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A Súmula Vinculante nº 11 do STF: uma visão à luz da teoria da justiça de Rawls

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20/10/2012 às 16:00
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V – CONCLUSÃO

O processo natural de acomodação de uma democracia jovem como a nossa implica certamente amplos debates e questionamentos sobre instituições, política e as relações Estado X instituições X direitos fundamentais, e desses com a sociedade. As decisões judiciais, especialmente aquelas que transcendem das relações intra-partes, são essenciais nesse processo, assim como levar em consideração a própria sociedade.

Se na concepção liberal que pretensamente é adotada no Brasil há uma prevalência dos direitos fundamentais, é necessário balizá-los dentro de uma concepção de justiça que considere, com critérios, as liberdades e a igualdade. Rawls oferece tais critérios, que podem não ser os melhores e não são os únicos, mas certamente são melhores que critérios puramente intuicionistas, largamente utilizados nas fundamentações de decisões importantes.

Essencialmente é preciso considerar que a sociedade tem valores que coincidem com as liberdades expressas na Constituição, a exemplo da segurança pública e paz social. E tais valores não podem ser desprezados em nome dos direitos fundamentais individuais pura e simplesmente, mas devem sim ser objeto de criterioso cotejo e diálogo, uma vez que fazem parte de um sistema, de um todo composto por Estado, sociedade e indivíduos.

A decisão examinada careceu de critérios claros e de fundamentação coerente com alguma concepção de justiça, tendo de fato decorrido de um intuicionismo com prevalência absoluta de direitos fundamentais individuais, com prejuízo de outras liberdades e valores que não mereciam, nesta hipótese, terem sido desprezados sem sequer serem analisados. Talvez se tais valores fossem efetivamente considerados uma situação desta natureza não teria sido levada ao judiciário, ou pelo menos seria tratada em algum caso específico, dentro de outras circunstâncias.

Ao se exarcebar e conceder uma interpretação extremamente elástica e sem a devida fundamentação a direitos individuais fundamentais o STF abre precedente perigoso para o próprio Estado, que se enfraquece a cada dia, confundindo-se as liberdades originais contra o Estado tirano, formidável conquista iluminista e liberal, com o império do indivíduo lastreado em direitos fundamentais individuais. Tal fato pode levar a uma judicialização sem precedentes de questões, colocando em risco a estrutura estatal e valores coletivos.

Permanece mais atual que nunca o alerta feito por MacIntyre em sua obra After Virtue, de que a justiça como primeira virtude tal como proposto por Aristóteles carece de que haja acordo prático quanto a uma concepção de justiça e uma necessária base em termos de comunidade política, sem o que fica ameaçada a própria sociedade (MACINTYRE, 2001, p.409).


BIBLIOGRAFIA

BRASIL. (2008), Supremo Tribunal Federal. DJe n.º214/2008. Disponível em http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/jurisprudenciaSumulaVinculante/anexo/DJE_11.11.2008.pdf, acessado em 15.06.2011.

BUCHANAN. Allen E. (1989), “Assessing the Communitarian Critique of Liberalism.” Ethics 99, n.º 4: 852-82.

GARGARELLA. Roberto. (2008), As Teorias da Justiça Depois de Rawls: Um Breve Manual de Filosofia Política. Martins Fontes, São Paulo, 1ª Edição.

MACINTYRE. Alasdair. (2001), Depois da Virtude. EDUSC, Bauru/SP, 2ª Edição.

RAWLS. John. (2008) Uma Teoria da Justiça. Martins Fontes, São Paulo, 3ª Edição.

SANDEL. Michael J. (2005), O Liberalismo e os Limites da Justiça. Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 2ª Edição.

TAYLOR, Charles. (1992)"Atomism." In Communitarianism and Individualism, edited by Shlomo Avineri and Avner De-Shalit, 29-50. Oxford [England] ; New York: Oxford University Press._______________. (1984), "Hegel: History and Politics." In Liberalism and Its Critics, edited by Michael J. Sandel, 177-99. New York: New York University Press. 

WOLFF. Jonathan. (2004), Introdução a Filosofia Política. Gradiva, Lisboa, 1ª Edição.


Notas

[2] Vide http://www.conjur.com.br/2008-ago-21/sumula_vinculante_11_supremo_inconstitucional,  http://jus.com.br/revista/texto/11615/sumula-vinculante-no-11 e http://www.polmil.sp.gov.br/unidades/apmbb/pdf/artigo_7.pdf

[3] Vide http://www.conjur.com.br/2008-out-07/advogados_sp_criticam_abusos_operacoes_policiais e http://www.migalhas.com.br/Quentes/17,MI104137,91041-Entrevista+de+Gilmar+Mendes+a+Folha+de+S.Paulo+gera+polemica+e+reacao

[4] Em 2006 o um dos Conselheiros do Tribunal de Contas do Estado de Rondônia foi preso durante a denominada Operação “Dominó” da Polícia Federal e trazido para Brasília a fim de ser ouvido no Superior Tribunal de Justiça. O habeas corpus impetrado visava impedir que este preso fosse conduzido algemado da Superintendência da Polícia Federal no Distrito Federal até a sede do STJ, ao argumento de que o uso de algemas é excepcional e somente caberia nos casos de risco de fuga ou risco a integridade física do preso, dos policiais ou terceiros. 

[5] Sobre esta questão do uso de algemas em presos durante a sessão do Tribunal do Júri, já há muito tempo que se discutia essa necessidade das algemas, refutada pelo STF ante os mesmos direitos e garantias fundamentais invocados para a questão genérica da aplicação das algemas, e com base também no argumento de que o fato de o réu estar algemado passaria a impressão para o juiz leigo, no caso o jurado, de culpa do acusado, com prejuízo ao seu direito de defesa.

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[6] Entre os anos de 2002 e 2009 a Polícia Federal, adotando novas tecnologias, métodos, equipamentos e estratégia de atuação, realizou mais de 1.000 operações de grande porte, segundo a própria PF (fonte: http://www7.pf.gov.br/DCS/). A grande maioria dessas operações foi direcionada a combate a corrupção, fraudes em licitações, lavagem de dinheiro, crimes financeiros, e outros correlatos, atingindo agentes públicos e políticos, além de grandes empresários e personalidades conhecidas do grande público. A repercussão foi imensa, gerando apoio e críticas contundentes e acaloradas.

[7] Esta crítica do Ministro Menezes Direito foi feita em diretamente em relação a denominada Operação Satiagraha, deflagrada em julho de 2008 na cidade de São Paulo/SP, tendo sido presos banqueiros, diretores de bancos e investidores. O então presidente do STF, Ministro Gilmar Mendes, expediu habeas corpus para os presos, o que gerou nova ordem de prisão pelo juiz de primeira instância a pedido do Delegado Protógenes Queiroz. Tal fato, aliado a aplicação de algemas e exposição na mídia dos presos desta operação, acelerou os debates no STF, que logo em seguida expediu a Súmula Vinculante n.º11.

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Sobre o autor
Disney Rosseti

Mestrando em Direito e Política Públicas pelo UniCEUB, foi Diretor da Academia Nacional de Polícia e Superintende da Polícia Federal no Distrito Federal. É professor de Inteligência Policial na Escola Superior de Polícia da Academia Nacional de Polícia. Delegado de Polícia Federal

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROSSETI, Disney. A Súmula Vinculante nº 11 do STF: uma visão à luz da teoria da justiça de Rawls. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3398, 20 out. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/22836. Acesso em: 26 abr. 2024.

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