1. Contexto
Em meados de 2007, deu-se início a um processo de discussão na França sobre a modernização do mercado do trabalho, a securitização das trajetórias profissionais, o contrato de trabalho e o seguro-desemprego. De acordo com a análise de Favennec-Héry [1], houve uma mobilização entre representantes dos trabalhadores, empregadores e governo para a discussão destes temas em decorrência de uma situação que tinha por características: (i) a existência de um sentimento de insegurança dos trabalhadores precários; (ii) mobilidade profissional insuficientemente preparada; e (iii) peso dos procedimentos de dispensa.
De acordo com o Governo[2], os objetivos eram: (i) melhorar a situação do emprego em um quadro de grande fluidez do mercado de trabalho; (ii) evitar a segmentação do mesmo; (iii) garantir um acesso estável ou um retorno rápido ao emprego; (iv) acompanhar a mobilidade dos empregados; (v) rever as modalidades de ruptura do contrato de trabalho.
O Medef (Mouvement des Entreprises de France[3]), a principal organização patronal francesa, dividiu seus posicionamentos conforme as fases da vida profissional do empregado[4]. Por exemplo, em relação ao começo da relação de emprego, defendeu uma reforma do período de experiência e a criação de um contrato de trabalho por tempo indeterminado para a realização de uma atividade específica, que poderia ser um instrumento utilizado para empresas que não teriam certezas sobre a perenidade de suas atividades. Em relação ao fim do contrato de trabalho, colocou em pauta os termos do que viria a se configurar como a ruptura convencional do contrato de trabalho.
As organizações sindicais[5] tinham como escopo melhorar a securitização das trajetórias profissionais dos empregados e tiveram um posicionamento, de início, hostil às proposições patronais. Ao adotarem uma posição que bloqueava os temas oriundos dos empregadores, os temas das negociações que avançavam eram os pautados pelo governo, que desejava realizar uma reforma inspirada no modelo de “flexisegurança”, para se atingir o triangulo de ouro: mercado de emprego flexível, uma política de emprego hiperativa e uma proteção social generosa.
Poucos foram os avanços obtidos mediante a negociação, em relação às propostas realizadas, tanto pelos empregadores como pelos trabalhadores. Contudo, a proposta de ruptura convencional do contrato de trabalho, realizada pelo Medef, ganhou espaço nos debates feitos e se tornou o grande ponto das negociações.
A busca por uma solução negociada da ruptura contratual foi objeto de inúmeras discussões, que foram desde a nomenclatura apropriada até o caráter inovador da proposta, considerando o ordenamento jurídico trabalhista francês[6]. A ruptura convencional já era reconhecida para os contratos de trabalho por prazo determinado e de experiência e a Corte de Cassação já havia reconhecido a sua aplicabilidade para os contratos de trabalho por prazo indeterminado.
Desta forma, o acordo nacional interprofissional (ANI), celebrado em 11 de janeiro de 2008, acabou por elaborar um encadeamento jurídico no tocante à ruptura convencional do contrato de trabalho por tempo indeterminado, dispondo sobre o livre consentimento do empregado e a igualdade de tratamento diante das demais formas de rompimento contratual.
Finalmente, em 25 de junho de 2008, foi promulgada na França a Lei n. 2008-596 que trata da modernização do mercado de trabalho e cria no Código do Trabalho a seção 3, sobre a ruptura convencional, além de introduzir os artigos L1237-11, L1237-12, L1237-13, L1237-14, L1237-15 e L1237-16.
A celebração do acordo nacional interprofissional (ANI) foi cercada por inúmeras polêmicas. Conforme coloca Gaudu[7], após inúmeras rodadas de negociação, optou-se por manter a estabilidade no emprego como modelo, apesar de manter um dualismo contratual em seu artigo 1º, na medida em que reconhece a possibilidade da utilização de contratos por prazo determinado, desde que se faça de forma responsável em respeito ao seu objeto e conforme necessidades momentâneas.
Gaudu[8] ainda afirma que o grande vencedor do ANI foi o Governo, uma vez que bancou os termos em que as negociações foram travadas e conseguiu aprovar a maior parte de suas proposições. Enquanto isso, os empregadores teriam conseguido avanços em suas demandas e os sindicatos signatários conseguiram melhorias nas condições pleiteadas. Importa pontuar que do lado dos trabalhadores, assinaram o ANI apenas a Confédération Française Démocratique Du Travail (CFDT) e a Force Ouvrière (FO), ao passo que a Confédération Générale Du Travail (CGT), mesmo participando das discussões e sendo autora de várias proposições, optou por não conferir o seu aval ao ANI.
Houve ainda quem interpretasse o ANI como se fosse um acordo em que os sindicatos apenas realizaram concessões, em que dispositivos de proteção social foram enfraquecidos, enquanto nada fora oferecido em contrapartida. Dockès[9] entende que se celebrou o acordo “dando, dando, dando, dando[10]...”.
Dockès[11] afirma que o ANI, tendo em vista que foi pactuado pelos atores sociais mais importantes da França[12], configurou-se no maior recuo do direito do trabalho francês desde 1945, pois não houve equilíbrio no que se cedeu e no que se conquistou nas negociações realizadas.
Ademais, coloca que o ANI foi posto para a opinião pública sob o véu da unanimidade e da paz social e que as regressões existentes são tanto explícitas como implícitas, mas que, de qualquer forma, irá trazer alterações profundas (e negativas) para a vida dos trabalhadores franceses. Ou ainda que o ANI deixa de lado importantes vantagens sociais, consideradas até então como essenciais, sendo que em troca foram concedidas contrapartidas que, comparativamente, são anedóticas[13].
Finalmente, entendendo o ANI como algo eminentemente prejudicial aos trabalhadores, Dockès compreende a ruptura convencional do contrato de trabalho por tempo indeterminado como a institucionalização de um quadro legal de vantagens para demissões disfarçadas[14] e um poderoso meio de se rejeitar o direito de dispensa[15].
2.Definição
A definição legal da ruptura convencional do contrato de trabalho por tempo indeterminado está prevista no art. L1237-11 do Código do Trabalho. Segundo a primeira parte do mencionado dispositivo, “o empregador e o empregado poderão convencionar, conjuntamente, as condições da ruptura do contrato de trabalho que os vincula”[16].
As três principais condições impostas às partes para que o rompimento contratual convencional possa ocorrer são: (i) o consentimento das partes deve ser livre, observando-se o princípio da ruptura ou as suas condições; (ii) as partes devem respeitar as regras e as formas fixadas pela lei (assistência das partes, prazos, indenização específica da ruptura); (iii) o termo de ruptura assinado pelas partes deve ser homologado pelo Diretor Departamental do Trabalho, Emprego e Formação Profissional, que é a autoridade administrativa competente para tanto, conforme o Decreto n. 2008-715 de 18 de julho de 2008[17].
Adiante, o artigo estabelece que “a ruptura convencional, exclusivas da dispensa ou da demissão, não pode ser imposta por uma parte à outra”[18]. Esta passagem demonstra a importância que foi dada à liberdade das partes ao optar em romper o contrato de trabalho, sem a pressão para fazê-lo. Segundo Favennec-Héry[19], o livre consentimento do empregado e do empregador ao pactuar a ruptura convencional foi um elemento em que as partes que negociaram o ANI chegaram a um rápido consenso, uma vez que é ponto fundamental para a caracterização deste instituto justrabalhista.
Sendo assim, pode-se afirmar que “a ruptura convencional resulta de um termo firmado entre as partes do contrato de trabalho e está submetida a um procedimento específico destinado a garantir o livre consentimento das partes”[20].
3. Campo de aplicação
Oriunda do direito civil, a ruptura amigável foi reconhecida há tempos pela jurisprudência como aplicável no rompimento do contrato de trabalho, entendendo a ruptura amigável como a iniciativa comum das partes de um contrato em rompê-lo. A ruptura convencional, que foi estabelecida pelo ANI de 11 de janeiro de 2008 e depois pela Lei n. 2008-596 de 25 de junho de 2008 é, neste contexto, uma forma de organizar a ruptura amigável.
Outro ponto que merece ser destacado diz respeito à viabilidade de se romper um contrato de trabalho por tempo indeterminado quando o mesmo encontra-se suspenso. Segundo a visão do Ministério do Trabalho, Relações Sociais, Família, Solidariedade e Cidades[21], quando a suspensão do contrato não oferecer qualquer benefício para o empregado (p. ex.: licença não remunerada), não existem impedimentos para que se realize a ruptura convencional.
Contudo, há alguns casos de suspensão do contrato de trabalho por tempo indeterminado em que a ruptura convencional não pode ser pactuada entre as partes. Como exemplo destes casos, cita-se a suspensão contratual em decorrência da licença maternidade ou em decorrência de acidente de trabalho ou doença profissional.
Importante ainda mencionar que a ruptura convencional e seus procedimentos não são aplicáveis quando já houver, em virtude de lei ou convenção coletiva, dispositivos que tenham por objetivo garantir e organizar o livre consentimento dos empregados e proteger os seus direitos.
Por fim, cabe destacar que a utilização da ruptura convencional não pode ter como escopo burlar as garantias previstas para os casos de dispensas econômicas ou coletivas.
4.As partes da ruptura convencional
As partes que celebram o termo de ruptura convencional do contrato de trabalho por tempo indeterminado são o empregador e o empregado. Contudo, existem algumas situações peculiares que merecem um exame mais detido para se verificar a aplicação do instituto em tela.
O empregado francês que trabalha para uma empresa estrangeira na França pode utilizar a ruptura convencional, uma vez que se aplicam as regras de direito do trabalho francês. Há, neste caso, aplicação do princípio da “lex loci executionis”[22].
Nos casos de contrato de aprendizagem, não se pode falar em aplicação da ruptura convencional, dado que esta espécie contratual não é por prazo indeterminado.
Os advogados empregados podem optar pela ruptura convencional do contrato de trabalho por prazo indeterminado, sendo que a homologação deve ser apresentada ao DDTEFP. Contudo, em caso de litígio judicial oriundo deste rompimento, o mesmo deve ser apreciado pelo Bâtonnier[23].
Para os médicos do trabalho, caso haja opção pela ruptura convencional, deve-se seguir o procedimento aplicado aos empregados estáveis.
Finalmente, nos casos de empregados idosos estáveis por quaisquer motivos, deve-se observar o procedimento destinado aos empregados estáveis e a aplicação dos dispositivos legais que versam sobre os delegados sindicais idosos, no art. L 2411-3 e seguintes.
5.Assistência
A necessidade de assistência para a realização da ruptura convencional do contrato de trabalho por tempo indeterminado está prevista no art. L1237-12, onde se coloca que as partes terão um ou vários assistentes no curso do rompimento contratual.
A primeira previsão estabelece que a assistência pode ser realizada por uma pessoa da escolha do empregado, que pertença ao quadro de empregados da empresa e seja titular de um mandato sindical ou membro de uma instituição representativa destes empregados[24].
A segunda previsão coloca que o empregado, na ausência de instituição representativa dos empregados na empresa, pode optar por um conselheiro um dos nomes indicados por uma lista elaborada pela autoridade administrativa[25].
O empregador tem direito à assistência de um ou vários auxiliares, se o empregado tiver optado pelo auxílio. O empregado deve informar o empregador, assim que decidir, que será assistido. O empregador, desejando igualmente de assistência, deve, então, comunicar o empregado da sua decisão[26]. Esta previsão foi criticada por Gaudu, quando o mesmo afirma que a possibilidade de assistência nos casos de ruptura convencional pode apenas ser utilizada por empresas que tenham serviços jurídicos à sua disposição, ou seja, as grandes empresas[27], fazendo com que as pequenas e médias empresas fiquem desamparadas nestas situações.
O empregador pode ser assistido por uma pessoa de sua escolha que pertença ao quadro de sua empresa ou, em casos de empresas com menos de cinqüenta empregados, por uma pessoa da organização sindical da qual é filiado ou por um outro empregador relevante e que seja do mesmo ramo da atividade econômica[28].
O suporte conferido pelo assistente ao empregado ocorre em conformidade com as condições de direito comum ao tema. Assim, o máximo de participação que o assistente pode ter é de 15 (quinze) horas por mês, sendo que este período resta como crédito para o assistente.
Os valores gastos para deslocamento devem ser reembolsados ao assistente e o número de intervenções a favor do empregado deve ser de ao menos quatro.
6. Procedimento administrativo
O pedido de homologação da ruptura convencional do contrato de trabalho por tempo indeterminado deve observar algumas formalidades para que seja dotado de validade. A seguir, serão enumerados os elementos para tanto.
No tocante às informações relativas às partes que firmam a ruptura convencional, cabe destacar a necessidade de pelo menos um assistente preparatório, não havendo formalidades legais para constituí-lo e, no preenchimento do formulário, todas as informações sobre o mesmo devem ser fornecidas (nome, sobrenome, qualidade – se membro do conselho de empresa, delegado sindical, etc).
No curso das discussões que precedem à ruptura convencional do contrato de trabalho por tempo indeterminado, para garantir o livre consentimento do empregado, é imprescindível que este saiba que pode coletar informações e opiniões acerca da sua situação, para que sua decisão seja a mais consciente possível.
É importante que a data de ruptura seja fixada no termo celebrado entre as partes[29] (conforme prevê o art. L1237-13) e que cada parte coloque, de forma manuscrita, a data, assinatura e escreva “lido e aprovado” no termo de ruptura. As partes ou seus assistentes podem incluir as informações que acharem relevantes no formulário de homologação da ruptura convencional.
A autoridade administrativa responsável por realizar a homologação da ruptura convencional é o DDTEFP. Contudo, ele pode delegar a função para o seu adjunto no âmbito das relações de trabalho, conforme prevê o art. 7º do decreto n. 94-116 de 28 de dezembro de 1994.
As partes podem renunciar ao termo de ruptura nos quinze dias seguintes à sua assinatura, conforme prevê o art. L1237-13 do Código do Trabalho[30]. O prazo[31] se inicia no dia seguinte à assinatura do termo e acaba no décimo quinto dia à meia-noite.
No dia seguinte do fim do prazo de retratação, a parte mais diligente deverá enviar o pedido de homologação para o DDTEFP. Independentemente de quem o faça, recomenda-se que o envio tenha aviso de recebimento, que é o meio mais eficaz para se comprovar o recebimento do mesmo pela autoridade administrativa. O DDTEFP competente é aquele localizado na mesma base territorial do empregador. No caso do DDTEFP receber o pedido de homologação do qual não é competente, deve encaminhar o que assim seja e avisar as partes.
O prazo de instrução, pela autoridade administrativa, do pedido de homologação tem início a partir do recebimento do mesmo. Assim que o DDTEFP recebe a documentação, faz a análise para verificar se conhece ou não do pedido. Esta decisão é tomada tendo em vista a totalidade dos documentos recebidos. O prazo de instrução dos empregados estáveis pode ser prolongado, se houver a necessidade de promover o contraditório no inquérito, em conformidade com o art. R2421-4 do Código do Trabalho.
A autoridade administrativa possui 15 (quinze) dias úteis[32] para conferir se o livre consentimento das partes foi respeitado e se as disposições legais sobre a ruptura convencional foram respeitadas. Findo o prazo, caso as partes não sejam notificadas, a homologação é tida como concedida, de acordo com o art. L1237-14 do Código do Trabalho[33].
A validade do termo de ruptura ocorre com a verificação realizada pelo DDTEFP. O controle da autoridade administrativa sobre o pedido de homologação deve verificar a existência do livre consentimento das partes e do conteúdo do acordo, que não pode dispor abaixo dos parâmetros legais (p. ex.: o valor da indenização, que não pode ser inferior à paga na dispensa, prevista no art. L 1234-9 do Código do Trabalho).
As decisões tomadas pelo DDTEFP podem ocorrer de duas formas: (i) explícita: a autoridade administrativa decide e notifica as partes do conteúdo da decisão. (ii) implícita: transcorrido o prazo de manifestação da autoridade administrativa após o recebimento do pedido, se a mesma não se manifestar, considera-se como realizada a homologação. Quando há rejeição do pedido de homologação, este deve ser motivado, demonstrando as razões que levaram o DDTEFP a tomar esta decisão.
7. A ruptura
A opção pela ruptura convencional do contrato de trabalho por tempo indeterminado não exige o cumprimento de qualquer aviso prévio. Entretanto, as partes possuem a faculdade de prever uma data de ruptura que seja conveniente para ambas. Neste caso, as partes devem necessariamente levar em consideração o prazo necessário para o DDTEFP se manifestar.
Importante colocar que durante o período de andamento do procedimento para a homologação da ruptura convencional, a situação jurídica do empregado demanda que continuem a ser aplicadas as regras contidas no contrato de trabalho até o pronunciamento final da autoridade administrativa, ou seja, até a aquiescência do DDTEFP, os direitos e obrigações oriundos da relação de emprego devem ser respeitados.
Além disso, as partes poderão estabelecer um prazo entre a homologação da ruptura e a caracterização efetiva da mesma. Neste período, continuam a vigorar as regras de direito comum. Cabe destacar aqui que para a homologação produzir efeitos, todos os créditos dos empregados devem ser quitados.
A indenização decorrente da ruptura convencional leva em conta os salários recebidos pelo empregado nos últimos doze meses e cabe a ele verificar se os valores foram informados corretamente para a autoridade administrativa no preenchimento dos formulários. A base de cálculo, que é a mesma utilizada para o cálculo das indenizações por dispensa, é a média dos últimos doze ou treze salários brutos.
No caso de empregados que utilizarem da ruptura convencional sem possuir um ano de trabalho, a indenização é calculada proporcionalmente ao número de meses trabalhados. Apesar da lei de modernização do mercado de trabalho se referir à indenização por dispensa como o mínimo para a ruptura convencional, não estabelece os meios para definir as condições para tanto.
Finalmente, feitas as considerações, pode-se considerar o contrato de trabalho extinto pela ruptura convencional no dia seguinte após a notificação de aceitação da homologação, ou em caso de silêncio do DDTEFP, após o prazo de instrução dos quinze dias úteis após a recepção da demanda pela autoridade administrativa.