I – Contextualização
Na hipótese de o Juiz de primeiro grau conceder auxílio-doença ao pleiteante de aposentadoria por invalidez, o INSS comumente apela requerendo a anulação da sentença, alegando tratar-se de julgamento extra petita.
O Tribunal Regional Federal da 1ª Região (Brasília/DF) entende que, "se o autor requereu aposentadoria por invalidez e esta foi negada, não pode o juiz substituí-la por auxílio-doença não requerido"(1), sendo a decisão do juízo a quo nula. Considera, entretanto, que a sentença é ultra e não extra petita, como argumentado pela Autarquia. É neste mesmo sentido acórdão de 1997 da 5ª Turma do E. Superior Tribunal de Justiça(2).
Por sua vez, o Tribunal Regional Federal da 3ª Região (São Paulo/SP) tem assentado o entendimento de que "a concessão do benefício do auxílio-doença não importa em julgamento extra petita, pois representa um minus em relação ao pedido mais amplo de aposentadoria"(3), mantendo, neste ponto, a sentença de primeiro grau. Atualmente, a 5ª Turma do STJ ratifica tal posicionamento(4).
Em resumo: faz-se necessária a análise do benefício do auxílio-doença frente à aposentadoria por invalidez, para que se conclua se o primeiro está contido no segundo, ensejando, assim, seu deferimento posto que não pedido.
Em caso negativo, impõe-se a nulidade da sentença de primeiro grau já que extrapola o pedido. Nesta hipótese, cabe classificar corretamente a decisão em extra ou ultra petita, de forma a ilidir futuros questionamentos.
II – Análise dos Benefícios Previdenciários Envolvidos
O auxílio-doença teve sua origem na Alemanha de Bismarck e foi expressamente previsto na legislação brasileira na Lei n.º 3.807/60, cujo artigo 24 determinava que o benefício era devido ao segurado que, após doze contribuições mensais, ficasse incapacitado para o seu trabalho por prazo superior a quinze dias.
É um benefício de curta duração e renovável, pago em decorrência da incapacidade temporária e hodiernamente vem previsto nos artigos 59 a 64 da Lei n.º 8.213/91, sendo sua renda mensal de 91% do salário-de-benefício.
Dentre outras hipóteses, cessará o auxílio-doença quando houver recuperação da capacidade do trabalho ou pela sua transformação em aposentadoria por invalidez, no caso de ser considerada a incapacidade irrecuperável após processo de reabilitação profissional para o exercício de outra atividade.
De outro lado, os eventos de invalidez são protegidos pelo direito brasileiro desde a Constituição de 1934 (art. 121, alínea h). O art. 27 da Lei n.º 3.807/60 tratava da aposentadoria por invalidez, que era devida ao segurado que, após doze contribuições mensais, estando ou não em gozo de auxílio-doença, fosse considerado incapaz ou insuscetível de reabilitação para o exercício de atividade que lhe garantisse a subsistência.
Os artigos 42 a 47 da Lei n.º 8.213/91 trataram da aposentadoria por invalidez, dando-lhe o caráter temporário (por ser devido enquanto perdurar a incapacidade) e sua renda mensal corresponde a 100% do salário-de-contribuição, podendo ser superior em determinadas hipóteses.
Antonio Carlos de Oliveira acrescenta que geralmente o segurado, ao incapacitar-se para o trabalho, passa a gozar do auxílio-doença e, posteriormente, constatando a perícia médica que ele não tem condições de recuperar-se nem para o trabalho que exercia nem para qualquer outro tipo de trabalho, passa a gozar da aposentadoria por invalidez. Todavia, continua o jurista, se a conclusão inicial for pela incapacidade absoluta, a aposentadoria poderá ser concedida de imediato.
Assim, pode-se traçar o seguinte quadro comparativo entre os dois benefícios:
Auxílio-Doença |
Aposentadoria por Invalidez |
|
Carência |
12 meses ou inexigível, em alguns casos |
12 meses ou inexigível, nos mesmos casos |
Renda mensal |
91% do salário-de-benefício |
100% do salário-de-benefício ou mais, em algumas hipóteses |
Hipótese |
Incapacitação por mais de 15 dias |
Incapacitação insuscetível de reabilitação |
Conclui-se, portanto, que a aposentadoria por invalidez é um benefício voltado a situações menos efêmeras que aquelas protegidas pelo auxílio-doença, não obstante também seja considerado temporário pela legislação. E da análise do quadro acima, do ponto de vista material, a aposentadoria por invalidez pode ser considerada um benefício maior que o auxílio-doença, conseqüente de uma contingência (incapacidade, no caso) também maior.
Nesta linha, o artigo 1º da Lei n.º 8.213/91, definindo o objetivo da Previdência Social, refere-se a "assegurar aos seus beneficiários meios indispensáveis de manutenção, por motivo de incapacidade, desemprego involuntário, idade avançada, tempo de serviço, encargos familiares e de reclusão ou morte daqueles de quem dependiam economicamente" (g.n.). No dizer de Sergio Pinto Martins, a Previdência Social consiste, portanto, numa forma de assegurar ao trabalhador, com base no princípio da solidariedade, benefícios ou serviços quando seja atingido por uma contingência social.
Assim, dentre as contingências elencadas pela lei, o auxílio-doença e a aposentadoria por invalidez são seguros conseqüentes da incapacidade. Se um segurado faz jus ao auxílio-doença por estar acometido de uma incapacidade temporária, num segundo momento fará jus à aposentadoria, caso sua incapacidade venha a progredir tornando-o insuscetível de reabilitação (incapacidade total).
Aquele que ingressa com uma ação previdenciária nestes casos, quer ver declarada a sua incapacidade e condenada a Autarquia-Ré ao pagamento do seguro correspondente à contingência social sofrida. Donde decorre:
a) caso a perícia oficial constate que a incapacidade torna o segurado insuscetível de reabilitação, o benefício próprio é a aposentadoria por invalidez;
b) caso a perícia oficial constate que a incapacidade não torna o segurado insuscetível de reabilitação, mas o impossibilita de manter-se, o benefício é o auxílio-doença; ou
c) caso a perícia oficial constate que a incapacidade não impossibilita o segurado de manter-se, não há ocorrência da contingência incapacidade, não sendo devido o auxílio-doença nem menos a aposentadoria.
III – Comentários aos Aspectos Processuais
O art. 128 do Código de Processo Civil, consagrando o princípio sententia debet esse conformis libello, apregoa: "o juiz decidirá a lide nos limites em que foi proposta, sendo-lhe defeso conhecer de questões não suscitadas, a cujo respeito a lei exige a iniciativa da parte".
Assim, viciada será a sentença que decidir extra petita, ou seja, que possuir natureza diversa da pedida ou condenar o réu em objeto diverso do que lhe foi demandado (CPC, art. 460), e não poderá, também, ir além do pedido (ultra petita), salvo o que nele virtualmente se contém, conforme ensinamentos de Moacyr Amaral Santos.
É nesta linha o teor do art. 462 do diploma processual: "se, depois da propositura da ação, algum fato constitutivo, modificativo ou extintivo do direito influir no julgamento da lide, caberá ao juiz tomá-lo em consideração, de ofício ou a requerimento da parte, no momento de proferir a sentença". Sempre lembrando que cabe ao magistrado dizer o direito ao caso concreto.
IV – Conclusão
A sentença que concede auxílio-doença em pedido de aposentadoria por invalidez possui o mesmo objeto imediato (prestação jurisdicional consistente na condenação), o mesmo objeto mediato (pagamento do seguro em face da contingência incapacidade sofrida) e, ainda, mantém-se adstrita ao que virtualmente contém o pedido. Portando, não é extra e nem ultra petita.
Não condena, contudo, em todo o quantum pretendido pelo autor, o que o autoriza, inclusive, a recorrer, dada a sua sucumbência parcial.
Em conclusão, o entendimento do E. Tribunal Regional Federal da 3ª Região de que "a concessão do benefício do auxílio-doença não importa em julgamento extra petita, pois representa um minus em relação ao pedido mais amplo de aposentadoria", mostra-se mais acertado e merecendo prevalecer, principalmente tomando-se por conta a relevância da questão social envolvida e a forma com que foi prestigiada em nossa Constituição e na legislação previdenciária.
Notas
1. AC n.º 1997.01.00.030911-3, Relatoria do Juiz Carlos Fernando Mathias, 2ª Turma, DJ de 30/11/1998, pág. 115; e precedentes.
2. REsp n.º 127.902/SP, Relatoria do Ministro José Arnaldo da Fonseca, 5ª Turma, DJ de 06/10/1997, pág. 50.034.
3. AC n.º 96.03.018829-8, Relatoria da Desembargadora Federal Suzana Camargo, 5ª Turma, DJ de 28/09/1999, pág. 979; e precedentes.
4. REsp n.º 105.003/SP, Relatoria do Ministro José Arnaldo da Fonseca, 5ª Turma, DJ de 22/02/1999, pág. 119; e precedentes da Turma.
Bibliografia
1.MARTINS, SERGIO PINTO. Direito da Seguridade Social. 9ª ed. – São Paulo : Atlas, 1998.
2.OLIVEIRA, ANTONIO CARLOS DE. Os Benefícios in Curso de Direito Previdenciário : Homenagem a Moacyr Velloso Cardoso de Oliveira. 4ª ed – São Paulo : LTr, 1998.
3.SANTOS, MOACYR AMARAL. Primeiras Linhas de Direito Processual Civil. 10ª ed. – São Paulo : Saraiva, 1989.