Apesar de penalmente inimputáveis, os menores de 18 anos quando cometem atos equiparados a infrações penais não possuem imunidade, diferentemente do que volta e meia parecem alardear os noticiários brasileiros. Estão sujeitos a sanções estipuladas em legislação especial, em decorrência do art. 228 da Constituição Federal, regidos, na espécie, pela Lei 8.069/90 (Estatuto da Criança e do Adolescente).
Recebe o nome de ato infracional a conduta correspondente a crime ou contravenção penal realizada por criança (pessoa com idade até 11 anos completos ou 12 anos incompletos) ou adolescente (aquele que possui entre 12 anos completos e 17 anos completos ou 18 anos incompletos). Assim, se um garoto intencionalmente causa ferimentos leves em alguém, poderá ser responsabilizado pela prática de ato infracional análogo ao crime do art. 129, caput, do Código Penal (lesões corporais).
Tanto à criança quanto ao adolescente poderão ser impostas medidas em resposta a atos infracionais que tenham cometido. Se a autoria recair sobre criança, o art. 105 dispõe que ela estará sujeita às seguintes medidas protetivas fixadas nos incisos do art. 101 da Lei 8.069/90:
I – encaminhamento aos pais ou responsável, mediante termo de responsabilidade;
II – orientação, apoio e acompanhamento temporários;
III – matrícula e frequência obrigatórias em estabelecimento oficial de ensino fundamental;
IV – inclusão em programa comunitário ou oficial de auxílio à família, à criança e ao adolescente;
V – requisição de tratamento médico, psicológico ou psiquiátrico, em regime hospitalar ou ambulatorial;
VI – inclusão em programa oficial ou comunitário de auxílio, orientação e tratamento a alcoólatras e toxicômanos;
VII – acolhimento institucional;
VIII – inclusão em programa de acolhimento familiar;
IX – colocação em família substituta.
Com relação ao adolescente, o art. 112 da Lei 8.069/90 permite que lhe sejam aplicadas outras providências além das listadas nos incisos I a VI do art. 101. Numa escala crescente de intensidade, estará também passível de sofrer as medidas socioeducativas de: a) advertência; b) obrigação de reparar o dano; c) prestação de serviços à comunidade; d) liberdade assistida; e) inserção em regime de semiliberdade; f) internação em estabelecimento educacional.
A internação, da qual me ocuparei pontualmente, cuida-se de medida privativa de liberdade pautada pelos princípios da brevidade, excepcionalidade e respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento (art. 121, ECA). Corresponde a uma espécie de prisão aplicada ao campo da Justiça da Infância e Juventude, embora não seja esta a terminologia jurídica empregada, por conta das particularidades do instituto (menor de 18 anos não vai preso; é apreendido).
Essa comparação talvez tenha guiado em maior ou menor proporção o raciocínio de juízes e demais operadores do Direito na análise da possibilidade de cumprimento da internação em presídio, o que é merecedor de reflexão. O art. 123 da Lei 8.069/90 impõe que essa gravosa medida socioeducativa haverá de ser cumprida “em entidade exclusiva para adolescentes, em local distinto daquele destinado ao abrigo, obedecida rigorosa separação por critérios de idade, compleição física e gravidade da infração”.
Na hipótese de na comarca não existir entidade com tais características, o adolescente deverá ser prontamente encaminhado para cumpri-la na localidade mais próxima que conte com instituição dessa natureza. Contudo, na impossibilidade de transferência imediata, o adolescente “aguardará sua remoção em repartição policial, desde que em seção isolada dos adultos e com instalações apropriadas, não podendo ultrapassar o prazo máximo de cinco dias, sob pena de responsabilidade” (art. 185, § 2.º, ECA). O caput do art. 185 da Lei 8.069/90 veda o cumprimento da internação em estabelecimento prisional.
Entretanto, o Superior Tribunal de Justiça entende que, excepcionalmente, é cabível o internamento provisório (sic) de adolescente em presídio, contanto que fique em lugar diferente daquele reservado aos presos comuns (6.ª Turma, RHC 11.165/MG, Rel. Ministro Paulo Gallotti, j. 08/05/2001). Esta decisão precisa ser bem compreendida, em especial porque não autoriza o cumprimento da internação no cárcere.
Também neste sentido o STJ decidiu no Recurso Ordinário em Habeas Corpus n. 7.748/RJ, ao concluir que não constitui constrangimento ilegal, nem violação ao art. 185 do ECA, a internação provisória (sic) de menores infratores, já sentenciados, em ala de unidade prisional onde permanecem separados dos condenados pela Justiça Criminal, desenvolvendo atividades pedagógicas até a conclusão das obras de restauração da escola que foi completamente depredada pelos próprios internos (STJ, RHC 7.748/RJ, 6ª Turma, Rel. Ministro Fernando Gonçalves, j. 26/08/1998, DJ 08/09/1998, p. 120).
Antes de prosseguir, é preciso fazer uma pequena observação. As ementas dos RHCs 11.165/MG e 7.748/RJ falam de “internamento provisório”, a meu ver equivocadamente, porque essa expressão possui acepção própria no contexto da Lei 8.069/90. Significa privação cautelar (provisória) da liberdade do adolescente, determinada pelo juiz antes da sentença e pelo prazo máximo de 45 dias, conforme se compreende dos arts. 108, 123 e 183, ECA. Seria mais apropriado que tivesse constado dos julgados algo como “internação, decorrente de sentença, em caráter temporário em estabelecimento penal”, pois em ambas as situações apreciadas pela Corte Superior o juiz de primeira instância já havia proferido decisão de mérito ao final da instrução.
Em 18/06/2012, a 6.ª Turma do STJ examinou no Habeas Corpus 234.935/MG situação em que adolescente vinha cumprindo a medida privativa de liberdade prevista no ECA desde agosto/2011 no presídio da cidade mineira de Ubá, conforme determinado pelo juiz de Direito local, devido à ausência de vaga no Centro Socioeducativo que atende a região. Sob a relatoria do Ministro Og Fernandes, o Tribunal da Cidadania considerou evidente o constrangimento ilegal no cumprimento de internação em estabelecimento prisional há cerca de um ano e determinou a transferência imediata do adolescente para entidade adequada ou, não havendo lá disponibilidade, que o menor aguarde em liberdade assistida até a existência de vaga no estabelecimento próprio.
Em resumo, em que pesem os arts. 123 e 185 do ECA, o STJ:
1) permite a “internação provisória” de adolescente em presídio, mas apenas em caráter excepcional e desde que separado dos presos comuns. Lembre-se que “internação provisória”, aqui, deve ser entendida como internação, decorrente de sentença, a título temporário em presídio, enquanto se aguarda a transferência do adolescente para entidade específica a que se refere o art. 123 da Lei 8.069/90;
2) proíbe o cumprimento dessa medida socioeducativa em estabelecimento penal.