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Prisão preventiva e a Lei nº 12.403/11: a outra face da proporcionalidade

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14/11/2011 às 15:18
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5. À guisa de conclusão

O Estado Democrático de Direito somente encontra sua legitimação na defesa e promoção dos direitos fundamentais, tendo, no âmbito do Direito Penal, um compromisso tanto com as garantias individuais previstas em nível constitucional, quanto com a efetividade da persecução penal, mediante equilibrado cumprimento dos seus deveres de proteção. Esse compromisso com o equilíbrio não deve ser apenas do legislador, mas também do juiz, que não pode permitir a prevalência de um só valor ou grupo de valores, como, por exemplo, determinada vertente doutrinária, que se autodenomina "garantista", insiste em querer fazer prevalecer, pois o Estado-legislador e/ou Estado-juiz estaria se demitindo de sua função quando, respectivamente, se abstivesse de prever ou recorrer aos meios preventivos e repressivos que se mostrem absolutamente necessários à tutela da segurança, dos direitos e bens jurídicos de todos os cidadãos, e não apenas dos arguidos.

Nesse toar, no texto verificou-se que a reforma proposta pela Lei n.º 12.403/11, muito embora represente importante avanço na defesa dos direitos constitucionais dos cidadãos acusados, não relegou completamente ao olvido as justas exigências da sociedade na proteção de uma convivência pacífica e ordeira.

Ou seja, como já tivemos oportunidade de afirmar com Érico BARIN, [28] o legislador não tornou a prisão preventiva algo como o "pico do Everest’, a ser alcançado mediante trabalho heróico e após superação de diversas etapas: ela seguirá sendo uma medida de ultima ratio, é verdade, mas que deverá ser utilizada sempre que necessária e adequada.

O fato é que, antes da reforma legal, a justiça via-se entre duas opções extremas: prender cautelarmente ou deixar totalmente livre o acusado. Era a prisão ou nada. Agora, naqueles casos em que outrora a prisão revelava-se exagerada e a liberdade, pura e simples mostrava-se por demais indulgente, poder-se-á aplicar outras medidas cautelares, tais como o recolhimento domiciliar e a monitoração eletrônica. Esse amplo leque de medidas cautelares protegerá de forma mais efetiva o processo, o acusado e a própria sociedade. O processo, porque se previu medidas de resguardo à prestação jurisdicional. O acusado, porque a prisão preventiva será sempre a extrema e última opção. A sociedade em geral, porque a redução da prisão cautelar evitará o contato de cidadãos presumidamente inocentes com o nefasto mundo da prisão. Ademais, conquanto as medidas de desencarcerização tenham sido privilegiadas pelo legislador, sempre haverá a possibilidade, em último caso, da prisão preventiva.

É certo, igualmente, que a reforma trouxe maiores restrições à prisão preventiva, proibindo-a, a princípio, nos delitos com pena máxima inferior a quatro anos. Entretanto, mesmo para estes crimes, se o arguido não obedecer alguma medida cautelar anteriormente determinada pelo juiz, poderá ocorrer, sem óbice algum, a decretação da prisão preventiva.

Além disso, no momento de avaliar o cabimento da prisão preventiva, em face da pena cominada ao delito, o juiz deverá levar em consideração a eventual existência de causas gerais e especiais de aumento de pena e/ou a soma ou exasperação prevista na hipótese de concurso de crimes. A esse respeito, deve ter como paradigma as Súmulas 243 e 81 do Superior Tribunal de Justiça.

Enfim, é momento de máxima atenção, refutando-se o argumento de que o problema está na lei. A lei deve servir à sociedade como um todo, não apenas aos arguidos, e será o operador do direito que vai definir para qual finalidade ela se prestará, não se podendo tolerar que interpretações equivocadas ou influenciadas por uma garantismo maniqueísta, de exclusivo viés liberal/individualista, tornem o Código de Processo Penal em uma espécie de Bill de indenidade aos criminosos, pois não se pode perder de vista que, para além instrumento de proteção das liberdades individuais, ele também serve também como o meio necessário para o Estado combater o crime, dando a resposta proporcional, adequada e, principalmente, necessária, à defesa dos interesses da sociedade como um todo, naqueles casos em que a pena foi estabelecida como ultima ratio na proteção dos valores elementares à vida comunitária.

É dizer: no Estado Democrático de Direito, ao lado da proibição de rigores excessivos aos cidadãos acusados, também se deve fornecer, à sociedade em geral, eficiente tutela dos seus direitos fundamentais sociais, entre eles o direito à segurança.


Notas

  1. Em virtude dos estreitos limites desta quadra, não se entrará na discussão sobre a natureza jurídica da proporcionalidade, se é princípio, sobre-princípio, máxima ou postulado, tampouco se ela está positivada ou subjacente em nossa Constituição.
  2. ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. São Paulo. Editora Malheiros. 2008. p. 430
  3. SARLET, Ingo Wolfgang. Constituição e proporcionalidade: o direito penal e os direitos fundamentais: entre a proibição de excesso e de insuficiência. Revista da Ajuris. Ano XXXII, n.º 98, junho/2005. p. 107.
  4. A respeito: FELDENS, Luciano. A constituição penal: a dupla face da proporcionalidade no controle de normas penais. Porto Alegre. Livraria do Advogado. 2005.
  5. ROXIN, Claus. A proteção de bens jurídicos como função do direito penal. Porto Alegre. Livraria do Advogado, Trad. André Luís Callegari e Nereu José Giacomolli. 2009
  6. /2006. pp. 17-18).
  7. As quais abrangem várias modalidades de restrições à liberdade individual, desde a mais grave, que é a prisão, até as mais leves, nominadas ou não no art. 319, pois, ante a riqueza de situações que mundo da vida nos apresenta, o confinamento das providências cautelares penais às hipóteses expressamente previstas em lei, sob o frágil argumento de "obediência ao princípio da legalidade", não parece razoável, visto que elas têm natureza processual e, assim, estão abertas aos termos do art. 3º do CPP, comportando aplicação analógica, o que torna possível a aplicação, no processo penal, da regra prevista art. 798 CPP. Nesse sentido, é a jurisprudência do STF, vg: (...) Não há direito absoluto à liberdade de ir e vir (CF, art. 5º, XV) e, portanto, existem situações em que se faz necessária a ponderação dos interesses em conflito na apreciação do caso concreto. 4. A medida adotada na decisão impugnada tem clara natureza acautelatória, inserindo-se no poder geral de cautela (CPC, art. 798; CPP, art. 3°). 5. As condições impostas não maculam o princípio constitucional da não-culpabilidade, como também não o fazem as prisões cautelares (ou processuais). 6. Cuida-se de medida adotada com base no poder geral de cautela, perfeitamente inserido no Direito brasileiro, não havendo violação ao princípio da independência dos poderes (CF, art. 2º), tampouco malferimento à regra de competência privativa da União para legislar sobre direito processual (CF, art. 22, I). 7. Ordem denegada. (HC 94147 RJ , Relator: Ellen Gracie, Data de Julgamento: 26/05/2008, Segunda Turma)
  8. Adequação e necessidade são considerados critérios da proporcionalidade pela jurisprudência alemã, engendrada a partir do Direito Administrativo. Daí porque preferiu-se essa nomenclatura. No doutrina pátria, todavia, a terminologia utilizada para se referir a esses critérios que compõem a proporcionalidade é variável, pois alguns os chamam de pressupostos ou requisitos, enquanto outros a eles se referem como subprincípios da proporcionalidade.
  9. Entende-se inadequado reconhecer na "garantia da ordem econômica" um fundamento independente para a prisão preventiva. Quando presente, ele se desloca para o fundamento proteção da ordem pública, da qual a ordem econômica é espécie. Nesse sentido, por todos: NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal Comentado. Editora Revista dos Tribunais. 2011. p. 423.
  10. Há, todavia, um fundamento adicional para a decretação da preventiva, introduzido pelo parágrafo único do artigo 312: a ineficácia de qualquer outra cautelar, considerada inicialmente necessária e adequada. A seu respeito, trataremos em seguida.
  11. A exceção, segundo jurisprudência majoritária do STF, são os crimes inafiançáveis, conforme já tivemos oportunidade de demonstrar: MARTINS, Charles Emil Machado. Crimes inafiançáveis: uma interpretação da Lei nº 12.403/11 à luz da jurisprudência do STF. Jus Navigandi, Teresina, ano 16, n. 2926, 6 jul. 2011. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/19476>. Acesso em: 23 ago. 2011.
  12. BINDER, Alberto M. Introdução ao Direito Processual Penal. Tradução de Fernando Zani. .Rio de Janeiro. Editora Lumen Juris. 2003. p. 150.
  13. Voto em separado apresentado à CCJ na Câmara dos Deputados em 2002. Disponível em http://www.camara.gov.br/sileg/Prop_Detalhe.asp?id=26558.
  14. BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicola & PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de Política. 8ª Ed. UnB: Brasília. DF. p. 851.
  15. STRECK, Lenio Luiz; A Dupla Face do Princípio da Proporcionalidade e o Cabimento de Mandado de Segurança em Matéria Criminal. Revista do Ministério Público do Rio Grande do Sul, n 53. Porto Alegre. Metrópole. 2004. p. 241.
  16. Em busca de um conceito funcionalista de ordem pública no processo penal brasileiro. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, 90, 01/07/2011 [Internet]. Disponível em
  17. http://www.ambitojuridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=9786. Acesso em 18/08/2011.
  18. Idem
  19. Nesse sentido, a respeito da gravidade concreta, em ambas as turmas: STF, 1ª T., HC 97462, Relª. Minª. Cármen Lúcia, j. em 24/03/2010, DJe de 23-04-2010; STF, 2ª T., HC 100899, Rel. Min. Eros Grau, j. em 02/02/2010, DJe de 30-04-2010 e STF, 1ª T. Nesse sentido, a respeito do risco de reiteração, em ambas as turmas: Precedentes: HC 104699/SP, rel. Min. Cármen Lúcia, Julgamento: 26/10/2010, Primeira Turma; HC 99497/PE, Rel. min. Eros Grau, Julgamento: 11/05/2010, Segunda Turma
  20. .
  21. "A blindagem do crime econômico". Opinião Jurídica, disponível em:
  22. http://www.valoronline.com.br/impresso/legislacao-tributos/106/421221/a-blindagem-do-crime-economico Acesso em: 18/11/2011.
  23. Idem
  24. .
  25. Aliás, o Supremo Tribunal Federal já sinalizou nesse sentido por ocasião do julgamento do HC 94.404/SP, quando decidiu "o legislador não pode substituir-se ao juiz na aferição da existência de situação de real necessidade capaz de viabilizar a utilização, em cada situação ocorrente, do instrumento de tutela cautelar penal. Cabe, unicamente, ao Poder Judiciário, aferir a existência, ou não, em cada caso, da necessidade concreta de se decretar a prisão cautelar." O enfoque da Excelsa Corte neste precedente foi a "proibição do excesso", isso não significa, entretanto, que a orientação não possa utilizada em prol da "proibição de deficiência".
  26. NUCCI, Guilherme de Souza. Prisão e Liberdade. São Paulo. Editora Revista dos Tribunais. 2011. P. 28.
  27. Respectivamente: "O benefício da suspensão do processo não é aplicável em relação às infrações penais cometidas em concurso material, concurso formal ou continuidade delitiva, quando a pena mínima cominada, seja pelo somatório, seja pela incidência da majorante, ultrapassar o limite de um (01) ano." E "Não se concede fiança quando, em concurso material, a soma das penas mínimas cominadas for superior a dois anos de reclusão."
  28. OLIVEIRA, Eugenio Pacelli de. Atualização do Processo penal. Separata da 14ª edição dos Comentários ao Código de Processo Penal. Belo Horizonte. Editora Lumen Juris. 2011. p.33.
  29. NUCCI, Guilherme de Souza. Prisão e Liberdade. São Paulo. Editora: Revista dos Tribunais. 2011. p. 69.
  30. MARTINS, Charles Emil Machado, e BARIN, Érico Fernando. "A lei deve servir à sociedade, não ao criminoso." Artigo Publicado no Jornal "O Sul" – Coluna do Ministério Público, p. 2. Disponível em: http://www.ajuris.org.br/ajuris/index.php?option=com_content&view=article&id=1400:17-de-julho-de-2011-domingo&catid=15:clipping-diario&Itemid=22
  31. MARTINS, Charles Emil Machado, e BARIN, Érico Fernando. "A lei deve servir à sociedade, não ao criminoso." Artigo Publicado no Jornal "O Sul" – Coluna do Ministério Público, p. 2.
  32. FERNANDES, Antonio Scarance . Medidas Cautelares. Boletim IBCCRIM, ano 18, n. 224, p. 6-7, 2011.
  33. Aproveito o ensejo e, por último, agradeço aos colegas Érico Barin, Pedro Rui da Fontoura Porto, David Medina e Mauro Fonseca Andrade pelos seus contributos, amplamente utilizados nas presentes reflexões.
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Sobre o autor
Charles Emil Machado Martins

Promotor de Justiça, Professor de Direito Processual Penal na FESMP-RS e UNISINOS.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MARTINS, Charles Emil Machado. Prisão preventiva e a Lei nº 12.403/11: a outra face da proporcionalidade. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 3057, 14 nov. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/20427. Acesso em: 22 nov. 2024.

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