Palavras-chave: Crime passional – tese desclassificatória – populismo penal – aplicação da pena máxima – vedação do excesso.
Enquanto o STF decidia o “futuro do país” em julgamento da Lei da Ficha Limpa, a imprensa de um modo geral acompanhava de perto o Júri marcado pelo mais longo cárcere privado (quase 100 horas) do estado de São Paulo e pelo homicídio de Eloá Pimentel, sendo o acusado Lindemberg Alves condenado pelo Conselho de Sentença a uma pena de 98 anos e 10 meses de reclusão pela prática de 12 crimes.
Em síntese, foram os seguintes delitos: homicídio qualificado pelo motivo torpe e recurso que dificultou a defesa da vítima (Eloá Pimentel), homicídio tentado qualificado pelo motivo torpe e recurso que dificultou a defesa da vítima (Nayara), homicídio qualificado tentado (vítima Atos Valeriano), cinco crimes de cárcere privado e quatro crimes de disparo de arma de fogo.
De acordo com o Ministério Público tratou-se de crime passional (e não premeditado), assim como nos casos Daniella Perez, Sandra Gomide, Mércia Nakashima e Eliza Samúdio. Delitos estes fruto de uma sociedade machista e sexista, em ares de superioridade do gênero, como se os homens fossem “Deuses do Olimpo”.
São 11 mulheres vitimadas por dia em nosso país, e a máxima é sempre a mesma: “se não for minha não será de mais ninguém”, por isso o fim do relacionamento levou o acusado ao desespero e à consequente perda do senso de controle sobre suas atitudes. Aliás, é exatamente isso que leva muitas pessoas ao cárcere: a influência do álcool, drogas, ou alguma forte emoção faz as pessoas perderem a razão, o controle e, como se sabe, o homem é naturalmente mau, sendo-lhes ínsito o animus necandi.
A condenação com certeza foi justa, merecida. Analisando a teoria eclética (art.59, parte final, do CP) quanto às finalidades da pena, é possível afirmar que houve a retribuição pelo mal causado e foi mostrado para a sociedade que o Estado tem o monopólio do direito de punir, de modo que se outro agressor portar-se da mesma forma receberá tratamento penal similar ao de Lindemberg. Todavia, será que haverá a ressocialização desse condenado?
Apenas para ressaltar, não teve o menor cabimento a alegação de que o homicídio de Eloá Pimentel foi culposo, como tentou sustentar a advogada, em tese desclassificatória. Ora, o réu ficou com a vítima em cárcere privado, apontando uma arma para sua cabeça, durante quase 100 horas, com certeza ele assumiu o risco do resultado, ou não?
Todavia, “nem tanto a terra, nem tanto ao mar”. Com o devido respeito, a juíza exagerou na aplicação da sanctio juris, pois aplicar a pena máxima para todos os crimes, sem o reconhecimento da continuidade delitiva pelo menos entre os crimes de cárcere privado e os disparos de arma de fogo, apresenta-se como algo totalmente desproporcional (vedação ao excesso).
Os delitos foram praticados no mesmo local, mesmo tempo, e modo de agir. Assim, a pena não deveria ter sido somada em cúmulo material, mas poderia ter sido fixada de acordo com o delito tipificado e aumentada até dois terços, como manda o art.71, caput, parte final, do Código Penal. Seria uma solução pelo bom senso.
Na verdade, percebe-se que a juíza foi nitidamente comovida pelo populismo penal e insuflada pela voracidade da mídia que igualmente permeou o caso Nardoni. Disse a magistrada que “a sociedade, atualmente, espera que o juiz se liberte do fetichismo da pena mínima” e, logo após, justificou a aplicação da pena no máximo legal, para cada crime, alegando, em síntese, que “os crimes praticados atingiram o grau máximo de censurabilidade que a violação da lei penal pode atingir”.
De fato, deve-se criticar veementemente a “cultura da pena mínima” em nosso país, como se o Direito fosse uma ciência exata e as pessoas, fantoches. Entretanto, não se justifica a pena máxima para este caso uma vez que a censurabilidade não foi “em seu grau máximo”. Ora, o homicídio por si só não tem justificativa, mas pode ao menos ser compreendido conforme as peculiaridades do caso concreto, muito embora a “emoção ou paixão” não tenham o condão de excluir a imputabilidade penal (art.28, inciso I, do CP).
Apenas como exemplo, no caso do jornalista Tim Lopes, o réu foi condenado a 28 anos de reclusão por um crime bárbaro; após torturar, esquartejar e atear fogo ao corpo da vítima. Na mesma senda, Suzane von Richthofen foi condenada a 19 anos e 6 meses (cada vítima) por arquitetar a morte de seus próprios pais a pauladas, enquanto eles dormiam, para simplesmente ficar com a herança, como se o mundo fosse movido exclusivamente pelo dinheiro, e não pelas relações humanas em uma sociedade civilizada.
Sem contar, ainda, que a juíza sopesou a mesma circunstância duas vezes (bis in idem) contra o réu, pois ela considerou “os egoísticos e abjetos motivos” para qualificar o homicídio (pena em abstrato de 12 a 30 anos de reclusão) e, depois, utilizou a mesma circunstância para fixar a pena em seu patamar máximo, muito embora tenha alertado momentos antes: “evitando-se, assim, repetições desnecessárias”.
Outra questão interessante: o réu foi condenado a 98 anos e 10 meses de prisão, mas quanto efetivamente ele irá cumprir? Em síntese, a progressão de regime para crimes hediondos (no caso, homicídio qualificado, tentado ou consumado) ocorre com 2/5 da pena cumprida, para crimes comuns (porte ilegal de arma e cárcere privado, no caso) essa progressão ocorre com 1/6 da pena cumprida; o que significa, em conclusão, que Lindemberg teria de cumprir mais de 30 anos no regime fechado, para só depois ter direito à progressão de regime.
Portanto, para efeito do cálculo da progressão de regime é levada em consideração a quantidade total da pena aplicada na sentença (no caso, os 98 anos e 10 meses), nesse sentido, inclusive, há a Súmula 715 do STF, que diz:
“A pena unificada para atender ao limite de trinta anos de cumprimento, determinado pelo art. 75 do Código Penal, não é considerada para a concessão de outros benefícios, como o livramento condicional ou regime mais favorável de execução”.
Destarte, considerando que o limite temporal máximo em nosso país é de 30 anos conforme o art.75 do Código Penal, pela pena imposta na sentença o réu simplesmente teria de cumprir tudo em regime fechado, o que na prática configuraria pena de prisão perpétua, sobretudo se considerada as condições do cárcere em nosso país.
No entanto, não se podem desprezar eventuais benefícios advindos do instituto da remição, pelo trabalho e/ou estudo (art.126 da Lei de Execuções Penais, recentemente alterado pela Lei 12.433/11); o que possibilitaria ao condenado a redução da pena na proporção de “1 (um) dia de pena a cada 3 (três) dias de trabalho” ou “1 (um) dia de pena a cada 12 (doze) horas de frequência escolar”, sendo que, na prática, pode haver a cumulação.
Vale destacar, ademais, que apesar de o STF já ter julgado inconstitucional a vedação abstrata à progressão de regime por violar o princípio da individualização da pena e a dignidade humana (por retirar do preso a esperança da recuperação); é perfeitamente possível que o condenado fique preso, efetivamente, mais de 30 anos de reclusão em nosso sistema penal quando, por exemplo, após o início do cumprimento da pena pratique outro crime dentro do presídio, ocasião em que se procederá a nova unificação, “desprezando-se o período de pena já cumprido” (art.75, § 2º do Código Penal).
Sob outro prisma, no que se refere ao suposto crime contra a honra em tese praticado pela advogada, que “de forma jocosa, irônica e desrespeitosa”, aconselhou a Magistrada a “voltar a estudar”, salvo melhor entendimento, não constitui injúria a ofensa irrogada em juízo (art.142, inciso I do Código Penal), na discussão da causa, por parte do procurador. Desse modo, a referida imunidade apenas não abrange a calúnia, segundo entendimento consolidado do Supremo Tribunal Federal.
Já em relação ao aludido princípio da verdade real alegado pela defensora em Plenário, está corretíssima a Magistrada ao ressaltar que ele “não existe ou então tem outro nome”. Em singelas palavras e na esteira de autorizada doutrina, a verdade real em termos absolutos não existe no processo penal por simplesmente se revelar inatingível. O que existe é apenas a busca da verdade processualmente válida, pois não se pode atribuir o adjetivo de “real” a um fato passado, que só existe no imaginário.