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A possibilidade de responsabilização internacional do Estado por dano ambiental

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31/10/2012 às 15:55
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3 A RESPONSABILIDADE INTERNACIONAL DO ESTADO POR DANO AMBIENTAL

3.1 CONCEITO DE RESPONSABILIDADE INTERNACIONAL

Como bem elenca Reis (2010), “A responsabilidade pode ser definida como o dever de reparar o dano causado a terceiros, por atos ilícitos culposos ou dolosos”, vislumbrando tal definição no âmbito do direito interno, ele pode ser aplicado no plano internacional, sendo tal responsabilidade um instituto jurídico no qual um Estado que pratica um ato culposo ou doloso, no âmbito do Direito Internacional, prejudicando outro Estado, deve a este uma reparação. 

A definição de para a responsabilidade internacional do Estado é fixada Ramos (2004, p. 74):

[...] a responsabilidade internacional do Estado é uma relação jurídica, qualificada como sendo instituição, princípio geral do direito, obrigação jurídica ou mesmo situação jurídica pela doutrina e jurisprudência, na qual o Direito Internacional justamente reage às violações de suas normas, exigindo a preservação da ordem jurídica vigente.

Não existe autoridade suprema no plano internacional, portanto, os Estados, conjuntamente e em pé de igualdade, são os que editam tais normas, e, devido a esse fato, muitas vezes a reparação pelo ilícito, ainda que configurado, fica inviabilizada, observando Reis (2010, p. 33).

[...] responsabilidade internacional do Estado relaciona-se às consequências que o direito internacional atribui ao descumprimento, por um Estado, de normas de direito internacional a que, em geral, ele próprio se submeteu. O descumprimento de ditas normas, por sua vez, configura, em regra, ilícito internacional.

Conforme elenca Roessing Neto (2006), um Estado pode ser responsabilizado por desobedecer a normas de Direito Internacional, entendendo que tal alegação é inverídica, provavelmente se submeterá a um processo judicial, a ser julgado por um tribunal arbitral, concordando com a alegação, provavelmente tentará solucionar o conflito negociando com o Estado afetado.

Mazzuoli (2004) pontua que o surgimento da teoria moderna da responsabilidade internacional ficou marcado quando, em Jerusalém, nos anos 40, um grupo terrorista assassinou um mediador e um observador franceses, após o estabelecimento do Estado de Israel. Como diversos outros agentes internacionais sofreram severos danos pessoais foi apresentada uma reclamação à ONU, que solicitou um parecer à Corte Internacional de Justiça, que opinou afirmando que a reclamação da organização internacional não poderia ser confundida com a apresentada pelas vítimas, e que a ONU, um sujeito de direito internacional, possuindo personalidade jurídica distinta, detinha o poder de oferecer uma reclamação internacional.

O professor Soares (2003) observa, no entanto, que a Comissão de Direito Internacional da ONU (CDI) já apontava em sua agenda de trabalhos desde 1944 uma programação de estudos de normas que tratassem de responsabilidade internacional do Estado, até que, finalmente em 1955, o Professor Garcia Amador iniciou o estudo tratando, em seis relatórios, de questões relacionadas à responsabilidade dos Estados por danos a pessoas ou bens estrangeiros. Esses trabalhos foram suspensos durante um tempo, devido aos posicionamentos divergentes sobre o tema, que se ateve a apenas tratar dos danos causados a estrangeiros, observando que esses são uma ínfima parte dos casos em que a responsabilidade internacional surge, sendo nomeado, então, em 1963, o relator da Comissão, Professor Robert Ago.

Foi ele quem fixou as bases dos futuros projetos sobre responsabilidade internacional, em oito relatórios, sendo estes aceitos pela CDI, constituindo a primeira parte do projeto sobre responsabilidade internacional dos Estados. Outros sete relatórios foram apresentados pelo substituto de Robert Ago, Willem Riphagen, que examinou a segunda e terceira partes do projeto original, redigindo os cinco primeiros artigos da segunda parte, também adotados pela CDI. Depois, seu substituto, Gaetano Aranjo-Ruiz redigiu os arts. 6º a 14 da segunda parte do projeto, que foram aprovados, outros seis artigos e um projeto para a terceira parte, que a CDI não examinou.

Em 1996, James Crawford, novo relator, redigiu o texto do primeiro projeto de convenção internacional sobre responsabilidade internacional do Estado, acrescentando as partes faltantes e sendo aprovado na 48ª sessão da CDI, contando o projeto com 58 artigos que elencam desde o nascimento da responsabilidade, até seus elementos e formas de exoneração, bem como formas e graus da responsabilidade internacional do Estado, a implementação da responsabilidade internacional observando a aplicação de sanções e dispositivos em geral, sendo que, no caso da responsabilidade internacional por danos causados por atos não proibidos, a CDI a tem em sua agenda como tema prioritário, resultando de tal agenda uma proposta sobre o assunto com 33 artigos.

É importante frisar, no entanto, que o projeto que fala especificamente sobre a responsabilidade internacional do Estado por ato lícito foi aprovado em 2001, dependendo, porém de assinaturas e adesões.

Atualmente, verifica-se a tendência progressiva de certa restrição da faculdade do Estado ofendido em aplicar unilateralmente medidas repressivas ao Estado ofensor, incentivando a aplicação de sanções de natureza econômicas à infrações mais leves, observando que tal tendência se justifica na cooperação contemporânea entre os Estados, os quais buscam juntos, paz e desenvolvimento de todos, objetivos os que não estariam em harmonia com sanções impostas por Estados, unilateralmente. Sendo assim, para se pedir reparação, em regra deve existir a aplicação de uma sanção, a ser evitada pelo Estado ofensor, se este, justa e adequadamente, reparar o dano.

De fato, ainda hoje é frágil a existência da responsabilidade internacional do Estado, devido à ausência de um poder central na sociedade internacional além de organismos de atuação estatal mais eficazes. No entanto, é um meio essencial para a reparação de danos suportados por um Estado devido a ações executadas por outro, tendo o intuito de compelir os Estados a cumprirem compromissos internacionais e reparação justa àquele prejudicado.

3.2 CARACTERÍSTICAS DA RESPONSABILIDADE INTERNACIONAL DO ESTADO

Conforme pesquisado, a responsabilidade internacional dos entes estatais tem em seu fundamento básico, a vinculação deles à efetiva realização dos compromissos assumidos no plano internacional, tendo como objetivo principal a reparação de um dano causado por um Estado, em função de um ato ilícito praticado por este, contra outro.

De acordo com Reis (2010), a CDI fundamentou a caracterização da responsabilidade nos conceitos de normas primárias e secundárias, sendo que as normas primárias são formadas por obrigações de direito internacional que sendo descumpridas, geram obrigações de reparação ou aplicação de sanções, formando esta a obrigação secundária, observando que o sentido final da obrigação secundária é o de substituir a obrigação primária, ou seja, reparar os danos causados ou a aplicação de pena que inibe o Estado infrator a se precaver e não cometer o ato novamente.

Tal posição, no entanto, é oposta ao posicionamento de Kelsen (1987) que discorda do conceito de normas primárias e secundárias, entendendo que a noção de regra jurídica é vista como um princípio operante de conexão de um ato de coerção a uma situação material, sendo assim, a consequência jurídica será única, somente a sanção, conforme Kelsen (1987, p. 128):

Se o Direito é concebido como ordem coercitiva, uma conduta apenas pode ser considerada como objetivamente prescrita pelo Direito e, portanto, como conteúdo de um dever jurídico, se uma norma jurídica liga à conduta oposta um ato coercitivo como sanção. [...]. A afirmação de que um indivíduo é juridicamente obrigado a uma determinada conduta é idêntica à afirmação: uma norma jurídica prescreve uma determinada conduta ligando à conduta oposta um ato coercitivo como sanção.

Ainda segundo Reis (2010), em relação às obrigações secundárias, existem três posicionamentos doutrinários diversos. Enquanto a doutrina clássica considera que o descumprimento da obrigação primária gera a obrigação de reparação pelos danos causados, outra corrente se ampara na possibilidade de adoção, pelo Estado lesado, de medidas coercitivas a fim de obter o cumprimento da obrigação, enquanto uma terceira corrente defende que a violação de uma obrigação internacional dá origem ao direito do Estado ofendido obter reparação ou impingir uma punição.

Na atualidade, a tendência do direito internacional é restringir o direito do Estado ofendido em escolher sanções, emergindo o entendimento de que a reparação preceda a sanção, ainda que esta seja, teoricamente, permitida.

Além dessas, uma das principais características da responsabilidade internacional do Estado é que ela se opera sempre de Estado para Estado, ainda que a vítima seja um indivíduo ou o ato causador do dano tenha sido praticado por uma pessoa, sendo necessário que o Estado da vítima endosse a reclamação, e, por meio desse endosso, o Estado se torna parte da lide, substituindo o indivíduo.

Necessário frisar-se que, com a projeção da proteção internacional dos direitos humanos, entre os quais se insere o direito ao meio ambiente, existe uma disposição cada vez maior de acesso do indivíduo sem intervenção estatal às cortes

internacionais, observando Reis (2010, p. 45):

[...] a liberação do acesso do indivíduo às cortes internacionais sem necessidade de endosso do Estado favorecerá em muito a proteção do meio ambiente, na medida em que este é considerado um direito humano fundamental e o livre acesso do indivíduo para reclamar sua proteção evita a ocorrência de entraves burocráticos e políticos [...]

Ressaltando tal evolução, Soares (2003) adiciona que a possibilidade do desaparecimento da necessidade de endosso estatal para que a reclamação do indivíduo chegue às cortes ou tribunais arbitrais internacionais é real, corroborada por exemplos como o direito dos indivíduos na Comunidade Europeia reclamarem diretamente à Corte da Comunidade pedindo anulação de medidas tomadas pela Comunidade Europeia que contrariem seus direitos, entre outros.

3.2.1 Proteção Diplomática

Conforme exposto, o individuo não possui personalidade jurídica para propor reclamação internacional, portanto é necessário que o Estado endosse sua reclamação, tornando-se parte na lide. Por meio da proteção diplomática, o Estado endossa a reclamação de seu nacional, vítima do dano provocado por Estado estrangeiro, objetivando obter uma reparação.

Tal endosso dá controle ao Estado para que se torne responsável pela ação, à revelia do particular lesado, devendo a indenização que porventura sobrevier da lide pertencer ao Estado, podendo, no entanto, haver normas de direito interno que legislem sobre um ressarcimento ao indivíduo.

Apesar de ser facultativo aos indivíduos o pedido de proteção diplomática do Estado, eles não possuem o direito à sua aquisição. A concessão ou não de tal endosso é um ato discricionário do Estado, que pode negar ou conceder a proteção, além de poder concedê-la à revelia do indivíduo, sem necessidade de pedido, como por exemplo, se um cônsul ou diplomata tem notícia de lesão do direito de algum nacional do Estado que representa, costuma agir à revelia da vítima, sem precisar que esta requeira a proteção do Estado, agindo de imediato.

Para que ocorra o endosso do Estado a um pedido de algum nacional, é necessário que ele seja pessoa física ou jurídica do Estado reclamante, que tenha esgotado todos os recursos internos possíveis e disponíveis para a garantia de seus direitos e não ter agido com culpa ou colaborado para o evento danoso. Tal medida é necessária para uma proteção maior das relações jurídicas internacionais, conferindo ao nacional o direito de interpor uma reclamação com o intuito de reparar o dano em seu próprio ordenamento jurídico, evitando assim, uma imediata interposição de reclamação internacional, que pode ser desgastante para as relações entre os Estados.

Em relação à matéria de meio ambiente, Reis (2010) afirma que a flexibilização da regra do esgotamento dos recursos internos pode ocorrer em alguns casos, como por exemplo, quando os recursos internos do Estado se mostrem inoperantes, inacessíveis ou flagrantemente falhos ao sujeito lesado, ficando em casos assim, permitido ingresso com a reclamação via diplomática. Nesses casos, existe um artigo na Convenção sobre Responsabilidade Internacional por Danos Causados por Objetos Espaciais, que garante aos Estados o direito de apresentar pedido de indenização sem que se esgotem previamente os recursos jurídicos locais para tal satisfação.

Quanto ao quesito relacionado à nacionalidade da vítima, como dito anteriormente, em regra geral deve ser pessoa física ou jurídica nacional do Estado  reclamante, e em caso de polipatria, quaisquer dos Estados de que seja nacional poderá proporcionar-lhe proteção, ficando, porém, prejudicada a proteção diplomática nos casos em que a vítima seja nacional tanto do reclamante quanto do reclamado.

Reis (2010) também observa que nos casos de poluição transfronteiriça, se um particular sofre um dano cuja origem é a poluição proveniente de um Estado estrangeiro, não deverá necessariamente ter a nacionalidade do Estado reclamante, devendo o Estado intervir para fazer valer sua competência territorial que porventura tenha sido violada por atos de poluição de outro Estado, devendo o critério dominante ser o territorial, justificando a intervenção do Estado reclamante mesmo quando os danos prejudicarem pessoas ou bens de outros que não sejam seus nacionais, justificando-se tal afirmativa pelo fundamento da defesa da soberania do Estado em seu território.

Em decisões na jurisprudência internacional, tal excepcionalidade prevaleceu como no Caso Nottebohm (Liechetenstein versus Guatemala), no qual, em uma representação a Guatemala não reconhecia a naturalidade do indivíduo que fez a reclamação, sendo vencida pelo fato da Corte reconhecer a naturalidade do indivíduo, e sua legitimidade para apresentar a ação.

3.3 ELEMENTOS DA RESPONSABILIDADE INTERNACIONAL

Na doutrina, não existem divergências quanto ao ilícito internacional e o nexo de causalidade entre o ilícito praticado e o ente estatal serem os elementos constitutivos da responsabilidade internacional do Estado. Porém, quanto à necessidade de ocorrência do dano, diverge-se no que se refere ao fato de o dano ser ou não elemento do ilícito.

3.3.1 Ato ilícito

Conforme explana Reis (2010), o ato ilícito se constitui da violação a uma norma de direito internacional, seja por meio de ação ou de omissão, caracterizando-se como a violação de uma obrigação internacional, gerando o direito de reparação ao Estado ofendido ou que este impinja sanções ao Estado infrator, sendo constituído por um elemento objetivo, a conduta e um elemento subjetivo, a atribuição da conduta a um sujeito de direito internacional.

Nem todo ato contrário a uma regra de direito internacional, no entanto, configura ato contrário ao direito, havendo excepcionalidades em que sua violação não ocasiona a existência de um fato ilícito, como, por exemplo, havendo um Estado assinado o Ato de Berlim, no qual estipula que a ocupação de um território nulo situado na costa da África, somente permite a aquisição da soberania se esta é notificada às potências, deixa de fazer esta notificação ao ocupar o território. O Estado em questão violou o Ato de Berlim, mas a ação não desencadeia uma responsabilidade internacional, deixando de produzir consequências jurídicas, não sendo um injurídico internacional.

Em relação à conduta, Reis (2010) também elenca que, geralmente a simples violação de regras jurídicas internacionais configura o ato ilícito, porém, existem ocasiões em que é necessário um elemento ligado à conduta por um nexo de causalidade.

Nota-se, porém que o conceito de ato ilícito no plano internacional não é o mesmo no direito interno, sendo assim, o que pode ser considerado ilícito internacionalmente falando, poderá ser um ato lícito no direito interno, pois, com base na concepção de ato ilícito conforme o qual a ilicitude dele é uma característica jurídica definida de acordo com certo ordenamento, são as regras de direito internacional que classificarão um ato como lícito ou ilícito, portanto a ilicitude de um ato não é a principal característica dele, mas sim a qualificação jurídica que é dada por certo ordenamento, sendo assim as normas jurídicas de certo direito interno e as internacionais podem considerar o ato como ilícito ou lícito, diferentemente, elencando Reis (2010, p. 51):

Observe-se também que, embora a ilicitude possa ocorrer com relação a quaisquer das fontes de direito internacional, em geral, a violação ocorre com relação a normas costumeiras e princípios gerais, em que ao contrário dos tratados, não existem normas escritas que diminuam as possibilidades de controvérsias.

Existem ainda atos que, mesmo considerados lícitos no plano internacional, são passíveis de gerar responsabilidade, como a utilização pacífica da energia nucelar, testes nucleares ou poluição marítima. Nesses casos, é considerada a responsabilidade por risco, pois o dano, apesar de não estar presente, há o risco de sua concretização, valendo observar que, em casos como esses, a atividade em si é lícita, e não gera a responsabilização do Estado, o que a gera é a forte possibilidade de ocorrência ou a ocorrência de danos a outros Estados.

3.3.2 Responsabilidade por abuso de direito

Conforme apresentado anteriormente, a responsabilidade internacional tem origem na realização de um ato ilícito, e até mesmo no exercício de atividades lícitas que, de alguma forma, ofereçam riscos a outros Estados. No entanto, a doutrina também discute a possibilidade do direito internacional reconhecer a responsabilidade por abuso de direito, uma norma que é clássica em alguns desdobramentos de direito interno.

Apesar de teoricamente se vislumbrar aplicável no plano internacional, o estabelecimento da certeza de que houve uso abusivo de um direito quando não existem regras provindas de uma autoridade central é muito difícil, ainda mais quando os agentes submissos ao estabelecimento ou não da responsabilidade são os próprios Estados.

Acciolly e Silva (2002) apontam sabiamente que “o que caracteriza abuso de direito é, precisamente, o referido exercício abusivo das competências possuídas pelo Estado”, aludindo que o que se considera ilícito não são os atos dos Estados realizados dentro de seus territórios que seriam fonte de responsabilidade do Estado, mas seu exercício despótico

A admissão de responsabilidade por abuso de direito no âmbito do direito internacional se encontra na existência ou não de uma regra primária de dele que limite o exercício de direitos pelo Estado, proibindo seu uso abusivo, sendo que, reconhecida esta regra, a responsabilidade surgirá da violação da regra primária, que limita o exercício de direitos pelo Estado, e não do uso abusivo do direito propriamente dito.

No cenário atual do direito internacional, conforme Reis (2010) expõe, é de se observar a existência maior de tratados multilaterais que estabeleçam direitos e deveres entre os atores internacionais, além do fortalecimento de alguns blocos, como, por exemplo, o aparecimento da União Europeia, a teoria do abuso do direito é extremamente aplicável.

3.3.3 Nexo causal ou de imputabilidade

Conforme elenca Reis (2010), o nexo de causalidade ou imputabilidade é “o vínculo jurídico que liga o ilícito ao seu causador”.

Conforme exposto anteriormente, o ilícito é composto de um elemento objetivo, que pode ser caracterizado pela conduta, e de um elemento subjetivo, que pode ser caracterizado na existência de um sujeito de direito internacional a quem tal conduta possa ser atribuída.

No direito interno, para que exista atribuição da conduta é necessária a presença de sujeito capaz, a realização material do elemento objetivo do delito por meio de conduta omissiva ou comissiva e a existência de uma “culpa”, a qual está relacionada entre o dano a um direito subjetivo e o causador do dano. O elemento culpa é obviamente um elemento puramente psicológico, portanto, complexa é a abordagem ao se falar em culpa quando o causador do dano é uma entidade abstrata, um sujeito de direito internacional.

No entanto, ao abordar tal assunto, Mello (1994) esclarece que o alcance da imputabilidade está diretamente ligado ao conceito de soberania estatal, portanto, o Estado deve e pode responder por alguns atos como soberano, uma vez que os atos estejam diretamente ligados a sua soberania, como nos casos em que o Estado permitiu ou não reprimiu a prática de algum ato que levou a ocasionar o dano.

Portanto, a noção de culpa, apesar de ter características psicológicas, não se funda na atitude psicológica do Estado que descumpriu a obrigação jurídica, ela se funda na transgressão da norma em si, e tal transgressão para que tenha como responsável o Estado, obrigatoriamente deverá ser a sequela de uma culpa ou negligência que ofendam uma obrigação internacional. Conforme bem elenca Accioly (1961) “[...] resulta, naturalmente, de ato ou omissão que possa ser atribuído ao Estado, em virtude de seu comportamento”. Devido a tal conflito e complexidade da atribuição de culpa ao Estado, o projeto da CDI não utiliza a expressão culpa.

É extremamente importante a exclusão da culpa pelo projeto da CDI, pois, tal medida representa um avanço na luta pela proteção dos direitos individuais. Apesar de ainda não estar concretizado, o projeto representa o pensamento de renomados juristas quanto aos princípios e regras gerais da responsabilidade do Estado e a evolução de tal pensamento em relação ao Direito Internacional, pois, enquanto no campo do direito interno a aferição de culpa não representa perigo à noção de igualdade entre as partes, no âmbito do direito internacional, a aferição de culpa quando se fala de apurar a responsabilidade de Estados, não existe igualdade, pois tal figura não existe entre eles, e, quando se observa a responsabilidade internacional, especialmente quando ela está relacionada ao meio ambiente, os interesses em jogo não são somente o de particulares do direito interno, mas, muitas vezes, o de toda a comunidade internacional.

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Ainda abordando o tema, Reis (2010) aponta que “para que haja a responsabilidade internacional, o ato ilícito deve ser imputado ao Estado na condição de sujeito de direito internacional”. Tal posicionamento se fixa na idéia de que, para que haja imputabilidade, é necessário também que o ato ilícito seja atribuído ao Estado na condição de sujeito de direito internacional, notando que, atualmente a personalidade jurídica é reconhecida pelas organizações internacionais, e pode-se imputar a elas eventual ilícito internacional.

Porém, o Estado é definitivamente responsável pelos atos de seus funcionários, ainda que o órgão estatal tenha agido em desobediência a ordens do Estado, pois este não pode invocar elementos de seu direito interno para aferir a imputabilidade de ações das quais seria responsável a personalidade de direito interno, quando o próprio Estado deve ser condizente às suas responsabilidades na comunidade internacional.

3.3.4 Dano

O dano, tanto moral quanto material, pode ser consequência ou resultado da ação ou omissão do Estado, é um elemento que tem gerado grande discussão doutrinária e jurisprudencial, tal discussão se centraliza na necessidade ou não de se ter dano na responsabilidade internacional.

O projeto da CDI sobre responsabilidade internacional do Estado por atos ilícitos adotou o posicionamento de que toda transgressão a um acordo internacional ou direito subjetivo estatal em si já representa dano material ou moral, de tal forma que, ainda que a extensão do dano causado seja um elemento central para aferir o valor da reparação, ele não é uma condição para que se caracterize o ilícito.

Não incluir o dano como condição para configuração de ilícito internacional, gerou críticas de diversos doutrinadores, como Soares (2003), que considera abstrata em excesso pelo fato de que, se o fato ilícito não gera dano, não se pode falar em reparação, então, sem o elemento do dano, não há que se falar em responsabilidade internacional, já que o próprio elemento é consequência do ilícito, analisando Pereira (2000, p. 95-96).

[...] tendo em vista ser o inadimplemento de uma obrigação internacional um elemento necessário, mas isoladamente sem a demonstração do dano sofrido, não é suficientemente forte para caracterizar um delito internacional. O dano sofrido por um Estado ou por um súdito nacional deste Estado, como estrangeiro, no Estado causador do dano, é sempre um elemento que autoriza a um Estado ou seu súdito em particular, a formular uma reclamação contra o outro.

Para Reis (2010), a CDI, ao não incluir o dano como elemento do ilícito, mesmo assim abrange as situações em que a transgressão da norma internacional mesmo que não tenha sequela patrimoniais diretas, ocasionem dano moral. Como por exemplo, no caso de questões ambientais, quando um Estado não implementa medidas de proteção ambiental previstas em convenção ou tratado internacional, sua não implementação, em um primeiro momento, não acarreta nenhum dano material, porém, no entanto, pode ocasionar dano moral, ensejando a responsabilização estatal.

É importante lembrar, no entanto que o simples acontecimento do dano não configura o desencadeamento da responsabilidade estatal se tal dano não é derivado de conduta ilícita e não está elencado nos casos que envolvem responsabilidade por risco, como por exemplo, aponta Rezek (2007), que quando um Estado proíbe o funcionamento de indústrias poluentes, e tal proibição prejudica danosamente investimentos estrangeiros, apesar do dano econômico, nesse caso a esse Estado um ilícito internacional não poderá ser imputado.

3.4 RESPONSABILIDADE SUBJETIVA

Apesar de ser admitida a responsabilidade do Estado por danos derivados de atos lícitos, a responsabilidade internacional do Estado tem em síntese o fundamento de que será baseada em atos ilícitos, não bastando somente sua prática, mas a existência do elemento volitivo, dolo ou culpa, não sendo o Estado responsável até a comprovação da ocorrência de negligência, imprudência ou dolo para a concretização do dano. Ao incidir tal fundamento, enseja a discussão sobre as responsabilidades objetiva também chamada de teoria do risco e subjetiva, conhecida como teoria da culpa, observando Reis (2010) “o ilícito internacional é composto de um elemento subjetivo e de um elemento objetivo”.

No caso do elemento subjetivo, conforme observa Reis (2010), sua concepção está baseada no entendimento clássico de que não existe responsabilidade sem culpa, sendo o Estado responsável por atos ilícitos dos seus membros deve ele estar relacionado a um sujeito jurídico internacional ao qual se possa atribuir à conduta ilícita, e é necessária, além da ocorrência de infração de uma obrigação ou norma jurídica internacional pelo Estado, a ocorrência de culpa ou dolo, como condição para imputação do ilícito

Dessa forma, a responsabilidade internacional do Estado seria resultado de um ato culposo ou doloso estatal, não bastando a prática do ilícito para configurar a responsabilidade, mas também a comprovação de que o Estado agiu com culpa ou dolo, conforme observa Melo (2000, p. 735).

A Responsabilidade Internacional Subjetiva é o instituto que tem como fato gerador um ato comissivo ou uma abstenção (elemento objetivo), qualificados como ilícitos atribuíveis ao Estado (elemento subjetivo), que são a causa de uma obrigação de reparar [...]

Originariamente, de acordo com Reis (2010), o instituto da responsabilidade internacional baseou-se na noção de culpa como quesito indispensável à responsabilidade por um ilícito internacional, tal quesito prevalece na jurisprudência internacional por oferecer uma maior proteção ao Estado.

Em se tratando de responsabilidade internacional por dano ambiental, é importante frisar que a responsabilidade subjetiva, que, conforme apontado tem como sua principal característica a aferição de culpa, o projeto da CDI sobre responsabilidade internacional dos Estados não incluiu essa expressão em seu artigo 2º, que trata da conceituação do ato ilícito. A CDI optou pelo ponto de vista de que a ação ou omissão do Estado é dado pela norma jurídica, excluindo assim a verificação de eventual elemento psicológico.

A responsabilidade objetiva, que aborda-se posteriormente, tem contínua e frequentemente sido utilizada em alguns casos relacionados ao direito ambiental, como exploração cósmica e energia nuclear, além de, principalmente nos casos de proteção internacional ao meio ambiente, em especial quando o dano decorre de atividades lícitas, mas que oferecem risco ambiental.

Caso relevante e que recentemente colocou em voga a discussão da responsabilidade do estado por dano ambiental, e desta forma, a responsabilidade objetiva ou subjetiva do Estado, foi o litígio em 2007 entre Argentina e Uruguai, no qual existia discórdia referente à decisão de instalação de fábricas de celulose na cidade de Fray Bentos, que está localizada nas margens do rio Uruguai, e que serve de fronteira entre os dois Estados.

A Argentina, receando que a instalação da fábrica tivesse por consequência danos irreparáveis à sua economia e meio ambiente com a poluição provável que seria emitida no rio, levou o conflito à Corte Internacional de Haia, sob o argumento de que o Uruguai violara um tratado bilateral entre os dois países, obrigando a consulta prévia de um ao outro antes de permitir quaisquer obras que afetassem o rio.

Na decisão final, a Corte concluiu que, apesar dos argumentos da Argentina não autorizarem a suspensão da construção das fábricas de celulose, o Uruguai torna-se responsável pelos riscos e danos que derivem da construção de tais fábricas.

O caso relatado tem importância jurídica fundamental no Direito Internacional, principalmente dentro do Direito Internacional Ambiental, pois, com tal decisão, aplicando a responsabilidade por risco ao Uruguai, foram utilizados princípios fundamentais como os da precaução, preservação e proteção ao meio ambiente, que são inerentes ao Direito Ambiental, tornando-se precedente para futuros litígios que envolvam situações parecidas.

3.5 RESPONSABILIDADE OBJETIVA

De toda forma, conforme explana Aquino (2009) ao observar a responsabilidade objetiva do Estado, também conhecida como responsabilidade por risco, atém-se à verificação de que ela é composta pela ocorrência de infração a uma obrigação jurídica internacional, independente da constatação de culpa ou dolo, sendo tal infração a natureza do elemento objetivo do ilícito, constituído por uma conduta, que pode representar uma infração internacional, ou precisar, para que se configure a infração, de um elemento externo conexo a ela por um nexo de causalidade, apontando Soares (2003) que “Consiste na reparação devida em função da prática de um ato lícito, que, embora permitido no Direito Internacional, culmine em prejuízos para outro Estado. O dever de reparar independe de culpa.”

Conforme salienta Reis (2010), a responsabilidade objetiva, ao contrário da subjetiva, não decorre da prática do ato contrário ao direito, ela acaba surgindo dos danos ocasionados pela prática de atos lícitos, não proibidos pelo direito internacional, como por exemplo, a exploração de petróleo.

Soares (2003) observa que tal responsabilidade foi versada primeiramente em uma convenção sobre Responsabilidade Civil contra Terceiros no Campo da Energia

Nuclear, em Paris desde 1960, muito embora outros autores considerem o já mencionado caso da Fundição Trail como a primeira manifestação sobre o tema responsabilidade internacional objetiva dos Estados por dano ambiental.

O autor enumera, no entanto, que é relutante a aplicação da responsabilidade por risco no âmbito da responsabilização internacional dos Estados, posicionamento que é acompanhado por Rezek (2007) “não se admite em direito das gentes uma responsabilidade objetiva, independente da verificação de qualquer procedimento faltoso, exceto em casos especiais”.

Outros autores defendem a eventual responsabilização do Estado, utilizando o critério objetivo, diante da prática de um ilícito e independentemente de elementos internacionais que o regulem, conforme aponta Pereira (2000, p. 107-109):

[...] se houve a efetiva violação de normas tidas e aceitas como direito internacional, causando danos injustos a outrem, o Estado é responsável internacionalmente, sem se apurar o elemento culpa [...], devendo reparar o dano causado. [...] Esta teoria (objetiva), despoja a responsabilidade internacional de todo o elemento subjetivo e se funda exclusivamente no fato de que houve um ferimento às normas lidas e aceitas de direito internacional, juntamente com o fato de que o dano haja sido produzido ou causado efetivamente: e, de que haja um nexo causal entre este dano e o agente que causou. [...]

No entanto, a CDI, apesar de adotar a responsabilidade por risco, ela garante que ela decorrerá somente nos casos em que existam tratados que regulem as situações em questão e que as ações realizadas pelos Estados sejam consideradas lícitas no Direito Internacional, cabendo às ilícitas, a responsabilidade subjetiva.

Conforme consta nos relatórios da CDI, a preclusão da ilicitude do ato não afasta a possibilidade de que o Estado tenha obrigação de reparar o dano ocasionado pelo ato.

A responsabilidade por risco é produto de convenções, que se constituem de matérias específicas, como já apontado anteriormente, danos nucleares, poluição marinha ou danos ocasionados por objetos espaciais, procurando a CDI uma codificação das regras que visam ter um ponto de vista geral, já que a responsabilidade internacional do Estado não é bem sucedida em produzir rapidamente normas que compreendam diversas situações, além de que, a responsabilidade objetiva por atividades lícitas é prevista em tratados específicos, que abordam o tema de responsabilidade por risco.

No caso do Brasil, de acordo com Reis (2010), é seguro afirmar que existe um avanço positivo na responsabilização objetiva do poluidor no âmbito internacional, ainda que somente exista quando prevista em tratados.

Não havendo tal previsão, o sistema adotado, ainda que se trate de dano ao meio ambiente, é a responsabilidade subjetiva, que fica sujeita à análise de culpa, e, apesar da CDI haver excluído culpa como elemento do ilícito, o projeto ainda não se encontra em vigor, não sendo um instrumento obrigatório, prevalecendo internacionalmente a responsabilidade subjetiva, inclusive com o elemento culpa como quesito para configuração do ilícito.

A CDI adotou um Draft[2] de artigos em relação à prevenção de danos transfronteiriços decorrentes de atividades perigosas, tendo por base o conceito de prevenção e minimização de danos que venham a decorrer delas, observando Soares (2003, p.781).

Interessante consignar o posicionamento da CDI no que se refere ao tema da responsabilidade por risco. Relembre-se de que suas funções estatutárias são de propugnar pó ruma codificação [...] e por um desenvolvimento progressivo do Direito Internacional, funções essas que devem ser consideradas com alguma reserva, pois poderiam ser contraditórias, uma vez que a doutrina não tem o mesmo poder jurígeno que os Estados [...]. No caso da responsabilidade subjetiva, sua contribuição tem sido da maior relevância quando mais não fora, no sentido de colocar ordem na situação caótica das normas, na maioria, de origem costumeira e jurisprudencial[...]

Conforme Reis (2010) observa, apesar da jurisprudência contrária, a teoria objetiva definitivamente fornece maior segurança jurídica no campo das relações internacionais, em especial quando se fala de dano ao meio ambiente, ponderando a realidade contemporânea, na qual existe grande complexidade e os eventos são ocasionados por fatores e agentes diversos, colocando grandes empecilhos na averiguação e comprovação de culpa e desta forma, dificultando a reparação do dano.

3.6 EXCLUDENTES DE RESPONSABILIDADE

Existem situações que eximem o Estado de responder pelos danos causados a outros Estados. Essas circunstâncias se dão em casos de legítima defesa, represálias, prescrição liberatória, caso fortuito ou força maior, estado de necessidade, renúncia do indivíduo lesado, consentimento do estado prejudicado e culpa da vítima.

No entanto, apesar disso, abrangendo-se somente o ordenamento jurídico brasileiro, existem divergências doutrinárias sobre a admissão ou não de excludentes de responsabilidade quando se trata de danos ambientais, pois, a doutrina, em sua grande maioria, quando estabeleceu a responsabilidade objetiva por dano ao meio ambiente, tomou como regra a teoria do risco integral.

Por essa teoria, o nexo causal que é composição imprescindível para se configurar a responsabilidade, se estabelece entre a atividade realizada pelo agente e o dano, causado ou possível, motivo pelo qual todas as excludentes que não digam respeito ao nexo causal são afastadas.

Para diversos doutrinadores, ainda o caso fortuito ou força maior não são passíveis de admissão, a não ser que, no caso fortuito, este não tenha absolutamente qualquer relação com a atividade desenvolvida pelo agente poluidor, o que excluiria o próprio nexo causal, no entanto, existe outra corrente de doutrinadores que entendem que, quando se fala em responsabilidade objetiva por dano ambiental, o nexo causal deve levar em conta a conduta do agente e o prejuízo causado, justificando a aceitação de excludentes de ilicitude, observando Reis (2010, p. 66):

[...] ainda que se considere o meio ambiente como bem maior, a não admissão de excludentes em sede de direito internacional, é, a nosso ver, uma situação utópica, a não ser quando expressamente prevista em tratados que estipulem a responsabilidade objetiva. No cenário internacional, os Estados não estão em situação de igualdade, não possuem os mesmos recursos e não estão subordinados a um poder central, o que justifica que tenham suas responsabilidades atenuadas e por vezes, excluídas, dependendo da análise do caso concreto […]

É importante frisar que, apesar de quando se trata de responsabilidade subjetiva, é impossível não aplicar excludentes de ilicitude, porém, o artigo 26 do Draft da CDI, garante que “nada neste capítulo preclui a ilicitude de qualquer ato de um Estado que não esteja em conformidade com uma obrigação advinda de uma norma peremptória de direito internacional geral”.

Assim, considerando-se os princípios gerais das normas internacionais do meio ambiente e o artigo mencionado, para Reis (2010), com a entrada em vigor do Draft, não seriam admitidas excludentes em se tratando de ofensa a qualquer obrigação internacional em relação à proteção ao meio ambiente, e que, enquanto existe a possibilidade de excludente, é indispensável uma análise minuciosa do caso concreto para a aplicação ou não de excludente de ilicitude.

Encontrando fundamento dentro do artigo 51 da Carta da ONU que garante ao Estado seu direito de legítima defesa individual ou coletiva em caso de ataque armado, tratando-se de um princípio aceito universalmente, pressupondo que, no caso de uma agressão injusta contra um membro das nações unidas, havendo uma reação imediata do Estado, elencam Accioly e Silva (2002), que tal reação deverá ser adequada à agressão ou perigo iminente, essa reação pode ser defensiva ou ofensiva, por parte do Estado, contra uma atitude de força, considerada ilícita, praticado por outro Estado ou Organização Internacional.

Ramos (2004) aponta que a doutrina também diverge, ao adentrar neste tópico, no entanto, majoritariamente, considera que o artigo 51 reduziu o uso da legítima defesa somente às hipóteses de ataque armado, no entanto, outra parte, minoritária, da doutrina, considera que tal conceito pode ser ampliado, abrangendo os casos de agressão econômica ou política.

Para o Professor Soares (2003), ao se considerar o desrespeito à proteção ao meio ambiente, ainda que seja consequência de grave violação internacional, não se configuraria ataque armado e não justificaria a legítima defesa, dando o exemplo da Guerra do Golfo, no qual o Conselho de Segurança da ONU, ao autorizar intervenção armada no Iraque, autorizou devido à agressão armada de um país contra um membro da ONU e não devido à poluição cometida pelo Iraque ao poluir as águas do Kuwait ao lançar petróleo no Golfo Pérsico.

Nas palavras de Reis (2010) “A violação do meio ambiente pode ser utilizada como forma de coação ou ameaça, surtindo efeitos tão nocivos quanto os de um ataque armado”, observando que, quando o Iraque poluiu intencionalmente as águas do Golfo Pérsico, prejudicou diretamente o outro Estado, cabendo averiguação da violação ambiental, e se ela teria sido utilizada como outro meio de ameaça, além do ataque armado.

Além da legítima defesa, previstas no artigo 22 do Draft da CDI, essas represálias são atos lícitos praticados como forma de rebater atos ilícitos praticados por um Estado contra outro.

Tem a mesma função da legítima defesa, somente podendo ser utilizada após o Estado ofendido sofrer um ataque, e, conforme Accioly e Silva (2002), a represália deve ser a única forma encontrada pelo Estado para combater o ilícito suportado. Essas medidas seriam ilícitas caso não fossem represálias a outro ilícito praticado, portanto, a excludente só existe se houverem dois Estados em confronto, não podendo ser invocada contra um terceiro Estado que seja eventualmente prejudicado pelo confronto dos outros dois.

Reis (2010) aponta que, ao colocar tal excludente em termos ambientais, “deve-se atentar para o perigo de as contramedidas serem utilizadas a título de reação a uma violação ambiental quando, na verdade, podem mascarar políticas de proteção de mercados”.

Existe também a prescrição liberatória que constitui o silêncio do Estado ofendido em relação ao dano suportado após um grande intervalo de tempo, sendo aceito pela jurisprudência internacional, embora não existam regras claras, inclusive sobre o lapso temporal necessário para que a excludente ocorra.

Em relação ao dano ao meio ambiente, Reis (2010) observa que a excludente deve ter aplicação limitada, afinal, geralmente os efeitos de danos ambientais são sentidos no decorrer do tempo, existindo grandes distancias temporais entre conduta e sequela.

Exemplo prático é o caso dos danos sofridos devido a poluição ou atividade nuclear, cujos efeitos demoram anos, e algumas vezes, décadas, para serem sentidos.

A não consideração de tal excludente dentro do direito internacional do meio ambiente também pode levar em conta o fato do instituto ser considerado direito humano de terceira geração, e, portanto, tem característica de imprescritibilidade, com a capacidade ser reclamada a qualquer tempo.

No Brasil, a doutrina é pacífica ao afirmar que, como o direito ao meio ambiente é direito fundamental, a pretensão à reparação de danos a ele é imprescritível.

No artigo 23 do Draft da CDI, encontra-se o caso fortuito ou força maior, que acontece quando o ilícito ocorre em função de evento que esteja além do controle do

Estado e o impeça de agir de outra forma senão a de causar o dano.

Tal impossibilidade pode ocorrer devido a algum acontecimento natural como inundações, terremotos ou em função da intervenção humana, como nos casos de perda de parte do território ou no caso de revolta armada, que decorram de interferência de um terceiro Estado.

Em relação ao meio ambiente, essa excludente, ainda que se leve em conta as responsabilidades comuns, mas diferenciadas atribuídas aos Estados, conforme elenca Reis (2010), a alegação de crise econômica ou política não justifica o desleixo do Estado em relação a suas obrigações ambientais, e, o próprio artigo 23 exclui a aplicação dessa excludente se a situação de força maior for uma sequela independente ou combinada com outros fatores, de uma conduta estatal que tenha provocado o dano, ou quando o próprio Estado assume o risco.

Outra excludente é o estado de necessidade, prevista no artigo 25 do Draft da CDI, e tal artigo dispõe que o estado de necessidade não pode ser evocado por um Estado como causa de excludente de ilicitude de um ato violador de suas obrigações internacionais, a menos que seja o único meio de resguardar um interesse essencial do Estado contra um perigo iminente e não prejudique interesses essenciais de outro Estado.

É uma excludente que é utilizada apenas em casos excepcionais, pois, diversamente do que ocorre com represálias ou legitima defesa, o estado de necessidade não exige quaisquer atos prévios do Estado ofendido, afetando Estados inocentes.

Apesar da cautela com a qual deve ser aplicada, tal excludente inclusive tem jurisprudência internacional, as quais algumas são citadas no Draft, para melhor compreensão de sua utilização.

Reis (2010) ao comentar a excludente, cita inclusive um caso constante no Draft, diretamente ligado ao meio ambiente, no qual, por trás do interesse ambiental, alegado por essencial, podiam-se vislumbrar interesses econômicos.

O caso da Jurisdição das Peixarias (Fisheries Jurisdiction Case), no qual o Canadá, em 1994, por um ato declarou que os estoques do peixe rodovalho estavam em extinção, e as medidas regulatórias adotadas pela Organização das Peixarias do Atlântico Norte (Nafo) eram ineficientes, resolvendo o Canadá tomar medidas urgentes para a prevenção dos estoques do peixe. Após, interveio contra pesqueiros espanhóis, gerando conflitos com a Espanha e União Europeia, alegando a Espanha que a medida tomada pelo Canadá, de que queria resguardar a preservação dos peixes, não podia ser aceita, já que a Nafo estabelecia tal regulamento prevendo a proteção e o Canadá assinara tal regulamento, pois fazia parte da Convenção.

Existe também a renúncia do indivíduo lesado, que é uma excludente diretamente ligada à proteção diplomática, anteriormente estudada, e significa a renúncia do Estado ofendido à proteção oferecida.

Conforme instrui a doutrina, um particular pode abdicar ao amparo diplomático de seu país em um contrato estabelecido com um governo estrangeiro, dando privilégios ao Estado com o qual contratou, sendo assim, os outros Estados.

Pontuam Accioly e Silva (2002), que essa renúncia é a chamada doutrina Calvo, criada em 1868 por Carlos Calvo, ministro das relações exteriores da Argentina.

De acordo com esse posicionamento, o sujeito pode, em um negócio jurídico, incluir uma cláusula na qual abdica da proteção diplomática de seu Estado patrial, no caso de surgirem discussões quanto ao referido negócio, dessa forma, os Estados estrangeiros deveriam negar proteção diplomática, ainda que requisitado, ao seu nacional, sendo os tribunais locais os únicos com competência para analisar controvérsias no negócio jurídico.

A cláusula Calvo é amplamente criticada por parte da doutrina pelo fato da proteção diplomática ser um direito do Estado e não do indivíduo, que portanto não poderia renunciar a algo que não é seu, porém, a cláusula foi eficaz tanto na prática quanto na jurisprudência internacionais, sendo aplicada em contratos de concessão firmados, nos quais estrangeiros renunciam à proteção diplomática de seus respectivos países, comprometendo-se a se submeter à competência jurídica local, se surgirem complicações em relação aos contratos, quanto à sua execução ou inexecução, explicando Accioly e Silva (2003), que a nulidade da cláusula Calvo pode ser alegada sob o argumento de que “a proteção diplomática constitui, antes, o exercício de um direito e um interesse do Estado reclamante do que um direito ou interesse do seu nacional”.

Além disso, Reis (2010) pontua que parte da doutrina compreende que a proteção diplomática está no campo dos direito individuais disponíveis, podendo, portanto, ser renunciável a qualquer tempo.

Bem como o consentimento do Estado prejudicado, previsto no artigo 20 do Draft da CDI, que é o consentimento válido dado por um Estado a outro, que exclui a ilicitude do ato que venha a causar dano.

Em relação à matéria ambiental, um exemplo clássico é a permissão de um Estado para que o outro realize em seu território, testes nucleares, uma atividade que, isoladamente, já representa risco de dano ambiental.

Reis (2010) aponta que essa excludente deve ser vista com reservas ao ser aplicado em relação ao meio ambiente, pois “questões atinentes ao meio ambiente, na grande maioria das vezes, não se limitam à esfera local, adquirindo dimensões globais”.

De tal forma, ainda que um Estado permita que o outro pratique atos de ilicitude que tenham por consequência a degradação ambiental, não haverá excludente de ilicitude, seja diante do Estado ofendido ou perante a comunidade internacional, quando se tratar de área que tenha importância global.

Por fim, a excludente da culpa da vítima, que, conforme aponta Reis (2010) essa excludente, na qual a responsabilidade do Estado é abrandada ou até mesmo excluída quando o lesado dá causa ao dano que sofreu, não é aplicável ao se abordar questões ambientais, pois a combinação de fatores que levam á deterioração ambiental e do interesse global presente, a quantidade de vítimas e causas prejudicam a aplicação da excludente em questões relacionadas ao meio ambiente.

3.7 A REPARAÇÃO DO DANO

Conforme alhures exposto, ao se verificar a existência de responsabilidade internacional, o Estado ofendido tem direito à reparação do dano por parte do Estado ofensor, conforme aponta Reis (2010), no plano internacional, a reparação do dano pode ocorrer por meios diplomáticos, políticos, jurisdicionais ou por arbitragem, no entanto, na prática, a forma como ocorrerá a reparação depende da natureza e gravidade do dano, das condições econômicas, políticas e sociais tanto do Estado ofendido, como do ofensor.

Em geral, os Estados acordam em reparação monetária, pois, diversas vezes, ainda que a reparação das coisas no estado em que se encontravam seja desejada, tal artifício torna-se impossível, especialmente no caso de dano ambiental, que termina por não recompor o espaço físico afetado satisfatoriamente, portanto, uma reparação monetária visa também um caráter preventivo, que inibiria as atividades de futuras agressões. Em relação à reparação por danos morais, tal pode dar-se por reconhecimento formal do caráter ilícito do ato ou por meio de pedido de desculpas.

A grande questão em relação à reparação do dano é como chegar a uma justa indenização. A doutrina é pacífica sobre o fato de que tal compensação deve ser acrescida de juros de mora, objetivando atingir um montante que compense pelo menos parte da extensão do dano sofrido, senão um todo. Em relação aos lucros cessantes, devido às dificuldades em estimar-se seu montante, jurisprudência e doutrina divergem quanto à sua inclusão.

Para alcançar-se o nível mais próximo de reparação integral do dano, é imperativa a combinação de diversas espécies de reparação.

Constante no Draft da CDI no artigo 30, alínea “a”, a cessação do comportamento ilícito frequentemente é confundida com a restituição em espécie e analisada, e de acordo com Reis (2010) em conjunto com outras formas de reparação, sendo considerada pelo relatório da CDI fora da moldura da reparação em sentido próprio.

Tal entendimento se explica pela diferente função desse instituto, que tem caráter preventivo, além do fato de referir-se ao ilícito em si mesmo e não às suas consequências jurídicas, ao contrário das demais formas em sentido amplo.

Chega-se à conclusão de que, ainda que a cessação tenha influência na reparação em favor do Estado prejudicado, já que o prosseguimento do ato ilícito terá influência direta no alcance dos danos causados, tendo por consequência também influência na quantidade e qualidade da reparação do dano, o instituto estudado neste tópico está diretamente relacionado à preservação da regra primária, que se compõe na obrigação de direito internacional que, uma vez não adimplida dá vazão à obrigação secundária de reparação de dano e aplicação de sanção.

Soares (2003) exemplifica que a cessação do ilícito se igualaria a uma restituição integral a extinção de uma ocupação territorial, mostrando casos em que se poderia cumular um pedido de cessação com pedido de reparação de danos, citando o anteriormente mencionado caso da Fundição Trail, que além de pedirem o fechamento da fábrica que emitia os gases nocivos ou redução de suas atividades, foi requerida indenização pelos danos sofridos.

Dentro da responsabilidade internacional do Estado por dano ambiental, a cessação do comportamento ilícito é mais importante entre os outros remédios, observando os valores de necessidade de cooperação entre os Estados na preservação do meio ambiente, que são o fundamento do Direito Internacional Ambiental, além de obviamente vislumbrar-se um caráter preventivo em relação à sanção devido à inadimplência de uma obrigação internacional relacionada ao meio ambiente, que demonstra um dos principais objetivos das normas internacionais de proteção ambiental, ou seja, evitar o dano impreterivelmente.

É importante ressaltar que a cessação do comportamento ilícito não tem por objeto extinguir as consequências do ato ilícito, seu objeto é o ilícito em si, portanto a obrigação do Estado ofensor de cessar a conduta ilícita e cumprir a regra primária de direito internacional não está ligada a qualquer tipo de reclamação do Estado prejudicado, ou seja, a cessação da conduta não irá abrandar um possível pedido de indenização, por exemplo.

Também, conforme aponta Reis (2010), em alguns casos, além da cessação da conduta, existe a possibilidade de a mesma ação constituir também a restituição em sentido estrito, que será exposta posteriormente.

Localizada na alínea “b” do artigo 30 do Draft da CDI, as seguranças e garantias de não repetição apontam que o Estado responsável por um ilícito internacional tem a obrigação de oferecer as seguranças necessárias e garantias contra a não repetição, se as circunstâncias requererem.

Apontadas por Reis (2010) como propensas a restabelecer a confiança entre os Estados envolvidos no ilícito, estão fundadas na pretensão de continuar a relação, ainda que esta tenha sido afetada pelo dano, sendo requeridas na maioria das vezes, juntamente com a satisfação, visando preservar o futuro de uma relação abalada pelo ilícito.

Aplicando tal modalidade no Direito Ambiental, tais seguranças e garantias de não repetição, são um importante instrumento na reparação do dano, pois garantem que uma obrigação referente ao meio ambiente, ainda que tenha sido violada, não será desobedecida novamente.

A reparação em sentido estrito, também conhecida como stricto sensu ou restitutio in integrum (restituição na íntegra) é uma das formas de reparação em sentido amplo, sendo ela a mais tradicional forma de medida repressiva por infração de uma norma internacional adotada pela doutrina do Direito Internacional das responsabilidades, constando no projeto da CDI. Existem duas correntes doutrinárias que explicam esse tipo de reparação.

Para uma parte, encabeçada por Soares (2003), a restituição em sentido estrito alude o restabelecimento do que existia antes do dano. Para outra corrente, da qual Rezek (2007) compartilha o entendimento, a reparação em sentido estrito é o restabelecimento da situação que existiria se o dano jamais houvesse ocorrido.

Seguir uma ou outra posição é de relevância singular, ao avaliar que a posição que defende a reparação de forma que se restabeleça a situação de forma  a restaurar o ambiente lesado como se o dano não houvesse ocorrido, consideram os lucros cessantes, atribuindo á reparação em sentido estrito uma qualidade compensatória.

Em termos de direito ambiental, como bem elenca Reis (2010), a reparação integral ou não do meio ambiente depende da adoção de uma posição ou outra. É sabido que na maioria das vezes, a simples restituição da situação passada não será suficiente para reparar o dano, já que o meio ambiente está sempre em constante transformação e um dano ambiental, dependendo de suas proporções, poderá interferir permanentemente em alguma situação futura, que não teria ocorrido caso o dano não tivesse acontecido, como por exemplo, no caso de poluição transfronteiriça de rios que cause a morte da fauna. O simples ato de despoluir o rio não irá reparar inteiramente o dano causado, portanto, caberia uma restituição compensatória, nesse caso.

No artigo 35 do projeto da CDI sobre responsabilidade internacional do Estado, a posição adotada é a mais restrita, na qual a restituição consiste em restaurar a situação que existia antes da provocação do dano, desde que tal restauração não seja materialmente impossível e não envolva ônus desproporcional ao benefício advindo da restituição em vez da compensação.

Tal opção por uma posição mais restrita tem a vantagem de concentrar-se na situação real e não em uma situação hipotética do que poderia ter havido caso o dano não houvesse ocorrido. Adotada tal posição, conforme o próprio relatório da CDI, a reparação poderá ser integrada de uma compensação, objetivando atingir uma reparação integral do dano que o ilícito causou.

Todavia, conforme elenca o professor Soares (2003) a jurisprudência adota, conforme a análise de cada caso concreto, uma posição ou outra seja criando a situação que existia antes do dano, restabelecendo a relação original entre as partes ou restabelecendo uma situação que existiria ou teria existido se o dano jamais tivesse ocorrido.

A literatura e doutrina estudadas apontam frequentemente dois exemplos claros de ambas as posições. Na situação de adoção de posição mais restrita, é a decisão da Corte Centro-Americana de Justiça (primeira Corte Internacional de Justiça, que existiu brevemente) em uma disputa entre El Salvador e Nicarágua, na qual os dois Estados entraram em litígio devido ao Tratado de Bryan-Chamorro, firmado entre Estados Unidos e Nicarágua, o qual estabelecia que o governo da Nicarágua concedesse em favor dos Estados Unidos uma área para a instalação de uma base naval, ameaçando a segurança nacional de El Salvador, que também detinha propriedade das águas do Golfo de Fonseca, e seria prejudicado pelo acordo entre os outros dois Estados. El Salvador foi vencedor da disputa, e foi estabelecido que o governo da Nicarágua restabelecesse e mantivesse a situação preexistente entre si e El Salvador antes do tratado. 

O caso da fábrica de Chorzow vem como exemplo prático dentro da responsabilidade internacional do Estado de se restaurar uma situação preexistente, quando Alemanha e Polônia entrarem em litígio, quando a Polônia promoveu a nacionalização da fábrica em questão, cujo capital de ações majoritariamente pertencia à Alemanha. A Corte Internacional de Justiça, em sentença de 13/09/1928, adotou a posição de que a reparação deveria fazer desaparecer todas as implicações do ato ilegítimo, restabelecendo a situação preexistente se o ato praticado pela Polônia não houvesse ocorrido, conforme aponta Soares (2003, p.774):

O princípio essencial que decorre da noção mesma de fato ilícito e que parece se depreender da prática internacional, notadamente da jurisprudência dos tribunais arbitrais, é que a reparação deverá, tanto quanto for possível, apagar todas as consequências do ato ilícito e restabelecer o estado que verossimilmente existiria se dito ato não tivesse sido cometido.

Ainda em relação à restituição em espécie, observa-se que a doutrina ainda distingue em forma de outra modalidade, a restituição material e a restituição jurídica.

A restituição material não apresenta maiores problemas quanto à sua definição. Conforme aponta Reis (2010) “ela se dá com a devolução material do objeto ou o retorno de pessoa ao Estado lesado”.

Esse tipo de restituição se mostra, não raras vezes, praticamente impossível, porém, existem alguns exemplos na jurisprudência, como no caso do Templo de Preah Vihear, no qual as partes adversas eram Tailândia e Camboja, que pleiteavam objetos retirados do templo mencionado pelo primeiro Estado, localizado no segundo Estado, o qual a Corte Internacional de Justiça decidiu em favor do Camboja.

No que concerne à restituição jurídica, conforme também elenca Reis (2010), essa acontece quando a restituição alude na alteração da regra legal do Estado que tenha sido autor, ou das relações jurídicas entre o Estado autor e um ou mais Estados.

Um exemplo claro de restituição jurídica, é o já citado caso da situação entre Nicarágua e El Salvador, pois o reconhecimento do direito de El Salvador implicou em alterações no Tratado de Bryan-Chamorro, estabelecido entre Estados Unidos e Nicarágua.

Em relação ao Direito Internacional Ambiental, Soares (2003) aponta a questão da impossibilidade material da restituição da situação anterior, e que, no caso de uma restituição material, existe a forte probabilidade de não se realizar, fato que não se verifica quando se fala em restituição jurídica. Ao ocorrer um dano irreversível ou o desaparecimento de uma coisa infungível, o que tornará impossível sua restituição, é necessário partir-se para outras formas de reparação, que substituam a coisa danificada ou extinta.

No Direito Internacional Ambiental, esse fenômeno tem consequências ainda mais drásticas, como no caso de, por exemplo, uma poluição constante e pequena, cuja interrupção ou amenização não melhorarão imediatamente seus efeitos na água ou atmosfera de um Estado vizinho, cujo meio ambiente já foi poluído pelas atividades do Estado poluidor, há de ser considerada, portanto, materialmente, uma restituição impossível, dando causa a uma indenização, utilizando-se a modalidade de restituição jurídica.

Prevista no artigo 36 do Draft da CDI, a compensação, conforme aponta Reis (2010) é a forma de reparação mais comum, pois, geralmente é a mais buscada.

A compensação, conforme Soares (2003) é caracterizada por não possuir função punitiva ou aflitiva em relação ao Estado violador de uma obrigação internacional, quando essa função é típica de outras modalidades de reparação do dano. É um ressarcimento no sentido técnico-jurídico, equalizando os valores entre coisas fungíveis, visando somente cobrir os danos materiais diretamente suportados pelo Estado ofendido, sem o intuito de servir como medida punitiva.

A doutrina e jurisprudência são pacíficas quanto à admissão de juros de mora e danos emergentes no valor da indenização pelos danos que o Estado lesado tenha sofrido, compreendidos como danos diretos ao patrimônio, ou seja, os danos gerados por causa da própria lesão. No entanto, existem divergências relacionadas ao pagamento de lucros cessantes, de acordo com as considerações de Soares (2003, p. 770):

Na verdade as dificuldades em conceder os lucros cessantes prendem-se à intricada questão da determinação dos nexos causais entre o dano e o ilícito [...] e a outra menos complexa, da previsibilidade do autor do dano em relação aos resultados danosos à pessoa lesada.

Rezek (2007), no entanto, alega que a indenização justa deve compreender o correlativo ao que no Brasil intitula-se de juros moratórios, que resultam do tempo de espera, pela vítima, do recebimento real do que lhe é devido, compensando também, conforme o caso concreto, os lucros cessantes, não os danos indiretos, que são aqueles relacionados ao dano causado remotamente ou correlato, mas sim aos danos causados que tenham sido resultado imediato e direto do ato ilícito.

Reis (2010) observa que a inclusão dos lucros cessantes deve ser ponderada e analisada conforme o caso concreto, considerando a previsibilidade e o nexo de causalidade entre o dano e o ilícito.

Em relação aos danos ao meio ambiente, tal critério torna-se ainda mais difícil ao se avaliar tal questão, pois, conforme afirma Tessler (2004) o juízo crítico de perdas de ganhos deve ser utilizado nesse caso, pois o dano ambiental pode trazer graves sequelas à saúde humana, e, em função da degradação do meio ambiente, também pode perder-se um negócio. Tal possibilidade pode ser visualizada no exemplo citado anteriormente, do caso do Sr. Poro e da indústria francesa Houillères Du Bassin de Lorraine, proprietário de um restaurante atingido pela poluição da indústria.

Observa-se, conforme bem aponta Reis (2010), que não existe critério totalmente objetivo para avaliação do dano ambiental, e que esta, especialmente quando se trata de bens como o ar e a biodiversidade, é uma tarefa extremamente complexa e difícil, compreendendo que diferentes critérios podem ser acertados para se chegar a uma soma justa, dentro da razoabilidade que se deve ter quando se fala em dano ambiental, verificando-se uma disposição em utilizar rotativa e cumulativamente, a reparação em espécie e a indenização dentro dos limites da reparação do dano.

Também inclusa no projeto da CDI sobre responsabilidade internacional, está prevista no artigo 37, prevendo que o Estado responsável por um ilícito internacional está obrigado a dar satisfação pelo dano causado na medida em que tal satisfação não possa ser realizada por meio de restituição ou compensação, consistindo em um reconhecimento da infração, declaração de pesar, pedido de desculpas formal ou semelhante, não devendo ser desproporcional à ofensa causada e, sem intenção de humilhar o Estado ofensor.

Tal modalidade dá a entender que o dano que lhe dá causa tem raízes de ordem política ou jurídica, apontando o Professor Soares (2003) que alguns doutrinadores consideram que a implicação de uma nomenclatura moral seria imprópria ao se referir a danos sofridos na ordem internacional por um Estado, afirmando ainda que a satisfação é uma das formas mais típicas de reparação quando se fala em dano no Direito Internacional.

Ao se tratar de meio ambiente, conforme aponta Reis (2010), tal modalidade se mostra ter importância política em conjunto com a opinião pública, que ocorre quando um Estado reconhece que cometeu uma infração a uma obrigação internacional, sendo um mecanismo importante, nas palavras de Soares (2003), a publicidade do comportamento perante a comunidade internacional, ainda que exista um pagamento de uma quantia simbólica, que pode parecer ineficaz quando se considera o dano causado, na questão da reparação do dano ambiental, no sistema da responsabilidade internacional subjetiva do Estado, verifica-se a força dos movimentos da opinião pública nacional ou internacional, que podem ser mais eficazes, ponderando os relacionamentos e imagem dos atores internacionais.

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Sobre a autora
Markeline Fernandes Ribeiro

Pós graduada em Advocacia Trabalhista pela Universidade Anhanguera. Pós graduanda em Direito Tributário pela Faculdade Damásio de Jesus. Graduada em Direito pela Universidade Vale do Rio Doce. Advogada com experiência na área de Direito, com ênfase em Direito do Trabalho, atuando principalmente nos seguintes temas: Direito do Empregado, Direito do Empregador e Execuções Trabalhistas. É autora de artigos publicados pelas Revistas L&C (Editora Consulex), Revista do Tribunal Regional do Trabalho 17ª Região e Revista Jus Navigandi.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RIBEIRO, Markeline Fernandes. A possibilidade de responsabilização internacional do Estado por dano ambiental. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3409, 31 out. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/22913. Acesso em: 26 abr. 2024.

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