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O Supremo Tribunal Federal e o regime militar de 1964

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03/12/2011 às 08:27

Resumo:


  • O Supremo Tribunal Federal (STF) passou por transformações profundas durante o regime militar iniciado em 1964, especialmente após o Ato Institucional Número Dois (AI-2), que alterou a composição da Corte e o número de ministros.

  • Os ministros nomeados pelo regime militar eram alinhados com a União Democrática Nacional (UDN) e favoreciam as decisões do governo, diminuindo a autonomia do STF e a eficácia do Estado de Direito.

  • Decisões como a que concedeu anistia a agentes do Estado que cometeram tortura durante a ditadura militar, e o debate sobre a redemocratização e a função do STF na nova Constituição de 1988, evidenciam a influência do passado autoritário na Corte Suprema brasileira.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

3. O STF na encruzilhada do destino: a tensão entre 64 e 68.

3.1. Resistência e resistências: decisões que incomodavam

A partir de 1964 começaram a surgir casos em que o STF decidiu contra os interesses do governo militar. O primeiro relato é de uma decisão de 24 de Agosto de 1964 em relação a um professor que através de um panfleto manifestava-se contra o regime.

Um dos casos que chegaram ao Supremo foi o do professor Sérgio Cidade de Resende, incurso na Lei 1.802, de 5 de janeiro de 1953, que definia os crimes contra o Estado e a ordem política e social, Resende, acusado de ter distribuído em aula um manifesto contrário à situação vigente, com a intenção de subverter a ordem política e social, teve sua prisão preventiva decretada. Em seu favor, foi impetrado um habeas corpus no Supremo Tribunal Federal, invocando a liberdade de pensamento e de cátedra, garantida pela Constituição. O pedido foi julgado a 24 de agosto de 1964, tendo sido relator o ministro Hahnemann Guimarães. O julgamento trouxe à baila o problema da liberdade de expressão, defendida galhardamente pelos ministros. O relator não encontrou no referido manifesto nada que se pudesse considerar propaganda de processos violentos para subversão da ordem política e social ou instigação à desobediência coletiva ao cumprimento da lei de ordem pública. Foi acompanhado no seu voto pelo ministro Evandro Lins, que fez longas citações de autores norte-americanos em defesa da tese da liberdade de expressão e de cátedra. Votou também a favor o ministro Hermes Lima. O ministro Pedro Chaves acompanhou o relator no terreno legal, mas ressalvou que divergia no terreno político-ideológico, estando em completo desacordo com as idéias emitidas pelo ministro Evandro Lins e Silva. Apontou a contradição entre as idéias de revolução e Constituição. Na sua opinião, a Constituição de 1946, inspirada nos princípios da liberal-democracia, mantida pelo governo revolucionário, não oferecia meios de defesa às instituições nacionais. Havia abuso de liberdade de imprensa, de liberdade de pensamento, de imunidades parlamentares, de liberdade de cátedra. Os que abusavam da liberdade eram, na sua opinião, os maiores responsáveis pela situação do país. Depois de uma diatribe contra os comunistas, que lhe pareciam implicados nessa subversão da ordem, terminou, no entanto, por conceder o habeas corpus. Falou a seguir o ministro Vítor Nunes Leal, que também concedeu a ordem, aproveitando a ocasião para relatar vários casos resolvidos nos Estados Unidos em favor da liberdade de cátedra, o que provocou um aparte do ministro Pedro Chaves. Este afirmou a inaplicabilidade desses exemplos ao Brasil, por ser a "cultura norte-americana absolutamente diversa da nossa cultura, dos nossos meios e dos nossos hábitos". Seguiu-se uma troca de apartes em que o ministro Hermes Lima apontou a falácia do argumento culturalista (muito em moda no Brasil entre os conservadores): “Será que a diferença cultural autoriza a falta de liberdade no Brasil? Aonde iríamos com esse raciocínio, que regime adotaríamos aqui? Por que haveríamos de adotar regime democrático, se este País pode não estar maduro para a democracia como os Estados Unidos?” Sua intervenção apontava os riscos de uma argumentação que invocava diferenças culturais para justificar o cerceamento da liberdade pública e a prática de todos os tipos de arbitrariedade. (COSTA, 2006, p.162-3)

A diferenças ideológicas entre os ministros começavam a despontar. Além do que a decisão irritou o governo que aos poucos começou a articular o desmonte do Supremo.

A discussão revelou o grau de tensão instalado no Supremo em virtude dos acontecimentos políticos. Prosseguindo a votação, o habeas corpus foi concedido com os votos favoráveis dos ministros Vítor Nunes, Gonçalves de Oliveira, Vilas Boas e Cândido Motta Filho. O acórdão irritou o governo, que, no entanto, respeitou a decisão do Supremo. Casos semelhantes multiplicaram-se desde então, até que o Tribunal se viu privado da sua competência de julgá-los, passando-os para a atribuição exclusiva da Justiça Militar. Enquanto durou o governo Castelo Branco, que se orgulhava de ser um legalista, a situação perdurou, dando origem a uma hostilidade crescente dos militares em relação ao Supremo. Este, apesar de todas as pressões e das diferenças ideológicas entre os ministros, prosseguia inabalável no exercício da função que lhe competia, de acordo com a Constituição de 1946. Suas decisões desencadeariam novas críticas. (COSTA, 2006, p.163)

Outro caso importante, de novembro de 1964, foi o do Habeas Corpus a favor do governador do Estado de Goiás Mauro Borges submetido a tribunal militar quando tinha prerrogativa de foro a Assembléia Legislativa do Estado. Em informações dadas pelo ministro da justiça Milton Campos, o mesmo justifica a atitude em razão do Ato Institucional nº 1. O ministro Gonçalves Dias concedeu o Hábeas corpus afirmando que a constituição limitava os poderes da justiça militar. (Cf. COSTA, 2006, p.163) A Justiça militar (...)

(...) só poderia se estender aos civis em casos de crimes contra a segurança externa do país ou das instituições militares. Por duas vezes, tentara-se acrescentar a expressão interna ao dispositivo legal, mas ambas, felizmente, haviam falhado, caso contrário, no dizer do ministro, "a propósito de simples revolta, poder-se-ia arrastar os civis à barra das cortes especiais para as forças armadas". Ao encerrar, o ministro relator fez um discurso que merece ser transcrito pela sua coragem. Suas palavras evidenciam o desejo, tantas vezes expresso por outros ministros em circunstâncias semelhantes, de manter a independência do Poder Judiciário em tempo de crise:

A Constituição é o escudo de todos os cidadãos, na legítima interpretação desta Suprema Corte. É necessário, na hora grave da história nacional, que os violentos, os obstinados, os que têm ódio no coração, abram os ouvidos para um dos guias da nacionalidade, o maior dos advogados brasileiros, seu maior tribuno e parlamentar, que foi Rui Barbosa: Quando as leis cessam de proteger nossos adversários, virtualmente, cessam de nos proteger. (COSTA, 2006, p.164)

O hábeas corpus foi concedido por unanimidade, mas o presidente Castelo Branco interviu no Estado de Goiás de qualquer forma, desrespeitando a decisão do STF.

(...) Supremo Tribunal Federal concedeu por unanimidade o habeas corpus a Mauro Borges. Em resposta, Castello decretou a intervenção federal em Goiás. Mauro Borges foi deposto, mas o derrota do foi o marechal. “A linha dura prevaleceu”, reconheceria Geisel mais tarde. Golbery, ao analisar esses desastrados acontecimentos, mostrava-se otimista, julgando “superados incidentes menores”. (GASPARI, 2002a, p.187)

Outra decisão importante foi a do caso do Governador de Pernambuco Miguel Arraes de Alencar deposto junto ao golpe militar de 1964, tentou-se inicialmente hábeas corpus, ainda em 1964, alegando-se a incompetência da Justiça militar para julgar governadores de Estado, porém o hábeas corpus não foi concedido. Em abril de 1965 foi novamente impetrado hábeas corpus, interposto pelos advogados Heráclito Fontoura Sobral Pinto e Antônio de Brito Alves, no STF a favor de Arraes, mas com novo fundamento. O governador estava preso há mais de um ano sem julgamento.

Tendo o relator solicitado as informações devidas ao Superior Tribunal Militar, foi informado de que o paciente figurava como cabeça da subversão no Nordeste, sendo apontado como "ativista da linha comunista, orientação chinesa, juntamente com o ex-deputado Francisco Julião, Gregório Bezerra e outros conhecidos comunistas. O paciente era acusado de ter colaborado na promoção de desordem na zona rural de Pernambuco, instigando os camponeses a quebrar a resistência patronal e impor o regime comunista. O paciente fora deposto e preso, perdendo seus direitos políticos por dez anos. Havia sido denunciado pelo Ministério Público Militar e enquadrado nos artigos que definiam crimes contra a segurança do Estado. O procurador-geral da República, Osvaldo Trigueiro de Albuquerque Melo, manifestou-se a favor do indeferimento do pedido.". (COSTA, 2006, p.165).

Uma pequena observação, Osvaldo Trigueiro de Albuquerque Melo, então Procurador Geral da República, seria nomeado ministro do STF meses depois. Os ministros acabaram concedendo o hábeas corpus.

O habeas corpus foi concedido por unanimidade, embora o ministro Luís Gallotti o concedesse apenas em virtude do excesso de prazo de detenção, tendo externado, na ocasião, um ponto de vista diverso dos demais, justificando a competência da Justiça Militar em casos análogos. (COSTA, 2006, p.165)

Porém para que a ordem de habeas corpus fosse cumprida foi necessário muito esforço do STF para que os militares obedecessem (GODOY, 2011).

A questão da transferência do foro dos processos políticos surgira em abril de 1965, quando o Supremo Tribunal Federal, por unanimidade, concedeu um habeas corpus ao ex-governador Miguel Arraes, preso na ilha de Fernando de Noronha desde sua deposição. Diante da sentença acumpliciaram-se o comandante do I Exército e o coronel Ferdinando de Carvalho, encarregado do IPM que apurava as atividades do PCB. Em vez de libertar Arraes, Ferdinando levou-o para a fortaleza de Santa Cruz. O chefe do estado-maior do I Exército, general Edson de Figueiredo, considerou o habeas corpus “um abuso” e recusou-se a entregar o preso. Em resposta, o presidente do Supremo, Alvaro Ribeiro da Costa, ameaçou prender o general. A crise durou três dias e só foi resolvida após uma sofrida intervenção de Castello. Arraes foi solto e asilou-se na embaixada da Argélia. (GASPARI, 2002a, p.257)

E as perseguições não acabariam com o habeas corpus no STF, mais tarde o proprietário da editora Civilização brasileira, Ênio Silveira, seria investigado num Inquérito Policial Militar por ter oferecido um almoço ao ex-governador, fato que ficou conhecido como IPM da Feijoada e gerou protesto escrito com mais de mil assinaturas de pessoas das mais variadas tendências políticas. “Esfriada a crise, promoveu um encontro de Costa e Silva com o presidente do Supremo durante uma sessão de cinema no pequeno auditório do palácio da Alvorada.” (GASPARI, 2002a, p.257)

Logo, porém, os atritos entre o executivo e o judiciário iriam se agravar. No caso do deputado Francisco Julião, líder da liga camponesas, mesmo concedendo-se o habeas corpus o discurso já apareceria mais rigoroso.

Em favor do paciente foi requerida ordem de habeas corpus no STF sob os mesmos fundamentos, tendo sido concedida apenas pelo excesso de prazo de prisão, contra o voto do relator, ministro Luís Gallotti. (COSTA, 2006, p.165)

Essas decisões, ainda que ambíguas e cada vez mais tendentes ao regime começaram a incomodar o governo militar que logo tomaria atitudes contra o STF.

3.2. Vestindo o país com uma legalidade nua

Para oferecer uma frágil roupa de legalidade ao regime autoritário os militares editaram diversos Atos Institucionais.

Os instrumentos legais da repressão foram os "atos institucionais" editados pelos presidentes militares. O primeiro foi introduzido logo em 9 de abril de 1964 pelo general Castelo Branco. Por ele foram cassados os direitos políticos, pelo período de dez anos, de grande numero de líderes políticos, sindicais e intelectuais e de militares. Alem das cassações, foram também usados outros mecanismos, como a aposentadoria forçada de funcionários públicos civis e militares. Muitos sindicatos sofreram intervenção, for am fechados os órgãos de cúpula do movimento operário, como o CGT e o PDA. Foi invadida militarmente e fechada a UNE, o mesmo acontecendo com o ISEB. (CARVALHO, 2005, p.160)

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Castelo Branco gostava de manter a aparência de legalidade do regime. Aparecer autoritário seria muito negativo ao regime, por isso a manutenção do STF era essencial. Entretanto, as decisões contrárias ao regime incomodavam. Surgiram então boatos de alteração do número de ministros do STF por iniciativa do poder executivo. A situação se agravou quando opiniões do presidente do STF Ribeiro da Costa, contrário a tal decisão do executivo, começaram a circular na mídia.

Em 20 de outubro de 1965, Ribeiro da Costa publicou no Correio da Manhã um artigo intitulado “Inutilidade do aumento de ministros no STF”, no qual escrevia: “Nada mais contundente, absurdo, esdrúxulo e chocante com os princípios básicos da constituição, que se cogite de aumento de juízes da Corte Suprema, sem que de sua iniciativa se manifeste essa necessidade mediante mensagem dirigida ao Congresso Nacional (...) Já é tempo que os militares se compenetrem de que nos regimes democráticos não lhes cabe o papel de mentores da Nação, como há pouco o fizeram, com estarrecedora quebra de sagrados deveres, os sargentos instados pelos Jangos e Brizolas. A atividade civil pertence aos civis, a militar a estes que sob o sagrado compromisso juram fidelidade às leis à Constituição” (RODRIGUES, 2002, p. 335)

Era inconcebível num Estado que prezava minimamente as instituições o aumento de número de ministros do maior órgão do poder judiciário por iniciativa do poder executivo.

A atividade civil pertence aos civis, declarou o ministro. Lembrou aos militares que eles tinham jurado fidelidade à disciplina, às leis e à Constituição, e que ao Supremo cabia o controle da legalidade e da constitucionalidade dos atos dos outros poderes, sendo por isso investido de excepcional independência. Portanto, considerava intolerável a alteração do número de juízes por iniciativa do Executivo e chancela do Legislativo. A entrevista teve enorme repercussão nos meios militares, no Congresso e na imprensa. A crise levaria à promulgação de novo Ato Institucional (COSTA, 2006, p.166)

Os militares então começaram a se opor publicamente ao STF e ao seu presidente.

Na tarde de 22 de outubro, durante um churrasco realizado em Itapeva, no interior de São Paulo, Castello e Costa e Silva confraternizavam com a oficialidade que acabara de concluir manobras militares na região. O ministro, violando a programação, resolveu discursar para a tropa. (...) Costa e Silva desafiou-o diante de uma platéia que, como a do Automóvel Clube em março de 1964, gritava “Manda brasa”. Mandou-a. “O Exército tem chefe. Não precisa de lições do Supremo. [...] Dizem que o Presidente é politicamente fraco, mas isso não interessa, pois ele é militarmente forte”, atacou Costa e Silva, pedindo desculpas ao presidente pela ênfase. (GASPARI, 2002a, p.271)

A mídia se dividia.

A reação da imprensa foi dividida. O Correio da Manhã denunciou a gravidade da situação e a indisciplina do ministro da Guerra, que colocava o presidente em posição difícil. Acusou o governo de atentar contra o princípio da independência e harmonia dos poderes. O Jornal do Brasil divulgou a existência de um projeto de novo Ato Institucional, que permitiria novas cassações de mandatos, e relatou os incidentes relativos ao Supremo sem tomar partido. O jornal O Globo apoiou o governo, afirmando que a continuidade da revolução estava em jogo. Para atingir os seus fins, ela tinha que ser una, não podendo existir um Executivo pró-revolucionário, um Legislativo ambivalente e um Judiciário neutro. (COSTA, 2006, p.166)

O presidente do STF, entretanto, mesmo partidário da UDN, tentava manter a moral do tribunal intacto, “(...) segundo a história oral do Tribunal, depois Moutinho da Costa reagiu a ameaças do ministro do Exército, Costa e Silva, ameaçando fechar a casa e mandar a chave da instituição ao Planalto”. (CARVALHO, L. MAKLOUF, 2010a). Em 25 de Outubro, antes de votar habeas corpus em favor de Juscelino Kubitschek, os ministros do STF votam moção de apoio à manutenção de Ribeiro da Costa na presidência do STF até o término de sua judicatura.

O Supremo preparava-se para considerar um pedido de habeas corpus em favor do ex-presidente Juscelino Kubitschek, alvo de inquérito policial militar. A 25 de outubro, em sessão plena, os ministros aprovaram, em emenda regimental, o prolongamento do mandato do ministro Ribeiro da Costa até o término de sua judicatura, medida obviamente de desagravo pelas críticas que ele vinha sofrendo por parte de militares e de alguns setores da imprensa. (COSTA, 2006, p.166-7).

O mandato dele terminava em 1966, e a emenda prorrogou por mais seis ou sete meses. Ribeiro da Costa ficou, com uma posição muito vigilante, atuante, brava. (SILVA, 1997, p. 382)

Nesse momento a configuração dos ministros era a mesma que havia presenciado o golpe de 1964. A partir de então começa o desmonte do antigo STF e a reformulação de uma nova composição da corte. O primeiro golpe foi o AI-2.

Dois dias depois, a 27 de outubro de 1965, o presidente Castelo Branco emitiu o Ato Institucional na 2, que veio atingir diretamente o Supremo Tribunal Federal, alterando a sua composição. O número de ministros foi aumentado de onze para dezesseis, tendo sido nomeados cinco ministros com militância partidária na UDN, mais adequados, portanto, à política do momento. (COSTA, 2006, p.167)

O documento estabelecia ainda o aumento de 11 para 16 do número de ministros do Supremo Tribunal Federal. Esta reforma do STF fora imposta a Castelo pelos militares da linha dura irados com as sucessivas decisões da mais alta corte judiciária contra os procuradores do governo em graves casos de "subversão". O presidente do Tribunal, ministro Ribeiro da Costa, denunciou a manobra, mas inutilmente. (SKIDMORE, 1988, p. 102)

Foram nomeados 5 ministros aliados ao regime militar, com tendências políticas ligadas a UDN e que facilitariam a aprovação dos interesses do regime militar no STF. Entretanto não garantiriam ainda a plena maioria contra o antigo liberalismo judiciário.

Tabela 2 – Ministros nomeados para assumir as cadeiras criadas pelo AI 2 em 16/11/1965

1

Adalício Coelho Nogueira

2

José Eduardo do Prado Kelly

3

Oswaldo Trigueiro de Albuquerque Mello

4

Aliomar de Andrade Baleeiro

5

Carlos Medeiros Silva

Fonte: https://www.stf.jus.br/portal/ministro/ministro.asp

Além dos novos ministros o AI-2 trouxe diversas novas configurações ao governo.

O Ato Institucional no 2, de outubro de 1965, aboliu a eleição direta para presidente da República, dissolveu os partidos políticos criados a partir de 1945 e estabeleceu um sistema de dois partidos. O AI-2 aumentou muito os poderes do presidente, concedendo-lhe autoridade para dissolver o parlamento, intervir nos estados, decretar estado de sítio, demitir funcionários civis e militares. Reformou ainda o judiciário, aumentando o numero de juizes de tribunais superiores a fim de poder nomear partidários do governo. O direito de opinião foi restringido, e juizes militares passaram a julgar civis em causas relativas a segurança nacional. (CARVALHO, 2005, p.161)

Apesar dos protestos dos membros do STF (...) nada aconteceu quando o Ato Institucional nº 2 aumentou o número de ministros de onze para dezesseis. (CARVALHO, L. MAKLOUF, 2010a). Seguiram-se os trabalhos do STF, porém o espaço para decisões contrárias ao governo militar diminuiu. Os atos impetrados pelo governo militar com base no AI-2 não podiam ser apreciados pelo poder judiciário. “O controle jurisdicional desses atos se limitaria a formalidades extrínsecas, ficando vedada à apreciação dos fatos que os motivaram. (...) "excluída a apreciação judicial desses atos". O AI-2 institucionalizava o arbítrio sob a fachada de legalidade”. (COSTA, 2006, p.167)

3.3. A ditadura sem retorno

O governo militar aos poucos perdia força popular. O que ficou comprovado nas eleições de 1966.

Em 1966, houve eleições estaduais, e o governo foi derrotado em cinco estados, inclusive os estratégicos Rio de Janeiro e Minas Gerais. Em retaliação, setores militares radicais exigiram novas medidas repressivas. (CARVALHO, 2005, p.161).

E o Supremo continuava a ser a válvula de escape as demandas sociais. Ameaçados constantemente de cassação alguns ministros (Silva, 1997, p.383) não tinham como reagir.

Entre 1964 e 1968, em virtude das intervenções nos Estados, da prisão de um grande número de cidadãos, da suspensão e demissão de funcionários e da cassação de mandatos de governadores, deputados e vereadores, o Supremo viu-se inundado por pedidos de habeas corpus e mandados de segurança. Vários atos institucionais e emendas à Constituição complicaram o quadro jurídico, tornando a posição do Tribunal cada vez mais insustentável. Além de tudo, promulgada a Constituição de 1967, novas emendas e atos institucionais viriam cercear mais ainda sua atuação. (COSTA, 2006, p.168).

A resistência armada também gerou outro problema para a instituição da legalidade.

A partir do aparecimento da guerrilha, no entanto, não só a tortura foi usada contra presos políticos como a pena de morte foi instituída e vários presos foram mortos ou desapareceram sem deixar traços. A lei assegurava ao acusado plena defesa. Concedia habeas corpus sempre que alguém sofresse ou se achasse na iminência de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção por ilegalidade ou abuso de poder. Mas os habeas corpus ficariam suspensos em casos de "crime contra a segurança nacional". (COSTA, 2006, p.170).

A nova constituição de 1967, autoritária em essência, dificultava ainda mais o trabalho do STF. Porém a arbitrariedade explicita seria difundida com o AI-5 em dezembro de 1968. Factualmente uma decisão do Congresso e a insistência do STF na postura liberal opuseram-se a linha dura das forças armadas. Alguns historiadores apontam o discurso Lysistrata de Márcio Moreira foi o estopim para o AI-5.

A situação estava nesse pé quando sobreveio um desafio completamente inesperado. Começou com um discurso na Câmara dos Deputados praticamente despercebido, mas que logo se tornaria questão de vida ou morte. Em fins de agosto e princípio de setembro de 1968 Márcio Moreira Alves, o ex-jornalista agora deputado e combativo crítico do governo, pronunciou uma série de discursos denunciando a brutalidade policial (como na recente repressão aos estudantes em Brasília) e a tortura de presos políticos. Ele sugeriu que os pais protestassem contra o regime militar impedindo que seus filhos assistissem à parada de Sete de Setembro, dia da Independência. Alves propôs a "Operação Lysistrata", durante a qual as mulheres brasileiras, como as suas antepassadas na comédia de Aristófanes, boicotariam seus maridos até que o governo suspendesse a repressão. Os leitores de jornais que viram a notícia acharam graça e nada mais do que isto. O próprio Alves disse depois que a proposta não passou de um chiste, já que a verdadeira crítica ao governo estava em suas duras invectivas contra a tortura e a penetração econômica estrangeira. (...) Mas os militares se fixaram no conselho do deputado às suas mulheres. O "discurso Lysistrata" foi reproduzido e enviado a todos os quartéis do país, deixando lívidos os oficiais que o liam. Afinal, punha-se em dúvida sua honradez e ameaçava-se sua virilidade. Os três ministros militares exigiram que o Congresso suspendesse as imunidades parlamentares de Márcio Alves para que ele fosse processado por insulto às forças armadas (infração da Lei de Segurança Nacional). (...)Márcio Moreira Alves e Hermano Alves (nenhum parentesco), outro deputado com pontos de vista semelhantes, cuja imunidade o presidente também desejava suspender, trabalharam eficientemente seus colegas. Votar pela suspensão 'das imunidades, eles diziam, converteria o Congresso em uma instituição pouco respeitável. Os dois deputados também se prevaleceram da culpa dos parlamentares por não haverem combatido o autoritarismo em momentos cruciais desde 1964. (...)A votação do caso Márcio Moreira e Hermano Alves configurou-se como a mais importante desde 1964. A 10-11 de dezembro os militares da linha dura foram surpreendidos com nova causa para alarme: o Supremo Tribunal ordenara a libertação de 81 estudantes, inclusive os principais líderes das marchas no Rio, que estavam presos desde julho. Todos os jornalistas em Brasília sabiam que o ministro da Justiça Gama e Silva tinha um novo Ato Institucional pronto em sua gaveta. Estaria ele blefando para impressionar o Congresso? A Câmara realizou a votação em 12 de dezembro. Para surpresa de muitos e revolta dos linhas-duras, o pedido do governo foi rejeitado por 216 a 141 (com 15 abstenções). Seguiu-se verdadeiro pandemônio no plenário da Câmara. Alguém começou a cantar o hino nacional e todos fizeram o mesmo. Os deputados congratulavam-se mutuamente por sua coragem. A emoção de haverem desafiado os militares era contagiante. Mas Márcio Alves sabia que era agora o inimigo público número um. Rapidamente abandonou o recinto da Câmara e desapareceu clandestinamente rumo ao exílio. (SKIDMORE, 1988, p. 161-)

Assim o governo cai no momento mais negro da ditadura militar no Brasil. (Cf. HABERT, 2001, p.10)

Nova retomada autoritária aconteceu em 1968. Nesse ano, voltaram a mobilizar-se contra o governo alguns setores da sociedade, sobretudo os operários e os estudantes. Duas greves marcaram a retomada das manifestações operarias. Os estudantes saíram as ruas em grandes marchas pela democratização, e um deles, Edson Lufs, foi morto em uma das manifestações. Tendo a Câmara dos Deputados negada permissão para processar um de seus membros, que fizera um discurso considerado ofensivo às forças armadas, o governo editou novo ate institucional em dezembro. O Ato Institucional no 5 (AI-5) foi o mais radical de todos, o que mais fundo atingiu direitos políticos e civis. O Congresso foi fechado, passando o presidente, general Costa e Silva, a governar ditatorialmente. Foi suspenso o hábeas corpus para crimes contra a segurança nacional, e todos os atos decorrentes do AI-5 foram colocados fora da apreciação judicial. (CARVALHO, 2005, p.161-2)

O poder judicial, cada vez mais aparelhado ao governo e sem poder, passou a figurar apenas como uma estúpida roupa de Estado de Direito num Estado nu.

A 13 de dezembro de 1968, o governo do presidente Costa e Silva baixou o Ato Institucional n a 5, outorgando ao presidente da República poderes excepcionais que lhe permitiriam atuar na ordem institucional sem apreciação do Judiciário. Dessa forma, o Ato se sobrepôs mais uma vez à Constituição vigente. Justificava-se o Ato em nome da ordem, segurança e tranqüilidade, do desenvolvimento econômico e cultural, da harmonia política e social do país, "comprometido por processos subversivos e de guerra revolucionária". (COSTA, 2006, p.171)

Ficava, ainda, suspensa a garantia de habeas corpus nos casos de crimes políticos contra a segurança nacional, a ordem econômica e social e a economia popular. Excluíam-se de qualquer apreciação judicial todos os atos praticados de acordo com esse Ato Institucional. (COSTA, 2006, p.172)

Era o fim do Estado de Direito no Brasil.

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Sobre o autor
Ivan Furmann

Doutor em Direito pela UFPR. Mestre em Educação. Bacharel em Direito. Professor EBTT no IFC (Instituto Federal Catarinense) Campus Sombrio - Santa Rosa do Sul. Leciona Direito Ambiental, Direito do Trabalho, História, Metodologia Científica e Sociologia..

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FURMANN, Ivan. O Supremo Tribunal Federal e o regime militar de 1964. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 3076, 3 dez. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/20557. Acesso em: 24 dez. 2024.

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