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Críticas ao projeto do novo Código Penal (PLS 236/12). O sistema progressivo no PLS 236/12

21/09/2012 às 08:51
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O PLS 236/12, se tivesse um mínimo de senso crítico da realidade, estabeleceria somente a pena de prisão, que poderia ser executada em estabelecimentos de segurança máxima, média ou em colônias agrícolas ou industriais, de acordo com a gravidade do crime e a periculosidade do condenado.

A par das questões mais polêmicas acerca do aborto, eutanásia e liberação do uso de drogas, o Projeto de Lei do Senado nº 236/12 não tem a menor vocação para se transformar no novo Código Penal, pois apresenta inúmeros defeitos insanáveis. Faremos uma série de artigos para explicitar esses defeitos do PLS, que o fazem realmente ser merecedor de um “aborto”.

O PLS 236/12 adota o sistema progressivo de penas, estabelecendo os regimes fechado, semiaberto e aberto em seus artigos 46 e 47:

Art. 46. A pena de prisão deve ser cumprida progressivamente em regime fechado, semiaberto ou aberto.

Parágrafo único. Considera-se:

a) regime fechado a execução da pena em estabelecimento penal de segurança máxima ou média;

b) regime semiaberto a execução da pena em colônia agrícola, industrial ou

estabelecimento similar;

c) regime aberto a execução da pena fora do estabelecimento penal.

Art. 47. A pena de prisão será executada em forma progressiva com a transferência para regime menos rigoroso, a ser determinada pelo juiz, quando o preso ostentar bom comportamento carcerário e aptidão para o bom convívio social e tiver cumprido no regime anterior:

I – um sexto da pena, se não reincidente em crime doloso;

II – um terço da pena:

a) se reincidente:

b) se for o crime cometido com violência ou grave ameaça; ou

c) se o crime tiver causado grave lesão à sociedade.

III – metade da pena:

a)  se o condenado for reincidente em crime praticado com violência ou grave ameaça à pessoa ou em crime que tiver causado grave lesão à sociedade; ou

b) se condenado por crime hediondo.

IV – três quintos da pena, se reincidente e condenado por crime hediondo.

§ 1º As condições subjetivas para a progressão serão objeto de exame criminológico, sob a responsabilidade do Conselho Penitenciário e com prazo máximo de sessenta dias a contar da determinação judicial.

§ 2º A não realização do exame criminológico no prazo acima fixado implicará na apreciação judicial, de acordo com critérios objetivos.

§ 3º O condenado por crime contra a administração pública terá a progressão de regime do cumprimento da pena condicionada à reparação do dano que causou, ou à devolução do produto do ilícito praticado, com os acréscimos legais, salvo comprovada impossibilidade, a que não deu causa.

§ 4º Se, por razão atribuída ao Poder Público não houver vaga em estabelecimento penal apropriado para a execução da pena em regime semiaberto, o apenado terá direito à progressão diretamente para o regime aberto.

§ 5º A extinção da pena só ocorrerá quando todas as condições que tiverem sido fixadas forem cumpridas pelo condenado.

O PLS 236/12, em síntese, preceitua:

1. a extinção da casa do albergado, que seria o lugar onde o sentenciado cumpriria a pena em regime aberto. No Brasil, foram construídas poucas casas do albergado, de modo que isso era mais uma ficção jurídica. Na realidade, o sentenciado em regime aberto, já cumpre pena em regime domiciliar, como estabelece o PLS 236/12;

2. o regime semiaberto continua a ser o cumprimento de prisão em colônias agrícolas ou industriais;

3. o regime fechado continua a ser a prisão em penitenciárias em segurança máxima ou média;

4. o sistema de progressão de regime continua a ser baseado em requisitos objetivo (cumprimento de uma fração da pena) e subjetivo (bom comportamento e aptidão para o bom convívio em sociedade).

O grande problema do sistema progressivo continua a ser a indeterminação da pena e a ilusão que o sistema impõe ao leigo quanto ao exato tempo em que o criminoso permanecerá segregado da sociedade. Além disso, esse sistema impreciso, por outro lado, não permite à sociedade perceber que algumas condutas criminalizadas deveriam estar fora do Direito Penal, o qual deveria se importar somente com as violações mais gravosas aos bens jurídicos mais relevantes.

O maior argumento para a manutenção do sistema progressivo é que ele favorece a reintegração do sentenciado à sociedade, pois permite que ele gradativamente seja ressocializado, desde que demonstre aptidão por meio do bom comportamento carcerário.

O bom comportamento é um requisito que nunca poderia ser utilizado para que o sentenciado fosse reintegrado. Primeiro, o psicopata, em regra, ostenta excelente comportamento carcerário, pois sua inteligência o faz saber que isso é fundamental para sua reinserção em meio livre. Ainda, esse requisito fica à margem do controle jurisdicional, haja vista que o procedimento para averiguar faltas cometidas pelos condenados é administrativo e via de regra a única prova é o depoimento dos agentes penitenciários.

O bom comportamento somente deve servir para que o condenado tenha a manutenção de benesses dentro da penitenciária, nunca um requisito tão alheio ao controle jurisdicional poderia ser utilizado para determinar o tempo em que um condenado deve permanecer encarcerado.

O PLS 236/12 mantém o regime semiaberto nos moldes atuais, baseado em dois elementos (i) a custodia em colônia agrícola ou industrial (ii) a possibilidade de saídas para trabalhar, estudar ou visitas.

O primeiro grande absurdo é que no Brasil foram construídas pouquíssimas colônias agrícolas ou industriais. E seria um maior absurdo construí-las agora, pois se o condenado tem direito ao trabalho externo, qual seria a razão para se gastar bilhões de recursos públicos ou privados (logicamente com o financiamento do BNDES) para a construção de colônias voltadas ao trabalho do condenado, sendo que ele tem o direito ao trabalho fora do estabelecimento prisional. Acontecerá exatamente o que se verifica hoje, o Poder Público construirá galpões para acomodar os condenados somente à noite, pois durante o dia eles estarão soltos trabalhando, estudando ou fazem visitas.

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Ainda, o PLS 236/12 estabelece que na inexistência de estabelecimentos prisionais adequados ao regime semiaberto o sentenciado saltará imediatamente ao regime aberto. Se esse dispositivo legal for realmente aplicado, podem se preparar para soltarem quase todos os sentenciados em regime semiaberto no Brasil, pois nosso país raramente construiu estabelecimentos adequados ao regime semiaberto.

Na verdade, o que deveria ser feito é criarem-se vários tipos de penitenciárias para acomodar os condenados de acordo com a gravidade dos seus crimes e sua periculosidade, podendo-se separar os mais perigosos dos menos. Porém, todos estariam cumprindo penas de prisão simplesmente.

O sistema progressivo pode aparecer mais inteligente e complexo, porém ele somente é mais bagunçado.

Essa bagunça criada pelo legislador e mantida pela Comissão de Notáveis que elaborou o PLS 236/12 é verificada com um simples olhar atento à prática da Justiça Penal em nosso país.

Além disso, esse erro inicial não permite ao legislador estabelecer um mínimo de lógica no sistema de penas. Não há na parte especial do PLS 236/12 um mínimo de organização no sentido de preservar os bens jurídicos mais preciosos com sanções mais severas. Ainda, estabelecendo-se um sistema progressivo onde há penas que não são de prisão, permite ao legislador poder incluir no Direito Penal, tipos que deveriam ser tratados por outros ramos do Direito.

O PLS 236/12, se tivesse um mínimo de senso crítico da realidade, estabeleceria somente a pena de prisão, que poderia ser executada em estabelecimentos de segurança máxima, média ou em colônias agrícolas ou industriais, de acordo com a gravidade do crime e a periculosidade do condenado, separando os mais perigosos e evitando que esses possam ter o convívio deletério com aqueles que realmente podem ser ressocializados.

Nessa seara, extirparia do Direito Penal condutas que nunca deveriam ser incluídas entre os crimes, pois se o Novo Código Penal for realmente aplicado com eficácia, toda a sociedade brasileira (com honrosas exceções) estaria cumprindo pena em algum dos regimes criados com esse falsa idéia de complexidade e inteligência.

Demais disso, a bagunça seria bem maior, pois todos os processos de execução penal deveriam ser revistos se o PLS 236/12 for aprovado, porém somente seria aplicado nas hipóteses em que é mais benéfica ao condenado.

Por conclusão, o PLS 236/12 imporá à sociedade a construção de pelo menos uma colônia agrícola ou industrial em cada comarca do País, sob pena de ver os sentenciados irem direto para o regime aberto, que agora se transforma de vez em regime domiciliar.

Vejamos que o artigo 51, do PLS 236/12 estabelece:

Art. 51. Aplica-se o caput do art. 50 deste Código ao condenado que inicie o cumprimento da pena em regime semiaberto.

§ 1º O trabalho externo é admissível, bem como a frequência a cursos supletivos profissionalizantes, de instrução de segundo grau ou superior.

Em resumo, o PLS 236/12 não estabelece prazo mínimo de cumprimento de pena para que o condenado em regime semiaberto tenha o direito ao trabalho externo. Em suma, todos os condenados assim que iniciarem o cumprimento no regime semiaberto apresentarão um atestado de que conseguiram um trabalho fora do presídio ou a matrícula num curso, ficando as vagas de trabalho criadas com a construção das colônias agrícolas e industriais vagas para quem sabe aqueles que nunca cometeram crimes e estão desempregados trabalharem ali.

Por essas razões e outras que serão tratadas nos outros artigos, o PLS 236/12 não merece se transformar em Lei.

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Sobre o autor
Ricardo Antonio de Souza

Promotor de Justiça do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SOUZA, Ricardo Antonio. Críticas ao projeto do novo Código Penal (PLS 236/12). O sistema progressivo no PLS 236/12. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3369, 21 set. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/22653. Acesso em: 23 abr. 2024.

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