2. DIREITO À PROVA NO PROCESSO PENAL
Um dos temas mais importantes e relevantes da processualística penal é o direito à prova, imprescindível para o recolhimento de elementos necessários à realização da justiça, alcançando-se, assim, a verdade real pelo magistrado. Na medida em que esse é provocado a exercer a sua função jurisdicional, deverá declarar o direito em questão e, no que tange em particular ao processo penal, identificar a responsabilidade criminal, fixando a respectiva sanção ou não – em se tratando de improcedência da pretensão punitiva do Estado – ao sujeito que praticou o delito, de acordo com o seu livre convencimento. O julgador deverá fundamentar a sua decisão de acordo com as provas produzidas ao longo da instrução, levando-se em consideração todo o arcabouço probatório apresentado pelas partes, posto ser um direito público subjetivo, com o fito de extrair os elementos que basearão a futura sentença, seja condenatória ou absolutória, devendo ser, acima de tudo, justa e coerente com o material probante realizado.
Importante assinalar que o direito à prova está introduzido na garantia constitucional do due process of law, ou seja, o órgão jurisdicional tem a obrigação de proporcionar aos sujeitos da lide, no caso concreto, a plena participação na produção das provas a que o juiz achar conveniente, posto que a afronta a esse pressuposto estaria prejudicando o contraditório e, consequentemente, o devido processo legal.
Nesse capítulo serão abordados e discutidos apenas alguns meios de provas que possuem correlação ao estudo da psicografia como prova jurídica lícita, a saber, a prova documental, a pericial, o interrogatório do réu e a testemunhal. Os demais meios expressos no CPP, apesar da grande importância no ordenamento jurídico, não serão objetos de estudos da presente monografia.
2.1 CONCEITO DE PROVA
O termo “prova”, etimologicamente, vem do latim probatio, emanado do verbo probare, significando reconhecer, verificar, formar juízo de, confirmar, examinar, aprovar, ensaiar etc. No sentido jurídico, entende-se ser a demonstração pelas partes da existência da veracidade de um ato jurídico ou de um fato material, com o escopo de convencer o julgador a respeito da verdade ocorrida sob a óptica de quem o alega, isto é, constituirá a prova a exposição dos fatos em que se fundamenta a pretensão do autor e daquilo que o réu atesta em contraposição ao arguido por aquele.
A reforma recente do CPP, em 2008, não retirou do juiz os poderes instrutórios para a produção de provas, apenas deixou-o em papel secundário, privilegiando a atuação das partes. Porém, o magistrado continua capaz de buscar livremente a verdade dos fatos que são levados ao seu conhecimento pelos protagonistas do processo, com o escopo de comprovar a veracidade de uma afirmação, desde que não ilícitos ou imorais, constituindo, dessa forma, prova para o seu julgamento, sem comprometer o princípio da imparcialidade do julgador ou o princípio da inércia, inalterando o sistema acusatório.
Registra-se que a prova não acarreta em uma obrigação, mas sim em um ônus, ou seja, a faculdade ou o encargo que a parte possui para demonstrar o que alegou em seu próprio benefício, durante a instrução processual – é o que dispõe o art. 156 do CPP, primeira parte, alterado pela Lei nº 11.690/2008. Nesses termos, colaciona-se o ensinamento do magnânimo professor Camargo Aranha (1996, p. 8): “Ônus probandi é, pois, o encargo que têm os litigantes de provar, pelos meios admissíveis, a verdade dos fatos, conforme for a distribuição de tal imposição.”
Ocorre, entretanto, que no processo penal, após oferecida a denúncia, nas ações penais públicas, cabe exclusivamente ao Ministério Público provar o fato delituoso, ou à vítima, quando da propositura da queixa-crime, nas ações penais privadas, devendo a defesa se ater somente aos fatos extintivos, modificativos ou impeditivos da pretensão acusatória, tendo em vista que o não cumprimento do ônus por parte do réu não culmina, necessariamente, à procedência da imputação penal, pois, aqui, o ônus da prova é diminuído ou imperfeito, como denomina a doutrina pátria, de acordo com o princípio in dubio pro reo, que leva à absolvição em casos de imputação duvidosa. Cabe, ainda, ao autor – MP ou querelante – fazer prova do dolo e da culpa (negligência, imprudência ou imperícia) do acusado. Assim, leciona o professor Fernando Capez:
A prova da alegação (ônus probandi) incumbe a quem a fizer (CPP, art. 156, 1ª parte). Exemplo: cabe ao Ministério Público provar a existência de fato criminoso, da sua realização pelo acusado e também a prova dos elementos subjetivos do crime (dolo ou culpa); em contrapartida, cabe ao acusado provar as causas excludentes da antijuricidade, da culpabilidade e da punibilidade, bem como circunstâncias atenuantes da pena ou concessão de benefícios legais. Caso o réu pretenda a absolvição com fulcro no art. 386, I, do Código de Processo Penal, incumbe-lhe ainda a prova da “inexistência do fato” (2008, p. 317).
No mesmo sentido, entende o doutrinador Julio Fabbrini Mirabete:
No processo penal condenatório, oferecida a denúncia ou queixa cabe ao acusador a prova do fato e da autoria, bem como das circunstancias que causam o aumento de pena (qualificadoras, agravantes etc.); ao acusado cabe a prova das causas excludentes da antijuricidade, da culpabilidade e da punibilidade, bem como das circunstâncias que impliquem diminuição de pena (atenuantes, causas privilegiadoras etc.) ou concessão de benefícios penais [...] (2008, p. 258).
Impende observar que o art. 156, segunda parte, e incisos I e II, do CPP, traz a possibilidade de atuação do magistrado no que concerne à produção de provas. Destaca-se, por oportuno, o termo “mesmo antes da ação penal”, constante no inciso “I” do artigo retro, deve ser analisado e interpretado conforme o sistema constitucional pátrio, ou seja, o magistrado só produzirá provas, na fase inquisitorial, de acordo com o pedido da parte interessada e não ex officio, só o podendo se houver processo instaurado, nesse último caso, sob o risco de incorrer em inconstitucionalidade.
Enfatiza-se, oportunamente, o momento para a produção da prova durante a instrução do processo. Na definição de Couture apud Aranha (1996, p. 39): “Produção da prova vem a ser o conjunto de atos processuais que é mister para trazer a juízo os diferentes elementos de convicção oferecido pelas partes.”
Para a acusação, seja em ação penal pública ou privada, no momento de oferecimento da denúncia ou queixa, há a exigência prévia de juntada de determinadas provas, e um dos principais requisitos, quiçá o mais importante, ao lado das condições da ação, é a existência da justa causa penal em face do sujeito passivo do processo, confirmando, assim, a sua autoria e materialidade do crime, embora grande parte da doutrina entenda que a justa causa está intrínseca ao interesse de agir, que é uma das condições da ação. O professor Camargo Aranha enumera alguns procedimentos especiais que exigem provas determinadas para a instauração da ação penal, bem como as peças especiais, ipsis verbis:
[...] b) nos crimes de responsabilidade dos funcionários públicos (documentação ou justificação) de natureza especial, fazendo presumir a existência de um crime (CPP, art. 513); c) nos crimes contra a propriedade imaterial e que deixam vestígios será necessário o exame pericial dos objetos que constituem o corpo de delito, a ser feito na forma prevista pelo processo específico (CPP, arts. 524 e 525); d) o exemplar do jornal ou periódico ou a notificação (art. 57) nos casos previstos pela Lei n. 5.250 (art. 43) (1996, p. 40).
Frisou-se, anteriormente, que a denúncia, como regra geral, virá instruída com as provas colhidas durante a investigação criminal, realizada pela polícia judiciária, sendo que serão obtidas mediante uma instrução preparatória, porém, servirá apenas para dar embasamento à denúncia ou queixa, demonstrando a justa causa penal do agente. A verdadeira instrução probatória se dará quando já proposta a ação penal – pública ou privada –, pois passará, nessa fase, pelo crivo do contraditório e ampla defesa, sendo bastante para embasar uma decisão condenatória ou absolutória, conforme o caso.
Urge destacar que apesar de determinadas provas colhidas na fase policial serem de grande importância, p. ex., exame pericial, devem, via de regra, ser repetidas em juízos, pelo mesmo motivo exposto alhures. Entretanto, quando se tornar impossível a sua realização na fase judicial, denominando-se “provas irrepetíveis”, servirão para embasar a decisão do julgador, tendo em vista ter tornado-se perecíveis, como é o caso de desaparecimento de vestígios do crime, o que impossibilitaria a realização de um novo exame de corpo de delito.
O momento principal para a produção de provas é durante a audiência de instrução e julgamento, tendo em vista o nosso Código Processual adotar o princípio da oralidade, devendo ser ouvido, nessa fase, o ofendido, as testemunhas arroladas, realizada as acareações devidas, entre outros. No tocante à prova documental, essa poderá ser apresentada em qualquer fase do processo, salvo os casos excepcionais. Ressalte-se que tais meios de provas serão devidamente analisados amiúde nas seções subsequentes desse capítulo.
2.2 CLASSIFICAÇÃO DAS PROVAS
Em nosso ordenamento jurídico surgiram diversas classificações concernentes às provas, porém, a que mais se destacou, por ser mais perfeita e prestigiada pela jurisprudência, foi a do doutrinador Nicola Framarino dei Malatesta, agraciado pelo professor Camargo Aranha, em sua obra “Da prova do processo penal” (1996), que leva em consideração a natureza e a produção das provas, assentando tal classificação em três critérios: o do conteúdo ou objeto, o do sujeito e o da forma com que se apresenta a prova.
Quando se fala em conteúdo ou objeto, refere-se ao fato o qual deseja ver reconhecido. Essa classificação desdobra-se em direta ou indireta. Será direta quando a prova produzida referir-se imediatamente ao fato probando, e indireta quando disser respeito a fato diverso, chegando-se à conclusão final através de um raciocínio. Exemplifica Camargo Aranha:
Quando uma pessoa é chamada em juízo e, depondo, afirma ter visto o réu, de arma em punho, ameaçando a vítima e retirando bens, temos uma prova direta sobre o roubo, pois se está falando sobre o próprio fato cuja existência é o fulcro da acusação. Entretanto, se a testemunha afirma apenas ter visto o réu ser preso e com ele encontrado relógio reclamado pela vítima, temos apenas uma prova indireta do roubo, pois para se chegar ao fato probando usaremos do raciocínio indutivo (1996, p. 23, grifo nosso).
Deve-se levar em consideração para o sujeito da prova, a pessoa ou coisa de que dela advém, podendo ser real ou pessoal. Considerar-se-á pessoal quando se tem a afirmação de um sujeito, através de sua consciência, de impressões mnemônicas, seja por conhecimento próprio, visual, seja por terceiros, por ouvir dizer, p. ex., a prova testemunhal. Figurar-se-á na modalidade real quando a prova puder se manifestada sem qualquer influência humana, mas de um real vestígio do fato que se deseja provar, como acontece com as perícias realizadas em objetos.
Por derradeiro, a última classificação é com relação à forma com que se apresenta a prova, subdividindo-se em testemunhal, documental e material. Apresenta-se como prova testemunhal a produção através de palavras, escritos ou outro processo, como as oitivas das testemunhas, informantes e vítimas, além da acareação. Será enquadrada como prova documental: os escritos particulares e públicos, as cartas, os livros etc., desde que não produzida oralmente. E material, o exame de corpo de delito, perícias técnicas, vistorias, etc., tratando-se da verificação de coisa em sua materialidade.
Repisa-se que, regra geral, a prova obtida em inquérito policial precisa ser repetida em juízo, submetida ao contraditório prévio sob a presença de um magistrado, representante do Ministério Público e de um defensor, seja dativo ou constituído.
2.3 MEIOS DE PROVA
Considera-se meio de prova tudo que possa ser útil a demonstrar a verdade a que se busca no processo, seja direta ou indiretamente, como perícias, documentos, depoimentos, dentre outros. É notório que em nosso ordenamento processual penal vigora o princípio da busca da verdade real, perfeitamente abordado no capítulo 01, seção 1.4, em que não há a possibilidade de limitação ao direito à prova, sob o risco de malograr a justa aplicação da legislação pelo Estado-Juiz.
Apesar do referido entendimento adotado pela doutrina majoritária, o princípio da liberdade probatória não é absoluto, tendo em vista que o parágrafo único do art. 155, do CPP, incluído pela Lei nº 11.690/2008, assevera que no tocante ao estado das pessoas, as restrições estabelecidas na lei civil quanto à prova deverão ser observadas. Outros dispositivos processuais que também demonstram a limitação à prova são o art. 158, CPP – exige o exame de corpo de delito para as infrações que deixarem vestígios, não podendo ser suprido pela confissão do acusado –, art. 5º, LVI, da CF/88, que veda a obtenção de provas obtidas por meios ilícitos, entre outros.
O CPP aborda o tema das provas no Título VII, Capítulos I a XI, artigos 155 a 250. A presente seção dessa monografia abordará os principais meios de provas que estão intrinsecamente ligados à psicografia como prova jurídica lícita, a saber a prova documental, a pericial, o interrogatório do acusado e a testemunhal.
2.3.1 Da prova documental
O nosso Código de Processo Penal vem tratando do tema da prova documental nos arts. 231 a 238. A origem da palavra documento vem do latim doceo, doces, docui, doctum, docere, que tem como significado “ensinar, mostrar, indicar”. Importante assinalar que a definição de “documento” pode ser aferida tanto em sentido amplo quanto em sentido estrito. Naquele é qualquer coisa que representa um fato, como, p. ex., os monumentos históricos, ao passo que nesse insere-se um conteúdo bem mais intelectual, por intermédio de um escrito ou outros sinais, imagens, etc.
A nossa Lei Adjetiva Penal adotou o documento em sentido estrito, pelo que se infere do art. 232 do CPP, no qual “consideram-se documentos quaisquer escritos, instrumentos ou papéis, públicos ou particulares.” Observa-se que o texto infralegal não mencionou como tipos de documentos, naquela definição, as fotografias, desenhos, pinturas, fitas e vídeos gravados. Entretanto, como bem acentua Tourinho Filho:
[...] embora o legislador processual penal conceituasse de maneira tão restrita os documentos, considerando, como tais, apenas os escritos, isto é, os documentos em que a idéia ou o fato é representado pelos sinais gráficos da escrita, o certo, contudo, é que em várias passagens faz alusão a documentos gráficos e diretos (2009, p. 365, v. 3, grifo do autor).
Assim, poder-se-á considerar como documentos os escritos, aqueles representados na forma escrita no papel; os gráficos, representados por outra forma diversa da escrita – desenhos, pinturas, esquemas... – e, ainda, os documentos diretos, quando o fato é representado de forma direta, como, p. ex., fotografias e gravações. Há de se destacar que no tocante ao novo procedimento do júri, o art. 479, parágrafo único, do CPP, com a devida reforma processual, reconheceu como documentos jornais ou qualquer outro escrito, bem como a exibição de gravações, fotografias, laudos, quadros, croqui ou qualquer outro meio assemelhado, devendo ser apresentados em no mínimo três dias úteis antes dos trabalhos do júri popular para dar ciência à outra parte, com o fundamento da aplicação do princípio do contraditório, sob pena de nulidade.
Analisando, ainda, o texto extraído do art. 232 do CPP, o legislador classificou os documentos, quanto ao sujeito que a expediu, em públicos ou particulares. Será público o documento expedido na forma prescrita em lei, quando lavrado por funcionário público no exercício de sua função ou fornecida pela repartição pública, como, p. ex., uma carteira de habilitação, uma escritura pública entre outros. Será particular ou privado quando feito ou assinado por particulares sem a interferência de um funcionário público no exercício de suas atribuições. A doutrina, ainda, traz muitas outras classificações relativas aos documentos, quais sejam, quanto ao fim, à função probatória, à relação existente entre o autor e o processo, quanto à sua formação e forma. Apesar da relevante importância de tais classificações doutrinárias, data venia, não serão enfocadas no presente trabalho.
O momento para a apresentação do documento, de acordo com o art. 231 do CPP, é em qualquer fase do processo, ressalvando os casos expressos em lei. Então, em regra, enquanto não findo o processo, os documentos podem ser juntados pelas partes; a exceção encontra-se prevista no novo rito do júri, disposto no art. 479, tratando da aceitação da juntada aos autos de documentos com a antecedência mínima de três dias durante o julgamento em plenário, como esposado outrora.
O CPP aceita a apresentação de quaisquer documentos durante a instrução processual, excetuadas as cartas particulares, interceptadas ou obtidas por meios criminosos (art. 233). Além do que o próprio magistrado poderá providenciar a juntada do documento, de ofício, caso tenha notícia de sua existência referente a ponto relevante da acusação ou da defesa (art. 234), tudo para a ‘perfeita’ busca da verdade real. Insta ressaltar que nas hipóteses dos art. 233 (documentos interceptados ou obtidos por meios criminosos), art. 243, § 2º (apreensão de documento em poder do defensor/advogado do acusado, se não for elemento do corpo de delito), e se o documento contiver segredo profissional, obstarão a atuação do magistrado para que determine a apreensão e juntada de tais provas.
O documento, obviamente, deve ser legítimo, demonstrando a certeza de sua procedência, assim como a sua autoria, sendo que, em alguns momentos o CPP exige sua autenticação (arts. 235 e 237), chegando, inclusive, a exigir exame pericial quando houver dúvida sobre a autenticidade, no caso específico de documentos particulares, tendo em vista que os públicos gozam, em princípio, de legitimidade, tendo em vista ser emanados por repartições e lavrados por funcionários públicos dotados de fé pública.
No que tange aos documentos escritos em língua estrangeira, o CPP assevera, com disposição no art. 236, que deverão ser traduzidos por tradutor público ou, na falta desse, por pessoa idônea a ser nomeada pelo magistrado, podendo ser, após, imediatamente juntada aos autos do processo. Quanto à desnecessidade de documento no processo, não tendo, dessa forma, mais utilidade, pode a parte requerer o seu desentranhamento dos autos, e o magistrado, após a oitiva do MP, determinar a entrega do documento ao requerente, conforme se estatui do art. 238, do novel diploma processual penal. Vale ressaltar que nem todo documento poderá ser desentranhado do processo, mesmo esse findado, pelo fato do advento de uma sentença penal condenatória, na qual garantirá, a qualquer tempo, a revisão criminal, já que os autos originais poderão ser requisitados para a juntada de uma futura ação revisional.
Há de se observar que a carta psicografada está intimamente ligada como um meio de prova documental e, acima de tudo, dotada de licitude, pois não afronta, evidentemente, o nosso ordenamento jurídico quanto a sua elaboração, seja constitucional seja infraconstitucional, isto é, não há qualquer lei no sentido de aceitar ou não o documento psicografado como prova processual, cabendo, exclusivamente, ao julgador aceitá-la ou não como prova a ser carreada aos autos. O mais interessante é que já houve, na história do Direito brasileiro, a utilização desse tipo de mensagem espiritual como prova jurídica na prática forense, principalmente nas sessões do Tribunal do Júri popular. Adiante, em capítulo próprio, tratar-se-á da sua admissibilidade como prova lícita.
2.3.2 Das demais provas
2.3.2.1 Da prova pericial
A prova pericial está estatuída nos arts. 158 a 184 do CPP. Perícia é o exame realizado por profissionais com conhecimentos técnicos e específicos para aquele determinado fato, com o objetivo de servir como prova para dar embasamento à decisão do magistrado. O Processo Penal Brasileiro destaca que o referido exame deverá ser realizado por perito oficial, portador de diploma de curso superior, e, na sua falta, por duas pessoas idôneas e diplomadas em um curso superior, preferencialmente na área específica, conforme giza o art. 159 do CPP.
É importante destacar que as perícias técnicas estão, a cada dia da prática forense, tomando caminhos mais precisos e fundamentais para a certeza do fato ocorrido. Análises químicas, exames de DNA, laudos diversos, entre outros, são exemplos rotineiros de que a perícia serve de suporte à constatação e elucidação dos fatos, posto quanto maior o grau de precisão das análises, maior o convencimento permitido ao juiz na intensa busca da verdade real.
Ora, é certo que o juiz não está vinculado à valoração e opinião do perito, podendo se valer de seu livre convencimento motivado para aceitar ou rejeitar o laudo no todo ou em parte, posto que a perícia, em si, não caracteriza verdade absoluta, de acordo com o entendimento subjetivo de cada magistrado.
Um fator é evidente no processo penal: quando o fato perpetrado pelo agente deixar vestígios, indispensável se faz o exame de corpo de delito, seja direto ou indireto, não podendo supri-lo a confissão do acusado – art. 158, CPP –, ou seja, caso não se efetue a referida perícia, como, p. ex., nos crimes de homicídio, roubo, estupro, lesão corporal etc., acarretará nulidade do processo. Então, infere-se que o legislador procurou dar um valor maior à prova pericial, especialmente no que tange ao exame de corpo de delito.
Observa-se, por derradeiro, que o artigo em voga trata de exame de corpo de delito direto e indireto. O primeiro é aquele realizado pelo perito técnico diretamente no corpo de delito, ao passo que o último será quando não for possível o exame direto nos vestígios do crime por ter desaparecido; assim, outros meios – tidos como indiretos – servirão como exame de corpo de delito, podendo ser a prova testemunhal, a prova documental e outros.
No tocante à carta psicografada, o exame pericial é fundamental para constatar a autenticidade do documento escrito. Trata-se de exames grafotécnicos ou grafológicos, no qual serão confrontados documentos padrões com coletas gráficas do acusado, nos termos do art. 174 do CPP. O assunto referente à grafoscopia será tratada com mais propriedade no capítulo seguinte, seção 3.3, subseção 3.3.3, deste trabalho.
2.3.2.2 Do interrogatório do acusado
O interrogatório do acusado está disposto nos art. 185 a 196 da Lei Adjetiva Penal. É um ato indispensável na fase processual, desde que presente o autor do fato criminoso, tendo em vista que esse será o primeiro contato pessoal que o magistrado terá com o réu, devendo dar uma credibilidade para a sua versão do ocorrido. O que mudou drasticamente no procedimento comum, com a reforma operada em 2008, foi que o interrogatório passou a ser o último ato a ser efetuado após todos os demais meios de prova, nos moldes do art. 400 do CPP, como forma de dar maior força ao princípio do contraditório no processo, vez que o réu saberá como as testemunhas, p. ex., se portaram a seu respeito, rebatendo todas as acusações que eventualmente tenham sido dirigidas a sua pessoa.
A doutrina, comumente, discute sobre a natureza jurídica do interrogatório do acusado, se seria meio de prova ou meio de defesa. Tourinho Filho (2009, v. 3, p. 278) entende que apesar da sua posição topográfica no CPP, constante no capítulo referente às provas, o interrogatório seria meio de defesa, argumentando que, mesmo em sendo fonte de prova, a Carta da República assegura ao acusado o direito ao silêncio, o que demonstra ser um meio de defesa.
Entretanto, a doutrina majoritária não comunga da posição do magnânimo jurista, posto que o legislador, mesmo após a reforma de 2008, optou por inserir o referido assunto no capítulo referente aos meios de provas, sendo suficiente para atribuí-la tal natureza jurídica. E mesmo a Constituição ter reconhecido o direito ao silêncio, no art. 5º, LXVIII, não retira do interrogatório do acusado o caráter substancial de ser um meio de prova, posto que apenas faculta a não autoincriminação do réu.
Nesse sentido, como bem acentua o professor Camargo Aranha:
[...] inegavelmente, diante da lei processual em vigor, é um meio de prova, tanto que serve como alicerce condenatório, funcionando, acidentalmente, como meio de defesa.
........
Em primeiro lugar, porque colocado no Código entre as provas e como tal considerado pelo julgador ao formar sua livre convicção; depois porque as perguntas podem ser feitas livremente, apenas obedecendo-se às diretrizes do art. 188; em terceiro porque pode atuar contra o acusado, no caso de confissão, como em seu favor [...] (2006, p. 80).
Entende-se, por oportuno, que o interrogatório pode ser caracterizado tanto como um meio de prova quanto um meio de defesa, tendo em vista que o legislador buscou assegurar ao réu a presença de defensor para dar maior credibilidade ao processo e garantir o contraditório em juízo. Assim, embora, tecnicamente, possua natureza de meio de defesa, não perderá, certamente, seu caráter de meio de prova.
Como disposto anteriormente, a presença do acusado é importantíssima para que ocorra o interrogatório, constituindo a regra geral, no entanto, se este não comparecer, encontrando-se em local incerto ou não sabido ou exista outra causa que justifique sobremaneira a citação via edital, por exceção, o interrogatório não será realizado, todavia, poderá ocorrer uma vez comparecendo o acusado em qualquer fase do processo, conforme se extrai dos termos do art. 185 do CPP.
Observa-se que o interrogatório é ato oral, e só admite exceção no caso de o réu ser surdo e mudo, quando serão admitidas, excepcionalmente, perguntas e respostas por escrito ou pessoa habilitada a entendê-lo quando o interrogando não souber nem ler ou escrever, na forma do art. 192 do CPP.
2.3.2.3 Da prova testemunhal
Encontra-se amoldada nos arts. 202 a 225 do CPP, a prova testemunhal. É considerada pela doutrina como uma das mais importantes para o processo, visto que atesta a existência concreta de um fato. Contudo, devido a pessoa humana ser falha, principalmente no momento em que vai dar o testemunho, é muito comum que no depoimento em juízo seu emocional esteja exaltado e, consequentemente, os fatos acabam sendo distorcidos, tendo em vista que percepções da testemunha serão dadas sobre fatos pretéritos, por isso que os doutrinadores, vulgarmente, chamam-na de “a prostituta das provas”.
Guilherme de Souza Nucci define:
Testemunhas são pessoas que depõem sobre fatos, sejam eles quais forem. Se viram ou ouviram dizer, não deixam de ser testemunhas, dando declarações sobre a ocorrência de alguma coisa. A pessoa que presencia um acidente automobilístico, por exemplo, narra ao juiz os fatos, tais como se deram na sua visão. Lembremos, sempre, que qualquer depoimento implica uma dose de interpretação indissociável da avaliação de quem o faz, significando, pois, que, apesar de ter visto, não significa que irá contar, exatamente, o que e como tudo ocorreu (2010, p. 457, grifo do autor).
Levando em consideração a falibilidade humana, o juiz, no momento de sopesar as provas dos autos, deve levar em consideração tal percepção, sempre equilibrando os fatos com o seu livre convencimento.
Assim como o interrogatório do acusado, a prova testemunhal deve primar pela oralidade, devendo a testemunha dizer ao juiz, no momento de sua inquirição, quando não se recordar de determinado fato. A exceção, todavia, como o meio de prova anterior, está no tocante à testemunha surda, muda ou surda-muda, momento em que as perguntas e respostas poderão ser feitas por escrito, nos termos do art. 192 c/c art. 223 do CPP, assim como no caso de a testemunha ser algumas das autoridades dispostas no art. 221, §1º, do CPP, caso em que receberão as perguntas por escrito e poderão também responder pela mesma via.
A doutrina classifica a testemunha em própria e imprópria. Será própria a testemunha que presenciou o fato ou ouviu dizer sobre ele, ou seja, referir-se-á sempre com relação ao thema probandum, ao passo que a imprópria dará seu depoimento não sobre o fato propriamente dito cometido pelo agente criminoso, mas sim sobre os atos procedimentais ocorridos, p. ex., durante a prisão em flagrante, se esta aconteceu de forma regular, se a autoridade policial estava presente no momento da condução e autuação.
Há de destacar outra classificação agraciada pela doutrina pátria, no que tange o meio de prova em comento, a divisão em testemunhas numerárias, informantes e referidas. Serão numerárias as testemunhas computadas em número legal para ser ouvida em juízo, como, p. ex., no procedimento comum ordinário o número legal são oito testemunhas, no procedimento comum sumário, cinco testemunhas, e assim por diante. Importante frisar, oportunamente, que tais testemunhas devem prestar o compromisso legal perante a autoridade judiciária. As testemunhas informantes, ao contrário das primeiras, são aquelas em que não há a obrigação legal de falar a verdade em juízo, isto é, não prestam o compromisso e não se computam em um certo número legal. Notadamente, essas não possuem o mesmo peso probante que àquelas, posto se verificar que há algum vínculo afetivo ou social entre elas e as partes. Tem-se, por fim, as testemunhas referidas que são as citadas no decorrer da oitiva de outra testemunha ou mesmo da própria parte, e que podem ser ouvidas em juízo e fora do número legal, indiscutivelmente.
Nessa esteira, um fator importante a ser observado são as pessoas que estão proibidas de depor, embora, via de regra, consoante disposição do art. 206 do CPP, a testemunha não poderá eximir-se de tal obrigação. São aquelas dispostas na segunda parte do art. 206 e 207, ambos do CPP, ou seja, ascendente, descendente, afim em linha reta, cônjuge, irmão, e aquelas que em razão do ofício ou profissão, razão de função ou ministério devam guardar sigilo. Assim, por disposição legal, tais pessoas não têm o dever de estar em juízo para prestar depoimento, tanto que o legislador as escusou de tal arte, especificamente aquelas dispostas no art. 206 do CPP, tendo em vista a ligação afetiva e familiar com a pessoa acusada pelo delito.
2.4 PROVA INOMINADA
Em nosso ordenamento jurídico existem duas categorias de provas aceitas: as nominadas e as inominadas. As provas nominadas são aquelas com nomes e formas predeterminadas nas leis penais e processuais penais, como as observadas nas seções anteriores: documentos, perícias, interrogatório, testemunhos etc. Cumpre, aqui, tratar da segunda categoria aceita pelo ordenamento jurídico vigente, qual seja, a relativa às provas inominadas, aquelas produzidas e anexadas aos autos do processo sem a devida expressa previsão legal para a sua existência, desde que sua produção seja dada por meios lícitos, em regra, e suscetíveis de obter a certeza no caso concreto.
Portanto, as provas inominadas são, indubitavelmente, meios de prova idôneos, tudo para a comprovação da verdade que se procura no processo, ressalvado o disposto no artigo 5º, inciso LVI, da CF/88 e do art. 157, do CPP, que tratam da prova ilícita, pois que para serem válidas, tais provas devem ser apresentadas no devido processo legal sob o crivo do contraditório.
Ocorre que antigamente não havia qualquer previsão no CPP da aceitação de tais provas ditas inominadas – p. ex., filmagens, gravações, croqui, interceptações telefônicas, fotografias... –, no entanto, com a evolução da tecnologia, o legislador precisou se adequar a determinados avanços da humanidade, e as provas em deslinde passaram a ser bastante comuns nos autos processuais, ganhando, hodiernamente, após a reforma em 2008 do CPP, referência no aludido artigo 479, conforme redação dada pela Lei nº 11.689.
2.5 SISTEMAS DE AVALIAÇÃO DA PROVA
Ao término da fase de produção das provas, passa-se, então, à apreciação do magistrado, que incumbirá a valoração e fundamentação de todo o arcabouço probatório. Consoante Camargo Aranha (1996, p. 62): “A avaliação da prova é um ato eminentemente pessoal do juiz, somente seu, mediante o qual [...] chega a uma conclusão sobre o alegado”. Inquestionável o entendimento da doutrina e jurisprudência no que tange às partes fornecer elementos para a apreciação do magistrado, por meio de razões, debates, alegações etc., todavia, a avaliação do julgador é a preponderante no processo, seja certa ou errada de acordo com o caso concreto.
No desdobramento da história do direito, merecem reconhecimento três sistemas avaliatórios das provas, a saber, o sistema legal, o sistema da íntima convicção e o sistema da persuasão racional.
No sistema legal, denominado também de certeza moral do legislador, verdade formal ou tarifado, o juiz deveria ser submetido, estritamente, às regras de avaliação preconizadas na lei processual, pois cada prova tinha seu peso e seu valor, ficando o julgador vinculado às provas trazidas aos autos, atribuindo-lhe um valor conforme tabelado em lei. Era o sistema vigente nas antigas ordálias – tipo de julgamento praticado na Antiguidade até a Idade Média, quando havia deficiência de provas –, na qual se acreditava que as divindades orientariam e favoreciam quem estivesse com a razão, e o juiz somente apreciava o confronto e declarava o resultado.
Esse sistema foi bastante criticado pela doutrina, pois, apesar de se admitir a prova testemunhal, essa era avaliada pela lei em relação à quantidade, sexo, condição social, entre outras, atribuindo a uma prova uma determinada valoração em detrimento de outra. Vigorava o brocardo jurídico testis unus, testis nullus, levando-se ao entendimento de que a verdade dita por apenas uma testemunha não teria valor algum, pois, pela legislação, não se dava validade a um único depoimento, porém, ao contrário, a fraude poderia imperar, desde que dita por, pelo menos, duas testemunhas. Segundo o magistério de Fernando Capez:
[...] a lei impõe ao juiz o rigoroso acatamento a regras preestabelecidas, as quais atribuem, de antemão, o valor de cada prova, não deixando para o julgador qualquer margem de discricionariedade para emprestar-lhe maior ou menor importância. Não existe convicção pessoal do magistrado na valoração do contexto probatório, mas obediência estrita ao sistema de pesos e valores imposto pela lei [...] (2008, p. 319).
O segundo sistema é o da íntima convicção, também denominado pela doutrina e jurisprudência como sistema da livre apreciação ou certeza moral do juiz, surgido no antigo Império Romano, no qual atribuiu ao magistrado a ampla liberdade de julgar segundo critérios de valoração íntima, sem vínculo algum a qualquer limitação da lei e sem a obrigação de motivar o seu convencimento, ou seja, julga secundum conscientiam, podendo, inclusive, contrariar as provas existentes. Por esse sistema, poderia o magistrado se utilizar de conhecimento particular que tenha sobre o caso, sem a necessidade das partes ter trazido ao processo. Segundo os preceitos da doutrina de Tourinho Filho (2009, p. 253, v. 3): “[...] O juiz atribui às provas o valor que quiser e bem entender, podendo, inclusive, decidir valendo-se de conhecimento particular a respeito do caso, mesmo não havendo provas nos autos [...].”
Apesar de não ser o sistema vigente na atualidade, a doutrina ainda faz inúmeras críticas quanto a sua aplicação, hoje, pelo Tribunal do Júri, porquanto a decisão do Conselho de Sentença não precisar ser fundamentada, tampouco demonstrar como formou o seu entendimento, além do mais, sequer as partes conhecem o conteúdo do voto de cada jurado, visto a prevalência do princípio do sigilo das votações.
E por último, e não menos importante, o sistema da persuasão racional, também denominado de livre convencimento motivado, convicção condicionada, verdade real ou livre persuasão. É um sistema misto, baseado nos anteriores, mesclando os pontos positivos de ambos. De acordo com o professor Camargo Aranha (1996), o sistema em epígrafe teria surgido na cidade de Roma, como forma de resistência ao arbítrio judicial do sistema da livre convicção, tornando-se conhecido com os códigos napoleônicos. Aqui, o magistrado aprecia e valora as provas livremente, mas seu convencimento é vinculado ao material probatório produzido e acostado aos autos, obrigando-o a fundamentar a sua decisão, ou seja, apesar de agir conforme sua livre convicção, a sua avaliação deverá ser submetida às regras científicas predeterminadas.
Resumidamente, o sistema em epígrafe aceita todos os meios de prova, isto é, o magistrado pode formar seu convencimento baseado na declaração de apenas uma testemunha e desprezar os depoimentos das demais, contudo, sempre estará adstrito ao que consta dos autos. Apesar de estar livre de prévios julgamentos legais na aferição do arcabouço probante, o órgão julgador não pode abstrair-se ao seu conteúdo, ou seja, não está dispensado de motivar a sua decisão final, consoante o disposto no art. 93, IX, da Lei Maior, e art. 155 do CPP. Principiologicamente, o sistema da persuasão racional está intrinsecamente ligado ao princípio do livre convencimento motivado, abordado com muita propriedade no capítulo 01, seção 1.3, deste trabalho.
É importante sublinhar o equívoco, data venia, existente na redação dada pelo legislador ao art. 155 da Lei Adjetiva Penal, alterado pela recente reforma de 2008, pois, pelo exame superficial do dispositivo supra, entende-se que tenha adotado o sistema da livre convicção, tendo em vista a seguinte expressão: “O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova [...].” Há certeza de que o sistema adotado, atualmente, no Brasil é o do livre convencimento motivado ou persuasão racional, por ser mais completo que os anteriores, e o legislador seria mais feliz se tivesse utilizado o termo “motivado” no texto legal, apesar de estar expresso no mesmo dispositivo que a convicção do magistrado passará pelo contraditório.
Nesse sentido, as lições de Camargo Aranha, in fine:
Embora a atual legislação fale em livre convicção, não há dúvida no sentido de termos adotado o sistema da convicção condicionada ou da persuasão racional. Em primeiro lugar porque há a obrigatoriedade de motivar e fundamentar a decisão, exteriorizando os motivos de convicção, o que não é exigido pelo sistema da convicção íntima (CPP, art. 381, III).
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Em segundo lugar porque, em casos especiais, também são exigidas provas especiais, como no caso da perícia nos delitos que deixam vestígios (CPP, art. 158). [...] terceiro, porque certas provas somente têm validade se cumpridos certos requisitos legais exigíveis, como ocorre no reconhecimento (art. 226 e seus itens), na perícia (arts. 159 e 179), na apreensão (art. 245, § 7º) etc., todos do Código de Processo Penal. Por fim, porque somente poderá decidir pelo contido nos autos e legalmente válido, sendo vedados os fatos extra-autos, de seu conhecimento ou impressão pessoal (1996, p. 66, 67).
Indubitavelmente é o melhor dos sistemas apresentados, posto que não interfere na consciência do juiz, deixando-o decidir conforme seu convencimento, mas fundamentando a decisão. Cessando quaisquer dúvidas, dispõe a exposição de motivos do Código de Processo Penal:
[...] Nunca é demais, porém, advertir que livre convencimento não quer dizer puro capricho de opinião ou mero arbítrio na apreciação das provas. O juiz está livre de preconceitos legais na aferição das provas, mas não pode abstrair-se ou alhear-se ao seu conteúdo. Não estará ele dispensado de motivar a sua sentença. E precisamente nisto reside a suficiente garantia do direito das partes e do interesse social (grifo do autor).
Os nossos Tribunais Superiores vêm entendendo da mesma forma, como o seguinte julgado do Supremo Tribunal Federal, que dispõe:
Vige em nosso sistema o princípio do livre convencimento motivado ou da persuasão racional, segundo o qual compete ao juiz da causa valorar com ampla liberdade os elementos de prova constantes dos autos, desde que o faça motivadamente, com o que se permite a aferição dos parâmetros de legalidade e de razoabilidade adotados nessa operação intelectual. Não vigora mais entre nós o sistema das provas tarifadas, segundo o qual o legislador estabelecia previamente o valor, a força probante de cada meio de prova
(STF, RH 91691/SP, relator Ministro Menezes Direito, 1ª Turma, julgamento em 19/2/2008).
Portanto, vige, como regra, o sistema da persuasão racional, devendo ressaltar que somente em um único procedimento estará presente o sistema da íntima convicção em nosso processo penal, qual seja, no julgamento do júri popular, no qual cada um dos sete jurados que formam o Conselho de Sentença julga conforme seu entendimento, sem precisar justificar, tampouco motivar. Trata-se de uma exceção constitucional, insculpida no art. 5º, XXXVIII, com a competência para julgar crimes dolosos contra a vida, exaltando a garantia do sigilo das votações, soberania dos veredictos e plenitude de defesa.