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O direito fundamental à educação no contexto das ações afirmativas e da política de cotas no Brasil

15/07/2012 às 10:33
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Discute-se a importância das ações afirmativas, enquanto políticas reparadoras tomadas para mitigar os efeitos surgidos de um passado caracterizado por discriminações, e que visam um designo público crucial para o plano democrático, que é o de promover a diversidade e pluralidade social.

SUMÁRIO: 1. Do direito à educação; 2. Das ações afirmativas e políticas de contas no Brasil; 3. Conclusão; 4. Referências.

RESUMO: O presente trabalho pretende analisar o direito fundamental à educação no contexto das ações afirmativas e da política de cotas no Brasil. Com esse fio condutor, que pensamos, é visível, é marcado por frequência e, até certo ponto, profundidade pelas inúmeras discussões e decisões judiciais que permeiam o tema, especificamente a efetivação do direito a educação.  Dessa forma, sem pretensão de esgotar o tema procurar-se-á traçar o perfil e a efetividade das principais políticas de afirmação do direito à educação, como também, a conformidade delas com os princípios constitucionais, especialmente o postulado da isonomia e da reserva do possível.

PALAVRAS-CHAVE: Educação; ações afirmativas; políticas de cotas.


1. DO DIREITO À EDUCAÇÃO

  Um conceito importante para o assunto em questão diz repeito a procedência etimológica do termo “educação” que advém de dois vocábulos: “e-ducere” (conduzir de um lugar para outro) e “e-ducare” (extrair).

 Interessa destacar ainda que a educação é um processo de formação geral da personalidade, pois o educando obtém aptidões, no campo material, espiritual e social.

 A esse respeito, Motauri Ciocchetti de Souza (SOUZA, 2010, p.9), em capítulo de uma de suas obras, ao citar Émile Durkheim, denomina-a como “a ação exercida pelas gerações adultas sobre as gerações que não se encontram preparadas para a vida social; tem por objetivo suscitar e desenvolver, na criança, certo número de estados físicos, intelectuais e morais, reclamados pela sociedade política, nos seu conjunto, e pelo meio especial a que a criança, particularmente, se destine”.

 Cumpre salientar que o direito à educação precisa ser aprendido como um direito humano fundamental, porquanto seja uma das dimensões mais importantes da realização da dignidade da pessoa humana. Não se pode conceber a existência de uma vida digna sem a garantia institucional e normativa do direito à educação. O mínimo existencial é o cerne da dignidade da pessoa humana e contrapõe-se ao princípio da reserva do possível que não deve ser invocado quando aquele estiver em conflito. Assim, quando se estiver contestando a educação básica, que conglomera o ensino infantil, fundamental e médio, não abrangendo o ensino superior, o Estado não pode deixar de atuar com fundamento no princípio da reserva do possível, conforme interpretação do art. 7º, IV c/c art. 208 da Constituição Federal de 1998 e o art. 21 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação de 1996, que versam sobre as garantias mínimas da educação.  

  Desse modo, vê-se que o direito à educação corresponde a um direito social consubstanciado no art. 6º c/c o art. 205 da Constituição Federal de 1998, sendo um direito de todos e dever do Estado e da família e será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.


2. DAS AÇÕES AFIRMATIVAS E PÓLÍTICAS DE COTAS NO BRASIL

 Primeiramente, cabe-nos considerar a importância das ações afirmativas, enquanto políticas reparadoras tomadas para mitigar os efeitos surgidos de um passado caracterizado por discriminações, e que visam um designo público crucial para o plano democrático, que é o de promover a diversidade e pluralidade social. Podemos dizer, genericamente, que as ações afirmativas devem ser consideradas para além de uma série de acontecimentos ocorridos durante e em dado período como forma de amenizar a carga de um passado discriminatório, mas igualmente como um instrumento capaz de provocar a transformação social. Assim, compõe normas concretas que efetivam o direito à igualdade, posta que a igualdade deve harmonizar-se com o respeito à diferença e à diversidade.

 Nesse sentindo, inobstante as observações anteriores, o Decreto nº 65.810, de 08 de dezembro de 1969, que promulga a Convenção Internacional sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação Racial, estabelece em seu art.1º, parágrafo 4º, que não serão consideradas discriminação racial as medidas especiais tomadas com o único objetivo de assegurar progresso adequado de certos grupos raciais ou étnicos ou de indivíduos que necessitem da proteção que possa ser necessária para proporcionar a tais grupos ou indivíduos igual gozo ou exercício de direitos humanos e liberdades fundamentais, contando que, tais medidas não conduzam, em consequência, à manutenção de direitos separados para diferentes grupos raciais e não prossigam após terem sidos alcançados os seus objetivos. Em vista disso há a possibilidade de “discriminação positiva” (a chamada ação afirmativa) que objetiva apressar o processo de igualdade.

 Partindo para mais adiante, verificamos que a Constituição Federal de 1988, fixa conteúdos essenciais que exprimem a busca da igualdade material consagrando como um dos  objetivos do Brasil, construir uma sociedade livre, justa e solidária, mediante a redução de desigualdades sociais e a promoção do bem de todos, sem quaisquer formas de discriminação (art. 3º, I, III e IV).

 Outro aspecto que podemos considerar, ainda na questão das ações afirmativas, diz respeito às cotas para afrodescendentes em Universidades, posto que promovam à inclusão de afrodescendentes em seus cursos, com suas crenças e culturas, o que muito contribuiria para uma formação discente aberta à diversidade e à pluralidade.

  O debate público das ações afirmativas tem ensejado longos debates, de um lado, aqueles que argumentam constituírem elas uma violação de direitos, e, de outro lado, os que advogam serem elas uma possibilidade jurídica ou mesmo um direito.

  O Supremo Tribunal Federal ao julgar a ADPF- 186 – Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental, sobre as políticas de ação afirmativa e reserva de vagas em universidades públicas, em decisão do Plenário julgou improcedente o pedido formulado pelo Partido Democratas - DEM, contra atos da Universidade de Brasília - UnB, do Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão da Universidade de Brasília e do Centro de Promoção de Eventos da Universidade de Brasília - CESPE, os quais instituíram sistema de reserva de 20% de vagas no processo de seleção para ingresso de estudantes, com base em critério étnico-racial.

  O Supremo, nesta decisão ressaltou a importância do princípio constitucional da igualdade tanto no aspecto formal quanto material. Na decisão

Asseverou-se que, para efetivar a igualdade material, o Estado poderia lançar mão de políticas de cunho universalista — a abranger número indeterminado de indivíduos — mediante ações de natureza estrutural; ou de ações afirmativas — a atingir grupos sociais determinados — por meio da atribuição de certas vantagens, por tempo limitado, para permitir a suplantação de desigualdades ocasionadas por situações históricas particulares. Certificou-se que a adoção de políticas que levariam ao afastamento de perspectiva meramente formal do princípio da isonomia integraria o cerne do conceito de democracia. Anotou-se a superação de concepção estratificada da igualdade, outrora definida apenas como direito, sem que se cogitasse convertê-lo em possibilidade.

 Reputou-se, entretanto, que esse desiderato somente seria alcançado por meio da denominada “justiça distributiva”, que permitiria a superação das desigualdades no mundo dos fatos, por meio de intervenção estatal que realocasse bens e oportunidades existentes na sociedade em benefício de todos. Demonstrou-se que a Constituição estabeleceria que o ingresso no ensino superior seria ministrado com base nos seguintes princípios: a) igualdade de condições para acesso e permanência na escola; b) pluralismo de ideias; e c) gestão democrática do ensino público (art. 206, I, III e IV). Além disso, os níveis mais elevados do ensino, pesquisa e criação artística seriam alcançados segundo a capacidade de cada um (art. 208, V). Exprimiu-se que o constituinte teria buscado temperar o rigor da aferição do mérito dos candidatos que pretendessem acesso à universidade com o princípio da igualdade material.

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 Discorreu-se sobre o papel integrador da universidade e os benefícios das ações afirmativas, que atingiriam não apenas o estudante que ingressara no sistema por intermédio das reservas de vagas, como também todo o meio acadêmico, dada a oportunidade de conviver com o diferente. Acrescentou-se que esse ambiente seria ideal para a desmistificação dos preconceitos sociais e para a construção de consciência coletiva plural e culturalmente heterogênea.

  Ressaltou-se a natureza transitória dos programas de ação afirmativa, já que as desigualdades entre brancos e negros decorreriam de séculos de dominação econômica, política e social dos primeiros sobre os segundos. Dessa forma, na medida em que essas distorções históricas fossem corrigidas, não haveria razão para a subsistência dos programas de ingresso nas universidades públicas. Se eles ainda assim permanecessem, poderiam converter-se em benesses permanentes, em detrimento da coletividade e da democracia. Consignou-se que, no caso da UnB, o critério da temporariedade fora cumprido, pois o programa de ações afirmativas lá instituído estabelecera a necessidade de sua reavaliação após o transcurso de dez anos. Por fim, no que concerne à proporcionalidade entre os meios e os fins colimados nessas políticas, considerou-se que a reserva de 20% das vagas, na UnB, para estudantes negros, e de um pequeno número delas para índios, pelo prazo de citado, constituiria providência adequada e proporcional a atingir os mencionados desideratos. (Informativo de Jurisprudência do STF nº 663. Disponível em: < http://www.stf.jus.br//arquivo/informativo/documento/informativo663.htm>. Acesso em 20. mai.2012.

A nosso ver a decisão da Suprema Corte Brasileira é irretocável, posto que nada mais fez do que reafirmar o aspecto material do postulado constitucional da isonomia. Fato é que historicamente algumas minorias sociais vêm sofrendo ao longo do tempo com condições mais restritivas para o acesso à educação. Talvez por conta do ranço colonialista que até hoje permeia e contamina parte de nossa sociedade que resiste, em pleno séc. XXI, em reconhecer que a igualdade de oportunidades deve ser posta à disposição de todo brasileiro.


3. CONCLUSÃO

 Os direitos fundamentais, espalhados em documentos históricos diversos estão na grande maioria das constituições das democracias contemporâneas, como ferramenta importante de inclusão social; dentre esses direitos estão às ações afirmativas e a política de cotas. Portanto, há que se considerar, que o combate à discriminação é ação emergencial à efetivação do direito à igualdade, como também uma medida apropriada para o enfrentamento do racismo e da discriminação, que têm retirado de metade da população brasileira o direito ao exercício pleno de seus direitos e liberdades fundamentais. Conquanto tais medidas ocasionem uma série de contestações, a luta contra estas mazelas não pode continuar sendo dilatada. Já transcorreu o momento do país combatê-las com acuidade e obrigação como via do resgate da dignidade e dos direitos fundamentais. Nesse aspecto, a política de cotas em universidades vêm se destacando como instrumento de importância ímpar na atuação do Estado para consolidar a efetivação das políticas afirmativas.


4. REFERÊNCIAS:

Constituição Federal. 1988. Disponível em: < http://www2.planalto.gov.br/presidencia/a-constituicao-federal>. Acesso em 20.mai.2012.

Decreto nº 65.810, de 8 de dezembro de 1969. Disponível em: < http://www6.senado.gov.br/legislacao/ListaNormas.action?numero=65810&tipo_norma=DEC&data=19691208&link=s>. Acesso em 21.mai. de 2012.

Informativo de Jurisprudência do STF nº 663. Disponível em: < http://www.stf.jus.br//arquivo/informativo/documento/informativo663.htm>. Acesso em 20.mai.2012.

Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Lei nº 9.394/96. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9394.htm>. Acesso em 20.mai.2012.

SOUZA, Motauri Ciocchetti de. Direito Educacional. São Paulo: editora Verbatim, 2010.

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Sobre a autora
Elizangela Santos de Almeida

Advogada; Mestra em Educação pela Universidade de Uberaba - UNIUBE; Especialista em Direito Administrativo pela Universidade Cândido Mendes - UCAM; e Bacharel em Direito pela Universidade Estadual de Montes Claros - UNIMONTES.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ALMEIDA, Elizangela Santos. O direito fundamental à educação no contexto das ações afirmativas e da política de cotas no Brasil. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3301, 15 jul. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/22220. Acesso em: 4 nov. 2024.

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