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Penhora do imóvel do fiador no contrato de locação.

Análise da (in)constitucionalidade do artigo 3º,VII, da Lei nº 8.009/1990

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10/04/2012 às 11:00
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CONSIDERAÇÕES FINAIS

A família, como base da sociedade, tem merecido do legislador uma especial atenção. Além de vários dispositivos protetivos previstos na Constituição Federal, outras normas, infraconstitucionais, visam sua tutela. O instituto do bem de família é uma delas, tem como objetivo resguardar o imóvel residencial da entidade familiar.

Esse instituto é regulado pelo Código Civil e pela Lei ordinária nº. 8.009/90. Tal lei, apesar de resguardar o imóvel residencial da família de execuções por dívidas, traz também em seu conteúdo uma limitação, incluída pela Lei nº.8.245/91, a Lei do Inquilinato. Trata-se da possibilidade de penhorar o imóvel do fiador no contrato de locação.

Assim sendo, o objetivo proposto nesse trabalho foi o de verificar a inconstitucionalidade de tal dispositivo, frente ao direito fundamental à moradia, e do princípio da isonomia.

O direito fundamental social à moradia é um direito amplo, que protege a moradia como um todo. Abrange, dessa forma, tanto o imóvel próprio quanto o alugado. Portanto, cabe também ao Estado viabilizar a moradia na forma de locação. É nesse sentido que se verificou que o direito à moradia é ao mesmo tempo protegido e violado pelo disposto no artigo 3º, inciso VII da lei 8.009/90.

Trata-se de uma colisão entre o direito de moradia de duas classes distintas: do fiador e do locatário. De um lado, o locatário, que não tendo imóvel próprio e necessitando de uma moradia, precisa valer-se do contrato de locação. De outro, o fiador, que tendo garantido o adimplemento pelo locatário, teve sua moradia excutida.

Essa celeuma trouxe à tona o princípio da proporcionalidade, que ensejou um juízo de ponderação sobre a antinomia verificada. Esse juízo de ponderação, por sua vez, nos remeteu a uma análise axiológica dos bens conflitantes. Não cabendo no presente estudo considerações de valor, baseadas em fundamentos subjetivos, optou-se por considerá-la constitucional pelo princípio da liberdade da ação do legislador, e também pela possibilidade de se submetê-la ao caso concreto.

Em relação à análise da possível afronta ao princípio isonômico, após uma caracterização dos contratos de locação e de fiança e de seus respectivos objetos, concluiu-se que não há inconstitucionalidade do dispositivo em relação a esse aspecto.

Tal conclusão baseou-se na constatação da natureza jurídica diversa que existe nas obrigações assumidas por fiador e devedor principal. Dessa forma, estando locatário e fiador em situações jurídicas diferentes, não se estaria dando tratamento desigual aos iguais, mas desigual aos desiguais, e este é o sumo do princípio da igualdade.

Apesar de não ser um dos objetivos do presente trabalho, não poderíamos deixar de consignar também a constatação de que, não obstante o fato de o princípio da isonomia não conferir inconstitucionalidade ao dispositivo analisado, seria possível que seu conteúdo fosse requisitado à interpretação do instituto da sub-rogação, uma vez que para tal instituto o fiador possui as mesmas prerrogativas que teria o credor da dívida principal. Tal conclusão, porém, não é livre de maiores considerações jurídicas, por não ter sido objeto do estudo.

Desta forma conclui-se que, em relação ao direito fundamental à moradia e ao princípio da igualdade, o artigo 3º, inciso VII da Lei nº. 8.009/90 não apresenta inconstitucionalidade.


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Notas

[1] À mulher era permitido escolher se ao casar passaria a integrar à família do esposo, ou se continuaria sob o poder de seu pater. Eram os chamados casamentos com manus, ou sem manus, respectivamente.

[2] O que Deus uniu o homem não separa.

[3] Movimento religioso ocorrido na idade média, liderado pelo monge agostiniano Martinho Lutero, e que visava uma mudança na visão religiosa do homem.

[4] Ocorrido no período de 1545 a 1563, teve o intuito de assegurar a unidade da fé e a disciplina eclesiástica.

[5] Segundo o artigo 226, §4º da Constituição Federal, “entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes”.

[6] Silvio do Salvo Venosa usa como exemplo do patriarcalismo o §2º do artigo 1.412 do atual Código Civil, que ao tratar do instituto do uso, dentro do livro de direitos reais, descreve que “as necessidades da família do usuário compreendem as de seu cônjuge, dos filhos solteiros e das pessoas de seu serviço doméstico”. (2004, p. 16)

[7] “Penhora é o ato executório consistente na apreensão de bens do devedor suficientes para conservá-los durante todo o processo de execução, a fim de que sobre eles ou com o produto da sua transformação em dinheiro efetuar-se o pagamento do crédito do exeqüente”. (GRECO, 2001, p. 305)

[8] A Constituição Texana de 1836 já delineava algumas linhas gerais do instituto, pois possibilitava que ao cidadão (excetuando-se negros africanos e seus descendentes) fosse assegurado, junto ao Estado, uma pequena porção de terras do Estado, desde que fosse chefe de família, e porção menor, se celibatário.

[9] Do latim, “Para que faças acontecer”. Significa uma autorização legal para promover a execução dos bens do devedor.

[10] Segundo o artigo 1.858 do Código Civil, o testamento pode ser mudado a qualquer momento. Dessa forma, a eficácia do instituto dependerá da eficácia do próprio testamento e da cláusula que o constitui.

[11] Erga Omnes, do latim, traduz-se como “contra todos”, “a respeito de todos”, ou “em relação a todos”. Indica que opera efeitos em relação a terceiros. (SILVA D., 2002, p. 312)

[12] Inalienável: “restrição imposta ao direito de propriedade, em referência a certas coisas, em virtude da qual não podem elas ser vendidas, cedidas ou alheadas” (SILVA D., 2002, p. 420)

[13] Conforme Sílvio de Salvo Venosa (2003a, p. 437), não se deve confundir o objeto do contrato com a obrigação. A obrigação assumida no contrato é de dar, fazer ou não fazer, e o objeto é a própria prestação, seja a coisa, ou serviço ou a abstenção.

[14] Do latim, “em consideração à pessoa”.

[15] “Garantia real é a que se funda no oferecimento de um bem móvel, imóvel ou semovente, para que nele se cumpra a exigência ou execução da obrigação, quando não é cumprida ou paga pelo devedor”.(SILVA D., 2002, p. 379)

[16] Art. 827. O fiador demandado pelo pagamento da dívida tem direito a exigir, até a contestação da lide, que sejam primeiro executados os bens do devedor.

Parágrafo único. O fiador que alegar o benefício de ordem, a que se refere esse artigo, deve nomear bens do devedor, sitos no mesmo município, livres e desembargados, quantos bastem para solver o débito.

[17] Art. 1.648. Cabe ao juiz, nos casos do artigo antecedente, suprir a outorga, quando um dos cônjuges a denegue sem motivo justo, ou lhe seja impossível concedê-la.

[18] Lacuna, do latim, significa falha, omissão, vazio. Relativamente às leis, possui o significado de falta de menção de certos fatos (SILVA D, 2002, p. 474).

[19] Antinomia, sem maiores considerações doutrinárias, é a “contradição real ou aparente, evidenciada entre duas leis” e que dificulta sua interpretação (SILVA D, 2002, p. 67).

[20] Como exemplo, temos o princípio da proporcionalidade, que será visto na Unidade 3.

[21] Para Celso Ribeiro Bastos e Ives Gandra Martins (2004, p. 15), a igualdade gera também um direito subjetivo: “Possui, portanto, o cidadão o direito de não ser diferenciado por outros particulares nas mesmas situações em que a lei também não poderia diferenciar”.

[22] Conforme Ingo Wolfgang Sarlet, não se deve utilizar mais a expressão “norma programática”, mas “normas constitucionais” de “cunho programático”, onde se incluem as normas-tarefa, normas-fim, imposições legiferantes, e outras formas de normas programa. (2004b, p. 287)

[23] O artigo 102, inciso I, alínea “a” da Constituição Federal de 1988 determina competência originária ao Supremo Tribunal Federal para processar e julgar ação direita de inconstitucionalidade.

[24] “A função de órgão controlador da constitucionalidade resulta da própria natureza da atividade do Poder judicante do Estado, que traria ínsita em si a aplicação das normas jurídicas segundo a sua hierarquia”. (BASTOS, 1997, p. 390).

[25] De Plácido e Silva (2002, p. 396) define hermenêutica: “Do latim hermenêutica (que interpreta ou que explica), é empregado na técnica jurídica para assinalar o meio ou modo por que se devem interpretar as leis, a fim de que se tenha delas o exato sentido ou o fiel pensamento do legislador”.

[26] Konrad Hesse é um dos idealizadores do chamado método hermenêutico concretizador, onde toda interpretação deverá se dar através da análise do caso concreto (SARMENTO, 2001, p. 62).

[27] A doutrina diverge sobre a natureza da razoabilidade. Para alguns ela é parte da proporcionalidade, outros consideram que traz a proporcionalidade como elemento, e há ainda que não faça distinção.

[28] Na seção 2.2.2.2 verificou-se de que forma se dá a aplicabilidade dos direitos fundamentais sociais.

[29] Sérgio Iglesias Nunes de Souza defende em sua obra “Direito à Moradia e de Habitação” que o direito à moradia se trata de direito individual, uma vez que pertinente à dignidade da pessoa humana.

[30] Em nota de atualização, Sérgio Iglesias Nunes de Souza, apesar de concordar com a exceção imposta à impenhorabilidade, diz entender que a mesma não foi recepcionada pela Emenda Constitucional nº 26, e sugere uma nova redação para o inciso VII do artigo 3º da lei 8.009/90, para que a exceção atinja somente o fiador de contrato de locação residencial.

[31] Jane Reis Gonçalves Pereira (2006, p. 342) sugere que quando se torna complexa a verificação da necessidade da medida pela variabilidade apresentada pela norma, deve-se remeter o processo de análise para o terceiro sub-princípio, da proporcionalidade em sentido estrito, que pressupõe uma ponderação dos fins e dos meios. 

Assuntos relacionados
Sobre a autora
Cristiane Eing Dequigiovani

Oficial de Justiça na Justiça Comum Estadual de Santa Catarina

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

DEQUIGIOVANI, Cristiane Eing. Penhora do imóvel do fiador no contrato de locação.: Análise da (in)constitucionalidade do artigo 3º,VII, da Lei nº 8.009/1990. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3205, 10 abr. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/21475. Acesso em: 18 nov. 2024.

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