTINS, Charles Emil Machado. Prisão preventiva e a Lei nº 12.403/11: a outra face da proporcionalidade. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 3057, 14 nov. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/20427. Acesso em: 28 mar. 2024.

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