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Desoneração fiscal da folha de salário pela Lei nº 12.546/11 e os reflexos do Ato Declaratório Interpretativo RFB nº 42/2011

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03/05/2012 às 10:01
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4. DO POSICIONAMENTO DO STJ QUANTO O ASPECTO TEMPORAL DO FATO GERADOR DA CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA INCIDENTE SOBRE O 13º SALÁRIO.

Não obstante, cumpre tratar da posição do STJ no que tange ao aspecto temporal da contribuição previdenciária, questão relevante para demonstrar a aplicabilidade da Lei 12.546/11 ao caso concreto. Vejamos:

O Superior Tribunal de Justiça já se pronunciou sobre o momento que considera como consumado o fato gerador da contribuição previdenciária, incidente sobre a gratificação natalina ou 13º salário.

O leading case sobre a matéria é o Recurso Especial nº 462.986-RS, no qual o STJ fixou o seguinte entendimento: é irrelevante para caracterização do fato gerador do tributo que a aquisição do direito às verbas oriundas do 13ª salário ocorra ao longo do ano, a cada mês ou fração superior a 15 dias.

Sendo assim, conforme a posição do STJ, levando-se em consideração o art. 144 do CTN, a tributação da verba deve ser feita em conformidade com a lei vigente no momento do pagamento, que é ordinariamente o mês de dezembro.

Vejamos a ementa do acórdão (destaques nossos):

TRIBUTÁRIO. CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA. LEI 9.783/99. FATO GERADOR.PERCEPÇÃO DA REMUNERAÇÃO. GRATIFICAÇÃO NATALINA. MÊS DE DEZEMBRO.

1. O fato gerador da contribuição previdenciária prevista na Lei 9.783/99 é a percepção da remuneração pelo servidor ou pensionista.

2. A regra é aplicável à gratificação natalina, sendo irrelevante, para esse fim, que a aquisição do direito à referida verba dê-se ao longo do ano, a cada mês ou fração superior a 15 dias (Lei 8.112/90, art. 63).

3. Sendo assim, nos moldes do art. 144 do CTN, a tributação da verba deve ser feita em conformidade com a lei vigente no momento do pagamento, que é ordinariamente o mês de dezembro (Lei 8.112/90, art. 64).

4. Recurso especial provido.

(REsp 462.986/RS, Rel. Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, PRIMEIRA TURMA, julgado em 17/05/2005, DJ 30/05/2005, p. 214)

O Ministro Teori Zavascki, Relator do recurso, conclui em seu voto que o fato gerador do tributo é o efetivo recebimento da remuneração pelo beneficiário, a qual ocorre, normalmente, no mês de dezembro, não havendo qualquer pertinência o fato de que o direito à remuneração ocorra durante o exercício financeiro, e prossegue:

“A evidenciar a impossibilidade de que se considere ocorrido mês a mês o fato gerador da contribuição incidente sobre o décimo-terceiro, e constituído o respectivo crédito tributário, está o fato de que sua base de incidência somente é conhecida no mês de dezembro de cada ano, de acordo com a regra do art. 63, caput, da Lei 8.112/90, que dispõe que "A gratificação natalina corresponde a 1/12 (um doze avos) da remuneração a que o servidor fizer jus no mês de dezembro, por mês de exercício no respectivo ano." (destaques apostos)

Muito embora o acórdão trate da incidência de contribuição previdenciária sobre o 13º salário dos servidores públicos, o mesmo raciocínio aplica-se aos trabalhadores celetistas, regidos pelo regime geral da previdência social.

De acordo com o art. 1º da Lei nº 4090/62, no mês de dezembro de cada ano, a todo empregado será pago, pelo empregador, uma gratificação salarial, independentemente da remuneração a que fizer jus.

Destarte, fica claro que o fato gerador da contribuição previdenciária dos trabalhadores Celetistas, regidos pelo regime geral da previdência social, ocorre no mês de dezembro, pois esta é a data do seu pagamento, da mesma forma que exposto alhures, pouco importa se o direito às verbas oriundas do 13ª salário ocorra ao longo do ano, a cada mês ou fração superior a 15 dias.

Considerando que a vigência do art. 8º da Lei 12.546/11 se iniciou em dezembro de 2011, o recolhimento da contribuição social previdenciária, incidente sobre o 13ª salário deve ser regida por esta legislação, conforme determina o art. 144 do CTN (grifamos):

Art. 144. O lançamento reporta-se à data da ocorrência do fato gerador da obrigação e rege-se pela lei então vigente, ainda que posteriormente modificada ou revogada.

§ 1º Aplica-se ao lançamento a legislação que, posteriormente à ocorrência do fato gerador da obrigação, tenha instituído novos critérios de apuração ou processos de fiscalização, ampliado os poderes de investigação das autoridades administrativas, ou outorgado ao crédito maiores garantias ou privilégios, exceto, neste último caso, para o efeito de atribuir responsabilidade tributária a terceiros.

§ 2º O disposto neste artigo não se aplica aos impostos lançados por períodos certos de tempo, desde que a respectiva lei fixe expressamente a data em que o fato gerador se considera ocorrido.

Como visto acima, resta induvidoso que a Lei 12.546/11 já estava vigente no mês de dezembro de 2011, sendo a legislação aplicável no momento do fato gerador, o que por sua vez afasta a aplicação do Ato Declaratório Interpretativo RFB nº 42 de 2011, como visto acima.


5. DA INCONSTITUCIONALIDADE DA APLICAÇÃO RETROATIVA DO ATO DECLARATÓRIO INTERPRETATIVO RFB Nº 42 DE 2011

A segurança jurídica é o pilar de sustentação de um Estado Democrático de Direito. Para assegurá-la é de vital importância que as leis não possam ter efeitos retroativos. Tal assertiva está consagrada na CF-88, em seu art. 5º, XXXVI[5] e em matéria tributária no art. 150, III, “a”:

Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

III - cobrar tributos:

a) em relação a fatos geradores ocorridos antes do início da vigência da lei que os houver instituído ou aumentado;

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Existe em nosso ordenamento jurídico a possibilidade de retroação da lei tributária desde que esta seja meramente interpretativa ou venha a beneficiar o contribuinte, na forma do art. 106 do Código Tributário Nacional.[6]

A justificativa para a retroação da lei interpretativa é que esta não cria, exclui ou modifica direitos, mas tão somente esclarece o conteúdo e o significado de norma pré-existente, dirimindo as dúvidas, quanto a sua aplicação.

Ocorre que o Ato Declaratório Interpretativo RFB nº 42 de 2011 não possui função meramente interpretativa, pois excetua a aplicação de uma regra mais benéfica ao contribuinte (MP 540/2011, posteriormente convertida na Lei 12.546/11), constituindo verdadeiro ônus fiscal sem previsão legal, sendo inaplicável, portanto, o art. 106, I, do CTN.

Deste modo, o Ato Declaratório Interpretativo RFB nº 42 de 2011 não poderá ter efeitos retroativos, pois fere o direito adquirido dos contribuintes e viola o postulado da segurança jurídica.


6. DA NULIDADE FORMAL DO ATO DECLARATÓRIO INTERPRETATIVO RFB Nº 42 DE 2011

Por fim, cumpre desatacar a flagrante nulidade formal do Ato Declaratório Interpretativo 42 de 2011. Vejamos:

O Ato Declaratório Interpretativo RFB nº 42 de 2011 foi publicado no DOU de 16.12.2011 e, como dito, dispõe sobre a contribuição previdenciária incidente sobre o décimo terceiro salário de segurados empregados e trabalhadores avulsos cuja contribuição a cargo da empresa.

Ocorre que a Medida Provisória nº 540, de 02 de agosto de 2011 foi revogada pela Lei 12.546/11. Esta, por sua vez, entrou em vigor em 15.12.2011, dia de sua publicação no Diário Oficial da União. Entre outros efeitos, esta Lei revogou a MP nº 540/2011. Ou seja, a partir de 15.12.2011, a referida Medida Provisória deixou de existir em nosso ordenamento jurídico.

Com isso, o Ato Declaratório Interpretativo RFB nº 42 de 2011, interpretou a aplicação de norma já revogada e inexistente em nosso sistema jurídico, sendo, portanto, nulo de pleno direito.


7. CONCLUSÃO

O Governo Federal, com o intuito de estimular a geração de empregos e o desenvolvimento econômico de setores afetados pela última crise mundial, concedeu benefícios fiscais às empresas de tecnologia da informação - TI e tecnologia da informação e comunicação - TIC, bem como pelas indústrias moveleiras, de confecções, e de artefatos de couro.

Estes benefícios foram regulados pela MP nº 540/2011, posteriormente convertida na Lei nº 12.546/11. Ocorre que a receita Federal do Brasil, por meio do o Ato Declaratório Interpretativo RFB nº 42 de 2011, restringiu a fruição deste direito, quanto ao pagamento da contribuição previdenciária, relativa ao 13º salário de 2011.

Ocorre que este ato do órgão fazendário é manifestamente inconstitucional, pois viola os princípios tributários da legalidade e irretroatividade, assim como o devido processo legal; além de contrariar a jurisprudência do STJ sobre a matéria.


Notas

[1] Disponível em: https://www.planalto.gov.br/CCIVIL_03/_Ato2011-2014/2011/Exm/EMI-122-MF-MCT-MDIC-Mpv540.htm

[2] Aprovada pelo Decreto nº 6.006, de 28 de dezembro de 2006, nos códigos previstos nos incisos I a III do caput do art. 8º da Medida Provisória nº 540, de 2011,

[3] Art. 100. São normas complementares das leis, dos tratados e das convenções internacionais e dos decretos:

I - os atos normativos expedidos pelas autoridades administrativas;

II - as decisões dos órgãos singulares ou coletivos de jurisdição administrativa, a que a lei atribua eficácia normativa;

III - as práticas reiteradamente observadas pelas autoridades administrativas;

IV - os convênios que entre si celebrem a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios.

Parágrafo único. A observância das normas referidas neste artigo exclui a imposição de penalidades, a cobrança de juros de mora e a atualização do valor monetário da base de cálculo do tributo.

[4] Art. 52. Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

(...)

§ 2º Os arts. 7º a 9º e 14 a 21 entram em vigor no primeiro dia do quarto mês subsequente à data de publicação da Medida Provisória nº 540, de 2 de agosto de 2011, observado o disposto nos §§ 3º e 4º deste artigo.

[5] XXXVI - a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada;

[6] Art. 106. A lei aplica-se a ato ou fato pretérito:

I - em qualquer caso, quando seja expressamente interpretativa, excluída a aplicação de penalidade à infração dos dispositivos interpretados;

II - tratando-se de ato não definitivamente julgado:

a) quando deixe de defini-lo como infração;

b) quando deixe de tratá-lo como contrário a qualquer exigência de ação ou omissão, desde que não tenha sido fraudulento e não tenha implicado em falta de pagamento de tributo;

c) quando lhe comine penalidade menos severa que a prevista na lei vigente ao tempo da sua prática.

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Sobre o autor
Edson Benassuly Arruda

Advogado. Mestre em Direito pela Universidade Federal do Pará. Advogado do Escritório Silveira, Athias, Soriano de Mello, Guimarães, Pinheiro & Scaff - Advogados. Professor da Faculdade Ideal - FACI.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ARRUDA, Edson Benassuly. Desoneração fiscal da folha de salário pela Lei nº 12.546/11 e os reflexos do Ato Declaratório Interpretativo RFB nº 42/2011. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3228, 3 mai. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/21666. Acesso em: 16 abr. 2024.

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