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Lei de acesso à informação e o direito fundamental à intimidade

22/08/2012 às 15:07
Leia nesta página:

Em momento algum, o legislador impôs obrigatoriedade de que a Administração Pública exponha os vencimentos (e demais vantagens eventualmente percebidas) de seus servidores de forma nominal.

A Constituição Federal de 1988 (conhecida como “Constituição Cidadã”) trouxe em seu bojo uma série de direitos e deveres, dentre eles o direito à intimidade e o dever de informação.

Como é cediço, o sistema jurídico pátrio deve conviver em constante harmonia (não devemos analisar a norma de forma isolada!), objetivando-se coadunar a coexistência dos direitos e deveres nele previstos.

Nos últimos dias temos acompanhado na mídia diversas controvérsias a respeito da publicação ou não dos vencimentos dos servidores públicos com base na Lei de Acesso à Informação (Lei n.º 12.527/11).

De um lado temos o direito fundamental à intimidade, previsto no art. 5.º, X, da Constituição Federal, e de outro o dever da publicidade (a informação pode e deve ser aqui incluída), previsto no “caput” do art. 37 do mesmo diploma.

Objetivando-se dar maior eficácia ao princípio constitucional da publicidade (que é um dever imposto à Administração Pública como um todo) foi promulgada a Lei n.º 12.527/11, sendo a mesma regulamentada pelo Decreto n.º 7.724/2012.

No caso mencionado no presente artigo a controvérsia maior está relacionada ao art. 7.º, § 3.º, II, do Decreto n.º 7.724/2012, o qual disciplina a obrigatoriedade da divulgação dos vencimentos (inclusive auxílios, ajudas e demais vantagens agregadas), através da internet, dos servidores públicos.

Basicamente com base nesses dispositivos ora em comento (além da tese de que isso poderia trazer perigo à segurança pessoal do servidor público), parte dos magistrados tem declarado a inconstitucionalidade parcial da Lei de Acesso à Informação no tocante à divulgação de tais informações.

Pois bem. Em que pesem respeitáveis decisões em sentido contrário, entendo que é perfeitamente possível que o direito à intimidade e o dever de informação, nesse caso em concreto, convivam harmonicamente. Senão, vejamos.

Inicialmente é de se consignar que um dos objetivos principais da presente lei é dar maior transparência aos atos praticados por parte da Administração Pública. Com isso, entendo que o poder de fiscalização (seja dos órgãos instituídos para tal tarefa, seja por parte dos particulares) ganhará maior força, aumentando o combate a toda e qualquer ilegalidade constatada.

Não obstante as diversas críticas tecidas à legislação, recentemente inserida em nosso ordenamento jurídico, observo que a própria norma regulamentar traz mecanismos para evitar que haja a violação do direito à intimidade, expondo o servidor público de forma nominal.

O Decreto n.º 7.724/2012 ao regulamentar a Lei de Acesso à Informação traz diversos dispositivos importantes para entender a problemática, sendo que dois deles merecem ser transcritos:

(...) Art. 3º Para os efeitos deste Decreto, considera-se:

(...)

V - informação pessoal - informação relacionada à pessoa natural identificada ou identificável, relativa à intimidade, vida privada, honra e imagem (...)

Art. 7º É dever dos órgãos e entidades promover, independente de requerimento, a divulgação em seus sítios na Internet de informações de interesse coletivo ou geral por eles produzidas ou custodiadas, observado o disposto nos arts. 7º e 8º da Lei nº 12.527, de 2011.

(...)

§ 3º Deverão ser divulgadas, na seção específica de que trata o § 1º, informações sobre:

(...)

VI - remuneração e subsídio recebidos por ocupante de cargo, posto, graduação, função e emprego público, incluindo auxílios, ajudas de custo, jetons e quaisquer outras vantagens pecuniárias, bem como proventos de aposentadoria e pensões daqueles que estiverem na ativa, de maneira individualizada, conforme ato do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão (grifei).

Analisando os dispositivos legais ora transcritos, denota-se a existência de expressões que auxiliam na fundamentação do raciocínio aqui desenvolvido, quais sejam: i) pessoa natural identificada ou identificável; e, ii) de maneira individualizada.

Ora, s.m.j., em momento algum o legislador infraconstitucional impôs a obrigatoriedade de que a Administração Pública exponha os vencimentos (e demais vantagens eventualmente percebidas) de seus servidores de forma nominal.

Ao utilizar as expressões negritadas e extraídas do decreto regulamentatório, não é forçoso presumir que o legislador apenas teve o intuito de que os valores recebidos pelos servidores fossem facilmente vinculados a esses, sem qualquer obrigatoriedade de identificação nominal.

Como é cediço, na Administração Pública de uma forma geral, todos os servidores possuem um número de matrícula ou registro junto ao órgão que são vinculados. Com essa sistemática eles são facilmente identificáveis, sem a necessidade de se mencionar o nome. Isso faz com que o servidor tenha seu nome protegido, sem que haja prejuízo para sua futura identificação em caso de alguma ilegalidade ou irregularidade por ele perpetrada. 

Conforme já mencionado a Lei de Acesso à Informação além de dar maior transparência aos atos da Administração Pública, é uma excelente ferramenta que auxilia na fiscalização dos gastos públicos (p.ex.), vez que toda e qualquer pessoa, sabendo de antemão o teto máximo fixado para o pagamento dos servidores e pesquisando quanto cada um deles ganha, poderá ter conhecimento sobre eventual irregularidade constatada.

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Com base nesse breve raciocínio ora exposto, entendo que é perfeitamente possível (e constitucional) divulgar os vencimentos dos servidores públicos através dos meios disponíveis, adotando-se o critério mencionado (ou seja, mecanismos para tornar o servidor “identificável”), sem que haja a exposição nominal daqueles.

Assim sendo, entendo que é perfeitamente possível que a Lei de Acesso à Informação atinja seu objetivo precípuo sem, contudo, violar o direito fundamental da intimidade. Para tanto, seria plausível efetuarem-se alguns ajustes a fim de adaptá-la ao ordenamento jurídico vigente.

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Sobre o autor
Rodrigo Perin Nardi

Delegado de Polícia Federal Pós graduado em Direito Processual Civil Individual e Coletivo Ministrou aulas de Direito Penal e Processual Penal no Curso DUCTOR (Campinas) - Preparatório para concursos públicos, durante dois anos. MInistrou, ainda, aulas de Direito Constitucional por um ano e meio no curso de graduação da Universidade Dinâmica das Cataratas - Foz do Iguaçu. Por dois anos ministrou aulas de Direito Constitucional e Penal no Curso VITÓRIA, em Foz do Iguaçu.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

NARDI, Rodrigo Perin. Lei de acesso à informação e o direito fundamental à intimidade. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3339, 22 ago. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/22465. Acesso em: 21 nov. 2024.

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