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Direito Ambiental e poluição sonora.

O Direito Ambiental, Urbanístico, Processual e Penal no combate à poluição sonora

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31/03/2012 às 15:38
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9. A POLUIÇÃO SONORA COMO INFRAÇÃO PENAL

A poluição sonora se transformou em uma verdadeira epidemia.

O crescimento industrial, adensamento dos centros urbanos, o desenvolvimento e popularização de equipamentos que produzem os mais diversos tipos de ruídos, a frota veicular que não para de crescer, a falta de respeito, a inexistência da cultura de combater a poluição sonora estão transformando a vida moderna nos centros urbanos em uma verdadeira guerra.

É um caos a gerar estresse, e como já dito acima, com amparo em pesquisas e especialistas diversos, um intenso problema para a saúde humana e até mesmo dos animais de outras espécies.

Esta espécie de poluição, nada silenciosa, acarreta perda de audição, agressividade, insônia, estresse, depressão, perda de atenção e concentração, perda de memória, dores de cabeça, aumento da pressão arterial, cansaço, surdez, perda da produtividade.

São os sintomas de uma falta de atenção para um problema que de tão comum parece que se tornou imperceptível. É a verdadeira vida das cidades, como se fosse normal. Não é!

Mesmo para fora dos grandes centros urbanos a questão se alastra. Os sons automotivos, equipamentos de som de festas, aparelhagem de som domésticas estão mais potentes e mais baratas, levando a todo lugar o mal ao meio ambiente.

Afetando o homem, este tipo de poluição certamente afeta animais. Já tivemos notícias de produtores rurais de que festas em ambientes rurais que produzem elevada emissão de ruídos fazem com que vacas produzam menos leite e galinhas não botem ovos. O estresse deve ser semelhante em outros seres.

Não é exagero dizer que quem produz poluição sonora provoca dano maior que o de homicídio. Isto não é drama. Um homicídio afeta a uma única pessoa. Uma fábrica com autorização para funcionar em área residencial, uma festa com alto volume de som, um som automotivo podem levar prejuízos para a saúde de milhares de pessoas, a longas distâncias.

É algo equiparado a um genocídio. É um dano extraordinário.

A Lei 6.938/81, Lei da Política Nacional do Meio Ambiente, define poluição como a degradação da qualidade ambiental resultante de atividades que direta ou indiretamente prejudiquem a saúde, a segurança e o bem-estar da população; criem condições adversas às atividades sociais e econômicas; afetem desfavoravelmente a biota; afetem as condições estéticas ou sanitárias do meio ambiente; lancem matérias ou energia em desacordo com os padrões ambientais estabelecidos.

Em geral, procura-se distinguir som de ruído. O som seria a variação de pressão que a audição humana possa perceber, o ruído seria o som desagradável, inconveniente.

A poluição sonora seria genericamente então a emissão de sons que possa prejudicar a saúde. Atentando-se que mesmo o som agradável, conforme o receptor, pode ser um som poluente, pois prejudicial à saúde, conforme o grau de emissão.

A variação de pressão atmosférica que produz o som pode ser medida. O seu nível pode ser aferido, em conformidade com o poder acústico, a intensidade acústica e a pressão acústica. Para estabelecer a altura do som mede-se a freqüência. As medidas de ruído são realizadas conforme procedimento organizado pela Associação Brasileira de Normas Técnicas.[20]

Infelizmente o Poder Público pouco tem feito para enfrentar o problema poluição sonora.

Equipamento penal temos, todavia é muito pouco utilizado, até mesmo pela ignorância, desconhecimento do tipo penal específico. O efeito pedagógico da aplicação da norma penal que reprime a poluição seria de grande eficácia na defesa do meio ambiente urbano, principalmente pela falta de respeito generalizada quanto ao direito ao sossego e à saúde.

O artigo 54 da Lei 9.605/98 faz da poluição sonora crime, apenado com reclusão de 1 (um) a 4 (quatro) anos, se doloso. É sua redação:

Art. 54. Causar poluição de qualquer natureza em níveis tais que resultem ou possam resultar em danos à saúde humana, ou que provoquem a mortandade de animais ou a destruição significativa da flora:

Pena - reclusão, de um a quatro anos, e multa.

§ 1 ° - Se o crime é culposo:

Pena - detenção, de seis meses a um ano, e multa.

Tipo penal que regia especificamente a poluição sonora foi vetado, contudo, continua sendo crime, conforme o artigo 54 da lei. O dispositivo apena “poluição de qualquer natureza em níveis tais que resultem ou possam resultar em danos à saúde humana”.

Questão interessante vem a ser saber então quando o som provoca dano à saúde humana.

A resposta é simples, o nível de som produzido não pode ultrapassar os níveis estabelecidos na NBR – 10.152, por imposição da Resolução do CONAMA nº 01/90 e 02/90.

A NBR 10.152 é norma da Associação Brasileira de Normas Técnicas a qual estipula o procedimento de medição dos ruídos e estabelece os aceitáveis para a boa qualidade de vida humana.

Portanto, de posse de um equipamento de medição, se for constatado que alguém está emitindo sons em volume acima do estipulado na norma, este deve ser preso em flagrante.

Como exemplo, para área estritamente residencial urbana ou de hospitais ou de escolas, no período diurno, o nível de ruído não pode ultrapassar 50 dB (A). Acima disso é crime.

Esta norma está, também, indicada em diversas normas estaduais que visam a combater a poluição sonora. Uma delas é a Lei Distrital 4.092/08.

Veja que pode ser um proprietário de um automóvel que esteja com o som em alto volume, uma igreja, uma indústria, uma festa familiar ou comercial. O responsável pela emissão de som acima da regulada deve ser preso. A norma é clara.

Há um certo permissionismo das autoridades públicas com este tipo de dano, o que leva muitas vezes a, por ignorância, aplicar a contravenção penal do artigo 42 da Lei de Contravenções Penais ao crime que comentamos.

Paulo Affonso Leme Machado, Luiz Flávio Gomes, Sílvio Maciel, Celso Antônio Pacheco Fiorillo, entre outros entendem ser o artigo 54 da Lei Ambiental aplicado à poluição sonora.[21][22][23][24]

Da mesma forma entendeu o Superior Tribunal de Justiça no HC 54.536/MS, rel. Min. Felix Fischer, DJU 01.08.2006.

A problemática prática de se aplicar o tipo penal em comento está em produzir a prova técnica. Está na medição da pressão sonora. Há a necessidade de se aferir o grau de emissão de ruídos para aplicação do tipo.

É ponto de revelo pois os agentes policiais devem ter acesso a equipamentos de medição.

Todavia, principalmente pelo fato da poluição sonora não deixar marcas, a não ser na saúde humana, há maior dificuldade em demonstrar o nexo causal entre a produção do ruído e a saúde. Além de, em defesa, o poluidor poder alegar que deveria ter se medido a emissão de ruídos a que a pessoa estaria exposta. Entendemos que a prova testemunhal pode ser admitida, naqueles casos em que o ruído acima do permitido é bastante claro.

Logo, poderíamos assim atingir os crimes pretéritos, caso contrário, sua repressão só se daria em casos de flagrância.

Entendemos, pois, ser possível o apenamento mesmo sem perícia. Desde que haja outras provas.

Não sendo possível a prova do prejuízo para a saúde, utilizaremos o tipo penal de reserva, a contravenção do artigo 42 da Lei de Contravenções Penais, que dispõe:

Art. 42. Perturbar alguém o trabalho ou o sossego alheios:

I – com gritaria ou algazarra;

II – exercendo profissão incômoda ou ruidosa, em desacordo com as prescrições legais;

III – abusando de instrumentos sonoros ou sinais acústicos;

IV – provocando ou não procurando impedir barulho produzido por animal de que tem a guarda:

Pena – prisão simples, de quinze dias a três meses, ou multa, de duzentos mil réis a dois contos de réis.

Esta norma então é o soldado de reserva, possuindo aplicação subsidiária.

Chamamos atenção, porém, que a contravenção se trata de infração sujeita a ação penal pública incondicionada, logo, o Poder Público é obrigado a agir.

O agente policial não pode usar a desculpa de que não possui instrumento de medida de emissão de ruídos para omitir-se. Mesmo que tenha opinião de que é infração de menor importância, tem o dever de agir por ser caso de ação pública incondicionada.

Em decorrência, deve inclusive adentrar a estabelecimentos comerciais, industriais, casas de eventos, domicílios etc, mesmo sem autorização do responsável, arrombando portas e obstáculos, se for o caso, e fazer cessar a infração, prendendo o autor do fato.

Muito importante observar, seja no crime, seja na contravenção, que o autor perderá os instrumentos da infração, mesmo que sejam objetos lícitos, conforme artigo 25 da Lei 9.605/98.

Assim, a título de exemplo, o industrial poderá perder suas máquinas, o proprietário da aparelhagem de som, seus equipamentos, a igreja seus instrumentos.

Observe que nenhuma norma administrativa ou local poderá impedir isto, o que muito se tenta, principalmente os templos religiosos e atividades comerciais, em conluio com administradores, procurando furtar-se da punição.

Vimos, ainda, em situações extremas, a possibilidade da liquidação forçada de pessoas jurídicas poluidoras, com amparo no artigo 24 da Lei 9.605/98, a qual deve se dar judicialmente em virtude da prática de crimes.

O que se nota é que, além da falta de conhecimento e da falta de equipamentos necessários para a repressão à poluição sonora, outros fatores, mesquinhos, afetam o adequado controle da poluição sonora.

Causas políticas, interesses pessoais econômicos, falta de independência funcional das autoridades policiais, fiscais que ocupam cargos comissionados, o que torna seu emprego e liberdade de agir fragilizada, quando não são escolhidos justamente para não agir em determinadas ocasiões, e até mesmo o populismo.

Com isto, atividades são licenciadas sem obedecer a requisitos legais, para atender a fins econômicos espúrios; em busca de apoio político não se reprime poluição emitida por templos religiosos e se permite sua localização em ambiente inadequado; festas são autorizadas em locais que não deveriam ser e a poluição produzida não é reprimida; ocupantes de cargos comissionados são pressionados a não agir de acordo com a lei; policiais que reprimem a poluição produzida por pessoa que detém poder político ou econômico são transferidos.


CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao final deste breve estudo, percebemos mais ainda a sua relevância na busca por meios para reprimir a poluição sonora.

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Aprofundar no conhecimento dos efeitos que a poluição sonora causa à saúde humana, nos levou a maior envolvimento com o assunto, procurando no Direito as soluções técnicas para a prevenção e repressão à poluição sonora.

Analisamos a importância dada pela Constituição Federal de 1988 à tutela dos bens ambientais, tanto por tratar do meio ambiente em vários dispositivos indiretamente, quanto por possuir um capítulo específico a regê-lo.

Já os princípios do direito ambiental orquestram a temática. Analisamos os princípios da prevenção, da precaução, do poluidor-pagador e do desenvolvimento sustentável.

Com o primeiro, se desperta para o fato de ser melhor prevenir a reparar os danos. O segundo alerta para os casos em que não há certeza científica sobre os efeitos de uma atividade, de modo que, na sua dúvida, prefere-se a não realização de atividade com potencialidade de causar intensos estragos.

Já o desenvolvimento sustentável chama atenção para a exigência de se satisfazer as demandas do presente sem comprometer a possibilidade de as gerações futuras atenderem as suas próprias necessidades.

Observamos o instituto da função social da propriedade urbana, em consonância com a sustentabilidade. A propriedade só se legitima quando atende a sua função social. Deve trazer um ganho à sociedade e não pode ser usada em prejuízo aos citadinos.

Estudamos os instrumentos da política urbana e a sua utilidade no controle da poluição. O plano diretor, o zoneamento urbano e o estudo de impacto de vizinhança são de suma importância para o cumprimento da função social da cidade, dando ensejo ao cuidado em se evitar que aqueles que a frequentam sejam atingidos pela emissão de ruídos prejudiciais a sua saúde.

O poder de polícia ambiental mostra-se como dever da Administração Pública em limitar e disciplinar as liberdades das pessoas físicas ou jurídicas, públicas ou privadas, seja fiscalizando as atividades potencialmente poluidoras e prevenindo a emissão de poluentes por elas, com o auxílio do licenciamento ambiental, seja aplicando sanções aos desobedientes.

As ações coletivas mostram-se como importantes mecanismos para a tutela do meio ambiente em juízo. É difuso o direito tutelado, seu objeto indivisível e seus titulares indeterminados.

Há a necessidade de se proteger de forma coletiva estes interesses, principalmente pelo fato de estarem dispersos os interessados e os interesses.

A ação civil pública e a ação popular, esta um verdadeiro sinal de democracia e participação, são instrumental no combate à poluição sonora. A substituição processual da primeira permite que o interesse público seja mais bem atendido, devido à legitimidade ativa que possui. A segunda permite ao cidadão o combate a um mal que atinge toda uma comunidade.

Cuidando especificamente da tutela penal, encontramos um tipo adequado para salvaguarda de um bem que a Constituição emite um mandado de criminalização para protegê-lo.

No artigo 54 da Lei 9.605/98, temos a definição do crime de poluição, abarcando qualquer modalidade. Não havendo que se discutir sobre o seu emprego para o caso de emissão de ruídos acima do permitido ou não. A doutrina é favorável a seu emprego e há jurisprudência a confirmar tal ponto de vista.

Porém, para configurar o crime de poluição, há que ser em nível a resultar ou poder resultar danos à saúde humana. Para se poder configurar danos à saúde humana, devem ser emitidos ruídos em nível acima do delimitado em norma da ABNT. No caso, NBR 10.152.

Somente no caso do nível de ruído prejudicial à saúde não ser provado é que se utilizará a contravenção prevista no artigo 42 da Lei de Contravenções Penais para a repressão à emissão de sons perturbadores.

Comentamos ainda a existência da Lei dos Crimes Ambientais e a existência de outros textos normativos a tratar da tutela penal ambiental.

A Lei dos Crimes Ambientais possui uma parte geral que inaugurou institutos jurídicos como a responsabilidade penal da pessoa jurídica e trata de forma distinta questões como as agravantes, atenuantes, transação penal, suspensão condicional do processo, perda de bens entre outros institutos.

Apesar de todo o levantado, chamamos atenção no estudo para a existência de recursos do Direito Ambiental, Urbanístico, Processual e Penal Ambiental para a cautela do bem ambiental em pesquisa. Porém, há a omissão do Poder Público em utilizá-los, seja por ignorância, seja por falta de meios ou até mesmo por má-fé.

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Sobre o autor
Waldek Fachinelli Cavalcante

Mestre em Criminologia e Investigação Criminal; Especialista em Direito Constitucional; Especialista em Direito Ambiental e Urbanístico; Delegado de Polícia da PCDF.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CAVALCANTE, Waldek Fachinelli. Direito Ambiental e poluição sonora.: O Direito Ambiental, Urbanístico, Processual e Penal no combate à poluição sonora. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3195, 31 mar. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/21408. Acesso em: 26 abr. 2024.

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