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Cumprimento de mandado de busca e apreensão e de prisão e a exigência de se bater à porta

Leia nesta página:

A necessidade e a adequação de não bater à porta e não ler o mandado antes de entrar na residência devem ser os referenciais para permitir o excepcional modo de cumprimento da ordem judicial de busca. Diante das especificidades do caso, o rigorismo poderá ser postergado, mas sempre balizado na proibição do excesso, que decorre do princípio da proporcionalidade.

Após um longo período de opressão sofrido pela população brasileira em decorrência da ditadura militar, a Carta Republicana de 1988 entabulou diversos direitos e garantias fundamentais que, em sua primeira dimensão, servem como limites a atuação estatal frente aos cidadãos, ou até mesmo podemos dizer, aos seres humanos que no Brasil residem ou mesmo transitam.

Dentre os direitos de status constitucional, o direito a intimidade e a vida privada inegavelmente são alguns dos atributos que compõem o fundamento constitucional da dignidade da pessoa humana. Apesar deste direito possuir diversas facetas de proteção, no contexto deste estudo ganha destaque o intitulado princípio/regra garantidor da inviolabilidade de domicílio. In verbis:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (...)

X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;

XI - a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial; (...)

Da leitura dos incisos colacionados acima se pode afirmar que a própria Carta Magna, de forma expressa, deu destaque a proteção sobre a residência, núcleo de convivência da entidade familiar. Entretanto, ela se excepcionou ao permitir que em quatro hipóteses determinadas se penetre forçosamente em habitações

Impõe-se afirmar que o responsável por essas exceções é outro princípio constitucional de mesma magnitude, previsto no caput do art. 5°, que é o direito à segurança[1], para o qual a Constituição dedicou um capítulo inteiro (capítulo III) dentro do título V (da defesa do Estado e das Instituições Democráticas). O caput do art. 144 é claro acerca da importância da ordem pública como um pilar de sustentação do Estado. Vejamos:

Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos: (...) (g.n.)

Não podemos deixar de comentar o nefasto resultado prático que se daria se elevássemos a inviolabilidade de domicílio a um direito absoluto. Estaríamos criando um “bunker” para criminosos, pois inalcançável pelo Estado.  

Neste sentido, Alexandre de Moraes[2] ao comentar a inviolabilidade de domicílio, menciona precedentes do Supremo Tribunal Federal – STF – os quais afirmam que, mesmo sendo a casa o asilo inviolável do indivíduo, ela não pode ser transformada em garantia de impunidade de crimes que em seu interior se praticam (RTJ 74/88 e 84/302).

No tocante ao modelo legal de cumprimento da ordem judicial estabelecido pelo Código de Processo Penal, ganha destaque o art. 245, vejamos:

Art. 245.  As buscas domiciliares serão executadas de dia, salvo se o morador consentir que se realizem à noite, e, antes de penetrarem na casa, os executores mostrarão e lerão o mandado ao morador, ou a quem o represente, intimando-o, em seguida, a abrir a porta.

§ 1º  Se a própria autoridade der a busca, declarará previamente sua qualidade e o objeto da diligência.

§ 2º  Em caso de desobediência, será arrombada a porta e forçada a entrada.

§ 3º  Recalcitrando o morador, será permitido o emprego de força contra coisas existentes no interior da casa, para o descobrimento do que se procura.

§ 4º  Observar-se-á o disposto nos §§ 2º e 3º, quando ausentes os moradores, devendo, neste caso, ser intimado a assistir à diligência qualquer vizinho, se houver e estiver presente.

§ 5º  Se é determinada a pessoa ou coisa que se vai procurar, o morador será intimado a mostrá-la.

§ 6º  Descoberta a pessoa ou coisa que se procura, será imediatamente apreendida e posta sob custódia da autoridade ou de seus agentes.

§ 7º  Finda a diligência, os executores lavrarão auto circunstanciado, assinando-o com duas testemunhas presenciais, sem prejuízo do disposto no § 4º.               

Seguindo o mandamento constitucional (art. 5°, XI, CRFB), o art. 245 do Código de Processo Penal, primeira parte, estabelece que o cumprimento do mandado será realizado durante o dia, salvo consentimento do morador. Na segunda parte, indo além do texto constitucional, estende a limitação da atuação estatal ao estabelecer que: “(...) antes de penetrarem na casa, os executores mostrarão e lerão o mandado ao morador, ou a quem o represente, intimando-o, em seguida, a abrir a porta.”

Em dois dos parágrafos do art. 245, é prevista a possibilidade do uso da força. O § 2° traz a previsão do seu uso para adentrar à residência alvo, já o § 3° se refere a outro momento temporal, quando já se está no interior do local da busca.

O então Desembargador do Tribunal de Justiça do Estado da Guanabara Eduardo Espinola Filho[3], em sua obra Código de Processo Penal Brasileiro, vol. III, publicada em 1976, dedica ponto específico sobre o uso da força na realização da busca. Nos ensina o autor:

524 – As medidas de fôrça permitidas para vencer as dificuldades encontradas na realização da busca. – Pode suceder, dificuldades se oponham a que a autoridade ou seus agentes levem a termo a busca. Para vencê-las, são autorizadas, mesmo, as medidas de fôrça.

Essas dificuldades podem apresentar-se tanto para entrada do executor na casa, compartimento ou aposento, onde vai realizar a busca, quanto, no interior dêles, para investigar em móveis, cofres, quartos, que se não lhe apresentem abertos. O emprego da fôrça, levada a ponto de efetuar o arrombamento da porta de entrada, ou de qualquer obstáculo interno, é, sempre autorizado. E, afim de quebrar a resistência pessoal, podem ser utilizados meios coercitivos, tanto para dominá-la, como para puní-la. O recurso às autoridades policiais, para assegurarem a efetivação e a garantia da diligência, é implícito (...)    

Como podemos observar da leitura do texto da lei, bem como dos comentários feito pelo Desembargador Eduardo Espinola Filho, o legislador de 1940 regulamentou a forma ordinária de cumprimento de mandados, pensada para uma sociedade que não imaginava a possibilidade do alvo da busca ser encontrado possuindo armas de grosso calibre (fuzis, granadas, submetralhadoras etc.), os quais nem mesmo os policiais estão autorizados a portar fora de serviço.

Diante dessa evolução (ou involução neste aspecto) surgem situações excepcionais que exigem dos policiais cumpridores do mandado uma atitude diferente da cotidiana – justificada, principalmente, na necessidade de redução do risco tanto para os policiais cumpridores e testemunhas, quanto para os investigados e seus familiares – a qual deverá ser balizada pelos princípios constitucionais, em especial, o princípio da razoabilidade, para que não se possa falar em excesso cometido por parte dos presentantes do Estado.

Em curso cujo título é: Busca e Apreensão, promovido, em 2010, pela Secretaria Nacional de Segurança Pública – SENASP, preparado pelos policiais: Alberi Espíndula – Perito Criminal do Distrito Federal; Jerry Antunes de Oliveira – Delegado de Polícia Federal; Paulo Tarso de Oliveira Gomes – Delegado de Polícia Federal, tendo como público alvo todos os policiais do Brasil, (Aula 2 – Legislação – pág. 29) é marcada uma importante posição sobre a necessidade da leitura do mandado antes de entrar na residência, vejamos:

Para a validade da busca devem ser cumpridas as regras do art. 245 do CPP, obrigando a leitura, a apresentação do mandado e a intimação do ocupante do imóvel para abrir a porta antes do início da busca. Há, contudo, situações em que este procedimento poderá importar em frustração da diligência ou excessivo risco aos executores. Nestas situações, conforme será visto mais adiante, a leitura e a apresentação do mandado serão feitas tão logo a situação esteja sob o controle dos policiais. (g.n.)

Ao reconhecer a existência de situações excepcionais, os autores do curso supramencionado entendem que diante de situações que: i) gerem excessivo risco aos executores, bem como; ii) essa medida acarrete na frustração da diligência, a ordem legal de leitura e apresentação do mandado poderá ser mitigada.

O Supremo Tribunal Federal – reconhecendo a existências de situações excepcionais no cumprimento de mandados – ao promover o juízo de prelibação da inicial acusatória apresentada em desfavor de autoridades que ostentam foro por prerrogativa de função, em decorrência de investigação promovida pela Polícia Federal inicialmente denominada Operação Furação e posteriormente, tendo em vista vazamento de informações, Operação Hurricane, excepcionou o mandamento constitucional que determina a entrada em residência para cumprimento de mandado durante o dia. Tal exceção se deu nos autos do Inquérito 2.424/RJ, Relator Min. Cézar Peluso, noticiado no Informativo nº 529, in verbis:

INFORMATIVO Nº 529

TÍTULO

Escuta Ambiental e Exploração de Local: Escritório de Advogado e Período Noturno - 4

PROCESSO: Inq - 2424

ARTIGO

Prosseguindo, rejeitou-se a preliminar de ilicitude da prova de escuta ambiental, por ausência de procedimento previsto em lei. Sustentava a defesa que a Lei 9.034/95 não teria traçado normas procedimentais para a execução da escuta ambiental, razão pela qual a medida não poderia ser adotada no curso das investigações. Entendeu-se não proceder a alegação, tendo vista que a Lei 10.217/2001 deu nova redação aos artigos 1º e 2º da Lei 9.034/95, definindo e regulando meios de prova e procedimentos investigatórios que versem sobre ilícitos decorrentes de ações praticadas por quadrilha ou bando ou organizações ou associações criminosas de qualquer tipo. Salientou-se o disposto nesse art. 2º, na redação dada pela Lei 10.217/2001 (“Em qualquer fase de persecução criminal são permitidos, sem prejuízo dos já previstos em lei, os seguintes procedimentos de investigação e formação de provas: ... IV - a captação e a interceptação ambiental de sinais eletromagnéticos, óticos ou acústicos, e o seu registro e análise, mediante circunstanciada autorização judicial;”), e concluiu-se pela licitude da escuta realizada, já que para obtenção de dados por meio dessas formas excepcionais seria apenas necessária circunstanciada autorização judicial, o que se dera no caso. Asseverou-se, ademais, que a escuta ambiental não se sujeita, por motivos óbvios, aos mesmos limites de busca domiciliar, sob pena de frustração da medida, e que, não havendo disposição legal que imponha disciplina diversa, basta a sua legalidade a circunstanciada autorização judicial. Inq 2424/RJ, rel. Min. Cezar Peluso, 19 e 20.11.2008. (Inq-2424) (g.n.)

TÍTULO

Escuta Ambiental e Exploração de Local: Escritório de Advogado e Período Noturno - 5

ARTIGO

Afastou-se, de igual modo, a preliminar de ilicitude das provas obtidas mediante instalação de equipamento de captação acústica e acesso a documentos no ambiente de trabalho do último acusado, porque, para tanto, a autoridade, adentrara o local três vezes durante o recesso e de madrugada. Esclareceu-se que o relator, de fato, teria autorizado, com base no art. 2º, IV, da Lei 9.034/95, o ingresso sigiloso da autoridade policial no escritório do acusado, para instalação dos referidos equipamentos de captação de sinais acústicos, e, posteriormente, determinara a realização de exploração do local, para registro e análise de sinais ópticos. Observou-se, de início, que tais medidas não poderiam jamais ser realizadas com publicidade alguma, sob pena de intuitiva frustração, o que ocorreria caso fossem praticadas durante o dia, mediante apresentação de mandado judicial. Afirmou-se que a Constituição, no seu art. 5º, X e XI, garante a inviolabilidade da intimidade e do domicílio dos cidadãos, sendo equiparados a domicílio, para fins dessa inviolabilidade, os escritórios de advocacia, locais não abertos ao público, e onde se exerce profissão (CP, art. 150, § 4º, III), e que o art. 7º, II, da Lei 8.906/94 expressamente assegura ao advogado a inviolabilidade do seu escritório, ou local de trabalho, de seus arquivos e dados, de sua correspondência, e de suas comunicações, inclusive telefônicas ou afins, salvo caso de busca ou apreensão determinada por magistrado e acompanhada de representante da OAB. Considerou-se, entretanto, que tal inviolabilidade cederia lugar à tutela constitucional de raiz, instância e alcance superiores quando o próprio advogado seja suspeito da prática de crime concebido e consumado, sobretudo no âmbito do seu escritório, sob pretexto de exercício da profissão. Aduziu-se que o sigilo do advogado não existe para protegê-lo quando cometa crime, mas proteger seu cliente, que tem direito à ampla defesa, não sendo admissível que a inviolabilidade transforme o escritório no único reduto inexpugnável de criminalidade. Enfatizou-se que os interesses e valores jurídicos, que não têm caráter absoluto, representados pela inviolabilidade do domicílio e pelo poder-dever de punir do Estado, devem ser ponderados e conciliados à luz da proporcionalidade quando em conflito prático segundo os princípios da concordância. Não obstante a equiparação legal da oficina de trabalho com o domicílio, julgou-se ser preciso recompor a ratio constitucional e indagar, para efeito de colisão e aplicação do princípio da concordância prática, qual o direito, interesse ou valor jurídico tutelado por essa previsão. Tendo em vista ser tal previsão tendente à tutela da intimidade, da privatividade e da dignidade da pessoa humana, considerou-se ser, no mínimo, duvidosa, a equiparação entre escritório vazio com domicílio stricto sensu, que pressupõe a presença de pessoas que o habitem. De toda forma, concluiu-se que as medidas determinadas foram de todo lícitas por encontrarem suporte normativo explícito e guardarem precisa justificação lógico-jurídico constitucional, já que a restrição conseqüente não aniquilou o núcleo do direito fundamental e está, segundo os enunciados em que desdobra o princípio da proporcionalidade, amparada na necessidade da promoção de fins legítimos de ordem pública. Vencidos os Ministros Marco Aurélio, Celso de Mello e Eros Grau, que acolhiam a preliminar, ao fundamento de que a invasão do escritório profissional, que é equiparado à casa, no período noturno estaria em confronto com o previsto no art. 5º, XI, da CF. Inq 2424/RJ, rel. Min. Cezar Peluso, 19 e 20.11.2008. (Inq-2424) (g.n.)

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Da leitura da ementa do julgado, pode-se aferir que o Ministro relator, com a posterior chancela da maioria dos componentes daquele sodalício, após realizar a ponderação de valores frente a princípios de mesma estatura, aplicando o princípio da proporcionalidade (amparada na necessidade da promoção de fins legítimos de ordem pública), entendeu por bem afastar regra expressa na Constituição Federal que só permite a entrada em residência alheia sem o consentimento no período diurno. Afirmando textualmente que: se assim não fosse restaria frustrada a medida.

Percebam que os autores do curso supramencionado ao preverem que diante de situações excepcionais – i) excessivo risco para os executores; ii)  possibilidade de frustração da diligência – foram bem mais tímidos que o Supremo no caso trazido a colação. Os autores, no material produzido, defendem a mitigação de regras contidas em legislação infraconstitucional (Código de Processo Penal).

Sem adentrar na discussão se acertada ou não a decisão do Excelso Pretório de negar vigência a regra estabelecida de forma expressa pelo constituinte originário, certo é que não há dúvidas que o Código de Processo Penal deve ser lido a partir da Lei Maior, que deságua na clara possibilidade de se adequar a sua aplicação aos princípios constitucionais. Ou seja, a segunda parte do art. 245, que vai além do texto constitucional, em casos específicos e tendo em vista o princípio da proporcionalidade, poderá ser postergada para o momento em que a situação estiver no controle dos policiais executores da medida.

Indo um pouco além, a necessidade e a adequação – de se NÃO bater à porta e NÃO ler o mandado antes de entrar na residência alvo da busca – devem ser os referenciais de fundamentação para permitir o excepcional modo de cumprimento do mandado. A regra é a leitura, entretanto, diante das especificidades do caso concreto o rigorismo poderá ser postergado, mas sempre balizado na proibição do excesso, que decorre do próprio princípio da proporcionalidade.

Entretanto, os autores do citado curso promovido pela SENASP não apontam o responsável por essa avaliação, se os policiais executores, com justificação pretérita, ou ainda, o juízo expedidor do mandado de busca e apreensão que decidirá com base em elementos de informação até aquele momento colhidos.

Para ilustrar a importância desse tema, trago a colação excerto do voto do Desembargador ROMÃO C. OLIVEIRA, no julgamento do HBC 2007.00.2.002421-6, julgado em 9/5/2007 (DJU 19/7/2007) – Conselho Especial do TJDFT, Rel.: Desembargador LECIR MANOEL DA LUZ.

Nesse writ os advogados impetrantes relatam em duas oportunidades supostos abusos cometidos pela autoridade policial e demais agentes executores de mandados judiciais expedidos em desfavor de uma operadora de telefonia. Apesar de não conhecerem do habeas por ter sido apontado como autoridade coatora o Secretário de Segurança Pública do Distrito Federal, o Desembargador registra sua posição no sentido de que os policiais executores desse ato são verdadeiras extensões das mãos do juízo[4]. Vejamos: 

(...)

Os juízes, na verdade, foram os que praticaram esses atos, por intermédio da mão longa. Quando se expede um mandado judicial, ele tem limites traçados, delineados, linhas certas, os lindeiros estão presentes.

O juiz, ao estabelecer o mandado de busca e apreensão, deve dizer como o mandado há de ser cumprido por seus oficiais ou, se for o caso, pela polícia, dentro de lindeiros certos e determinados. De sorte que, se houvesse fato ainda para ser estancado, o competente era uma das turmas criminais deste Tribunal.

Não posso admitir que alguém esteja na rua com um mandado judicial e, depois, se diga que fora cumprido ao bel-prazer da autoridade policial. Não, o Juiz, ao expedir mandado, traça os limites e fiscaliza, permanentemente, como ele fora cumprido. A ele cumpria receber de imediato as reclamações para pôr cobro ao abuso, se estivesse, porventura, ocorrendo. E se não fez, que prestasse conta aos Desembargadores em uma das turmas criminais pelo seu ato desairoso para o cidadão, se é que assim ocorreu.

O ato é do juiz, mas já cessou. Não posso dizer que esse ato, puro e simples, é do policial. O fato está narrado. Não está, com a devida vênia, narrado a bom gosto. Caso tivesse indicado como autoridade o Juiz, por certo outro seria o deslinde, inclusive com as providências que o eminente Desembargador Vasquez Cruxên propõe.

Até acompanho o eminente Desembargador Vasquez Cruxên nesse particular, não para que o Juiz tome conhecimento do que aconteceu, mas para alertá-lo de que mandado judicial é para ser cumprido dentro de determinados limites e sob a observação constante do juiz. O juiz não pode, de uma hora para outra, dizer que expediu o mandado e o oficial de justiça o cumpriu de outra maneira, ou o policial o fez de modo diverso. Não. A responsabilidade pelo cumprimento do ato judicial é da mão longa do juiz. Oficial de justiça e policial são mãos longas do juiz, portanto, a competência não é deste Tribunal, seria de turma. Mas, para fins pedagógicos, não posso continuar examinando. (g.n.)

(...)

Da leitura do voto do Desembargador ROMÃO OLIVEIRA, resta claro que a polícia judiciária, ao dar cumprimento ao mandado de busca e apreensão, atua como uma extensão do poder judiciário e, assim sendo, tem que advir deste poder a autorização, em caráter excepcional, para que se dê o cumprimento sem a imediata observância do dever de leitura do mandado antes de se adentrar ao recinto alvo da busca.

Não se está aqui defendendo que o policial não detém qualquer juízo discricionário no tocante a atividade por ele exercida – cabe à polícia a tarefa de desenvolvimento de técnicas para melhor desenvolvimento do seu múnus constitucional e garantir a redução do risco enfrentado pelos servidores responsáveis por essa atribuição exclusiva das polícias judiciárias (Polícia Civil e Polícia Federal) – que se entender não estar garantida a sua segurança deve esperar um melhor momento para a execução da medida, sem que dessa negativa possa advir qualquer procedimento punitivo (desobediência etc.).

  A nosso sentir, a excepcionalidade da medida invasiva deve ser auferida pelo Juízo onde tramita o inquérito policial por três motivos; primeiro, porque em um sistema de checks and balances não poderia ficar nas mãos do órgão executor da medida excepcional a decisão de se cumprir ou não a determinação ordinária, sob o risco de banalização; segundo, por atuarem, os policiais cumpridores, como mão longa do poder judiciário, tal como afirmado acima pelo Des. Romão Oliveira; por derradeiro, se assim não fosse, estaríamos gerando uma insegurança jurídica aos policiais cumpridores que dependeriam de uma confirmação, já depois de não haver mais volta, se acertada ou não a sua atitude de postergar as medidas determinadas pelo Código de Processo Penal.

No âmbito do Departamento de Polícia Federal, a Instrução Normativa n.° 11/2001- DG/DPF/MJ[5], busca consolidar as normas operacionais para execução da atividade de Polícia Judiciária. Este diploma legal deixa cristalina, no ponto n.° 65, a necessidade de se investigar previamente o local objeto da busca, principalmente, a periculosidade dos ocupantes da casa. Vejamos:

SEÇÃO VI

DA BUSCA DOMICILIAR

65. A busca domiciliar será feita mediante mandado judicial, precedida de investigação sobre o morador do local onde será realizada, visando colher elementos sobre sua pessoa (atividades, periculosidade e contatos), sempre que possível com a presença da autoridade policial e de testemunhas não policiais, observando-se as regras estabelecidas nos arts. 240 a 250 do CPP.

(...)

67. Ao representar perante a autoridade judiciária pela expedição de mandado de busca, a autoridade policial deverá fazê-lo de forma fundamentada, indicando o local onde será cumprido e, sempre que possível, o nome do morador ou sua alcunha e os fins da diligência.

(...)

69. Ocorrendo entrada forçada em virtude da ausência dos moradores, os executores adotarão medidas para que o imóvel seja fechado e lacrado após a realização da busca, que será assistida por duas testemunhas não policiais.

(...).

A observância dessa norma por parte de todos os policiais federais e civis responsáveis por cumprimentos de mandado com a conseqüente elaboração de um relatório materializando o levantamento[6] feito é que servirá de “justa causa” para a autoridade policial fundamentar a representação pelo cumprimento especial da busca e apreensão.

Tal exigência tem a nítida função de salvaguarda de direito fundamentais das pessoas que deverão tolerar a busca, bem como, a constatação, no caso concreto, da real necessidade de se postergar o cumprimento de formalidades em homenagem a segurança de todas as pessoas envolvidas no cumprimento de mandado e da efetividade da justiça que depende dos resultados da medida extrema.

Além disso, esta prévia investigação e a anterior autorização judicial - concedida de forma fundamentada - conferirão segurança jurídica para o policial que irá exercer o seu múnus minimizando o risco de interpretações dissociadas da realidade que  objetivam unicamente a responsabilização administrativa e criminal desses servidores.

Não estamos aqui defendendo que a autorização judicial servirá como uma “carta em branco” para o cometimento de arbitrariedades pelos policiais e sim que a existência dessa autorização servirá como uma orientação prévia aos policiais, bem como, uma garantia a mais para a própria sociedade de que o trabalho policial está sendo feito com mais profissionalismo e planejamento, o que, de certa forma, facilitará a responsabilização por abusos cometidos por policiais despreparados.

A sociedade brasileira clama por uma polícia mais eficiente no combate à criminalidade e isso inevitavelmente gera uma tensão de direitos fundamentais, pois ninguém gosta de ser fiscalizado, entretanto todos exigem do Estado uma fiscalização dos “outros”. A segurança pública, além de ser um dever do Estado, é um direito fundamental previsto no caput do art. 5° da Carta Política e, assim sendo, faz se necessária a atuação efetiva da polícia no combate a criminalidade.

Ainda demorará algum tempo para dissociar o papel exercido pelas polícias no período ditatorial do atualmente vivenciado, o qual tem o único propósito de salvaguardar a sociedade.


Notas

[1] Segundo o Ministro Gilmar Ferreira Mendes, é  dever do Estado garantir a proteção dos direitos fundamentais contra agressões de terceiros, vejamos: (...) Tal concepção legitima a idéia de que o Estado se obriga não apenas a observar os direitos de qualquer indivíduo em face das investidas do Poder Público (direito fundamental enquanto direito de proteção ou de defesa – Abwehrrecht), mas também a garantir os direitos fundamentais contra agressão propiciada por terceiros (Schutzpflicht dês Staatas). MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de Direito Constitucional/ Gilmar Ferreira Mendes, Inocêncio Mártires Coelho, Paulo Gustavo Gonet Branco; 4 ed. – São Paulo: Saraiva, 2009, p. 629.

[2] MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil Interpretada e legislação constitucional. 5 ed., São Paulo: Atlas, 2005 - pag. 236.

[3] FILHO, Eduardo Espinola - Código de Processo Penal Brasileiro anotado, 5 ed., Rio de Janeiro: Ed. Rio, vol.3, pág. 218/219.

[4]  No mesmo sentido trazemos a colação excerto de um julgado do Supremo Tribunal Federal: "[...] a denuncia descreve fatos que, em tese, podem configurar crime, pois a natureza da busca e apreensão, ordem judicial que, tendo como executor o oficial de justiça como "longa manus" do juiz, e por destinatário quem quer que se encontre na posse ou na detenção da coisa, não torna inidônea a configuração do delito de desobediência (artigo 330 do Código Penal)." (RHC 57.227/SP, 2.ª Turma, Rel. Min. MOREIRA ALVES, RTJ 95/124) (g.n.)

[5] Disponível no sítio eletrônico do MPF – Procuradoria da República em Pernambuco. Segue link: http://www.prpe.mpf.gov.br/internet/Legislacao/Criminal/Instrucoes-Normativas/INSTRUCAO-NORMATIVA-No.-11-DG-DE-27-DE-JUNHO-DE-2001-DEPARTAMENTO-DE-POLICIA-FEDERAL

[6] Este termo é utilizado na linguagem policial e retrata a investigação do local objeto da busca.

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Sobre o autor
Fernando Goulart de Oliveira Silva

Agente de Polícia da Polícia Civil do Distrito Federal. Pós-Graduado em Investigação Policial pela Academia de Polícia Civil do Distrito Federal com a chancela da Universidade Católica de Brasília. Pós-Graduado pela Fundação Escola Superior do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios Curso Ordem Jurídica e Ministério Público.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Fernando Goulart Oliveira. Cumprimento de mandado de busca e apreensão e de prisão e a exigência de se bater à porta. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3152, 17 fev. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/21101. Acesso em: 23 nov. 2024.

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