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Transparência, inexistência de sigilo bancário em transações a partir de contas de entes públicos junto a instituições financeiras e o efetivo combate à corrupção

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01/02/2012 às 08:23
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Apesar de ser direito do cidadão saber com precisão sobre o patrimônio de um ente público, as instituições financeiras apegam-se às leis de sigilo bancário, criadas para resguardar interesses de particulares, para negar acesso a dados sobre dinheiro absolutamente público, criando ilegais óbices até mesmo para autoridades incumbidas da fiscalização do erário, como os Tribunais de Contas e os Ministérios Públicos.

RESUMO

O presente estudo trata da transparência nos atos dos entes da administração pública, sua relevância no enfrentamento da corrupção e a não existência de sigilo acerca das informações de transações bancárias em contas de entes públicos junto a instituições financeiras, tudo de modo a se permitir uma maior fiscalização do erário.


1. INTRODUÇÃO

O Padre Antonio Vieira, no ano de 1655, pregou na Igreja da Misericórdia de Lisboa um de seus mais famosos sermões: o Sermão do Bom Ladrão ou da Audácia. O corajoso e contundente discurso, que tem como tema central a desonestidade dos integrantes da monarquia, permanece em tudo aplicável ao Brasil do Século XXI, com sua história contemporânea maculada pelos deletérios ilícitos de ímprobos agentes públicos.

Naquela época, o visionário Vieira advertia os ímprobos reis tratando-os como pecadores e conclamava o povo a meditar acerca do modo de condução do estado pelos monarcas e seus desmandos: Escreveu o padre:

Não são só ladrões, diz o Santo, os que cortam bolsas, ou espreitam os que se vão banhar, para lhes colher a roupa; os ladrões que mais própria e dignamente merecem este título, são aqueles a quem os reis encomendam os exércitos e legiões, ou o governo das províncias, ou a administração das cidades, os quais já com manha, já com força, roubam e despojam os povos. Os outros ladrões roubam um homem, estes roubam cidades e reinos; os outros furtam debaixo de seu risco, estes sem temor, nem perigo; os outros, se furtam, são enforcados, estes furtam e enforcam. [01]

Hoje, em nosso país de tantas realidades e de uma democracia ainda em consolidação, não é incomum depararmo-nos com atitudes de "representantes do povo" que mais se assemelham a atos de um príncipe absolutista, em completo descompasso com a fundamental noção de res publica e com a noção sobre quem é verdadeiro titular dos interesses e bens administrados:o povo.

O presente ensaio visa analisar o que entendemos ser a mais fundamental premissa para um efetivo controle das ações governamentais e para o combate à corrupção: a ampla transparência dos atos da administração pública.

Sabe-se que a vivência democrática só se concretiza com a participação popular nos negócios jurídicos do Estado e nas deliberações estatais, bem como que a prevenção e a repressão à corrupção depende do conhecimento, tanto pelo Ministério Público e pelas demais instituições incumbidas do controle externo, quanto por qualquer cidadão, de todos os atos dos entes públicos e do acesso a informações dessa seara, tudo de modo a concretizar o princípio da publicidade.

Somente adotando essa perspectiva será possível lançar luzes sobre os atos ilegais praticados cotidianamente por gestores desonestos e viabilizar um tratamento de, no mínimo, igual desvalor entre o "furtador de bolsas" e o "ladrão de cidades e reinos", como profetizou Vieira.


2. O REPUBLICANO E DEMOCRÁTICO DEVER DE TRANSPARÊNCIA NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

O artigo 1º da Constituição Federal estabelece que o Brasil é uma República, constituindo-se em um Estado Democrático de Direito.

O termo república, como é sabido, tem sua origem na concepção de "coisa do povo e para o povo", ou seja, res publica.

A forma republicana de governo – ou seja, a maneira como se dá a instituição do poder na sociedade e como se dá a relação entre governantes e governados [02] - se opõe a monarquia, porquanto nessa a acessão ao torno é automática, hereditária e vitalícia e o monarca não tem responsabilidade política, não possuindo obrigação de prestação de contas de seus atos aos súditos, enquanto naquela os mandatos dos chefes de governo são temporários, decorrentes de eleição e há responsabilidade do governante na administração de um patrimônio comum, com inerente dever de prestação de contas ao povo e às instituições de controle.

De outro lado a democracia é o regime político [03] "do povo, pelo povo e para o povo" (Lincoln). O conceito clássico, entretanto, não se implementa sem a noção de que a democracia existe materialmente se o povo possuir, além de liberdade de voto, liberdade de informação e de manifestação [04], exatamente para ser possível a formação de uma opinião sólida e o exercício da fiscalização dos governantes visando verificar se, realmente, os representantes do povo exercem com fidelidade o mandato que receberam.

Do contrário, permaneceremos eternamente na situação apontada Sérgio Buarque de Holanda em "Raízes do Brasil":

A democracia no Brasil foi sempre um lamentável mal-entendido. Uma aristocracia rural e semifeudal importou-a e tratou de acomodá-la onde fosse possível, aos seus direitos ou privilégios, os mesmos privilégios que tinham sido, no Velho Mundo, o alvo da luta da burguesia contra os aristocratas. E assim puderam incorporar à situação tradicional, ao menos como fachada ou decoração externa, alguns lemas que pareciam os mais acertados para a época e eram exaltados nos livros e discursos. [05]

É dizer: a participação popular somente será realmente relevante para o amadurecimento da democracia se for exercida depois da plena utilização do direito de informação acerca dos atos da administração pública. Após o amplo conhecimento dos negócios do Estado é que se poderá realmente dizer que "todo o poder emana do povo".

Assentadas em brevíssimas linhas as idéias básicas acerca do princípio republicano e do regime democrático, cumpre introduzir um dos corolários dessas concepções: a ampla publicidade dos atos estatais.

Deveras, se as atuais balizas constitucionais do Estado Brasileiro estão ancoradas naquelas concepções históricas constitucionais, fácil concluir que o primeiro dever de todo governante público é o dever de prestar contas do que executa, permitindo a transparência nos negócios do ente público que administra.

Hoje sociólogos descrevem a existência da chamada "sociedade informacional", resultado de profundas transformações no modo de produção ante a central importância da informação nas relações sociais, superando-se a antiga sociedade industrial, essa calcada tão-somente na relevância dos recursos naturais e no capital financeiro. Pois bem, na chamada Era da Informação é comum depararmo-nos com alegações de sigilo, restrições ao acesso a dados públicos ou regulamentações que frustram por via transversa o conhecimento pleno acerca de atos de entes estatais. Lamentavelmente o país está repleto de administradores públicos, em todos os Poderes, que desprezam o dever de informar até mesmo a instituições de controle e à imprensa.

Cuida-se da denominada "opacidade informacional" ou "fator opacidade", ou seja, a ausência de transparência, que, em muitos casos, é usada exatamente como biombo para práticas corruptas, sendo constatável que quanto mais corrupto um governo, menor é o grau de transparência de seus atos.

A transparência na condução dos governos é, portanto, dever inerente à função pública, sendo preciso que os "administradores reconheçam que as informações lhe são apenas confiadas pela sociedade e que eles não são donos das informações públicas" [06].


3. O PRINCÍPIO DA PUBLICIDADE

Com a superação do período ditatorial no Brasil, o legislador constituinte buscou estabelecer, na Carta de 1988, uma normatização da publicidade consentânea com a democracia. Tal viés foi determinado, assim como outros que constam da Constituição Cidadã, porque inúmeros desmandos do regime de exceção ocorreram na penumbra do desconhecido, à sorrelfa, na obscuridade dos segredos. Como observou o Ministro Marco Aurélio no julgamento do mandado de injunção nº 284-DF in RTJ nº 139/713

(...) alguns dos muitos abusos cometidos pelo regime de exceção instituído no Brasil em 1964 traduziram-se dentre vários atos de arbítrio puro que o caracterizaram, na concepção e formulação teórica de um sistema claramente inconveniente com a prática das liberdades públicas (...) ao privilegiar e cultivar o sigilo, transformando-o em 'praxis' governamental institucionalizada, frontalmente ofendeu o princípio democrático, pois, consoante adverte Norberto Bobbio, em lição magistral sobre o tema (O Futuro da Democracia, 1986, Paz e Terra), não há, nos moldes políticos que consagram a democracia, espaço possível reservado ao mistério. O novo estatuto político brasileiro – que rejeita o poder que se oculta e não tolera o poder que se oculta – consagrou a publicidade dos atos e das atividades estatais como valor constitucionalmente assegurado, disciplinando-o como expressa ressalva para as situações de interesse público, entre os direitos e garantias fundamentais. A Carta Federal, ao proclamar os direitos e deveres individuais e coletivos (art. 5º), enunciou preceitos básicos, cuja compreensão é essencial à caracterização da ordem democrática como um regime do poder visível, ou na lição expressiva de Bobbio, como 'um modelo ideal do governo público em público.

É consabido que o artigo 37, prevê que a administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá, dentro outros, o princípio da publicidade e, portanto, a norma consagra que o ordinário é não haver sigilo acerca de quaisquer atos administrativos [07].

A própria Carta Maior estabeleceu outrossim regras que são verdadeiros desdobramentos do princípio da publicidade, especialmente o direito a informações (artigo 5º, inciso XXXIII), o direito a certidões para defesa de direitos e esclarecimentos de situações pessoais (artigo 5º, inciso XXXIV, b), o direito ao habeas data (artigo 5º, inciso LXXII), a necessidade de que os julgamentos do Poder Judiciário sejam públicos (artigo 93, IX), a exigência de julgamentos administrativos dos Tribunais serem realizados em sessão pública (artigo 93, X), entre outros.

A efetividade da publicidade, porém, requer uma facilitação e modernização dos fluxos de informação, até mesmo uma mudança da mera posição passiva e burocrática para uma postura ativa pela administração. Esclarece a doutrina especializada:

As reformas administrativas levadas a cabo na última década em muitos países do mundo, até mesmo no Brasil – tanto pela vertente gerencial da chamada nova administração pública como pela vertente democratizante das chamadas administrações democráticas-populares – evidenciam uma nova compreensão de gestão pública e o reconhecimento da importância central de uma gestão consciente dos fluxos de informação. Tornou-se cada vez mais evidente que os órgãos públicos não podem mais se restringir a reagir – de forma passiva – às demandas de informação, mas precisam assumir uma postura pró-ativa, considerando a gerência e disponibilização de informações uma função essencial do serviço público. Um aspecto importante refere-se à opacidade informacional da selva burocrática, que impossibilita ao cidadão chegar sem maiores problemas às informações requisitadas. Em geral, ninguém fora do governo compreende o funcionamento e a complexidade da gestão das informações nos órgãos públicos. Por isso, é indispensável que as administrações coloquem à disposição do público os índices internos e os catálogos que informam o cidadão sobre qual departamento é responsável por o quê, qual departamento deve dispor de que tipo de informação referente a certo assunto, para que o cidadão possa encaminhar seus pedidos de forma mais eficiente. [08]

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Em suma: é dever do administrador e direito do cidadão a absoluta transparência nas gestões de entes públicos, sendo obrigação basilar do governante dar publicidade aos atos oficiais e atender, com presteza, requerimentos de informações de cidadãos e/ou órgãos da imprensa privada ou requisições de instituições de controle, sendo que, somente com a facilitação no acesso a tais dados e o surgimento de uma nova cultura de publicidade, é que se poderá estabelecer uma relação de respeito da população com os seus representantes.


4. OS CUSTOS SOCIAIS DA CORRUPÇÃO

A palavra corrupção advém do latim rumpere, que significa romper, dividir, surgindo daí a expressão corrumpere, que equivale a deteriorar, depravar.

Historicamente sempre desaprovada nas sociedades civilizadas, a corrupção é um dos grandes flagelos de nossa época.

Exatamente por deteriorar as funções do próprio Estado, a corrupção é deveras prejudicial ao meio ambiente, aos direitos humanos, às instituições democráticas e ao tão necessário implemento dos direitos sociais, sendo certo que, para alimentar a ganância de alguns, a improbidade gera o aumento da pobreza (e de suas sabidas consequências) de milhões de pessoas no mundo.

A organização não-governamental Transparency International publica o conhecido Índice de Percepções de Corrupção [09], sendo certo que, no ano de 2006, o Brasil figurou na posição de número 70 - de um total de 154 países –, recebendo nota 3,3 (numa escala de 0 a 10), afastado, portanto, muitas posições dos percebidos como menos corruptos, a Finlândia, a Islândia e a Nova Zelândia. Tal estudo, apesar de não ser uma constatação precisa do número de atos corruptos - até pela impossibilidade de se conhecer os atos ilícitos que tendem a permanecer na clandestinidade -, é uma referência para se chegar a triste conclusão que temos um caminho longo a percorrer para atingirmos um nível de honestidade aceitável.

Penso que um dos sentimentos que devemos estripar de nossa sociedade é de que a corrupção é pouco, ou menos, lesiva que outros ilícitos.

É difundido no imaginário popular que a periculosidade é atributo exclusivo de indivíduos que cometem crimes mediante violência ou grave ameaça à pessoa. Não é incomum também a utilização de argumentos de criminalistas no sentido de que o cárcere deve ser reservado para pessoas perigosas, referindo-se aqueles criminosos habituais que ofendem a vida ou a integridade física de outrem com suas próprias mãos.

Tal ideologia está estampada inclusive no Código Penal que prevê no artigo 44 a aplicação de penas restritivas de direitos (penas alternativas) para condenados a penas privativas de liberdade não superiores a quatro anos, desde que não cometidos com violência ou grave ameaça à pessoa, o que acaba por beneficiar, por exemplo, condenados por peculato, corrupção ativa e passiva, entre outros crimes contra a administração pública.

Se é certo que um homicida ou um assaltante é nocivo ao corpo social, pois lesa uma a vida ou saúde de um cidadão, com muito mais razão é correto dizer que um gestor que desvia milhares ou milhões de reais dos cofres públicos é responsável pela morte nas filas dos sucateados hospitais, pela falta de saneamento básico que condena os carentes a doenças medievais, ou pela precariedade das rodovias que gera acidentes fatais, ou seja, pela dolorosa morte de vários inocentes brasileiros.

O ilustre Promotor de Justiça Emerson Garcia em profundo artigo acerca do tema anota que, segundo um estudo do Banco Mundial, publicado na Revista Veja nº 1.491 de 14.03.2001, se diminuídos os níveis de corrupção pela metade, ocorreria a redução dos seguintes fatores de lesão social: a) mortalidade infantil – 51%; b) desigualdade na distribuição de renda – 54%; c) porcentagem da população que vive com menos de dois dólares por dia – 45%. E conclui o nobre colega:

"Esse ciclo conduz ao estabelecimento de uma relação simbiótica entre corrupção e comprometimento dos direitos fundamentais do indivíduo. Quanto maiores os índices de corrupção, menores serão as políticas públicas de implementação dos direitos sociais" [10].

Diante dessas ponderações é irrefutável a conclusão de que a periculosidade ou a lesividade social da atuação de gestor corrupto é muitas vezes maior que a periculosidade de um assaltante ou seqüestrador, não se compreendo, nessa quadra da história nacional, a tibieza no tratamento repressivo dos ímprobos, muitas vezes considerados, inclusive pelo Poder Judiciário, como não ofensores da ordem pública.


5. AS CONTAS BANCÁRIAS DE ENTES PÚBLICOS E A INEXISTÊNCIA DE SIGILO BANCÁRIO EM FACE DA TRANSPARÊNCIA DOS ATOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

5.1. A Perspectiva Teleológica do Sigilo Bancário

Historicamente, pode-se anotar que o sigilo bancário é costume surgido na Grécia Antiga, na prática de se efetuar a guarda, nos templos religiosos, de dinheiro, realizando-se naqueles locais inclusive atividades bancárias. Tais atividades, assim como as cerimônias religiosas eram consideradas sagradas. Os romanos, séculos depois, forjaram o conceito jurídico de segredo e o tema foi positivado em diplomas jurídicos ao redor do mundo [11].

No Brasil a primeira norma que tratou do tema foi a Lei 556 de 1890 que equiparou os banqueiros aos comerciantes em geral, estendendo-lhes o princípio da garantia do segredo no comércio.

Na atualidade discute-se se o sigilo bancário teria ou não status constitucional, especificamente se estaria abarcado no inciso XII, do artigo 5º da Carta Maior que estabeleceu o segredo na comunicação de "dados" [12]. Sem adentrarmos nessa discussão, que foi objeto do MS nº 21729-DF, julgado pelo Supremo Tribunal Federal, é certo que a leitura integral do dispositivo permite concluir com facilidade que os dados referidos no inciso XII são aqueles referentes a liberdade de comunicação dos cidadãos e não às informações bancárias [13].

Argumenta-se, de qualquer maneira, que o sigilo em questão seria derivado do direito à intimidade e vida privada, pois os dados bancários são capazes de espelhar as atividades econômicas da pessoa. Ensina Sérgio Covello:

Os Bancos, no exercício de seu comércio, adentram na vida privada de seus clientes e de outras pessoas, inteirando-se de dados os quais, não fosse o desempenho de seu mister, jamais teriam acesso, porque geralmente permanecem excluídos do conhecimento alheio. Na intimidade, incluem-se fatos de ordem espiritual como de ordem material, valendo ressaltar que o patrimônio e a atividade negocial de uma pessoa constituem, indubitavelmente, projeção de sua personalidade, máxime numa sociedade capitalista como a ocidental, e é muito compreensível que as pessoas tenham interesse em preservar esse aspecto da personalidade contra a indiscrição alheia. [14]

Nesse contexto, é de convir que o sigilo bancário é um instituto que tem como ratio a proteção de direitos da personalidade sendo, por sua própria natureza, aplicável às pessoas físicas ou jurídicas privadas, que tem intimidade/vida privada e atividade negocial a ser preservada.

5.2. O fator Opacidade e sua Relação com a Corrupção

Nas palavras de Peter Eigen integrante da Transparency International: "a preocupação mundial com a melhoria dos níveis de governança e 'accountability [15]' nunca foi maior, seja no setor público ou privado, seja nas organizações internacionais e não-governamentais." E arremata o doutrinador: "Hoje há uma crença universal de que o aumento da transparência pode levar não somente a níveis mais significativos de 'accountability', como pode fazer isso de maneira muito mais eficaz em termos de custo."

O movimento mundial pela transparência funda-se no fato de que probidade e transparência estão contrapostas à corrupção.

A diminuição da opacidade, por si só, é forte medida de prevenção à improbidade, porquanto joga luz nas práticas administrativas dos entes públicos e, consequentemente, desestimula - ante a maior possibilidade de apuração - fraudes de toda natureza.

Urge, pois, que os negócios estatais sejam absolutamente transparentes, a fim de realizar com plenitude o princípio constitucional da publicidade.

5.3. A Inexistência de Sigilo em Transações Bancárias de Entes Públicos

Assentadas as premissas que fundamentam o objetivo da garantia do sigilo bancário - quais sejam, a proteção da intimidade e da vida privada - e, de outro lado, certa a incidência do princípio da publicidade nos atos dos entes públicos, cabe analisar a questão das transações bancárias em contas de entes públicos.

Realmente, os poderes, órgãos e instituições públicas (assim como quaisquer pessoas físicas e jurídicas privadas) valem-se todos dos dias dos serviços bancários na condução de suas finanças. Aliás, em muitos municípios brasileiros, os grandes clientes dos bancos são, exatamente, as pessoas jurídicas de direito público.

Na atualidade, a legislação de regência do sigilo bancário é a Lei Complementar 105 de 10 de janeiro de 2001 que "dispõe sobre o sigilo das operações de instituições financeiras e dá outras providências".

Tal diploma estabelece obrigação às instituições financeiras de preservar o segredo em relação aos dados de seus clientes. Entretanto, não existe qualquer consideração na norma acerca da hipótese de o cliente não ser uma pessoa física ou jurídica que tenha interesse em preservar sua intimidade ou vida privada, mas sim um ente público, que tem o dever de agir com total transparência de seus atos, em razão da determinação constitucional de publicidade.

Ora, é essa a questão que se coloca, pois, apesar de ser direito do cidadão saber com precisão sobre o patrimônio de um ente público (inclusive qual é o destino das verbas públicas), as instituições financeiras apegam-se às leis de sigilo bancário, criadas para resguardar interesses de particulares, para negar acesso a dados sobre dinheiro absolutamente público, criando ilegais óbices até mesmo para autoridades incumbidas da fiscalização do erário, como os Tribunais de Contas e os Ministérios Públicos.

Quando se cuidam de contas bancárias de entes da administração direta e mesmo de autarquias e fundações públicas parece indisputável o acerto da posição dos colegas Carlos Humberto Prola Júnior e Diogo Roberto Ringenberg, Procuradores do Ministério Público de Contas de Santa Catarina que afirmam:

(...) não há atividade privada a justificar a imposição do referido sigilo. Tudo o que estas representações do poder público fazem deve-se orientar pelo interesse público, o qual inclui a obrigação de prestar contas integralmente dos seus atos. Nestes casos, opor o sigilo bancário implica arvora-se de uma prerrogativa sem sustentação constitucional: a de realizar apenas meia-prestação de contas.

Além disso, toda a Administração Pública está subordinada aos princípios constitucionais estabelecidos no art. 37 da Constituição Federal, dos quais destacam-se a moralidade e a publicidade.

Neste contexto, deve-se atentar que a obrigação de prestar contas envolve os chamados princípios constitucionais sensíveis (art. 34, VII, d), os quais, quando não observados, permitem justificar inclusive a intervenção de um ente federado em outro, como meio de retomar a ordem constitucional. Isso assim é porque não se pode cogitar da existência de um Estado Democrático de Direito, como declarou o constituinte originário, quando algum dos partícipes da cena social, notadamente aqueles que assumem o munus publicum de gerir a res publica, pretenda negar aos demais o direito que possuem de saber como foi gerido aquilo que integra o patrimônio comum. [16]

Assim, as informações referentes aos recursos públicos que existem nas contas bancárias dos referidos entes públicos são eminentemente públicas, não devendo pairar sobre as mesmas nenhum segredo, mistério ou sigilo.

Impende ainda anotar que mesmo o sigilo bancário de particulares vem enfrentando um movimento em prol da flexibilização em diversos países do mundo [17] - exatamente em face da movimentação nos bancos de enormes numerários fruto dos mais diversos crimes (tráfico de entorpecentes, sonegação fiscal, corrupção, contrabando, lavagem de dinheiro) – e, assim, não se compreende pretender realizar uma indevida e ilógica aplicação do instituto do segredo bancário às contas públicas, sob pena de verdadeiro fomento da corrupção e proteção de interesses criminosos inconfessáveis.

Exsurge, pois, clara a incidência do princípio da publicidade em todos os atos da administração pública, inclusive e especialmente nas transações bancárias, e igualmente clara, é a inaplicabilidade da garantia do sigilo bancário no que diz respeito às contas de entes públicos junto a instituições financeiras, pois, nesses casos, os bancos detém nada mais que informações públicas e não segredos comerciais ou aspectos da intimidade de um cidadão ou empresa.

5.4. O Acesso a Informações de Transações Bancárias de Entes Públicos pelo Ministério Público e por outras Instituições Fiscalizadoras.

O acesso a informações de transações bancárias feitas por pessoas jurídicas de direito público, notadamente, dados sobre saldos, extratos e destino de transferências e pagamentos a partir de contas públicas, é, portanto, decorrência do princípio da publicidade, até porque não se pode querer negar fiscalização ao quantum existe em uma conta bancária de ente público ou para quem foi feito pagamento ou transferência de dinheiro.

Assim, o Ministério Público e também outras as instituições de fiscalização devem ter, independentemente de justificativa ou de ordem judicial, a possibilidade de analisar as contas bancárias dos entes públicos, visando verificar o numerário em caixa, os valores que adentraram nas contas públicas e também cada operação de saída, bem como os destinos de tais valores.

Não se concebe, portanto, - num país que declara ser uma República e um Estado Democrático de Direito - que integrantes do Poder Legislativo, autoridades da Polícia Civil, Polícia Federal, membros dos Tribunais de Contas, Procuradores de Contas e notadamente os membros do Ministério Público Estadual ou Federal encontrem qualquer restrição ao acesso a dados de transações bancárias de contas de entes públicos.

5.5. O Acesso a Informações de Transações Bancárias de Entes Públicos por Qualquer Um do Povo

A completa tutela do patrimônio público, além de ser realizada pelas instituições públicas que representam e devem buscar incansavelmente o interesse da sociedade, deve ser feita também pela própria população. A participação da "sociedade civil organizada", segundo pensamos, está em franca ascensão e deve ser incentivada e respaldada pelo Ministério Público, visando com a máxima disponibilização de informações.

Assim, se os dados das contas bancárias são públicos e se a sociedade civil, por ela mesma, pode e deve fiscalizar o bom uso do patrimônio público, é evidente que qualquer um do povo tem o direito de ter acesso às movimentações bancárias de seu município e de seu estado por exemplo, até porque é o cidadão que está convivendo na polis e que tem, portanto, maiores possibilidades de verificar in loco a aplicação do dinheiro público, v.g. em obras, serviços ou ainda na existência ou não dos servidores públicos que constam na folha de pagamento.

A ampla publicidade de todos os negócios jurídicos do estado, inclusive dos dados bancários, é, em suma, essencial para a consolidação da democracia no país e, talvez, a melhor forma para se verdadeiramente falar, como cunhou Bobbio, em "um modelo ideal do governo público em público" e, consequentemente, reduzir os revoltantes casos de mau uso/desvio do dinheiro público, que poderá ser verdadeiramente aplicados na saúde, moradia e educação dos filhos da tão carente população brasileira.

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Sobre o autor
Vinícius de Oliveira e Silva

Promotor de Justiça do Ministério Público do Estado de Tocantins. Especialista em Direito Constitucional.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Vinícius Oliveira. Transparência, inexistência de sigilo bancário em transações a partir de contas de entes públicos junto a instituições financeiras e o efetivo combate à corrupção. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3136, 1 fev. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/20974. Acesso em: 22 dez. 2024.

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