Introdução
A lei 12.506, publicada no DOU de 13/10/2011, trouxe alterações no cálculo do período de aviso prévio, que doravante deve levar em conta o tempo de vínculo contratual do empregado que se desliga do emprego – nas causas de desligamento em que haja a incidência de aviso prévio.
Assim, passada a primeira onda de manifestações sobre os efeitos e a extensão do novo instituto, permitimo-nos apresentar algumas anotações sobre essa alteração legal.
A referida lei nasce, com muito atraso, para dar corpo ao direito constitucional previsto no art. 7º, inciso XXI, da CF/88. Mesmo assim, espocam-se argumentos insinuando a falta de uma regulamentação específica para a lei, pois não se saberia ao certo como deva ser tratado o aviso prévio trabalhado, o aviso prévio do empregado etc. Têm causado inquietações e dúvidas a questão da redução de duas horas diárias ou dispensa de cumprimento por sete dias corridos, na hipótese do aviso prévio trabalhado.Dúvidas também têm sido aventadas (ou inventadas) no tocante ao prazo de cumprimento do aviso prévio, quando dado pelo empregado, nos casos de pedido de demissão.
A desnecessária regulamentação
São questões objetivas da maior simplicidade, e por esse caminho devem ser tratadas. Não é preciso que se formalize através de regulamentações o que pode ser tratado apenas pelo bom senso. A redução de duas horas diárias permanece inalterada, seja o aviso prévio de 30, 47, 59, 90 dias, pois o empregado passa a contar com maior número de dias (conforme a idade do vínculo de emprego) para buscar novo emprego. Sai mais cedo todos os dias, para procurar nova colocação no mercado de trabalho, já que está sendo dispensado do emprego atual.
A dispensa de cumprimento de dias corridos de aviso prévio deve seguir a regra da proporcionalidade: se para cumprir um aviso prévio de 30 dias pode faltar 7, para um aviso de 36 dias poderá faltar 9, para 42, 10; e assim por diante.
O prazo de cumprimento de aviso prévio do empregado que pede demissão será, ele também, determinado pela idade do vínculo contratual. Que razão há para que assim não seja?
As considerações acima dizem respeito à natureza jurídica do instituto, o que não quer dizer, necessariamente, que na prática as coisas se encaminhem dessa forma. O que acontece é que intenções legais nem sempre se acomodam da forma como idealizadas. Na prática as coisas tendem a simplificarem-se, tomando rumo próprio.
Os efeitos nocivos nas relações trabalhistas
O que de fato deveria causar preocupações tem natureza diversa da “falta” de regulamentação, já que são causas impossíveis de ser equilibradas satisfatoriamente, ao menos através de leis escritas. São questões ora de ordem prática, ora de natureza subjetiva, mas presentes e marcantes em qualquer relação de emprego.
Em primeiro lugar deve serlevado em consideração que o aumento do encargo rescisório produz efeito distinto daquele que se pretende impor. Se o objetivo é proteger o vínculo pela via de onerar progressivamente o ato rescisório, com o passar do tempo esse efeito será invertido, com resultados seriamente negativos. Pela simples razão de que a oneração progressiva irá dificultar a duração permanente de vínculos de emprego. Sem esquecer que o aumento de encargos rescisórios – ou de qualquer novo encargo trabalhista – atua, na prática, como fator de inibição ao vínculo formal de emprego.
Apenas academicamente esses fatos poderão ser rechaçados e não reconhecidos. Na realidade cotidiana, porém, as intenções legais são vencidas pela prática, não coincidentes com a beleza estética das ideias. Anote-se: as relações entre empregado e empregador se transformam no período de cumprimento do aviso prévio – de parte a parte, não costumam desenrolar-se em clima de completa normalidade. Os interesses já não são comuns, não se identificam e nem convergem, pois há a iminência da desvinculação. Até há pouco essa situação durava, no máximo, um mês. Doravante, poderá estender-se por mais dois meses, completando 90 dias de muita tensão em determinados casos (e qualquer tensão, em relações trabalhistas, causa reflexos negativos cuja extensão não é possível quantificar).
Pelo desconforto que causa,o cumprimento do aviso prévio nunca foi regra (por pedido de demissão, então, menos ainda). Agora, com a nova medida, a situação piora: a indenização do período será a forma quase exclusiva de saldar o período. Pedidos de demissão, antes raros, tendem a desaparecer, potencializando desligamentos por justa causa. É assim porque as partes passam a ter um interesse maior (uma de fuga,outra de aproximação) na nova sistemática do aviso prévio – as motivações diferentes, seguindo o desejo de desligamento, farão com que empregado e empregador tenham interesses diametralmente opostos pelo instituto. Quando isso acontecer restará uma inquietante questão: essa circunstância é salutar para as relações trabalhistas?
Acerca dessa nocividade nas relações trabalhistas não pairam dúvidas.
O alcance dos efeitos jurídicos
Dúvida real, em sentido jurídico, existe apenas uma: os efeitos da nova lei são retroativos, alcançando contratos extintos há menos de dois anos (limite da prescrição trabalhista, segundo art. 11, CLT)? Esta, sim, é a dúvida que merece atenção.
Há argumentos favoráveis e contrários à retroatividade de efeitos. Vejamos.
Inicialmente, como tendência, os argumentos que irão prevalecer militam pela irretroatividade de efeitos da nova lei.Responder que a nova lei não produz efeitos retroativos, porque só agora foi editada,é o argumento mais imediato.
O que dá corpo ao entendimentoé a essencialidade da segurança jurídica, garantia constitucional insculpida no art. 5º, XXXVI, CF/88. Com efeito, os prejuízos que um entendimento contrário poderia produzir comprometeriam a estabilidade e previsibilidade que devem nortear juridicamente a economia. Pode-se reforçar o argumentocom o princípio da anterioridade da lei (art. 5º, XXXIX, CF/88), segundo o qual a lei deve existir antes do ato jurídico praticado, no caso a rescisão do contrato de trabalho – somente aquelas que ocorrerem de ora em diante submetem-se às novas regras.
Por outro lado, a retroatividade de efeitos também pode ser considerada.
Não obstante aceitar-se que a nova lei não poderá produzir efeitos pretéritos, não se há de esquecer, todavia, que o dispositivo da proporcionalidade do aviso prévio em relação ao tempo de serviço está na Constituição desde 1.988 (art. 7º, XXI). Ou seja, há temposdeveria ter recebido a necessária (e tardia) regulamentação. Conquanto reconheça-se o atraso legal, este não impede a aplicação do direito retroativamente, detendo-se, porém, nas cercanias da prescrição, porque esta também é uma disposição constitucional (art. 7º, XXIX, CF/88).
Na forma como a lei se apresenta, silente quanto à extensão de seus efeitos, e, por consequência, não os limitando expressamente, seria até natural que esses efeitos retroagissem.
Em que pese as considerações feitas anteriormente, acerca da oneração de encargos rescisórios etc., deve se ter claro que o direito pelo aviso prévio proporcional ao tempo de serviço existe desde o ano de 1.988, nascido com a promulgação da Constituição Federal. E o motivo pelo qual o mesmo não era entregue, ou utilizado, era por falta da lei que o formulasse, o regulamentasse, segundo exigia o dispositivo constitucional. Pois bem, jáexiste a lei que faltava, e a partir de agora se tem, afinal, a nova formulação do direito – sendo assim, a consequência natural é que esta formulaçãoo alcance até onde seja possível. E aqui já não cabe ponderar se é boa ou má a forma encontrada para regulamentar o direito. Importa que agora é essa a sua forma, seu corpo, e assim passa a ser sua essência.
Conclusão
A lei é tardia, mas não depende de regulamentação alguma–se necessário for, a jurisprudência lhe define os rumos. De lamentar mesmo é a forma como nasceu essa lei, diante da ausência absoluta de outros interesses que não apenas o interesse político a orientar e seduzir todas as (fracas, muito fracas) lideranças atuais de nosso país. Perdeu-se a chance do debate, onde deveria estar presente, inclusive e principalmente, o questionamento técnico sobre a real necessidade da lei.
Lideranças empresariais e sindicais parecem ter esquecido que relações trabalhistas devem ser estáveis, produtivas e duradouras. Tudo aquilo que tem potencial de fragilizar essas qualidades e de poluir a fluidez dessas relações deveria ser evitado. Onerar, simplesmente, o rompimento do vínculo de emprego como forma de protegê-lo(?) parece não ser o melhor caminho. Se lograr proteger algo, apenasos atuais contratos de emprego são alcançados; mas, certamente, cria dificuldades (encargos extras) para os novos contratos.
Uma questão que ficou esquecida, portanto, é esta: até que ponto isto poderia vir a se constituir, no futuro, em obstáculo à relação formal de emprego.