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Reprodução assistida post mortem e seus aspectos sucessórios

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13/05/2012 às 21:43
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4. ANÁLISE DO CASO “AFFAIR PARPALAIX”: O MARCO INICIAL DAS DISCUSSÕES E O DIREITO COMPARADO

Merece neste ponto, uma breve análise do caso “Affair Parpalaix”: Em 1984, na França, os jovens Corine Richard e Alain Parpalaix se apaixonaram, momento em que o varão descobriu estar com câncer nos testículos. No intuito de poder gerar um filho com a mulher amada, resolveu depositar seu material genético num banco de sêmen para que pudesse usá-lo após as sessões de quimioterapia, já que temia que a doença pudesse lhe deixar estéril. Como previsto, a doença não só o esterilizou como, alguns dias após o seu casamento, veio a fatalizá-lo. Alguns meses depois, a jovem resolveu se submeter à inseminação artificial, que foi negada pelo banco de sêmen, iniciando uma batalha judicial.

A discussão jurídica versava pela existência de um contrato de depósito que obrigava o banco de sêmen a restituir o esperma. O banco de sêmen alegava que não havia um pacto de entrega do material a outra pessoa que não fosse o doador do esperma, uma vez que o material genético de pessoa morta não era comerciável e que na França não havia legislação que autorizasse a inseminação artificial post mortem. Com o fim da batalha judicial, o tribunal francês de Créteil condenou o banco de sêmen, determinado que o material genético fosse enviado ao médico designado pela viúva. Infelizmente, devido à demora na solução do litígio, a inseminação não foi realizada, pois os espermatozóides não estavam mais próprios à fecundação.

Após este caso, diversos países começaram a discutir acerca do destino do material genético congelado, visto que foi o marco inicial das discussões acerca da inseminação artificial, em especial após a morte do doador. [16]

 O avanço científico é inegável, assim como a constatação de que no campo do direito a produção legislativa ocorre de forma mais lenta, tentando se adequar as constantes transformações. É nesse sentido que, diante da falta de regulamentação legislativa no Brasil, cumpre destacar, como forma de conhecimento e análise das possibilidades jurídicas, as diversas acepções em relação à hipótese de inseminação artificial post mortem em diferentes países, visando dirimir as controvérsias que possam surgir especialmente no campo sucessório.

A legislação estrangeira se mostra bem mais evoluída que a nossa, visto que: Alemanha e Suécia vedam a inseminação post mortem. Na França, além da proibição da inseminação post mortem, dispõe a lei que o consentimento manifestado em vida perde o efeito. Na Inglaterra, a inseminação post mortem é permitida, mas não se garante o direito à sucessão, exceto se houver documento expresso nesse sentido.

A Lei espanhola n.14/2006, no art. 9.2, veda a inseminação post mortem, mas deixa claro que, se efetuada, só restabelecerá o vínculo de filiação matrimonial se houver declaração expressa nesse sentido do marido por instrumento público, testamento ou documento com instruções prévias, para que seu material germinativo possa ser utilizado, nos 12 meses seguintes ao seu falecimento, para fecundar sua mulher, e, além disso, presume outorgado seu consentimento se esta já se submeteu a um processo de reprodução assistida, iniciado para a transferência de embrião formado antes do óbito de seu marido.

 Nos Estados Unidos, o Comitê de Ética da Sociedade Americana de Medicina Reprodutiva, em 1997, deliberou que se um indivíduo determina que gametas e embriões congelados possam ser utilizados após a sua morte pela esposa (o), seria apropriado atender essa determinação. A Human Fertilisation and Embriology Authority permite o uso de gametas ou embriões após a morte, se houver consentimento prévio. O Projeto Português sobre a Utilização de Técnicas de Procriação Assistida proíbe a utilização do esperma do marido falecido ou do companheiro para inseminação de sua mulher, mesmo que tenha ocorrido o consentimento do falecido.


5. CONCLUSÕES FINAIS

Por tudo quanto exposto, percebe-se que a questão é controversa e encontra posicionamentos diversos na doutrina. De fato, conforme explicitado, o tema é aberto por não encontrar legislação suficiente para regulá-lo. Não há autorização ou vedação explícita, apenas a simples constatação pelo Código Civil da existência da inseminação post mortem, restando ao operador do direito posicionar-se quanto aos aspectos da filiação e da conseqüente sucessão, norteando, desta forma, uma eventual complementação legislativa sobre o tema.

Em suma, há de se perceber perfeitamente que a Constituição Federal viabiliza o projeto parental, como evidenciado no art. 226,§ 7º, prevendo a livre decisão do casal no que toca ao planejamento familiar. Tem-se que o direito a procriação é um direito fundamental, sendo conseqüência direta do direito à liberdade, previsto no art. 5º, caput.

A conclusão, pois, exsurge clara a possibilidade jurídica de atribuição de efeitos sucessórios aos concebidos post mortem. Isto se deve ao fato da harmonização do art. 1.798 do CC, com a perspectiva dos princípios constitucionais da igualdade entre os filhos e da liberdade do planejamento familiar, previstos nos arts. 227,§ 6º e 226,§ 7º da Constituição Federal. Para que haja esta atribuição da paternidade e os conseqüentes efeitos sucessórios, é necessário que o cônjuge sobrevivente esteja na condição de viúva, além de que haja o consentimento prévio do casal envolvido no projeto parental.

Assim, adotadas tais medidas restam plenamente viáveis juridicamente os efeitos sucessórios da inseminação post mortem. A possibilidade do não reconhecimento dos direitos da criança concebida mediante fecundação artificial post mortem, vai contra ditames constitucionais e, sobretudo fere o desejo dos pais de efetivarem um projeto parental iniciado em vida, que por razões adversas deve ser protegido para além da morte.


5. REFERÊNCIAS

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Notas

[1] Art. 226, § 7º da Constituição Federal de 1988: “Fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável, o planejamento familiar é livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte das instituições oficiais e privadas.”

[2] Art. 1.597 do Código Civil de 2002: “Presume-se concebidos na constância do casamento os filhos: I- nascidos 180 dias, pelo menos, depois de estabelecida a convivência conjugal; II- nascidos nos trezentos dias subseqüentes à dissolução da sociedade conjugal, por morte, separação judicial, nulidade e anulação do casamento; III- havidos por fecundação artificial homóloga, mesmo que falecido o marido; IV- havidos, a qualquer tempo, quando se tratar de embriões excedentários, decorrentes da concepção artificial homóloga; V - havidos por inseminação artificial heteróloga, desde que tenha prévia autorização do marido.”

Cumpre observar, que, o CC/02 somente se refere à presunção de paternidade na constância do casamento. Alguns doutrinadores como, por exemplo, Paulo Luiz Netto Lôbo em sua obra “Código Civil Comentado” (2003, p. 59), entendem que determinada presunção se aplica à União Estável. Por outro lado, há doutrinadores que não fazem essa extensão, a exemplo de Washington de Barros Monteiro (2008, p.298).

[3] Atualmente, alguns Projetos de Lei que discplinam o uso das técnicas de reprodução assistida, tramitam no Congresso Nacional. Tais como: o Projeto de Lei nº 2855/97, do Deputado Confúcio Moura; o Projeto nº 1.184/2003, do Senado Federal; o Projeto nº 90/99 do Senador Lúcio Alcântara.

[4]  Art. 1.593 do Código Civil de 2002: “O parentesco é natural ou civil, conforme resulte de consangüinidade ou outra origem”

[5] Art. 227 da Constituição Federal de 1988: É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá- los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

[6] Recomendação expressa na Resolução 1.358/92 do Conselho Federal de Medicina, art. 1º, VII.

[7]  Dispõe o art. 1.798 do Código Civil de 2002: “Legitimam-se a suceder, as pessoas nascidas ou já concebidas no momento da abertura da sucessão”

[8]  A Resolução nº 1.358/92, ao regulamentar normas éticas para a utilização das técnicas de reprodução assistida, considera a importância da infertilidade humana como um problema de saúde, com implicações médicas e psicológicas, e a legitimidade do anseio em superá-la. Além disso, considera que o avanço científico já permite solucionar vários casos de infertilidade humana, e que as técnicas de Reprodução Assistida têm possibilitado a procriação em diversas circunstâncias em que isto não era possível pelos procedimentos tradicionais. Tais considerações se inferem do próprio texto da Resolução.

 A Lei de Biossegurança tem o fito de regulamentar os incisos II, IV e V do § 1º do art. 225 da CF, quais sejam: II – preservar a diversidade e a integridade do patrimônio genético do País e fiscalizar as entidades dedicadas à pesquisa e manipulação de material genético; IV – exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade; V – controlar a produção, a comercialização e emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente. A Lei de Biossegurança estabelece normas relativas à pesquisa e utilização de células-tronco de embriões obtidos por fertilização in vitro e congelados há mais de três anos, e desde que esta utilização seja autorizada expressamente pelos pais.

[9]  Enunciado aprovado nas Jornadas de Direito Civil – I, II e IV, promovidas pelo Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal.

[10] Art. 226,§ 4º da CF/88: “Entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes”.

[11]  A previsão da adoção Póstuma está inserida no Art. 42, § 5º do Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei nº 8069/90: “A adoção poderá ser deferida ao adotante que, após inequívoca manifestação de vontade, vier a falecer no curso do procedimento, antes de prolatada a sentença.”

[12] Art. 205 do Código Civil de 2002: “A prescrição ocorre em dez anos, quando a lei não lhe haja fixado prazo menor”

[13] Nesta mesma linha de pensamento, Giselda Hironaka: “é claro que o testador não poderá indicar sua própria prole eventual, uma vez que a lei exige que a pessoa indicada pelo testamento esteja viva no momento da abertura da sucessão. E ou bem está ele morto, acarretando a abertura da sucessão, ou bem está vivo nesse momento, o que demonstra a impossibilidade de beneficiar sua própria prole eventual. Mas poderia fazê-la por via reflexa. Basta que indique a doadora do óvulo, se testador,ou o doado do espermatozóide, se testadora”. (HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes e CAHALI, Francisco José. Direito das Sucessões – 3 ed. rev., atual. E ampl. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007.

[14] A Lei nº 9.263/96 regula o § 7º do art. 226 da Constituição Federal, que trata do planejamento familiar e estabelece penalidades.

[15]  Teor do Art. 2º do Código Civil de 2002: “A personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro”.

[16] Merece destaque nesse ponto, um breve resumo sobre a concessão de liminar no Brasil para que mulher utilize o sêmen do marido já falecido. O caso ocorreu em Curitiba, e a mulher conseguiu a liminar deferindo seu pedido de utilização de sêmen do marido, vítima de câncer. Neste caso, a clínica se recusou a realizar o procedimento, visto que no tremo assinado quando da coleta não estava expressa a destinação do sêmen, conforme resolução Conselho Federal de Medicina. Foi demonstrando por meio de testemunhos de familiares, amigos e médicos que a vontade do marido era de ter um filho, objetivando concretizar seu projeto parental feito em vida. O Juiz da 13ª Vara Cível de Curitiba acolheu o pedido, entendendo que a exigida manifestação de vontade não deve ser necessariamente escrita, devendo ser inequívoca e manifestada em vida, mas sendo também admissível à vontade não expressada literalmente, mas indiscutível a partir da conduta do doador, que nesse caso, se deu quando o próprio antes de submeter-se a tratamento de doença grave, preserva seu sêmen incentivando a esposa a prosseguir no tratamento de fertilização.


Abstract: The advent of assisted reproduction techniques have brought, plus an undeniable technological advance in the field of human sciences, a framework of questions and discussions about legal and ethical consequences in the social field. In matters of inheritance, questions the legal possibility of the embryo implanted after the father’s death, have inheritance rights. One the one hand, the 2002 Civil Code, relating to family low, allows the presumption of paternity arising from artificial insemination. Second, with regard to inheritance law, there is total failure of the legislature, to allocate an inheritance to someone who at the time of his father’s death, she had no legitimate succession according to the dogmatic classical, emerging, well, a gap that needs to be addressed.

Key - words:  assisted reproduction; affiliation; inheritance law; bioethics; artificial insemination.

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Sobre a autora
Bruna Amarijo Coco

Advogada, graduada na Faculdade Ruy Barbosa

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

COCO, Bruna Amarijo. Reprodução assistida post mortem e seus aspectos sucessórios. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3238, 13 mai. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/21747. Acesso em: 23 dez. 2024.

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