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Psicografia no processo penal: a admissibilidade de carta psicografada como prova judicial lícita no direito processual penal brasileiro

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03/11/2012 às 13:20
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A psicografia não deve ser tachada em nosso sistema como uma prova ilegal. Deve ser analisada casuisticamente, seja em juízo comum, no qual o magistrado se utilizará da sua persuasão racional para a aceitação, seja nos tribunais do júri, pela íntima convicção do Conselho de Sentença, que não precisa de motivação para tanto.

Resumo: O presente trabalho tem por escopo demonstrar a admissibilidade de cartas psicografadas como prova judicial lícita no Direito Processual Penal Brasileiro, tendo como objetivos verificar se esse tipo de mensagem se enquadraria em algum meio de prova admitido na seara processual penal, compreendendo-se os princípios constitucionais aplicáveis à temática em voga, e analisando-se casos de grande relevância a despeito do assunto. No decorrer do trabalho, precisou-se expor alguns conceitos técnicos relativos à psicografia e ao Espiritismo, assim como definir, sob a óptica doutrinária, se seria religião ou ciência. A metodologia utilizada foi a qualitativa-descritiva, e também explicativa, já que, em princípio, seria uma continuação de outra descritiva. Conclui-se que a utilização desse mecanismo extraterreno deve ser enquadrado como meio de prova documental, em sentido amplo, devendo ser analisado, casuisticamente, pelo magistrado no momento de valorar a sua viabilidade, em consonância com as demais provas anexadas aos autos, em particular, o exame grafotécnico, para a concretização da justiça terrena.

Palavras-chave: Psicografia. Espiritismo. Ciência. Prova documental.

Sumário: Introdução. 1. Princípios constitucionais relacionados ao direito à prova. 1.1. Ampla defesa. 1.2 Contraditório. 1.3 Livre convencimento motivado. 1.4 Busca da verdade real. 1.5 “Favor rei”. 1.6 Vedação à obtenção de provas ilícitas. 2. Direito à prova no processo penal. 2.1. Conceito de prova. 2.2. Classificação das provas. 2.3. Meios de prova. 2.3.1 Da prova documental. 2.3.2. Das demais provas. 2.3.2.1 Da prova pericial. 3.2.2 Do interrogatório do acusado. 2.3.2.3 Da prova testemunhal. 2.4. Prova inominada. 2.5 Sistemas de avaliação da prova. 3. Abordagens acerca da psicografia. 3.1. Conceito e tipos de psicografia. 3.2. A mediunidade. 3.3 Natureza científica da psicografia. 3.3.1 Psicografia na história da sociedade. 3.3.2 Psicografia sob a óptica da doutrina espírita. 3.3.3 Psicografia e o exame grafotécnico. 4. Psicografia no processo penal. 4.1 Considerações iniciais. 4.2 Opiniões favoráveis e contrárias de juristas à aceitação de carta psicografada como prova judicial. 4.3. Análise crítica e jurisprudencial de casos nacionais. 4.3.1. Caso Maurício Garcez Henrique. 4.3.2 Caso Heitor Cavalcanti de Alencar Furtado. 4.3.3 Caso Iara Marques Barcelos. 4.4. Projetos de lei para a alteração do texto legal. Conclusão. Referências.


INTRODUÇÃO

Notadamente, um tema bastante polêmico e intrigante na atualidade será tratado nesta monografia, qual seja, a admissibilidade de carta psicografada como prova judicial lícita no Direito Processual Penal Brasileiro, visando esclarecer como se daria a sua utilização em nosso sistema jurídico.

Diante de alguns casos emblemáticos ocorridos no Brasil, buscou-se entender se a psicografia estaria incluída em algum meio de prova aceita em nosso ordenamento legal, pois sabe-se que são através dos meios probantes que o magistrado recebe os elementos ou motivos de prova, sendo, a partir de então, formada a sua convicção, devendo as partes demonstrar os fatos que alegaram. Assim, meios de prova são todos os recursos utilizados para alcançar a verdade no processo. De um modo geral, são inadmissíveis aqueles meios em que a lei proíba e que são incompatíveis com o sistema processual em vigor. A partir desse paradigma, enfatizou-se a seguinte problemática: é juridicamente admissível, como prova judicial lícita, a utilização de mensagens psicografadas que digam respeito à determinação da responsabilidade penal para a defesa do réu?

Preliminarmente, a essa indagação constatou-se como supostas hipóteses que as cartas psicografadas têm uma valoração importante para a defesa técnica do réu, sendo, juridicamente aceitáveis, e analisadas de forma isolada no processo, como meio de prova autônomo. Por outro viés, poderia enfatizar que cabe, exclusivamente, ao magistrado aceitar ou não, de plano, o documento psicografado e anexar aos autos, levando em consideração o seu livre convencimento em busca da verdade real, no que tange ao procedimento comum no Processo Penal. E, por fim, como última questão norteadora, para o reconhecimento da carta psicografada como prova lícita, tem de se verificar, por meio da perícia grafotécnica, a sua autenticidade, porém, não seria analisada de forma isolada no processo, mas, sim, em conjunto com outras provas anexadas aos autos, tendo um teor de subsidiariedade.

Partindo da perspectiva de que todo acadêmico do curso de Direito, no mínimo, deve estar sempre atualizado sobre os mais diversos assuntos, com o tema em deslinde não poderia ser diferente, tanto por sua importância moral – por se tratar de um ser humano que poderá permanecer enclausurado numa penitenciária, cumprindo pena por um crime não cometido – quanto por sua importância espiritual – visto tratar de um tema que vai além das expectativas terrenas –, buscando-se a ideia de que toda prova, exceto as ilícitas, deve ser aceita pelo juiz, realizando os devidos procedimentos para que o réu tenha o mínimo de expectativa em sua absolvição.

A prova é, indubitavelmente, um dos elementos mais importantes da persecução processual, pois se procura reconstruir, por meio delas, da maneira mais próxima possível o fato que envolve a lide para melhor fundamentar o processo. O atual CPP (Código de Processo Penal) Brasileiro leva-nos a um processo mais humanitário, pois prima pela ampla defesa, contraditório, devido processo legal, proibição de provas ilegais, busca da verdade real como um dos elementos mais aparentes, entre outros.

Tem de se levar em consideração a psicografia como um meio de prova constitucional, assim como qualquer outra existente no ordenamento vigente, isto é, possui a mesma importância de uma acareação, de uma prova testemunhal, de um reconhecimento de pessoa ou coisa, ou até mesmo de uma confissão. O que será levado em consideração é se o documento resultante da psicografia está em consonância com as demais provas do processo. A conveniência de utilizar mensagem psicografada dentro do sistema jurídico, quanto prova processual, ficou latente a partir do surgimento de alguns acontecimentos práticos, e os operadores do Direito têm de entender a importância da discussão e não fingir que essa realidade não existe.

A partir desse pressuposto, o trabalho visa ser um estudo sobre como aliar as cartas psicografadas aos meios de provas lícitas, no sentido de usar suas faces para melhor entendimento do segmento processual e seus diversos aspectos. Também pretende pesquisar de que forma a aceitação pode contribuir para a defesa do réu, associadas em conjunto com as demais provas anexadas e conteúdo dos fatos ocorridos, buscando embasamentos doutrinários e jurisprudenciais que favorecem a matéria. Indubitavelmente, a necessidade desse enfoque é importante, visto que o assunto em questão gera muita polêmica, desde a idoneidade das cartas, do convencimento do magistrado até as crenças de cada jurado, no que tange ao procedimento do júri, no qual vige o sistema da íntima convicção.

O trabalho em comento possui como objetivo macro analisar a viabilidade, buscando posições acerca da admissibilidade da utilização de cartas psicografadas como prova judicial lícita no Direito Processual Penal Brasileiro. E como objetivos específicos identificar os meios de provas admitidas na seara processual penal, relacionando com o documento psicografado; compreender os princípios atinentes ao Direito Processual Penal Brasileiro, tais como o contraditório, ampla defesa, livre convencimento motivado do juiz, busca da verdade real, favor rei e vedação à obtenção de provas ilícitas; estudar a legislação referente ao Direito Processual Penal; e verificar as análises doutrinárias e jurisprudenciais de decisões ocorridas em Tribunais do Júri, em que houve a aceitação de cartas psicografadas como meio probante.

Serão tratados, no primeiro capítulo, os princípios constitucionais relacionados ao direito à prova, ou seja, de que forma podemos vislumbrar na prática forense a adoção de tais princípios, tanto utilizados pelas partes, quanto pelo magistrado em sua fundamentação para a solução da lide. No segundo capítulo, tratar-se-á, especificamente, do direito à prova no Processo Penal, estabelecendo conceitos, os meios de provas existentes em nosso sistema jurídico, assim como os inominados, e os sistemas de avaliação da prova na história da processualística criminal. O terceiro capítulo terá como foco o estudo da psicografia sob o contexto da Doutrina Espírita, tratando do conceito, tipos de psicografia e de médiuns, como essa prática surgiu na história da sociedade, e como a Doutrina Espírita a visualiza, atualmente. Também, nesse mesmo capítulo, far-se-á uma abordagem acerca do exame grafotécnico ou grafológico, como também pode ser denominado, e sua efetividade na práxis jurídica. E por derradeiro, no último capítulo, será abordado a relação da psicografia especificamente no cotidiano do Judiciário brasileiro, destacando as opiniões favoráveis e contrárias de operadores do direito, cientistas e doutrinadores à sua aceitação, a análise de três casos emblemáticos que, de certa forma, se tornaram paradigmas para futuros enfoques. Ressalte-se, também nesse capítulo, a discussão que vinha ocorrendo no âmbito legislativo sobre a possível modificação do Código de Processo Penal, particularmente no artigo 232, que trata do meio de prova documental.

A metodologia utilizada será a bibliográfica, de abordagem qualitativa, e utilizando-se diversos materiais doutrinários, como livros, artigos científicos e artigos da internet, tendo em vista a carência de obras dedicadas ao tema em comento.


Embora ninguém possa voltar atrás e fazer um novo começo, qualquer um pode começar agora e fazer um novo fim.

Chico Xavier


1. PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS RELACIONADOS AO DIREITO À PROVA

O nosso ordenamento jurídico constitui um sistema acobertado por princípios, cuja finalidade é assegurar a logicidade na aplicação das normas. São de conteúdo mais abrangente, juridicamente falando, do que as regras propriamente ditas, servindo, dessa forma, de instrumento para a interpretação e aplicação do direito.

Para que ocorra uma aplicação eficaz do direito, em geral, o intérprete imprescinde de uma visão principiológica, fundada no mais importante documento que regula a organização de um Estado e rege a vida de uma nação: a Constituição Federal (CF/88). Evidentemente, como norma fundamental do arcabouço jurídico, a Carta Política deve ser o ponto de partida do operador do Direito, seja nas demandas cíveis ou penais.

Os princípios são a base de qualquer matéria a ser discorrida no âmbito jurídico. São normas com elevado grau de generalidade, passível de envolver várias situações e resolver diversos problemas, no tocante à aplicação de normas de alcance limitado ou estreito.

Existem, em nosso mundo jurídico, princípios constitucionais, dispostos, obviamente, na Constituição Federal, tanto expressos quanto implícitos, bem como princípios infraconstitucionais, encontrados em Códigos e leis especiais. Indubitavelmente, aqueles são mais importantes, pelo fato de possuir uma “carga” de status constitucional, compondo, assim, o Texto Fundamental do Estado Democrático de Direito, ao passo que os segundos devem se adequar aos primeiros para uma compreensão satisfatória.

Cumpre, aqui, abordar os mais importantes princípios constitucionais relacionados ao direito à prova, tais como a ampla defesa, contraditório, livre convencimento motivado, busca da verdade real, favor rei e vedação à obtenção de provas ilícitas, tendo em vista a vastidão dessas normas tanto na CF/88 como nos códigos e legislações esparsas.

1.1. AMPLA DEFESA

Vislumbra-se do referido princípio que o Estado tem o dever de oferecer a todo acusado condições para o exercício pleno de seu direito de defesa, possibilitando-o conduzir ao processo em que figura os elementos que julgar necessários ao esclarecimento da verdade. Trata-se de um princípio de suma importância, principalmente pelo fato de constar expressamente no texto constitucional, assim como o princípio do contraditório – que será devidamente estudado na subseção subsequente –, ambos insculpidos no art. 5º, LV, CF/88, que dispõe: “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes.”

Logo, infere-se que a defesa constitui um direito inerente à pessoa humana, em qualquer processo instaurado em desfavor da pessoa ré na relação jurídica. Em se tratando de processo administrativo, instaurado, obviamente, pela Administração Pública e seus órgãos, não poderá ser tida como causa de supressão de defesa do réu, como aponta o dispositivo constitucional supracitado. O Superior Tribunal de Justiça (STJ), em construção jurisprudencial, editou a súmula 343, que dispõe: “É obrigatória a presença de advogado em todas as fases do processo administrativo disciplinar”. Nota-se que a súmula em questão traz um preceito relevante no que tange o impedimento de que a Administração Pública penalize funcionário sem que esse tenha a oportunidade de se defender dos argumentos e provas apresentados no decorrer da instrução em juízo. Ocorre que parte da doutrina considerou a redação da súmula mal feita, posto que contribuiu para a dificuldade de penalização dos crimes cometidos contra a Administração Pública, além de possibilitar a anulação das mais diversas condenações. Baseado nesse fundamento, o Supremo Tribunal Federal (STF) editou a súmula vinculante nº 5, aduzindo que não há ofensa à Lei Maior a falta de defesa técnica no processo administrativo. Insta salientar, contudo, no que concerne à administração da justiça, é indispensável o papel do advogado, posto que possui inviolabilidade em seus atos e manifestações relativos à profissão, nos limites da lei, conforme o disposto no art. 133 da CF/[88].

No tocante ao processo judicial, particularmente ao Processo Penal, a ampla defesa representa uma proteção, uma oposição ou uma justificação voltada à acusação da prática de um crime. Na definição do renomado professor Guilherme de Souza Nucci:

A autoproteção implica na negativa do fato imputado, seja pela sua inexistência, seja pela fuga da autoria; a oposição significa a concessão de versão diversa da que consta nos termos acusatórios; a justificação promove a legitimação da prática realizada. Essas três formas de instrumentar a defesa precisa compor o ideário de qualquer magistrado, pois há comando constitucional assegurando a amplitude da manifestação do acusado (2010, p. 264, grifo nosso).

Interpreta-se do referido preceito doutrinário que o princípio da ampla defesa representa a mais abundante e extensa possibilidade de preservar o estado de inocência, visto que tanto a autoproteção, quanto a oposição e a justificação têm o condão de resguardar a defesa do interesse indisponível do indivíduo.

Urge destacar que o princípio em epígrafe também possui fundamentação na seara internacional, através do Pacto de San José da Costa Rica, ratificado pelo Brasil em 1992, por meio do Decreto nº 678, o qual dispõe em seu art. 8º, 1, in fine:

Artigo 8º - Garantias judiciais:

1. Toda pessoa terá o direito de ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou Tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na apuração de qualquer acusação penal formulada contra ela, ou na determinação de seus direitos e obrigações de caráter civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer outra natureza.

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A doutrina, ainda, faz uma subdivisão do princípio da ampla defesa em dois tipos de grande importância, quais sejam, a autodefesa e a defesa técnica.

A autodefesa é aquela proposta pelo próprio acusado, valendo-se, sobretudo, de seu raciocínio lógico e argumentos, ainda que desprovidos de tecnicismos jurídicos. Por exemplo, durante a instrução processual, mormente no interrogatório, o sujeito poderá se valer da autodefesa através do seu direito ao silêncio constitucionalmente garantido, reafirmando, sobremaneira, o seu estado de inocência. Ressalte-se, todavia, que o princípio da ampla defesa, assim como o do contraditório, serão observados tão-somente a partir da fase de instrução judicial, visto a investigação policial possuir natureza inquisitiva, não cabendo, portanto, o aduzir dos referidos princípios, pelo simples motivo de se estar coletando, ali, provas para a convicção do Ministério Público (MP).

A defesa técnica consubstancia-se, por outro lado, na defesa intrínseca à pessoa habilitada ante órgão responsável, a saber, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), e de elevado conhecimento técnico, sendo, portanto, sustentada pelo advogado. Assim, toma-se como exemplo, no momento do ajuizamento da ação penal, a citação do réu para que apresente a sua resposta à acusação – a primeira defesa, como regra –, por meio de seu advogado. De acordo com o procedimento, ocorrerá o interrogatório do réu, dando, a seguir, a sua versão dos fatos – caso não deseje manter direito ao silêncio. Oportunamente, chegando-se à fase de sentença, o juiz verificará, além do exposto pelo agente, as teses técnicas aduzidas pela defesa, para formar a sua convicção, tendo em vista que se menosprezá-las, estará, consequentemente, repudiando o princípio da ampla defesa.

É de registrar, por outro lado, conforme as lições do eminente professor Guilherme Nucci (2010, p. 269), que existe a possibilidade de autodefesa técnica, ou seja, a reunião das duas subdivisões da ampla defesa em um único sujeito, possuindo, então, tanto o poder de autodefesa como o de defesa técnica. Atribui-se tal qualidade ao defensor que comete algum ato reprovável e que, em função disso, é instaurado contra si uma ação penal. Nesse diapasão, está a jurisprudência do STJ, ipsis litteris:

O réu preso e que advoga em causa própria deve ser intimado pessoalmente, ou por carta com aviso de recebimento, da data da sessão de julgamento da apelação por ele interposta, para que possa exercer, amplamente, o seu direito constitucional à ampla defesa que, sabidamente, engloba o direito à autodefesa (HC 143.076-RJ, 6.ª T., rel. Celso Limongi, 06.04.2010).

1.2.CONTRADITÓRIO

O contraditório é um princípio concernente à relação processual, corolário do princípio do devido processo legal, no qual assegura a possibilidade de resposta e a utilização de todos os meios de defesa em Direito admitidos, assim como a ampla defesa, devidamente discutida anteriormente, ressaltando que ambos possuem fundamentação constitucional inserta no art. 5.º, LV, CF/[88].

Quando a Lei das leis dispõe no artigo supra: “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa [...]”, quer nos mostrar que a expressão “processo administrativo” se aplica tão-somente ao processo instaurado pela Administração Pública para a apuração de ilícitos administrativos ou fiscais, e não para o inquérito policial, apesar desse ser um procedimento administrativo do tipo inquisitivo, vez que naquele existirá a possibilidade de uma sanção administrativa, e não seria justo que o indivíduo sujeito a tal penalidade não tivesse o direito à defesa. Nesse contexto, Tourinho Filho (2009, v.1, p. 51).

Em se tratando do âmbito processual penal, a garantia do contraditório tem de ser observada com todo rigor, principalmente pelo nosso processo ser tipo acusatório, visto que o réu tem o direito de conhecer a acusação que lhe é imputada, para poder promover a sua contrariedade, evitando, assim, ser condenado sem, ao menos, ser ouvido em juízo. Mas esse princípio não é aplicável apenas ao réu da ação penal, poderá também alcançar o órgão acusatório, decorrente da bilateralidade do processo, ou seja, quando uma das partes alega algo, há de ser ouvida também a outra, dando-lhe oportunidade de resposta.

É interessante notar que a garantia constitucional do contraditório é constituída de dois elementos: informação e reação. O primeiro é o direito constitucional que os sujeitos da ação têm de ser comunicados de todos os atos processuais, por meio da citação, intimação ou notificação. A partir de então, proporciona o exercício do segundo desdobramento, qual seja, de dar o cumprimento ao direito de reação através de audiência bilateral e o direito à prova.

Coerente com esse entendimento está a lição do insigne professor Julio Fabbrini Mirabete, ipsis verbis:

A lei processual regulamenta o princípio do contraditório em dispositivos pelos quais o acusado, ainda que ausente ou foragido, não pode ser julgado sem defensor; deve ser citado para o processo, notificado para os atos processuais e intimado das decisões; pode arrolar o mesmo número de testemunhas que o acusador etc. A preterição desses direitos constitui nulidade, conforme o disposto no artigo 564, III, c, e, f, g, h, l, o, do CPP (2008, p. 24, 25, grifo do autor).

Há um vultoso número de possibilidades da ocorrência do princípio em questão no processo penal, podendo haver contraditório de fatos, de direito, de provas, de alegações e requerimentos, entre outros.

Quando ocorrer com relação a fatos, que é a regra geral, a parte ré, p. ex., manifestar-se-á contrária aos argumentos da outra, cabendo àquela, no exercício do contraditório, oferecer uma versão divergente ou negá-la na sua integralidade ou parcialidade. No que tange ao contraditório do direito – regra excepcional –, poderá a parte prejudicada contestar ou, até mesmo, impugnar, ingressando, dessa forma, no domínio da inconstitucionalidade. A contrariedade de provas também poderá ser considerada uma das modalidades de ocorrência do princípio em foco, vez que a prova é o instrumento que o magistrado se vale para demonstrar a veracidade dos fatos. Há falar, por outro lado, do contraditório de alegações e requerimentos que não deverá imperar em absoluto no processo penal, posto que pode ser interpretado como ato protelatório ao andamento do processo. Nucci (2010, p. 289) exemplifica que existem requerimentos retratando o simples cumprimento da lei, não cabendo, dessa forma, a utilização de tal princípio, visto ser inútil ao normal prosseguimento da ação.

Saliente-se que todos esses exemplos são passíveis de nulidade se não for observado o princípio em deslinde. Por outro lado, assim como no princípio da ampla defesa, também não caberá o contraditório na fase inquisitiva, pelos mesmos motivos já explanados outrora. Nesses termos, estão as jurisprudências dos Tribunais Superiores:

Prova nova apresentada pelo Ministério Público em contrarrazões, sem vista a defesa. Consideração pelo acórdão. Inadmissibilidade. Ofensa ao princípio do contraditório (art. 5.º, LV, da CF). Ordem concedida. É nula a decisão que se remete, expressamente, a provas admitidas sem contraditório em contrarrazões de recurso

(STF, HC 87.114-SP, 2.ª T., rel. Cezar Peluzo, 04.12.2009, grifo nosso).

As provas produzidas na fase inquisitiva – cujo exame pericial, nesse momento iniciado, encerrou-se quando já deflagrado o processo penal – não impõem, para sua validez, o exercício da ampla defesa e do contraditório, que restam postergados para a fase de instrução e julgamento, dando à defesa oportunidade de formular quesitos e requerer a realização de laudos complementares

(STJ, HC 91.903-SP, 5.ª T., rel. Arnaldo Esteves Lima, 18.02.2010, grifo nosso).

Importante assinalar a existência, em nosso ordenamento jurídico, da Súmula 523 da Suprema Corte que certifica constituir nulidade absoluta, no processo penal, a falta de defesa, no entanto, a sua deficiência só o invalidará se houver fundada prova de prejuízo para o réu. Extrai-se, portanto, da redação do Excelso Pretório, que inexistindo defesa ocorrerá nulidade absoluta do processo, sendo presumida e não convalidável, todavia, a partir do momento em que restar comprovado que a insuficiência defensiva trouxe, de alguma forma, dano ao réu, ela não será anulada. Não há falar em nulidade relativa da segunda parte do enunciado sumular, apesar de constar no texto a exigência de prova de prejuízo para o réu. Trata-se, na verdade, de uma excepcionalidade à nulidade absoluta, vez que se refere à matéria de garantia constitucional, consubstanciado nos princípios da ampla defesa e contraditório.

1.3. LIVRE CONVENCIMENTO MOTIVADO

O princípio do livre convencimento motivado aduz que o juiz, ao valorar as provas existentes no processo para proferir a sua sentença, não ficará mais submetido ao formalismo da lei, ou seja, embasará sua decisão conforme a solução que lhe pareça mais adequada ao caso concreto, em consonância com todo o sistema probatório carreado aos autos, todavia, apesar de não estar sujeito “totalmente” a tais formalidades, sua decisão não deverá estar à margem da lei ou da Constituição da República.

De toda a sorte, em homenagem ao princípio consagrado, a Lei Maior, em seu art. 93, IX, reza que todos os julgamentos do Poder Judiciário serão públicos e suas decisões deverão ser motivadas, sob pena de ser consideradas nulas, podendo, inclusive, a lei complementar de iniciativa do STF, limitar a presença às próprias partes e a seus advogados, ou somente a esses, nos casos em que o direito à intimidade e à preservação do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação.

O princípio em tela também é chamado, por parte da doutrina, como princípio da persuasão racional, configurado na Lei Adjetiva Penal sob o art. 155, que dispõe:

Art. 155. O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas.

O dispositivo supramencionado, portanto, veta a possibilidade de o magistrado julgar qualquer processo mediante eventuais conhecimentos de fatos fora dos autos, sendo esses considerados como se inexistentes fossem. Não obstante ao consagrado pelo CPP, a Lei Processual Civil, nos ditames do art. 131, preconiza que o juiz poderá apreciar livremente a prova, atendendo aos fatos e circunstâncias dispostas nos autos, mesmo que as partes não tenham alegado, devendo especificar, na sentença, os motivos que formaram o seu convencimento.

O professor Tourinho Filho ensina que:

[...] O Juiz, em face das provas existentes nos autos, tem inteira liberdade na sua apreciação. Pode desprezar o depoimento de quatro testemunhas, por exemplo, e respaldar sua decisão num único depoimento. Este é o princípio do livre convencimento. Confere-se ao juiz inteira liberdade na apreciação das provas, conquanto fundamente sua decisão. Ele só pode proferir uma decisão com fundamento em prova colhida sob o crivo do contraditório, nada o impedindo de reforçar seu entendimento respaldado em provas cautelares não repetíveis e antecipadas [...] (2009, v.1, p. 45).

Cumpre observar que a fundamentação das decisões judiciais – leia-se, sentença, acórdão ou decisão interlocutória – abrange tanto as de caráter jurisdicional, como administrativo, excluindo-se da exigência de motivação tão-somente os despachos de mero expediente, vez que ausentes o caráter decisório.

Nessa ordem, colaciona-se o entendimento do Tribunal Supremo acerca do princípio em questão:

RECURSO EM HABEAS CORPUS RECEBIDO COMO HABEAS CORPUS. PRINCÍPIO DO LIVRE CONVENCIMENTO MOTIVADO DO JUIZ. VALORAÇÃO DE PROVAS. CONFISSÃO. [...] 3. Vige em nosso sistema o princípio do livre convencimento motivado ou da persuasão racional, segundo o qual compete ao Juiz da causa valorar com ampla liberdade os elementos de prova constantes dos autos, desde que o faça motivadamente, com o que se permite a aferição dos parâmetros de legalidade e de razoabilidade adotados nessa operação intelectual. Não vigora mais entre nós o sistema das provas tarifadas, segundo o qual o legislador estabelecia previamente o valor, a força probante de cada meio de prova. 4. Tem-se, assim, que a confissão do réu, quando desarmônica com as demais provas do processo, deve ser valorada com reservas. Inteligência do artigo 197 do Código de Processo Penal. 5. A sentença absolutória de 1º grau apontou motivos robustos para pôr em dúvida a autoria do delito. Malgrado a confissão havida, as demais provas dos autos sustentam, quando menos, a aplicação do princípio do favor rei. 6. Habeas corpus concedido.

(STF – RHC 91691 SP, 1.ª T., rel. Menezes Direito, 19.02.2008).

1.4. BUSCA DA VERDADE REAL

De acordo com a moderna concepção no que tange ao processo, não mais se admite que o órgão jurisdicional aja como se fosse um mero observador da demanda judicial. Cumpre ao Estado-juiz, reconhecida sua autonomia, em especial no processo criminal, exercer o jus puniendi estatal tão-somente contra aquele que efetivamente tenha cometido uma infração penal, nos limites de sua culpabilidade.

O Processo Penal, para tanto, não precisa encontrar limites na forma ou na iniciativa das partes, ao contrário, é imposto a esse ramo do direito público a busca e o descobrimento da verdade material, ou seja, cumpre ao Estado-juiz apurar muito além dos limites da verdade formal, com o fito determinado de efetivar a pretensão punitiva contra aquele que realmente tenha cometido um ilícito penal. Nesse diapasão, o juiz poderá “determinar, no curso da instrução, ou antes de proferir sentença, a realização de diligências para dirimir dúvida sobre ponto relevante” (art. 156, II, CPP).

Importante assinalar as diferentes vertentes seguidas tanto pelo Direito Processual Civil como pelo Direito Processual Penal no que tange à liberalidade do princípio em voga. Quanto ao Processo Civil, é chamada verdade formal aquela decorrida por atos ou omissões das partes, presunções, ficções, transações e outros institutos jurídicos afins. Aqui, o órgão jurisdicional pode convencer-se com a verdade formal, ou seja, limita-se a acolher o que as partes levam ao processo. Desse modo, confiando no real interesse das partes em descobrir a verdade, o juiz pode limitar-se às provas trazidas aos autos, posto que se considera procedimento, de certa forma, aceitável, tendo em vista a disponibilidade dos direitos em questão.

De outra banda, na seara processual penal, os direitos são indisponíveis, numa evidente e notória preponderância do interesse público sobre o interesse particular, o que, per si, configura razão suficiente para o predomínio do sistema da livre avaliação das provas, o que será abordado em capítulo posterior.

Imperioso aferir o dever do julgador de dar andamento ao processo quando houver inércia da parte, em ação penal pública, determinando de ofício a produção de provas pelas partes que entender necessárias à instrução da ação, em atividade probatória supletiva, conhecendo de circunstâncias sem a ocorrência de provocação das partes, sempre com o escopo de buscar o ‘completo’ esclarecimento da verdade real. Nesse sentido, preciosos os ensinamentos do ilustre professor Tourinho Filho, in verbis:

De fato, enquanto o Juiz não penal deve satisfazer-se com a verdade formal ou convencional que surja das manifestações formuladas pelas partes, e a sua indagação deve circunscrever-se aos fatos por elas debatidos, no Processo Penal o Juiz tem o dever de investigar a verdade real, procurar saber como os fatos se passaram na realidade, quem realmente praticou a infração e em que condições a perpetrou, para dar base certa à justiça (2009, v.1, p. 38).

Inconteste a afirmação de que o princípio da busca da verdade real não se apresenta de forma plena em nosso Processo Penal. Variados exemplos de mitigação do princípio em deslinde podem ser constatados em algumas situações, tais como: o juiz absolve o réu e, após transitar em julgado a sentença absolutória, não será possível rescindi-la, mesmo quando surjam provas concludentes contra o mesmo réu pelo mesmo fato; a perempção provocada pela omissão ou desídia do querelante; e outras causas de extinção da punibilidade que, de alguma forma, possam impedir a descoberta da verdade real. Como indaga e, ao mesmo tempo, responde Tourinho Filho (p. 39, 2009), “Ficou sacrificada a verdade real? Em rigor sim”. Note-se que tal princípio, apesar de não vigorar em toda sua plenitude no âmbito processual penal, é bem mais intensivo que na seara civil, posto que, aqui, uma sentença equivocada em favor ou contra determinada pessoa não comportará reexame, após o trânsito em julgado, ressalvada a hipótese de ação rescisória.

1.5 .“FAVOR REI”

É um princípio constitucional também chamado pela doutrina como favor libertatis ou favor innocentiae. Pode ser considerado como um dos de mais destaque pela sua importância no Direito Processual Penal, visto consagrar que nas situações em que há a possibilidade de duas interpretações díspares de uma norma, cujo entendimento não puder ser feito de forma única, a solução será em escolher aquela em que for mais favorável ao réu, ou seja, no conflito entre o jus puniendi do Estado e o jus libertatis do acusado, conforme aponta Tourinho Filho (2009, v.1, p. 75), o peso maior firma-se para o lado desse, tendo em vista o preceito maior de que, na dúvida, sempre prevalece o interesse do sujeito passivo da relação processual.

O doutrinador Fernando Capez, no tocante ao princípio em foco, corrobora:

A dúvida sempre beneficia o acusado. Se houver duas interpretações, deve-se optar pela mais benéfica; na dúvida, absolve-se o réu, por insuficiência de provas; só a defesa possui certos recursos, como [...] os embargos infringentes; só cabe ação rescisória penal em favor do réu (revisão criminal) etc. (2008, p. 44).

O CPP consagra esse princípio em diversos dispositivos. Pode-se citar como exemplo, o art. 386, V, VI e VII que permite a absolvição do réu pelo juiz nos casos em que não há provas de concorrência para a prática da infração penal, de existência de circunstâncias que excluam o crime ou isentem o réu de pena, e de inexistência de provas suficientes para a sua condenação, respectivamente. Também, toma-se como exemplo, o art. 617 que proíbe o aumento da pena pelo tribunal, quando somente o réu tiver apelado da sentença, aclamando a proibição do reformatio in pejus; a regra do art. 615, § 1.º, no qual dispõe que no julgamento de recursos, em caso de empate de votos, se o presidente do tribunal, câmara ou turma não proferir voto de desempate, prevalecerá a posição mais benéfica ao réu. Não se pode esquecer também, a título de exemplo, do princípio da presunção de inocência, elevado a status constitucional.

Nesse diapasão, posiciona-se o STJ, in verbis:

DIREITO PENAL. HABEAS CORPUS. PEDIDO DE TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. ARQUIVAMENTO DO FEITO. RECONHECIMENTO DE ATIPICIDADE DO FATO. DECISÃO PROFERIDA POR JUÍZO ABSOLUTAMENTE INCOMPETENTE. PERSECUÇÃO PENAL NA JUSTIÇA MILITAR POR FATO ANALISADO NA JUSTIÇA COMUM. IMPOSSIBILIDADE: CONSTRANGIMENTO ILEGAL CARACTERIZADO. INSTAURAÇÃO DE AÇÃO PENAL PERANTE O JUÍZO COMPETENTE. IMPOSSIBILIDADE. COISA JULGADA. PRECEDENTES. HABEAS CORPUS CONCEDIDO. 1. A teor do entendimento pacífico desta Corte, o trancamento da ação penal pela via de habeas corpus é medida de exceção, admissível quando emerge dos autos, de forma inequívoca, entre outras hipóteses, a atipicidade do fato. 2. A decisão de arquivamento do inquérito policial no âmbito da Justiça Comum, em virtude de promoção ministerial no sentido da atipicidade do fato e da incidência de causa excludente de ilicitude, impossibilita a instauração de ação penal perante a Justiça Especializada, uma vez que o Estado-Juiz já se manifestou sobre o fato, dando-o por atípico (precedentes). 3. Ainda que se trate de decisão proferida por juízo absolutamente incompetente, deve-se reconhecer a prevalência dos princípios do favor rei, favor libertatis e ne bis in idem, de modo a preservar a segurança jurídica que o ordenamento jurídico demanda. Precedentes. 4. Ordem concedida, acolhido o parecer ministerial, para trancar a Ação Penal n.º 484-00.2008.921.0004, em trâmite perante a Auditoria Militar de Passo Fundo/RS

(STJ – HC 173.397 RS 2010/0091949-3, 6.ª T., rel. Maria Thereza de Assis Moura, 17.03.2011, grifo nosso).

No mesmo sentido, está a jurisprudência uníssona do Tribunal de Justiça do Distrito Federal:

PENAL E PROCESSUAL. CONDENAÇÃO POR TRÁFICO DE DROGA. PRETENSÃO A REGIME ABERTO. IMPROCEDÊNCIA. SUBSTITUIÇÃO DA PENA. POSSIBILIDADE. SENTENÇA REFORMADA EM PARTE. 1. Réu condenado por infringir o artigo 33 da lei 11.343/06, eis que adquiriu de outro traficante pasta base de cocaína com o intuito de revendê-la, mas a carga foi apreendida com seu irmão, que viera a Brasília apenas para transportá-la para Porto Nacional, TO. 2. Se a sentença reconhece a presença dos pressupostos legais do art. 33, 4º, da lei de regência, não se justifica redução menor do que a fração máxima prevista na norma sem motivo justificado. Há sempre que prevalecer interpretação mais favorável ao réu, pelo princípio do favor rei, devendo a pena ser reduzida pela fração máxima de dois terços, salvo havendo fundamentação idônea que não a recomende. 3. a quantidade de droga apreendida e a nocividade da substância tóxica, em razão do poder viciante e das nefastas consequências sociais, desaconselham a substituição da pena por restritivas de direitos. 4. Recurso parcialmente provido

(TJDF - APR 1101445720098070001 DF 0010144-57.2009.807.0001, 1.ª T., rel. George Lopes Leite, 23.03.2011, grifo nosso).

1.6. VEDAÇÃO À OBTENÇÃO DE PROVAS ILÍCITAS

O princípio em voga gerou muita polêmica e embates entre os juristas antes de sua elevação a nível constitucional, pelo fato da sua imensurável importância na dosagem da formação do convencimento do magistrado acerca da lide. Em momento precedente ao advento da Carta Política de 1988, não havia uma regra que impedisse a produção de provas em juízo em descumprimento a normas de direito material, ou seja, seria aceitável que se apresentassem provas oriundas de transgressões a tais normas. Devido a isso, muitos doutrinadores e juristas buscavam solucionar o problema da ausência de norma a despeito do princípio em testilha, isto é, uma corrente defendia a total inadmissibilidade desse tipo de prova, e outra acreditava que deveria haver um equilíbrio de valores no caso concreto, haja vista que, em determinadas situações, a não aceitação poderia gerar gravíssima injustiça para a parte.

Com a nossa atual Constituição da República, hodiernamente, percebe-se que tal entrave parece estar consolidado, posto que o art. 5º, LVI, da CF/88, vaticina que, no processo, são inadmissíveis as provas obtidas ilicitamente, entretanto, não somente a afronta à CF/88 que implica no ensejo da proibição em epígrafe, como também o desrespeito ao direito material e processual. O CPP consagra o princípio em tela no art. 157, caput, alterado pela Lei n.º 11.690/2008, que disciplina: “são inadmissíveis, devendo ser desentranhadas do processo, as provas ilícitas, assim entendidas as obtidas em violação a normas constitucionais ou legais”. Sendo esse o contexto, exemplifica o ilustríssimo doutrinador Tourinho Filho (2009, p. 59), que “[...] uma busca e apreensão ao arrepio da lei, uma audição de conversa privada por interferência mecânica de telefone, [...], enfim, toda e qualquer prova obtida ilicitamente [...], não será admitida em juízo.”

Merece transcrição, também, os ensinamentos do doutrinador Guilherme de Souza Nucci, in fine:

O princípio significa a proibição de se valer de provas – elementos destinados à demonstração da verdade, persuadindo o julgador – maculadas pelo vício de origem, vez que extraídas por mecanismos ilícitos. De nada adiantaria a formação de um processo repleto de garantias constitucionais, focado no juiz e no promotor imparciais, com direito à ampla defesa e ao contraditório, realizado publicamente, para a segurança de todos, além de formalizado por inúmeras regras garantistas se o principal núcleo de avaliação, voltado à apuração da verdade dos fatos, estivesse manchado pela ilicitude.

..........

A vedação constitucional não diz respeito à formação da prova ilícita, quando por meios lícitos, mas, sim, à obtenção da prova ilícita, por mecanismos ilícitos (2010, p. 322, 323).

Cumpre destacar, contudo, que prova ilícita é uma espécie da qual o gênero é a “ilicitude” ou “prova ilegal”, como parte da doutrina também costuma denominar, e, além daquela, essa, ainda, possui a chamada prova ilegítima como uma segunda espécie. A primeira, prova ilícita, como já enfocado em parágrafos anteriores, constitui uma ofensa ao direito material, como, p. ex., a tortura, gerando, dessa forma, nulidade absoluta. Ao passo que a segunda, prova ilegítima, ofende o direito processual, como exemplo o despacho não fundamentado, possuindo, a contrario sensu, nulidade relativa, ou seja, até poderá ser reproduzida em juízo, contanto que a formalidade processual seja devidamente corrigida.

A produção de provas ilícitas, como se tem sustentado ao longo da subseção desse capítulo, como regra, tem por resultado a sua abolição do processo. Por outro lado, em se tratando de prova imprescindível para garantir a inocência do acusado, de forma alguma poderá ser ignorada, tendo em vista o antigo e eterno conflito entre a moral e o direito, ou seja, o dever do operador é lutar pelo direito, mas a partir do momento em que encontrar o direito em conflito com a justiça, opta-se pela última. Dessa forma, apesar do papel do Estado em garantir a aplicação plena da lei, vedando, assim, a produção de provas ilícitas, deve-se primar pela justiça, para que não resulte em erro judiciário, prevalecendo-se, pois, o interesse do réu.

Nesse contexto, assevera o professor Guilherme de Souza Nucci:

Se a prova se forma em torno da culpa do réu, objetivando alterar seu natural estado de inocência, obtida uma prova segura de sua não culpabilidade, embora advinda de meios ilícitos, deve-se utilizá-la, garantindo-se a harmonia maior dos princípios constitucionais. Apure-se e puna-se, se for o caso, o produtor da ilicitude, mas não se deve desprezar a prova da inocência, pois o fim maior do processo é a realização da justiça (2010, p. 324, grifo nosso).

Em sede jurisprudencial, assim como na doutrina, há um temperamento quanto à vedação das provas ilícitas, ou seja, é pacífico o entendimento de que prova ilícita é tida como inexistente, devendo ser desentranhada do processo, conforme o disposto no caput do art. 157, do CPP. Percebe-se, porém, uma mitigação da garantia constitucional estabelecida no art. 5º, LVI, da CF/88 pelo STF. Nesses passos, por exemplo, o órgão supremo já se pronunciou acerca de licitude na gravação de conversa telefônica, feita pela vítima, capturando diálogos entre os criminosos. Nesse aspecto, está a jurisprudência do Excelso Pretório:

AGRAVO REGIMENTAL. ALEGAÇÃO DE OFENSA AO ARTIGO 5º, XII, LIV e LVI, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. RECURSO EXTRAORDINÁRIO QUE AFIRMA A EXISTÊNCIA DE INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA ILÍCITA PORQUE EFETIVADA POR TERCEIROS. CONVERSA GRAVADA POR UM DOS INTERLOCUTORES. PRECEDENTES DO STF. AGRAVO REGIMENTAL IMPROVIDO. 1. Alegação de existência de prova ilícita, porquanto a interceptação telefônica teria sido realizada sem autorização judicial. Não há interceptação telefônica quando a conversa é gravada por um dos interlocutores, ainda que com a ajuda de um repórter. Precedentes do Supremo Tribunal Federal. 2. Para desconstituir o que afirmado nas decisões impugnadas, seria necessário amplo exame do material probatório, o que é inviável na via recursal eleita. 3. Agravo regimental a que se nega provimento

(STF - RE-AgR 453562 SP, 2.ª T., rel. Joaquim Barbosa, 23.09.2008).

No tocante às provas ilegítimas, que são aquelas obtidas em divergência da lei processual penal, também são nulas, cabendo à parte interessada apontar a referida nulidade ou ao próprio juiz declará-la ex officio. Ocorre que a nulidade em questão é relativa, podendo ser convalidada, isto é, conforme o vício que carrega em seu bojo, pode ser sanado e aproveitado o ato processual, mas se for um defeito de gravidade exorbitante, não poderá ser utilizado, devendo-se, então, refazê-lo. Nesse sentido, as disposições constantes no art. 563: “nenhum ato será declarado nulo, se da nulidade não resultar prejuízo para a acusação ou para a defesa”; e no art. 566; “não será declarada a nulidade de ato processual que não houver influído na apuração da verdade substancial ou na decisão da causa”, todos do CPP.

Do mesmo modo que as provas ilícitas são inadmissíveis, não obstante as exceções já explanadas, as originadas por derivação dessas, consequentemente, também são, consoante o disposto no § 1º do art. 157, do CPP. Como assevera Nucci (2010, p. 327): “são igualmente inadmissíveis [...] as provas resultantes das originalmente ilícitas, formando uma corrente, cujos elos são interligados de modo invariável”. Os nossos tribunais vêm adotando esse entendimento de que essas provas resultam contaminadas – Teoria da árvore dos frutos envenenados ou fruits of the poisonous tree –, e, portanto, também ilícitas e inadmissíveis. Assim, está a decisão do TRF-4.ª Região acerca do tema:

A obtenção da prova, mesmo no âmbito do inquérito policial, deve observar certos princípios e regras, sob pena de ser considerada nula e não se prestar ao embasamento de eventual e futura ação penal. Não pode o juízo limitar-se a negar os pedidos formulados no curso do apuratório somente sob a alegação de que em tal fase não vige o direito de defesa e do contraditório. Com efeito, acolhida a doutrina da contaminação dos frutos da árvore envenenada – fruits of the poisonous tree –, necessariamente teremos de reconhecer que as provas ilícitas (inclusive por derivação) devem ser consideradas nulas, independentemente do momento em que foram produzidas (HC 2008.04.00.06100-1-PR, 8.ª T., rel. Paulo Afonso Brum Vaz, 02.04.2008).

Frisa-se, por oportuno, que o STF, recentemente, tem aceitado a utilização do princípio da proporcionalidade para a fundamentação das decisões de alguns de seus julgados, admitindo a prova ilícita por derivação, todavia, somente em prol da defesa, ou seja, pro reo, e jamais favorável ao Estado ou pro societate, visto considerar o princípio da inocência acima de outros valores, inclusive dos públicos, posto estar lidando com a privação da liberdade de um indivíduo.

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Sobre o autor
Leandro Tavares Ferreira

Advogado atuante nas áreas cíveis, criminais, previdenciárias e consumeristas. Especialista em Direito Constitucional. Servidor Público Federal.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FERREIRA, Leandro Tavares. Psicografia no processo penal: a admissibilidade de carta psicografada como prova judicial lícita no direito processual penal brasileiro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3412, 3 nov. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/22918. Acesso em: 21 nov. 2024.

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