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A exploração sexual de crianças e adolescentes como uma das piores formas de trabalho infantil.

Repercussões jurídicas e sociais

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Resumo:


  • O Brasil se comprometeu a eliminar a exploração sexual infantil ao ratificar a Convenção n. 182 da OIT, que trata das piores formas de trabalho infantil.

  • A exploração sexual de crianças e adolescentes é considerada uma das piores formas de trabalho infantil, sendo um problema social e jurídico que demanda ação do Estado.

  • O Ministério Público do Trabalho no Brasil busca reconhecer efeitos trabalhistas da exploração sexual infanto-juvenil, tratando-a como relação de trabalho ilícita e degradante.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

3.VIOLÊNCIA SEXUAL CONTRA CRIANÇAS E ADOLESCENTES

Para se compreender melhor o fenômeno da exploração sexual, é necessário, antes, entender a violência sexual.

Não raro os noticiários retratam situações de violência sexual contra crianças e adolescentes. A brutalidade que transparece nessa evidência fática, além de chocar, gera uma angústia e indignação ao nos depararmos com tamanho descaso e transgressão aos direitos fundamentais da população infanto-juvenil.

A Lei n. 11.340/2006, denominada Lei Maria da Penha, no seu Art. 7º, III, embora se foque no combate à violência doméstica e familiar contra a mulher, possui um conceito substancial sobre violência sexual. Dispõe o artigo 7º, III, que esse tipo de violência deve ser entendido

Como qualquer conduta que a constranja a presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não desejada, mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força; que a induza a comercializar ou a utilizar, de qualquer modo, a sua sexualidade, que a impeça de usar qualquer método contraceptivo ou que a force ao matrimônio, à gravidez, ao aborto ou à prostituição, mediante coação, chantagem, suborno ou manipulação; ou que limite ou anule o exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos.

Esse conceito, construído pelo legislador nacional, é relevante na área específica da criança e da adolescência, porque, primeiro, delimita uma relação de poder (“intimidação, ameaça, coação ou uso da força”), segundo, amplia as formas de violência sexual, constituindo tanto nas condutas de contato físico, como nas sem contato físico (“qualquer conduta que a constranja a presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não desejada”), terceiro, abrange tanto as relações abusivas, sem trocas comerciais, quanto às nitidamente econômicas (“induza a comercializar ou a utilizar, de qualquer modo, a sua sexualidade”) e quarto, enfatiza a violação do direito ao desenvolvimento sexual de qualquer ser humano.

A violência sexual, de certa forma, é a negação da criança e do adolescente como pessoa. Além de necessariamente gerar a violência física e a psicológica, enquadra-se num contexto de violência estrutural, simbólica e institucional e de negligência.  

Segundo Vicente Faleiros e Eva Faleiros[12], a violência sexual inverte a natureza das relações entre adultos e crianças/adolescentes definidas socialmente, tornando-as: desumanas em lugar de humanas; negligentes em lugar de protetoras; agressivas em lugar de afetivas; individualistas e narcisistas em lugar de solidárias; dominadoras em lugar de democráticas; controladoras em lugar de libertadoras; perversas em lugar de amorosas; desestruturadoras em lugar de socializadoras.

Assim, a violência sexual contra crianças e adolescentes se constitui numa relação de poder, abrangendo tanto as relações abusivas, sem ganhos econômicos, quanto as nitidamente comerciais, e se explica pelo atual cenário socioeconômico – desigualdade social –, político – neoliberalismo – e cultural – valores discriminatórios associados ao gênero, à geração e à raça/etnia.[13]

Embora não se saiba o número exato de crianças e adolescentes, Maria Amélia Azevedo e Viviane Guerra, em estudo em 1985, estimaram que, no Brasil, 20% das meninas e 10% dos meninos sofreram qualquer forma de violência sexual.[14]   

Dessa maneira, ainda com objetivos conceituais, o abuso sexual e a exploração sexual são espécies do gênero violência sexual. O primeiro refere-se a práticas não comerciais, ou seja, sem retribuição financeira à vítima da violência, subdividindo-se em intrafamiliar e extrafamiliar, enquanto a segunda está associada a uma comercialização, enquadrando-se como subespécies a prostituição infantil, o turismo sexual, a pornografia e o tráfico de pessoas para fins sexuais. Embora sejam distintos, esses dois tipos de violência sexual se interrelacionam, formando um verdadeiro ciclo de deterioração humana.


4.A EXPLORAÇÃO SEXUAL INFANTO-JUVENIL

A visibilidade da temática da exploração sexual de crianças e adolescentes ganhou projeção internacional no ano de 1996, ano em que foi realizado, em Estocolmo, o I Congresso Mundial contra a Exploração Sexual Comercial de Crianças, organizado pela instituição End Child Prostitution, Pornografy and Trafficking for Sexual Purpose – ECPAT[15] e que teve a participação de 122 países.

A Declaração aprovada durante o Congresso definiu que:

A exploração sexual comercial de crianças é uma violação fundamental dos direitos da criança. Esta compreende o abuso sexual por adultos e a remuneração em espécie ao menino ou menina e a uma terceira pessoa ou várias. A criança é tratada como um objeto sexual e uma mercadoria. A exploração sexual comercial de crianças constitui uma forma de coerção e violência, que pode implicar o trabalho forçado e formas contemporâneas de escravidão (Tradução nossa). [16]

A exploração sexual, portanto, é um abuso sexual qualificado pelo caráter econômico, isto é, com intuito de comercialização de um produto: o corpo da criança e do adolescente.

Desse modo, os menores de 18 anos são inseridos em um mercado extremamente perigoso e injusto; entretanto, excessivamente lucrativo. Esse mercado não tem semelhança com as ideias civilistas de autonomia ou liberdade contratual, boa-fé ou lealdade. No chamado mercado do sexo, envolvendo crianças e adolescentes, há trocas desproporcionais e desumanas: a satisfação da lascívia versus a dignidade humana, a integridade física e o direito a um desenvolvimento pleno.

Sobre a mercantilização do sexo, assevera Vicente Faleiros:[17]

O valor do uso do corpo aparece, contraditoriamente, sem valor, não só em função da erotização e da transformação da mulher ou do homem em objeto vendável, mas em função do contexto cultural de machismo, de adultocentrismo e do autoritarismo e das exigências da rede de exploração sexual. A rede é econômica, social, cultural e política.           

Diferentemente do abuso sexual, quando o critério “classe social” não qualifica as crianças e os adolescentes, na exploração sexual a renda familiar é fator característico dos meninos e das meninas que se encontram explorados. Como afirma a pesquisadora Eva Faleiros, em todas as pesquisas nacionais e internacionais sobre o tema da exploração sexual é constatado que a pobreza e a exclusão (e a busca de inclusão via renda e consumo) são determinantes para a inserção de crianças e adolescentes no mercado de trabalho.[18]

A transformação da criança e do adolescente em objeto, retrocedendo a todas as conquistas históricas e legais, traz a concepção de que o uso de menores de 18 anos para fins sexuais comerciais pode ser considerado uma forma moderna de escravidão, haja vista que, muitas vezes, há castigos físicos, perda do direito de ir e vir, controle dos ganhos e lucros, exigência de exposição a esse tipo de “trabalho” durante horas, sem higiene e proteção sexual, etc.[19]  

Após o I Congresso Mundial, foram adotados universalmente quatro tipos de exploração comercial de crianças e adolescentes: prostituição, pornografia, turismo sexual e tráfico de crianças e adolescentes para fins comerciais e sexuais.

Essas principais modalidades se interrelacionam e se acumulam, formando, por vezes, um ciclo de violência que se inicia na prostituição, perpassa pelo turismo sexual e a pornografia e culmina com um tráfico para finalidade sexual. Portanto, caso não haja um atendimento a essas crianças e a esses adolescentes violentados, perpetua-se a transgressão da dignidade dessa população desprotegida.

Em estudo realizado em 2005, a Organização Internacional do Trabalho concluiu que cerca de 2,450 milhões de pessoas no mundo foram traficadas para serem submetidas a trabalhos forçados. Desse total, 43% são submetidas à exploração sexual comercial. A OIT ainda afirma que 98% das pessoas traficadas para fins sexuais são mulheres e meninas.[20]

Os lucros totais ilícitos produzidos por ano pelo tráfico de trabalhadores forçados chegam aos US$ 32 bilhões de dólares, representando, em nível global, uma média aproximada de 13 mil dólares anuais por trabalhador forçado.[21]

Os principais fatores que favorecem o tráfico são: globalização, pobreza, ausência de oportunidades de trabalho, discriminação de gênero, instabilidade política, econômica e civil em regiões de conflito, violência doméstica, emigração indocumentada, turismo sexual, corrupção de funcionários públicos e leis deficientes. [22]

Esses dados demonstram o quanto o problema tornou-se globalizado. A OIT, como organização internacional de proteção ao trabalhador, reconheceu a existência, no mundo, da exploração sexual de crianças e adolescentes, elaborando, pois, uma Convenção que, por ser instrumento de cumprimento obrigatório pelos países que assumem o compromisso de fazer valer suas determinações, alertou a vigilância global sobre esse problema social.   


5.EFEITOS TRABALHISTAS DA EXPLORAÇÃO SEXUAL

Conforme mencionado, a exploração sexual de crianças e adolescentes para fins comerciais constitui trabalho; contudo, como assevera o Art. 3º, item “b”, da Convenção 182 da OIT, é uma das piores formas de trabalho infantil e, como tal, requer esforços em nível nacional e internacional para sua eliminação.

Desse modo, a exploração sexual não deve ser meramente combatida pelo Direito Penal, mas também exige uma atuação das instituições trabalhistas.

De início, cabe esclarecer que o tema é bastante novo, cheio de controvérsias e dilemas, no qual há raríssimas doutrinas e jurisprudências. Portanto, não se pretende esgotar a temática, apenas apresentar alguns desses debates, principalmente, enfatizando o posicionamento do Ministério Público do Trabalho.

O Ministério Público é uma instituição permanente, desvinculada dos poderes do Estado, essencial à função jurisdicional do Estado, que, além de defender a ordem jurídica, o regime democrático e os interesses sociais e individuais indisponíveis, protege os interesses coletivos e difusos (Artigo 129, Inciso III, CF/88). Dentre do Parquet da União, encontra-se o Ministério Público do Trabalho (MPT), órgão responsável, em linhas gerais, pela proteção do trabalho.

No Brasil, o Ministério Público do Trabalho declarou, por meio da “Carta de Brasília do enfrentamento à exploração sexual de crianças e adolescentes para fins comerciais”, que “a exploração sexual comercial de crianças e adolescentes é relação de trabalho ilícita e degradante que ofende não somente a direitos individuais do lesado, mas também e, fundamentalmente, aos interesses difusos de toda a sociedade brasileira”.[23]

Desse modo, o Parquet Trabalhista ratificou sua responsabilidade constitucional de proteção às crianças e aos adolescentes, dispondo que cabe às Procuradorias Regionais do Trabalho responsabilizar solidariamente, na esfera trabalhista, por todos os danos, materiais e morais, individuais e coletivos, decorrentes de sua conduta lesiva, o cliente e/ou o tomador dos serviços sexuais, o respectivo intermediador e quaisquer pessoas que venham a favorecer práticas sexuais com menores de 18 anos, consoante os termos do Art. 942, parágrafo único, do Código Civil, Art. 4º ,II do Decreto 6.481/2008, sobre piores formas de trabalho infantil, c/c art. 8º da Consolidação das Leis do Trabalho.

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O Ministério Público do Trabalho da Paraíba destaca-se pela iniciativa pioneira no Brasil de interposição da primeira ação civil pública na esfera trabalhista, no intuito de exigir de todos os acusados de exploração sexual de crianças e adolescentes no município de Sapé-PB a aplicação de multa no valor de R$ 1,5 milhão, tendo em vista a configuração de dano moral coletivo sofrido por toda a sociedade.

De início, o juiz da Vara do Trabalho de Santa Rita julgou improcedente a ação civil pública ajuizada pelo MPT, eis que compreendeu que não se tratava de uma relação de trabalho, mas sim de consumo. Na segunda instância, o Tribunal Regional do Trabalho acolheu a preliminar de nulidade do processo por cerceamento de defesa defendida pelo MPT, determinando a devolução dos autos ao juízo de primeira instância.[24]

  A iniciativa ministerial, requerendo judicialmente dano moral coletivo a todos os acusados de praticarem exploração sexual infanto-juvenil, estabeleceu um marco no tratamento da matéria: pela primeira vez, no Brasil, reconheceu-se que o referido crime também poderia gerar consequências na seara laboral.

 Esse tema torna-se polêmico principalmente quando se enfrenta dogmas consolidados pela Teoria do Contrato e pela Teoria das Nulidades na área trabalhista.

Segundo Maurício Godinho Delgado, os elementos essenciais do contrato de trabalho são: a capacidade das partes, a forma regular ou não proibida, a higidez na manifestação da vontade e a licitude do objeto. Quanto a esse último requisito, o referido autor assevera que “enquadrando-se o labor prestado em um tipo penal criminal, rejeita a ordem justrabalhista reconhecimento jurídico à relação socioeconômica formada, negando-lhe, desse modo, qualquer repercussão de caráter trabalhista”.[25]

No mesmo sentido, aduz Delgado que no caso de situações de trabalho ilícito “afasta-se a incidência da teoria justrabalhista especial das nulidades, retornando-se ao império da teoria geral do Direito Comum, negando-se qualquer repercussão trabalhista à relação socioeconômica entre as partes”.[26]

Portanto, a tarefa de defender efeitos trabalhistas nos casos de exploração sexual de crianças e adolescentes, majoritariamente no que concerne ao estabelecimento de verbas contratuais laborais, perpassa inicialmente pela desconstrução de posições firmemente acolhidas na doutrina[27] e na jurisprudência.      

Dessa forma, embora as explorações sexuais de crianças e adolescentes constituam um tipo de labor ilícito, devem ser preservados os direitos trabalhistas oriundos daquela relação de trabalho até a decretação de sua nulidade, bem como, na mesma linha da orientação do Ministério Público do Trabalho, deve-se exigir de todos os agressores danos morais coletivos pelo prejuízo causado a toda a sociedade. 

 Compreende-se que essa posição é mais coerente com as disposições nacionais e internacionais de proteção à infância e juventude que visam a combater todas as formas de exploração sexual contra a essa parcela da população.

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Sobre a autora
Sofia Vilela de Moraes e Silva

graduação em Administração com habilitação em comércio exterior pela Faculdade de Alagoas , graduação em Direito pela Universidade Federal de Alagoas e mestrado em Direito pela Universidade Federal de Alagoas . Atualmente é doutoranda em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco e bolsista da CAPES.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Sofia Vilela Moraes. A exploração sexual de crianças e adolescentes como uma das piores formas de trabalho infantil.: Repercussões jurídicas e sociais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3298, 12 jul. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/22201. Acesso em: 23 dez. 2024.

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