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O princípio do contraditório no inquérito policial

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10/04/2012 às 18:03
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CAPÍTULO 3: PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS APLICADOS NO INQUÉRITO POLICIAL

3.1 O Princípio da Ampla Defesa

O direito à ampla defesa que assim como o direito ao contraditório é decorrência do princípio constitucional do devido processo legal, estão presentes nos sistemas penais que adotam o modelo contraditório. Este princípio significará no âmbito do processo penal a chance do acusado se livrar de acusações infundadas e arbitrárias por parte do Estado, é condição para a estrutura dialética do processo.

O direito de defesa é intrínseco aos preceitos oriundos do Estado Democrático de Direito, este é um direito subjetivo do cidadão que lhe possibilita a utilização de todos os meios possíveis dentro do ordenamento jurídico para a tutela e defesa de seus interesses.

Os direitos de defesa caracterizam-se por impor ao Estado um dever de abstenção, um dever de não interferência, de não intromissão no espaço de autodeterminação do indivíduo. Esses direitos objetivam a limitação da ação do Estado. Destinam-se a evitar a ingerência sobre os bens protegidos (liberdade, propriedade...) e fundamentam pretensão de reparo pelas agressões eventualmente consumadas.[30]

No âmbito do processo penal se apresenta sob dois aspectos: o da autodefesa e o da defesa técnica, sendo que o primeiro se refere ao direito de o acusado poder se defender pessoalmente e ao direito de audiência perante o magistrado e o segundo ao direito de assistência por advogado.

Mirabete discorre sobre o assunto afirmando que:

A defesa técnica a cargo do advogado procurador do réu é complementada pela autodefesa do acusado, que se pode desenvolver ao seu lado no processo, apresentando alegações em seu interrogatório, manifestando o desejo de apelar da sentença condenatória etc.[31]

Apesar de o direito de defesa ser correlato ao direito ao contraditório, estes possuem diferenças: enquanto o direito ao contraditório garante ao acusado a participação e a possibilidade de impugnar qualquer alegação contrária aos seus interesses, o direito à ampla defesa é a faculdade que o acusado possui para utilizar todos os meios e elementos para contrapor a imputação que lhe é feita.

O nosso ordenamento jurídico ao garantir o direito à ampla defesa estabelece que este deve ser exercido de forma plena não devendo sofrer nenhum tipo de limitação, podendo assim o réu alegar fatos e propor todas as provas indispensáveis ao exercício regular de seu direito.

A ampla defesa abrange o direito de informação (nemo inauditus damnari potest), a bilateralidade de audiência (contraditoriedade) e o direito à prova legitimamente obtida ou produzida (comprovação da inculpabilidade)[32]. Tucci entende que o contraditório faz parte da ampla defesa, opinião diferente dos demais doutrinadores.

Na esfera do processo civil a defesa é caracterizada por resistência do réu a uma pretensão do autor. No processo civil o réu irá se defender desta pretensão primeiramente através de sua contestação, já no processo criminal o réu se opõe a pretensão do Ministério Público através de alegações escritas, defesa oral e demais meios.

Para Vicente Greco Filho o direito a ampla defesa será exercido em sua plenitude quando garantidos ao acusado os seguintes meios: a) ter conhecimento claro da imputação; b) poder apresentar alegações contra a acusação; c) poder acompanhar a prova produzida e fazer a contraprova; ter defesa técnica por advogado, cuja função, aliás, agora, é essencial a Administração da Justiça; e) poder recorrer da decisão desfavorável[33].

O autor entende que a defesa é o ponto central do processo o mais importante, todo o processo gira ao seu redor, devendo ser utilizados todos os meios para a máxima efetivação deste direito.

O direito de defesa abrange não somente a possibilidade de o acusado contestar a ação, mas também o direito de influir na instrução do processo criando situações e produzindo provas, criando assim uma perspectiva de uma sentença favorável.

Assim podemos concluir que o princípio constitucional da ampla defesa é a possibilidade que as partes têm de utilizar todos os argumentos e meios de prova ao longo da lide que julgarem necessários para o convencimento do juiz sobre conflito existente.

Na sequencia passaremos a analisar o princípio do devido processo legal que representa uma garantia estabelecida em nossa Carta Magna.

3.2 Aspectos do Princípio do Devido Processo Legal

Na atualidade, em razão das várias mudanças culturais ocorridas ao longo da história o princípio do devido processo legal assume um papel de grande importância no sistema jurídico processual, podendo ser compreendido como a base para os demais princípios processuais, é o gênero dos quais os outros princípios são espécies.

O princípio do devido processo legal enquanto direito fundamental e norma basilar do ordenamento jurídico brasileiro, objetiva balancear de maneira adequada os valores no processo face ao exame concreto.

O instituto do devido processo legal teve sua adoção de forma expressa no Brasil através da Constituição Federal de 1988 que em seu art.5º, LIV diz: “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”. Vale ressaltar que nem o Código de Processo Civil ou o Código de Processo Penal mencionam a expressão “devido processo legal”.

Este princípio no Brasil tem uma ligação originária com o processo penal, neste sentido se pronuncia Roberto Rosas:

A Constituição assegura aos litigantes (em 1969 – acusados) ampla defesa (art. 5º, LV). Dir-se-á que a regra dirige-se para o processo penal, administrativo ou fiscal. Assim pensa Pontes de Miranda. No entanto, essa restrição deve ser ponderada. O fato de alguém ser acusado não leva fatalmente a entender-se incriminação penal. Na tradição constitucional brasileira essa diretriz era para o processo penal, tanto que desde 1824 falava-se em prisão, culpa formada, nota de culpa, expressões não mais usadas no texto atual.[34]

O devido processo legal garantirá aos litigantes um procedimento justo na busca de uma solução adequada ao conflito em discussão. A adoção deste princípio significa uma grande evolução da sociedade nas formas de composição de conflitos.

A Constituição Federal ao adotar o princípio do devido processo legal garante ao cidadão a possibilidade de buscar a prestação jurisdicional relativa a um interesse em conflito, como também composição desse litígio deve obedecer a certas regras previamente estabelecidas em lei. Essa obrigatoriedade de respeito às regras do devido processo legal também cabem ao Estado quando em conflito com particulares, não sendo aplicável somente aos particulares.

O devido processo legal configura dupla proteção ao indivíduo, atuando tanto no âmbito material de proteção ao direito de liberdade, quanto no âmbito formal, ao assegurar-lhe paridade total de condições com o Estado-persecutor e plenitude de defesa (direito à defesa técnica, à publicidade do processo, à citação, de produção ampla de provas, de ser processado e julgado pelo juiz competente, aos recursos, à decisão imutável, à revisão criminal).[35]

O conceito de devido processo legal pode ser visto de forma evolutiva tanto em seu aspecto procedimental (instrumento que viabiliza as liberdades civis) quanto no aspecto substantivo (análise de seu conteúdo substantivo da legislação).

Rui Portanova observa o princípio do devido processo legal da seguinte maneira, vejamos:

O devido processo legal é uma garantia do cidadão. Garantia constitucionalmente prevista que assegura tanto o exercício do direito de acesso ao Poder Judiciário como no desenvolvimento processual de acordo com normas previamente estabelecidas.

Assim, pelo princípio do devido processo legal, a Constituição garante a todos os cidadãos que a solução de seus conflitos obedecerá aos mecanismos jurídicos de acesso e desenvolvimento do processo, conforme previamente estabelecido em leis.[36]

O respeito às normas processuais portadoras de garantias de um tratamento isonômico dos sujeitos parciais do processo visam a obtenção de uma decisão justa no caso concreto, assim obedecendo ao devido processo legal essa decisão será justa, uma vez que estará de acordo com os padrões éticos e sociais eleitos pela nação.

A garantia constitucional do devido processo legal exige que se dê às partes a tutela jurisdicional adequada. Além disso, aos sujeitos do processo devem ser conferidas amplas e iguais oportunidades para alegar e provar fatos inerentes à consecução daquela tutela. O princípio-garantia do devido processo legal não pretende apenas a observância do procedimento estatuído na lei, com a realização de todos os atos inerentes a ele: pretende também a efetividade da tutela jurisdicional, concedendo proteção àqueles que merecem e necessitam dela.[37]

Rogério Lauria Tucci e José Rogério Cruz e Tucci fazem referência ao princípio do devido processo legal no âmbito do processo penal, dizem os autores:

Especificam-se, outrossim, nas garantias: a) de acesso à Justiça Penal; b) do juiz natural em matéria penal; c) de tratamento paritário dos sujeitos do processo penal; d) da plenitude de defesa do indiciado, acusado ou condenado, com todos os meios e recursos a ela inerentes; e) da publicidade dos atos processuais penais; f) da motivação dos atos decisórios penais; g) da fixação do prazo razoável de duração do processo penal.[38]

O devido processo penal constitucional busca, então, realizar uma Justiça Penal submetida a exigências de igualdade efetiva entre os litigantes. O processo justo deve atentar, sempre, para a desigualdade material que normalmente ocorre no curso de toda persecução penal, em que o Estado ocupa uma posição de proeminência, respondendo pelas funções investigatórias e acusatórias, como regra, e pela atuação jurisdicional, sobre a qual exerce o monopólio.[39]

Nos dias atuais a doutrina tem dedicado a maior parte dos estudos à versão substantiva do devido processo legal que está mais de acordo com a nossa Carta Magna.

Ao devido processo substancial incumbe a perquirição acerca da adequação do direito material, ou conteúdo da norma, a valores contemporâneos. A atuação prepondera no campo material.

A substancialidade do devido processo legal está no dever de a lei obedecer a critérios que atendam ao senso de justiça e aos preceitos constitucionais de aplicação normativa pelo Poder Judiciário.[40] A garantia, vista através desta óptica, remete à necessidade de exercício dos poderes estatais por meio de um processo justo, onde somente incidam as leis de direito material razoáveis, ou seja, em congruência com o sistema de valores sociais. “O processo devido começa por um processo justo logo no momento da criação normativo-legislativa” [41].

Com a inserção do devido processo legal na Constituição Federal se busca o zelo pelas garantias e pelos modelos de defesa e ação do cidadão perante o poder público, compreendido na estrutura e na realidade nacional. Este princípio deve ser fruto de uma construção voltada às carências e anseios tipicamente brasileiros, orientando a realização de um processo justo, ou melhor, em harmonia com suas características próprias.

Após abordar a estrutura do devido processo legal juntamente com os princípios do da ampla defesa e do devido processo legal apontando suas principais características, no próximo capítulo estudaremos o princípio do contraditório e sua aplicabilidade no inquérito policial.

3.3 O Princípio do contraditório e sua aplicação no inquérito policial

O princípio do contraditório está expresso em nossa Constituição Federal em seu art. 5º, inciso LV “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e os acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com meios e recursos a ela inerentes”. Da análise do texto constitucional podemos extrair que os direitos ao contraditório e à ampla defesa é que vão propiciar um devido processo legal com o direito de defesa resguardado assim como as demais garantias constitucionais.

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Paulo Rangel ressalta que: “Não só a Constituição da República, mas também a Convenção Americana dos Direitos Humanos, chamada de Pacto de São José da Costa Rica, aprovada pelo Congresso Nacional, através do Decreto Legislativo nº. 27, de 26 de maio de 1992, garante o contraditório” [42]. Estabelece o art. 8º, inciso I do referido Decreto Legislativo o seguinte: “Toda pessoa tem direito a ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na apuração de qualquer acusação penal formulada contra ela, ou para que se determinem seus direitos ou obrigações de natureza civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer outra natureza.”

A defesa é um instrumento de solicitação e controle do método de prova acusatório, consistente precisamente no contraditório entre hipótese de acusação e hipótese de defesa.[43]

O direito ao contraditório traz a ideia de igualdade entre as partes, assegurando não somente o direito da parte de produzir suas provas e sustentar suas razões, mas também de se manifestar sobre as provas produzidas pela parte contrária. Este princípio como discorre a doutrina se caracteriza pelo binômio ciência e participação.

O direito ao contraditório é um elemento essencial ao processo estando intimamente ligado à ideia de um processo democrático, uma vez que de maneira indireta traduz a participação do indivíduo no ato.

O princípio do contraditório é típico de um processo de partes, onde o magistrado permanece equidistante delas exercendo sua atividade jurisdicional, representando o Estado na relação processual, funcionando como um órgão mediador que busca uma solução para a lide apresentada.

O clássico autor Joaquim Canuto Mendes de Almeida afirma que constitui o contraditório a expressão da ciência bilateral dos atos e termos do processo, com possibilidade de contrariá-los.[44]

O princípio do contraditório, além de fundamentalmente constituir-se em manifestação do princípio do estado de direito, tem íntima ligação com o da igualdade das partes e o direito da ação, pois o texto constitucional, ao garantir aos litigantes o contraditório e a ampla defesa, quer significar que tanto o direito de ação quanto o direito de defesa são manifestações do princípio do contraditório.[45]

Jorge de Figueiredo ressalta que:

O princípio do contraditório opõe-se, decerto, a uma estrutura puramente inquisitória do processo penal, em que o juiz pudesse proferir a decisão sem previamente ter confrontado o argüido com as provas que contra ele houvesse recolhido – e não faltaram exemplos históricos de processos penais assim estruturados – ou em lhe ter dado, em geral, qualquer possibilidade de contestação da acusação formulada. Exceção feita, porém a casos de estrutura mais asperamente inquisitória, o princípio encabeçado, sobretudo na pessoa do argüido, mereceu sempre geral aceitação – nos direitos antigos (tanto no grego como no romano) como nos medievais (após a recepção pelo direito romano, logo em seguida obscurecida, como se sabe, como se sabe pelo processo inquisitório) e, de forma inquestionável, nos processos penais “reformados” conseqüentes à Revolução Francesa.[46]

Alexandre de Moraes conceitua

[...] o contraditório é a própria exteriorização da ampla defesa, impondo a condução dialética do processo (par conditio), pois a todo ato produzido pela acusação caberá igual direito da defesa de opor-se-lhe ou de dar-lhe a versão que melhor lhe apresente, ou ainda, de fornecer uma interpretação jurídica diversa daquela feita pelo autor.[47]

As partes no curso do processo devem ser tratadas de maneira igual, sendo assim respeitadas as garantias constitucionais de igualdade e acesso à justiça. O direito ao contraditório decorrente deste princípio maior que é a igualdade possibilita ao réu produzir todas as provas que julgar convenientes e contraditar as provas produzidas pela acusação.

No âmbito do processo penal o juiz deve ouvir ambas as partes para declinar o seu convencimento, assim mesmo o Ministério Público sendo o órgão encarregado pelo poder público para o exercício da ação penal, não deve ser favorecido em prejuízo do réu e o princípio do contraditório aparece como um meio de se chegar a um processo justo.

Voltado mais para o processo penal este princípio parte da parêmia audiatur et altera pars (a parte contraria deve ser ouvida), assim à parte é dada a possibilidade de se manifestar sobre aquilo produzido em juízo pela parte contrária.

Aliás, em todo o processo de tipo acusatório, como o nosso, vigora esse princípio, segundo o qual o acusado, isto é, a pessoa em relação à qual se propõe a ação penal, goza do direito “primário e absoluto” da defesa. O réu deve conhecer a acusação que se lhe imputa para poder contrariá-la, evitando, assim, possa ser condenado sem ser ouvido.[48]

Aury Lopes Junior entende o contraditório como um mecanismo que irá confrontar a prova e verificar se a mesma é verdadeira. De acordo com o autor:

O ato de “contradizer” a suposta verdade afirmada na acusação (enquanto declaração petitória) é ato imprescindível para um mínimo de configuração acusatória do processo. O contraditório conduz ao direito de audiência e às alegações mutuas das partes na forma dialética.[49]

O princípio do contraditório será respeitado quando o juiz confronta todas as alegações feitas pelas partes, verificando o grau de verdade de cada uma delas, buscando assim a verdade real.

Há autores que observam o princípio do contraditório e do direito de defesa de forma diferente no plano teórico. Neste sentido Ada Pellegrini Grinover explica: “defesa e contraditório estão indissoluvelmente ligados, porquanto é do contraditório (visto em seu primeiro momento, da informação) que brota o exercício da defesa; mas é esta – como poder correlato ao de ação – que garante o contraditório. A defesa, assim, garante o contraditório, mas também por este se manifesta e é garantida. Eis a íntima relação e interação da defesa e do contraditório.[50]

A respeito da diferença entre o direito ao contraditório aplicado no processo penal e no processo civil Antonio Scarance Fernandes afirma que:

Enquanto no processo penal, em virtude da necessidade de ser pleno e efetivo, o contraditório deve ser atendido durante todo o desenvolvimento da causa, mesmo quando haja revelia, em relação ao processo civil não sucede o mesmo. Admiti-se, em caso de revelia, o seguimento da causa sem ciência ao réu dos atos e termos realizados no processo após a declaração de contumácia. Por isso, a doutrina em geral afirma que, no processo civil, deve ser também observado o princípio do contraditório, mas para isso basta a oportunidade de reação proporcionada pela citação, garantindo-se ao réu o direito de, se quiser, comparecer ao processo, respondendo aos atos da parte contrária e se defendendo.[51]

Aury Lopes Junior finaliza seu entendimento sobre o contraditório afirmando o seguinte:

Assim, o contraditório é, essencialmente, o direito de ser informado e de participar do processo. É o conhecimento completo da acusação, é o direito de saber o que está ocorrendo no processo, de ser comunicado de todos os atos processuais. Como regra não pode haver segredo (antítese) para a defesa, sob pena de violação do contraditório.[52]

Não podemos afastar o preceito constitucional de que todas as provas produzidas devem passar pelo crivo judicial do contraditório, neste sentido o art. 155, caput do CPP dispõe: “O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas.”

Como se verá, sobretudo na abordagem relativa ás provas, o contraditório é um dos princípios mais raros ao processo penal, constituindo verdadeiro requisito de validade do processo, na medida em que a sua não observância é passível até de nulidade absoluta, quando em prejuízo do acusado.[53]

Neste sentido o STF editou a Súmula 707 que dispõe: “Constitui nulidade a falta de intimação do denunciado para oferecer contra-razões ao recurso interposto da rejeição da denúncia, não a suprindo a nomeação de defensor dativo”.

Vale lembrar que esta cláusula constitucional que garante proteção do cidadão ao aparato persecutório penal do Estado é um dogma constitucional elevado a categoria de direito fundamental inserido no art. 5º da CF, não podendo ser objeto de emenda constitucional.

Após a conceituação do princípio do contraditório será analisada a incidência ou não desta garantia constitucional durante a fase investigativa, mostrando posições doutrinárias e jurisprudenciais favoráveis e contrárias.

A primeira corrente doutrinária a ser estudada entende que há a possibilidade de afastar a incidência do contraditório ao inquérito policial, constitui um erro grave, que causa inúmeros prejuízos ao acusado.

Aury Lopes Junior rebate os argumentos da outra corrente doutrinária que afirma não haver contraditório no inquérito policial por se tratar de procedimento administrativo e não processo administrativo propriamente dito. Vejamos:

A postura do legislador constitucional no art. 5º, LV, foi claramente garantidora, e a confusão termino lógica (falar em processo administrativo quando deveria ser procedimento) não pode servir de obstáculo para sua aplicação no inquérito policial.

Tampouco pode ser alegado que o fato de a Constituição mencionar acusados e não indiciados é um impedimento para sua aplicação na investigação preliminar. Sucede que a expressão utilizada não foi só acusados, e sim acusados em geral, devendo nela ser compreendida também o indiciamento, pois não deixa de ser um imputação em sentido amplo. Em outras palavras, é inegável que o indiciamento representa uma acusação em sentido amplo, pois decorre de uma imputação determinada. Por isso o legislador empregou acusados em geral,para abranger um leque de situações, com um sentido muito mais amplo que a mera acusação formal (vinculada ao exercício da ação penal) e com um claro intuito de proteger também ao indiciado.[54]

Também Rogério Lauria Tucci e José Rogério Cruz e Tucci defendem a aplicação do contraditório na fase investigativa:

[...] de modo também induvidoso, reafirmou os regramentos do contraditório e da ampla defesa, com todos os meios e recursos a ela inerentes, estendendo sua incidência, expressamente, aos procedimentos administrativos... ora, assim sendo, se p próprio legislador nacional entende ser possível a utilização do vocábulo processo para designar procedimento, nele se encarta, à evidência a noção de qualquer procedimento administrativo e, conseqüentemente, a de procedimento administrativo-persecutório de instrução provisória, destinado a preparar a ação penal, que é o inquérito policial.[55]

Os autores que defendem a presença do contraditório na fase pré-processual referem-se ao direito de informação do indiciado acerca dos atos praticados, uma vez que ainda não há uma relação jurídico-processual.

Esta corrente doutrinária defende que a incidência do principio do contraditório no inquérito policial facilitaria a prestação jurisdicional e a tornaria mais célere, uma vez que evitaria que as provas produzidas no curso da investigação tivessem que mais tarde passar pelo crivo do contraditório durante o processo penal.

Este argumento apresenta fundamentação uma vez que o artigo 155,caput do Código de Processo Penal diz que: “O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elemento informativos colhidos na investigação, ressalvadas as provas cautelares,não repetíveis e antecipadas”.

Também o STJ apresenta entendimento nesse sentido:

PROCESSUAL PENAL. RECURSO ESPECIAL. TENTATIVA DE FURTO. PROVAS EXTRAJUDICIAIS CORROBORADAS PELA CONFISSÃO EM JUIZO.POSSIBILIDADE. RECURSO PROVIDO.

1. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça firmou o entendimento de que não é possível a condenação do acusado com base em provas produzidas exclusivamente no inquérito policial.

2.Tendo sido as provas extrajudiciais confirmadas em juízo pela confissão do acusado, não há falar em insuficiência do conjunto probatório para a condenação.

3. Recurso especial provido para restabelecer a sentença condenatória.[56]

Esta parte da doutrina entende que o contraditório é uma garantia intrínseca ao modelo de Estado Democrático de Direito, sema presença deste direito a previsão constitucional não passa de simples formalismo.

As provas produzidas durante o inquérito policial podem servir de base para a propositura de uma futura ação penal, onde o indiciado passará a ser réu de um processo penal. Assim, mesmo que ele seja absolvido posteriormente, sofrera todas as consequências e encargos de um processo penal, baseado em provas que o réu não pode contraditar durante a fase investigativa.

Ocorrendo a possibilidade do indiciado contraditar as provas do inquérito policial e produzir suas próprias provas muitos processos desnecessários deixaram de existir, uma vez que o indiciado já na fase pré-processual poderá demonstrar sua inocência.

O clássico autor Joaquim Canuto Mendes de Almeida critica a não observância do direito ao contraditório já na fase pré-processual:

Feitas essas distinções, evidente se patenteias o absurdo que seria advogados de defesa colados a detetives particulares ou a investigadores, [...], a espiarem as pesquisas sobre infrações seus autores e os elementos de convicção, anteriores, contemporâneos ou posteriores ao inquérito policial,ao sumario de culpa ou à instrução definitiva. Errado, entretanto, igualmente se evidencia afirmar-se que a exteriorização do resultado das pesquisas, assestada como carga contra o indiciado, no inquérito policial, para estruturação dos alicerces objetivos da denúncia ou queixa, não reclame, ou ao menos, não autorize o admitir-se a participação do paciente nas operações informativas que pessoalmente hão de atingi-lo, para mal, ou para bem, pouco importa, mas diretamente na sua liberdade individual, arriscada a sofrer todos os constrangimentos materiais e morais de um processo criminal.[57]

A partir desses ensinamentos extraímos que há uma necessidade de igualdade entre os interesses do Estado e os direitos do indiciado, devendo o inquérito policial ser objeto um objeto neutro, utilizado na colheita de elementos informativos.

Os direitos fundamentais devem ser interpretados de maneira extensiva para que haja uma maior efetividade em sua aplicação.

Um importante apontamento faz o autor Eugênio Pacelli de Oliveira sobre a necessidade de contraditório às provas periciais produzidas no curso do inquérito policial. Apesar de entender que a garantia do contraditório não se estende à fase investigativa, o autor faz uma importante ressalva, vejamos:

Deve se ver que o contraditório na fase da investigação pode até se revelar muito útil, na medida que muitas ações penais poderiam ser evitadas pela intervenção da defesa, com a apresentação e/ou indicação de material probatório suficiente a infirmar o juízo de valor emanado da autoridade policial ou pelo Ministério Público por ocasião da instauração da investigação. Em relação às provas periciais, então reiteramos que o contraditório já deveria ser realizado, e o quanto antes, particularmente para aquelas hipóteses em que o objeto da perícia (corpo de delito) corra o risco de perecimento no tempo ou de alteração substancial de suas características mais relevantes. Por que não a participação da defesa, desde logo, na elaboração do laudo técnico?[58]

As provas periciais produzidas no curso do inquérito policial merecem grande atenção, uma vez que elas não estarão no mesmo estado durante a tramitação do processo judicial.

Antonio Magalhães Gomes Filho afirma que nem sempre o contraditório diferido, nos casos de realização de perícia, assegura uma defesa suficiente, fazendo-se necessária, por isso, a participação do advogado, quando cabível, já na etapa preliminar.[59]

Mesmo a lei 11.690/08 que alterou o Código de Processo Penal no tocante as provas técnicas possibilitou a participação de defesa já no inquérito policial. Eugênio Pacelli de Oliveira diz que:

Nesse sentido, sequer as alterações trazidas com a Lei 11.690/08, instituindo a possibilidade de o acusado indicar assistente técnico para a apreciação da perícia oficial, permitindo-lhe inclusive a apresentação de pareceres (art. 159, §5º, CPP) e esclarecimentos orais, implica o estabelecimento do contraditório na fase de investigação. E isso porque é a própria Lei (art. 157, §4º, CPP) que esclarece primeiro, que o assistente somente ingressa a partir de sua admissão pelo juiz e após a elaboração do laudo oficial, e, depois que a sua participação se dará no curso do processo judicial (§ 5º, CPP). Não há previsão, portanto, de acompanhamento da perícia oficial, o que, com efeito, implicaria a produção da respectiva prova em contraditório.[60]

Atualmente temos o caso do assassinato da menina Isabela Nardoni que teve grande repercussão na mídia e foi julgado no início do ano de 2010, onde a sentença condenatória pela prática do crime de homicídio se baseou em provas técnicas produzidas durante a fase investigativa, uma vez que não havia provas tradicionais como testemunhas.

O caso Isabela Nardoni nos faz refletir acerca da necessidade de oportunizar a possibilidade de contraditar as provas técnicas no momento em que são colhidas na fase pré-processual.

Já o lado da doutrina predominante entende que não existe o direito ao contraditório no inquérito policial, sendo um procedimento administrativo que visa apenas à obtenção de provas sobre a infração penal não trazendo nenhuma sanção ao indiciado.

Alexandre de Moraes diz que:

O contraditório nos procedimentos penais não se assemelha aos inquéritos policiais, pois a fase investigatória é preparatória da acusação, inexistindo, ainda, acusado, constituindo, pois, mero procedimento administrativo, de caráter investigatório, destinado subsidiar a atuação do titular da ação penal, o Ministério Público.[61]

Mirabete também se posiciona neste sentido:

Indispensável em qualquer instrução criminal, o princípio do contraditório não se aplica ao inquérito policial que não é, em sentido estrito, “instrução”, mas colheita de elementos que possibilitem a instauração do processo. A Constituição Federal apenas assegura o contraditório na “instrução criminal” e o vigente Código de Processo Penal distingue perfeitamente esta (arts. 394 a 405) do inquérito policial (arts. 4º a 23), como, aliás, ocorre na maioria das legislações modernas.[62]

Não obstante a Carta Magna disponha no art. 5.º, LV, que “Aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”, o certo é que a expressão “processo administrativo” não se refere à fase do inquérito policial, e sim ao processo instaurado pela Administração Pública para a apuração de ilícitos administrativos ou quando se tratar de procedimentos administrativos fiscais, mesmo porque, nesses casos, haverá a possibilidade da aplicação de uma sanção: punição administrativa, decretação de perdimento de bens, multas por infração de trânsito, p.ex. Em face da possibilidade da inflição de uma “pena”, é natural deva haver o contraditório e a ampla defesa, porquanto não seria justo a punição de alguém sem o direito de defesa. Já em se tratando de inquérito policial, não nos parece que a constituição se tenha referido a ele, até porque, de acordo com o nosso ordenamento, nenhuma pena pode ser imposta ao indiciado.[63]

Esta corrente doutrinária faz uma interpretação restrita do art.5º, IV da Constituição Federal entendendo ser aplicável esta garantia somente a processos judiciais ou administrativos que acarretem alguma sanção ao acusado, assim não presente no inquérito policial.

O contraditório na fase investigativa é visto de maneira prejudicial, uma vez que traria mais encargos e prejuízos à atuação da policia. Vale ressaltar as condições precárias de trabalho da policia brasileira que apesar das dificuldades cumpre com brilhantismo sua missão constitucional.

Devemos ter em mente não só dar garantias ao indiciado na fase investigativa, mas também oferecer melhores condições como: material humano, equipamentos e melhor remuneração aos integrantes da Polícia Judiciária. Assim, poderão ser sanados muitos erros ocorridos durante o inquérito policial.

Marques diz que:

Nem há que invocar o princípio da “instrução contraditória”, preceito só aplicável à instrução judiciária. Um procedimento policial de investigação, com o contraditório, seria verdadeira aberração, pois inutilizaria todo o esforço investigatório que a polícia deve realizar para a preparação da ação penal. Infelizmente a demagogia forense tem procurado adulterar, a todo custo o caráter inquisitivo da investigação.[64]

Este entendimento esta de acordo com a legislação brasileira em vigor uma vez que todas as provas produzidas no inquérito policial necessariamente deverão passar pelo crivo do contraditório durante o processo judicial.

A jurisprudência se posiciona de forma predominante no sentido da não ocorrência do contraditório no inquérito policial, vejamos:

A jurisprudência desse Supremo Tribunal Federal firmou o entendimento no sentido de que "o inquérito policial é peça meramente informativa, não suscetível de contraditório, e sua eventual irregularidade não é motivo para decretação da nulidade da ação penal" (HC 83.233/RJ, rel. Min. Nelson Jobim, 2ª Turma, DJ 19.03.2004).[65]

É pacífico o entendimento do Superior Tribunal de Justiça no sentido de que o inquérito policial é procedimento inquisitivo e não sujeito ao contraditório, razão pela qual a realização de interrogatório sem a presença de advogado não é causa de nulidade.[66]

A falta do contraditório no inquérito policial não autoriza o delegado de policia a desenvolver seu trabalho de maneira arbitrária. A atuação deve estar pautada dentro dos limites legais.

Também é assegurado ao indiciado em inquérito policial o exercício do direito de defesa, podendo solicitar a presença de um advogado, para prestar a defesa técnica. Este profissional tem o direito de acesso às peças do inquérito policial e de verificar seu andamento, este direito está garantido no artigo 7º, XIV da Lei 8.906/94.

O referido artigo diz que: “São direitos do advogado: XIV- examinar em qualquer repartição policial, mesmo sem procuração, autos de flagrante e de inquérito, findos ou em andamento, ainda que conclusos à autoridade, podendo copiar peças e tomar apontamentos”.

Este entendimento merece uma reflexão apenas no tocante às provas periciais que são produzidas durante a investigação, que via de regra são definitivas, não apresentando seu estado inicial na fase judicial quando podem ser contraditadas pela defesa.

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Sobre o autor
Rodolfo Silveira Rodrigues

Bacharel em Direito pela Universidade Luterana do Brasil ULBRA- TORRES - RS, oficial do Corpo de Bombeiros Militar do Estado de Santa Catarina.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RODRIGUES, Rodolfo Silveira. O princípio do contraditório no inquérito policial. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3205, 10 abr. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/21482. Acesso em: 29 mar. 2024.

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