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A possibilidade de responsabilização internacional do Estado por dano ambiental

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31/10/2012 às 15:55
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4 FONTES DO DIREITO INTERNACIONAL AMBIENTAL

De acordo com Roessing Neto (2006) a classificação tradicional do Direito Internacional pode ser usada para organizar as fontes do Direito Internacional Ambiental, encontradas no artigo 38 do Estatuto da Corte Internacional de Justiça, que são:

a)                              convenções Internacionais (tratados);

b)                             costume internacional;

c)                              decisões judiciais;

d)                             ensinamentos dos doutrinadores qualificados

e)                              princípios gerais do direito reconhecidos pelas nações civilizadas.

Essas fontes tornaram-se, conforme observa Valadão (2003) “estaca conceitual, que serve de base para que a maioria dos doutrinadores elabore suas concepções de fontes do Direito Internacional [...]”.

Além dessas fontes, existe uma discussão sobre se as Resoluções da ONU poderiam ser consideradas fontes do Direito Internacional, especialmente no campo do Direito Internacional Ambiental onde se observa uma intensa propagação da utilização de um instrumento jurídico que é referido como soft laws, que serão abordadas mais adiante, e se tornaram bastante proeminentes, influenciando diretamente no instituto do Direito Internacional Ambiental.

4.1 CONVENÇÕES INTERNACIONAIS (TRATADOS)

Birnie e Boyle (2002) definem os tratados como acordos escritos ou orais, entre organizações internacionais e Estados, regidos pelo Direito Internacional, enquanto outros doutrinadores, como Seitenfus e Ventura (2003), que se referem a eles como acordos concluídos dos quais fazem parte dois ou mais sujeitos membros do Direito Internacional onde tais acordos estão destinados a produzir certos efeitos jurídicos, sendo eles regidos pelo Direito Internacional, bem como outros os consideram regras estabelecidas expressamente reconhecidas pelos Estados que os em questão, conforme elencam Sunkin, Ong e Wight (2001, p. 3):

Regras expressamente estabelecidas reconhecidas pelos Estados em questão, as convenções internacionais ou tratados representam a mais clara forma de obrigação legal entre os Estados. Portanto, vem sido sugerido que a existência de um tratado relacionado a qualquer assunto em particular irá normalmente providenciar uma afirmação mais clara e conclusiva dos direitos e deveres dos Estados-partes para suas relações um com o outro. Tratados geralmente requerem, em adição a sua assinatura, na conclusão das negociações, ratificação pelas partes. No caso de tratados multilaterais, a ratificação por um número mínimo de Estados-partes é frequentemente requerido antes que eles entrem em vigor (ainda assim apenas entre aqueles Estados que o ratificaram). Regras relativas à conclusão, aplicação, interpretação, reserva, alteração, invalidação, suspensão e rescisão dos tratados são encontradas na Convenção de Viena, de 1969 na Lei dos Tratados, a qual codifica e em certos aspectos adiciona ao costume internacional sobre o assunto.[3] [tradução nossa]

Um tanto quanto recentes, os tratados que versam sobre a questão ambiental são sempre polêmicos, e, apesar de as conferências parecerem nunca chegar a um resultado definitivo, sugerindo uma procrastinação dos assuntos mais urgentes e, consequentemente, os que causariam abalo ou perdas para a maioria das estruturas econômicas tanto de países desenvolvidos quanto de países em desenvolvimento, são uma fonte fundamental, pois expressam de forma clara e concisa as obrigações e direitos das partes signatárias.

O mencionado litígio entre Argentina e Uruguai é um exemplo clássico de como os tratados funcionam, e na decisão da Corte Internacional de Justiça que analisou o tratado bilateral entre os dois Estados, que o Uruguai seria responsável pelos riscos e danos derivados da instalação da fábrica em questão, utilizando-se da responsabilidade objetiva como solução demonstra não só a possibilidade da responsabilização internacional estatal pelo dano ambiental causado, como a tendência a utilizar-se da responsabilidade objetiva como meio mais eficaz para decidir litígios relacionados às questões às lesões ao meio ambiente.

Conforme observa Roessing Neto (2006), apesar dos tratados não serem obrigatórios para os países que se recusam a ser parte deles, eles acabam tornando-se um tipo de obrigação moral, e como passar do tempo, ganham status de direito costumeiro, tornando-se, em longo prazo, obrigatórios aos Estados que não eram signatários do tratado desde o início, tal qual expõe-se a seguir.

4.2 COSTUME INTERNACIONAL

Ao analisar o costume internacional, Sunkin, Ong e Wight (2001, p. 4) observam que:

Enquanto são uma significante fonte de obrigações legais internacionais entre Estados em geral, o costume internacional preenche um papel menos significante no direito internacional ambiental. Isso é devido ao fato de que regras de costume geralmente tomam tempo para se desenvolver, e raramente preenchem os requerimentos específicos do direito internacional ambiental. É amplamente aceito que dois primordiais elementos são exigidos a estar presentes no estabelecimento de quaisquer regra de costume internacional. Essas são, primeiramente, o elemento físico, evidenciado por padrão consistente de prática pelos Estados e em segundo, o elemento psicológico de aceitação pelos Estados, nos quais tal ação seja requerida ou permitida por lei,  o chamado critério opinio júris. A presença desses dois elementos, de prática estatal e opinio júris, é suficiente para provar a existência de uma regra vinculante de costume internacional.[4] [tradução nossa]

A definição de costume internacional vem amparada em Seitenfus e Ventura (2003), que o fixam como “prática de aceitação geral que se converte em direito”. Especificando que tal fonte tem elementos material e subjetivo, nos quais o material seria “a repetição de atos, comportamentos e opiniões, na administração de suas relações externas ou da organização interna, pelos sujeitos de direito internacional". Enquanto o elemento subjetivo se daria na "existência, livremente consentida, de uma convicção por parte dos sujeitos, no sentido de que sua [do costume] aplicação é obrigatória".

Segundo Roessing Neto (2006), o costume internacional foi por um longo tempo a fonte central do Direito Internacional, cessando depois da Segunda Guerra Mundial, devido ao grande número de novos membros da comunidade internacional, além do surgimento de outros problemas, como o abordado nessa pesquisa, os ambientais tornando complexa a utilização de um costume internacional uniforme, em um mundo dividido em mais de 190 Estados, sendo atualmente uma fonte secundária.

No entanto não se pode dizer que, quando uma convenção internacional ou tratado, alhures abordado, se torna costume internacional, ele seja utilizado como fonte secundária para a eventual aplicação da responsabilidade internacional ambiental, pois realmente se torna a exceção à regra quando se diz respeito ao mundo globalizado da atualidade.

Utilizando tal fonte, pode-se vislumbrar um desdobramento diferente, por exemplo, no caso emblemático de poluição nuclear ocasionado pela explosão química em um dos reatores nuclear de Chernobyl, na atual Rússia, percebido por uma das centrais na Suécia, e somente admitido pelo governo soviético após grande pressão internacional. Embora o governo admitisse a morte de somente duas pessoas, e radiação acima dos níveis permitidos somente em vinte e nove pessoas, a radiação nuclear causou danos a mais de duzentas pessoas, não se abstendo ao território soviético, atingindo, devido aos ventos, países como Áustria, Hungria, Itália, Iugoslávia, Reino Unido, Alemanha, Suécia e Suíça.

Esse caso, embora vastamente debatido doutrinariamente, não teve maiores desdobramentos, pois, apesar de existir a Convenção de Viena sobre Responsabilidade por Danos Nucleares de 1963, o Estado causador do acidente, a atual Rússia, não era parte deste tratado.

Havendo, no entanto, outra convenção, essa tendo como partes todos os Estados envolvidos, a qual era a Convenção de Poluições Atmosféricas Transfronteiriças de Longa Distância, adotada em Genebra, em 1979, esta não pôde ser invocada, pois excluía expressamente, de seu âmbito de incidência, poluições transfronteiriças advindas de acidentes nucleares.  A solução possível seria aplicar normas não escritas do Direito Internacional e da Agência Internacional de Energia Atômica, que não regulam temas concernentes à responsabilidade dos Estados.

Se tal tratado à época dos fatos fosse costume internacional, poderia ser aplicado na situação, porém, de acordo com o exposto, hipotética situação seria difícil de ocorrer, dado ao fato da necessidade tempo para que um tratado tão impactante para os interesses econômicos estatais se torne costume internacional.

Na recente catástrofe japonesa, onde um terremoto causou danos às usinas nucleares japonesas, ocasionando vazamento radioativo, pode-se afirmar, conforme Kidd (2011), que havendo danos transfronteiriços, sendo que as Filipinas até o presente momento já foram atingidas pela radiação japonesa, tratados em relação a danos nucleares não poderão ser aplicados ao Japão, que não é signatário deles, mantendo sua própria legislação interna, porém, nesse caso, a Agência Nacional de Energia Atômica, do qual o Japão e a maioria dos Estados fazem parte, em seu estatuto, determina que os Estados devem manter fundos de compensação para eventuais danos que ultrapassem as fronteiras estatais.

Observa-se de tal forma que, apesar da possibilidade de responsabilização internacional por dano ambiental existir, no caso em tela vislumbra-se o empecilho do Estado em questão não ser signatário do tratado que levaria à responsabilização estatal, concluindo-se que os danos causados além das fronteiras japonesas hipoteticamente se reparam sob o crivo da legislação do Estado causador do dano.

4.3 PRINCÍPIOS GERAIS DO DIREITO RECONHECIDOS PELAS NAÇÕES CIVILIZADAS

De acordo com Birnie e Boyle (2002), esses princípios seriam os reconhecidos por todos os seres humanos racionais, afirmando que era assim que alguns membros do comitê preparatório do Estatuto da Corte Internacional de Justiça enxergavam essa fonte, enquanto outros membros do mesmo comitê entendiam que tal fonte seriam os princípios resultados da vontade dos Estados.

Conforme observa Pereira (2006, p. 02)

[…] expressão 'reconhecidos pelas nações civilizadas causou muita polêmica pois alega-se que teria caráter discriminatório. Segundo o Comitê de Juristas que elaborou o projeto do Estatuto de Haia, eles seriam os princípios aceitos pelas nações in foro domestico, tais como certos princípios de processo, o princípio da boa-fé e o princípio da res judiciata.

Ainda assim, conforme elenca Roessing Neto (2006) pode ser vista como um consentimento para que a Corte Internacional de Justiça utilize tais princípios como fonte secundária, de forma que nenhuma demanda fique sem solução, no caso de lacuna da lei, as preenchendo de forma a proporcionar para todas as demandas a garantia de solução.

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No entanto, apesar de não serem utilizados sempre, considerando que são secundárias, interpretam um importante papel no Direito Internacional Ambiental, como Sunkin, Ong e Wight (2001, p. 4-5) analisam:

De certa forma, tem sido argumentado que a lei internacional inclui princípios que tenham sido reconhecidos pelos próprios Estados como relações governamentais entre eles, seja geral o especificamente. Tais princípios substanciais incluem a proibição contra o uso da força, princípios básicos de direitos humanos, a liberdade dos mares e a prevenção de danos a território de outro Estado. O reconhecimento desses princípios substanciais de direito internacional, em adição aos cada vez mais comumente procedimentos aceitos, reforça a sujeição de aplicabilidade do direito internacional, em especial o direito internacional ambiental.[5] [tradução nossa]

Exemplos de tais princípios podem ser, dentre outros, o princípio da coexistência pacífica, princípio da boa fé, o pacta sunt servanda, ou seja, os acordos devem ser cumpridos, princípio da solução pacífica de controvérsias, princípio da obrigação de reparar o dano, que, facilmente, podem ser aplicados no instituto da responsabilização internacional por dano ambiental.

O princípio da boa-fé já foi, conforme aponta Reis (2010), objeto de exame pela Corte Internacional de Justiça, em um julgamento relacionado à paralisação de testes nucleares realizados pela França na Polinésia Francesa entre os anos de 1960 e 1970, no qual a Austrália alegava que a França, com a realização de tais testes na atmosfera, acabava lançando material radioativo no território australiano, enquanto a França afirmava que a radiação atômica lançada na atmosfera era infinitesimal, impossibilitando a ocorrência de qualquer dano, levando a questão à Corte Internacional.

A Corte não adentrou no mérito da questão, pois, entendeu que, com o fato da França já haver paralisado os testes, o objeto da disputa em questão não mais existia, porém, na resolução da disputa, considerou que houve, por meio do princípio da boa-fé, com as declarações públicas da cessação da realização dos testes, o nascimento de uma obrigação jurídica unilateral da França para com a Austrália, vinculando o primeiro ente estatal a essas declarações.

4.4 DECISÕES JUDICIAIS

A ocorrência de alguns desastres ecológicos ao longo dos tempos transformou-se em litígios, dando origem a decisões judiciais, tornando-se essas precedentes ou motivo de causa a regulamentações dentro do direito ambiental, conforme bem elencam Roessing Neto (2006) e Reis (2010). No entanto, não existe um sistema, até a presente data, que regule a responsabilidade por danos ambientais ocorridos em decorrência de atividades lícitas, nem mesmo na responsabilidade internacional por dano ambiental, na qual, geralmente, o dano ocorre de condutas lícitas e autênticas, conforme poderá observar-se na explanação de acidentes ambientais ocorridos no mundo inteiro, que contribuíram para a aplicação do direito internacional ambiental.

Além disso, é de suma importância observar que danos ambientais possuem características peculiares que se dão em fatos como a extensão de suas consequências com o tempo ou seu surgimento posteriormente, passado certo lapso temporal, entre outras circunstâncias inerentes e diversas que podem dificultar o estabelecimento de uma conexão entre o ato implicado e o dano realizado, bem como sua reparação.

Cabe ressaltar que são competentes para julgar os litígios entre os entes estatais internacionais, por acordo entre as partes, já que nenhum país é obrigado a comparecer perante um tribunal internacional sem haver consentido para isso, a Corte Permanente de Arbitragem, que é competente em todos os casos que lhe sejam submetidos via acordo entre as partes, independentemente de serem de Direito Internacional Público ou Direito Internacional Privado.

Suas modernas regras de procedimento visam aplicar a arbitragem, conciliação entre outros mecanismos que solucionem conflitos envolvendo Estados, partes do setor privado ou organizações internacionais. Outra corte competente é a Corte Internacional de Justiça, que tem dupla competência, julgando, de acordo com o Direito Internacional, conflitos jurídicos submetidos por Estados, além de prover pareceres jurídicos relacionados a questões jurídicas submetidas por instituições especializadas da ONU.

Essas cortes estão localizadas no Tribunal de Haia, em Haia, na Holanda, sendo considerada a capital judiciária mundial, onde estão situados diversos organismos internacionais além de seis tribunais internacionais, dos quais três são permanentes, os já citados Corte Permanente de Arbitragem e Corte Internacional de Justiça, bem como o Tribunal Penal Internacional, além de outros três temporários, o Tribunal Irã - Estados Unidos, o Tribunal Penal Internacional para a ex- Iugoslávia e o Tribunal Especial para o Líbano.

A seguir, será feita uma breve explanação sobre alguns casos que foram de fundamental importância para a evolução do tema da responsabilidade internacional ambiental, extraídos das obras de Soares (2003) e Reis (2010), os quais esclarecem que tais casos contribuíram para com o progresso do direito internacional ambiental, seja por suas características transfronteiriças ou pelos interesses internacionais envolvidos, tendo alguns deles, no entanto, nem chegado a ser apreciados pelas Cortes, sendo solucionados arbitralmente ou internamente.

Além do caso da Fundição Trail, em relação à poluição atmosférica, é emblemático o caso de duas pessoas jurídicas de direito privado, uma francesa, a Houillères Du Bassin de Lorraine e o proprietário de casas para temporada e de um restaurante na região do Sarre, fronteira da República Federal Alemã com a França, o Sr. Poro. A empresa francesa passou, à partir de 1953, a queimar grandes quantidades de carvão, causando danos à propriedade do Sr. Poro, tornando-a imprópria para o turismo. Tendo sido decidido pela justiça alemã, o Sr. Poro venceu a demanda, como vítima da poluição.

Relativo à poluição do meio marinho, de extrema importância para a evolução do direito ambiental, o caso do Petroleiro Torrey Canyon, ocorreu em 18 de março de 1967, no qual envolveu um acidente entre o citado petroleiro, de propriedade de uma sociedade liberiana com sede nas Bermudas, fretado por uma sociedade californiana, e sub-fretado a uma sociedade britânica, carregado de petróleo advindo do Kuait, cujo destino era o porto galês de Milford Haven.

Ao colidir com um recife, liberou no oceano toneladas de petróleo, que imediatamente atingiram a península de Cornualha, na Grã-Bretanha, e depois, em virtude de um bombardeamento do navio pelo governo inglês, atingiu parte do litoral da França. As soluções encontradas foram alcançadas nas jurisdições internas dos países, pois, nem a Libéria nem os Estados Unidos eram parte das convenções existentes em relação à poluição do mar por petróleo, aplicando-se leis e princípios atinentes ao caso dos respectivos Estados, para fixação da indenização devida aos Estados vítimas do acidente. Esse caso deu origem, em 1969, em Bonn, ao Acordo para Cooperação no Trato com a Poluição do Mar do Norte por Óleo, bem como à Convenção Internacional sobre Responsabilidade Civil sobre Danos Causados por Poluição por Óleo e da Convenção Internacional relativa à Intervenção em Alto-Mar em casos de Baixas por Poluição por Óleo.

Em um caso de 1978, no qual um petroleiro de bandeira liberiana, Amoco Cádiz, derramou óleo, ocasionando uma maré negra na costa da França, prejudicando a atividade de pesca e hoteleira, causando a morte de diversas aves marinhas. Ao decidir sobre os pedidos de indenização, a Corte de Illinois, nos Estados Unidos, rejeitou os pedidos, argumentando ser impraticável a mesuração do dano, pois esta adotara por alicerce especulações além de que, conforme aponta Soares (2003) “as reivindicações diziam respeito a uma res nullius, em favor da qual nenhuma pessoa ou organização tinha direito de apresentar indenização”.

Outro caso que merece ser trazido a lume, é o vazamento de produtos tóxicos ocorrido em Bhopal, na Índia, resultado da atividade lícita de uma indústria química, na qual tal vazamento, que aconteceu em 1984, ocasionou a morte de aproximadamente três mil pessoas e graves lesões em outras centenas, dando origem a diversos litígios.

O governo indiano promulgou lei conferindo ao governo central o direito de sub-rogar-se na representação e direito de propor ação pelos danos ocorridos, ajuizando ação em Nova York, local de domicílio da empresa responsável pela indústria química, todavia, a justiça nova-iorquina, utilizando-se do princípio forum non conveniens (não concordância de foro), que considera, no caso de incompetência, a facilidade para colheita de provas, a possibilidade de visitas a instalações e facilidade de oitiva de testemunhas eventuais, declarou-se incompetente, remetendo o feito para o tribunal de origem.

Apesar de diversas ações serem impetradas nos Estados Unidos, as Cortes Supremas desse país alegaram que as vítimas do desastre não poderiam buscar reparação em cortes norte-americanas. Ao longo dos anos, houve alguns acordos em relação a outros processos envolvendo o caso, no qual um deles a empresa responsável pagou o montante de US$ 470 milhões de dólares ao governo indiano, de uma proposta de US$ 3,3 bilhões de dólares.

O veredicto final ocorreu em junho de 2010, por um tribunal indiano, vinte e cinco anos mais tarde, condenando oito ex-funcionários da empresa responsável a dois anos de prisão e pagamento de multas ínfimas, causando indignação ao redor do mundo, especialmente pelo fato de que os resquícios do desastre ainda contaminam e poluem o lençol freático da região.

Tais casos cumprem a função de trazer à luz as lacunas existentes no Direito Internacional quanto à responsabilização dos Estados em questões ambientais. Seja por questões de soberania ou pelo alcance da vigência dos tratados, assim como a dificuldade em restringir o Estado infrator a cumprir determinações internacionais, representando marcos no fortalecimento do instituto da responsabilidade em Direito Internacional Ambiental.

4.5 ENSINAMENTOS DOS DOUTRINADORES QUALIFICADOS.

De acordo com Roessing Neto (2006), existe uma tendência na Corte Internacional de Justiça de não procurar a doutrina, entendendo que pronunciamentos da Corte Internacional em si seriam mais influentes do que opiniões de autores, por mais qualificados que fossem, observando-se, no entanto que doutrinadores são citados em pareceres e opiniões para casos judiciais, denotando, de acordo com Birnie e Boyle (2003) que julgadores e árbitros internos, menos familiarizados com o Direito Internacional, dão mais importância a esses ensinamentos, aduz Roessing Neto (2006, p.10):

[...] grande parte do trabalho doutrinário (ao menos daqueles considerados como mais importantes) é realizada por instituições como a Comissão de Direito Internacional da ONU, o Instituto de Direito Internacional, a Associação de Direito Internacional, a Comissão Mundial para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento [...]

Apesar de alguns doutrinadores serem, ainda que muito dificilmente, reconhecidos como influência nas Cortes Internacionais, dentro do Direito Internacional Ambiental essa influência não foi nem parcialmente sentida, de acordo com Sunkin, Ong e Wight (2001, p. 4):

No direito internacional geralmente, os trabalhos publicados de alguns escritores acadêmicos e artigos de corpos internacionais, como a Comissão de Direito Internacional, tem sido reconhecidos por corpos nacionais e internacionais como indicativos de lei bem como a forma que a lei é desenvolvida. Seu impacto no desenvolvimento do direito internacional ambiental, no entanto ainda está para ser sentido.

Observa-se também que os próprios doutrinadores qualificados, conforme observam Birnie e Boyle (2003) corroboram a não utilização da doutrina, destacando a relevância maior dos pronunciamentos da Corte Internacional de Justiça.

4.6 RESOLUÇÕES DA ONU

O Estatuto da Corte Internacional de Justiça não inclui as resoluções da ONU como fontes do Direito Internacional, pois para alguns doutrinadores, os Estados tem obrigação de cumprir as resoluções pelo fato delas terem caráter obrigatório, conforme observa Roessing Neto (2006, p.10):

[...] ainda que as Resoluções da ONU não possam ser consideradas, formalmente, como fontes de Direito Internacional, tendo em vista que, quando muito, elas representam somente o reconhecimento de uma regra preexistente, elas servem como elementos de pressão política e podem servir como elementos de coerção moral.

Portanto, apesar do Estatuto não considerar as Resoluções da ONU fontes do Direito Internacional, existe controvérsia, pois, as diversas Resoluções da ONU são importantes como uma forma de compelir os Estados a sentirem-se obrigados a cumprir seus termos, devido ao caráter moral das resoluções, tornando-se base e inspiração de leis internas dos Estados sobre temas ambientais.

4.7 AS SOFT LAWS

A utilização do termo da língua inglesa, soft law, pode ser traduzido como “lei suave”, conforme aponta Roessing Neto (2006), explicando que enquanto a noção clássica do termo lei é a de ser coercitiva, compulsoriamente obrigatória, as soft laws tem um caráter mais brando, não coercitivo, suave.

Considera-se que a soft law tem caráter de natureza moral ou política, não constituindo propriamente, o Direito, mas uma derivação dele, tendo como pilar principalmente o princípio da boa-fé, conforme define o doutrinador Menezes (2003, p.76):

[...] documentos derivados de foros internacionais, que têm fundamento no princípio da boa-fé, com conteúdo variável e não obrigatórios que não vinculam seus signatários a sua observância, mas que por seu caráter e importância para o ordenamento da sociedade global [...] acabam por produzir repercussões no campo do direito internacional e também para o direito interno dos Estados.

Internacionalmente não há a possibilidade de uma autoridade suprema, que tenha o poder de se impor aos demais Estados, como funciona internamente com os mesmos, elaborando leis e os obrigando a cumpri-las, assim como pontua Reis (2010), dizendo que, apesar dos diversos tratados bilaterais e multilaterais envolvendo diversos temas dentro do meio ambiente, não existe no Direito Internacional, um regime que abranja e proteja o meio ambiente como um todo, enquanto os tratados derivados do Direito Internacional Ambiental não podem ser classificados como reguladores propriamente ditos.

Além disso, esses mesmos tratados precisam em média de dois a doze anos para serem conclusos e tornarem-se efetivos, uma demora que pode ser crucial quando se fala em preservação e contenção de danos ambientais, que se tornam cada dia mais frequentes, bem como a dificuldade de consenso entre os Estados, quando tratados relacionados ao Direito Internacional Ambiental, tendem a produzir impactos econômicos negativos, tais quais os Estados geralmente se recusam a arcar.

Tendenciosamente, surge no campo do Direito Internacional Ambiental, um novo tipo de convenções-quadro, também chamadas Umbrella Conventions, nas quais são constituídas convenções de caráter geral e natureza de soft law nos quais são expressos princípios, resoluções ou códigos de conduta, que, após sua assinatura, conforme o passar dos anos, são firmados protocolos, que regulamentar tópicos da convenção, possuindo natureza coercitiva.

Um exemplo famoso é o Protocolo de Quioto, que é resultado de uma série de eventos iniciados na Conference on the Changing Atmosphere (Conferência das Mudanças Climáticas) realizada no Canadá em outubro de 1988, culminando enfim na Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, no Brasil, em junho de 1992. 

Apesar de ter sido um sucesso, com 98% de países ratificando o protocolo, os Estados Unidos, talvez o maior poluidor do planeta, se recusou a ratificar, alegando que os compromissos constantes no protocolo interfeririam negativamente na economia norte-americana, além de questionarem a teoria de que os poluentes emitidos pelo homem na atmosfera são os que causam o aquecimento global, enquanto outros quatro países não emitiram nenhuma opinião.

Roessing Neto (2006) explica que apesar de não serem coercitivas, as regras de soft law contribuem para que, a longo prazo, os Estados passem a respeitá-las, transformando-as em costume internacional, inspirando também leis internas que conduzam à consciência ecológica nas relações internacionais, estabelecendo no âmbito do Direito Internacional Ambiental, normas imperativas, entendendo que “as soft laws são Direito, posto que nem toda norma jurídica deve ser necessariamente, objetiva a ponto de possuir aplicação imediata”.

A soft law é, em sua definição, uma norma programática, que tem por teor princípios normativos que tem o objetivo de nortear, mas não podem ser considerados regras, pois não geram obrigações específicas, entende Reis (2010, p. 20):

A soft law é norma jurídica de conteúdo programático. [...] implica adequação das leis e políticas internas do Estado ao conteúdo lá constante, e embora não se possa falar, como regra, em responsabilidade internacional pelo descumprimento, [...] a desconsideração deliberada do compromisso lá contido pode acarretar responsabilização do Estado no plano internacional quando sua omissão na adequação das políticas internas causar danos a terceiros.

Sendo norma jurídica de conteúdo programático, ainda assim a soft law é, apesar de conter instrumentos não obrigatórios, um instrumento de extrema importância no comportamento político entre os Estados, sendo reconhecidas, conforme bem pontua Roessing Neto (2006) “por tomadores de decisão como detentores de um importante efeito catalítico”, ou seja, a utilização de elementos normativos como regras legais.

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Sobre a autora
Markeline Fernandes Ribeiro

Pós graduada em Advocacia Trabalhista pela Universidade Anhanguera. Pós graduanda em Direito Tributário pela Faculdade Damásio de Jesus. Graduada em Direito pela Universidade Vale do Rio Doce. Advogada com experiência na área de Direito, com ênfase em Direito do Trabalho, atuando principalmente nos seguintes temas: Direito do Empregado, Direito do Empregador e Execuções Trabalhistas. É autora de artigos publicados pelas Revistas L&C (Editora Consulex), Revista do Tribunal Regional do Trabalho 17ª Região e Revista Jus Navigandi.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RIBEIRO, Markeline Fernandes. A possibilidade de responsabilização internacional do Estado por dano ambiental. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3409, 31 out. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/22913. Acesso em: 24 abr. 2024.

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