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A extrafiscalidade tributária como forma de intervenção do Estado no domínio econômico

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O controle da norma tributária extrafiscal deve se realizar segundo parâmetros de adequação, de necessidade e de proporcionalidade em sentido estrito.

Resumo: A análise ora apresentada trata da extrafiscalidade dos tributos como instrumento usado pelo Estado para sua intervenção sobre o domínio econômico. Assim, a partir da concepção de Estado Democrático de Direito, aborda-se o poder-dever estatal de garantir que o interesse público prevaleça na sociedade. Nesse passo, apresenta-se como instrumento válido utilizado pelo Estado, na busca de seu fim - qual seja, o bem comum -, o uso da tributação. Faz-se, então, com fundamento na Constituição Federal, na lei e na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, uma breve verificação da finalidade extrafiscal do tributo, sua aplicabilidade e limites. A pesquisa visa contribuir para a divulgação e compreensão do instituto da extrafiscalidade, por se tratar de instrumento que, quando utilizado dentro dos limites constitucionais e legais, dá aos tributos papel fundamental no caminho do desenvolvimento social e econômico do país.

Palavras-chave: ESTADO - INTERVENÇÃO NO DOMÍNIO ECONÔMICO – EXTRAFISCALIDADE -TRIBUTO.


1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS

O presente artigo estuda, especificadamente, a forma como o Estado vale-se dos tributos não só para arrecadar os recursos necessários para o custeio das atividades estatais, mas também, para ter finalidade precípua de intervir no domínio econômico e no meio social. Neste caso, tem-se que sua finalidade principal é extrafiscal.

O tema se justifica, então, na importância de um estudo sobre o modo como o Estado, na manifestação do seu poder–dever de garantidor do interesse público, tem no tributo valioso instrumento de intervenção no domínio econômico.

A abordagem metodológica que permitiu traçar os caminhos a serem seguidos e alcançar os objetivos enumerados se deu essencialmente através do método de abordagem dedutivo, partindo de uma análise geral do tema, para uma particular, na tentativa de fornecer um embasamento teórico sobre o assunto, e, a posteriori, entender melhor suas peculiaridades Desta forma, se observará o processo de intervenção do Estado sobre a economia de maneira ampla, desenvolvendo o tema até se chegar no foco do caso em tela, qual seja: a extrafiscalidade tributária como meio utilizado para esta intervenção.

Como referencial teórico destacou-se a pesquisa descritiva dos documentos e da legislação atinente à matéria, utilizando-se como base teórica as obras de Direito Tributário, Direito Econômico, Direito Administrativo e Direito Constitucional, de autores nacionais e internacionais, de modo especial os relacionados com a temática específica a ser desenvolvida, além de pesquisas na jurisprudência.

Antes de se discorrer diretamente sobre o assunto serão feitas análises separadas e específicas sobre o tema. Assim, no primeiro capítulo se estudará o referencial histórico, o teórico e as formas da intervenção do Estado no o domínio econômico, e, após, de que forma o Estado Brasileiro tem na Constituição Federal, em especial no Título VII, os parâmetros para a sua atuação no domínio econômico. Porém, a pesquisa desta questão não se restringirá á leitura isolada do Titulo VII da Constituição. Mostrar-se-á imprescindível observar a Constituição de forma sistemática para, a partir daí, conferir as bases que a sociedade deu ao Estado para intervir no domínio econômico.

Em continuidade, no segundo capítulo, será apresentado um liame entre esta intervenção e a noção de extrafiscalidade tributária, através, principalmente, do estudo da legitimação, das suas acepções e funções.

 Outrossim, também se observará como a extrafiscalidade dos tributos pode impactar a economia ao ponto de levar o mercado a tomar a direção pretendida nas políticas públicas voltadas ao setor, razão pela qual cabe ao Estado agir nessa seara com prudência e nos limite impostos pelo ordenamento jurídico vigente.

Por fim, no terceiro e último capítulo será traçada a aplicabilidade desta extrafiscalidade em casos práticos, por meio da análise de julgados do Supremo Tribunal Federal sobre o tema.

Desta feita, percebe-se que o interesse em torno do assunto testemunha sua atualidade e relevância. Não é de deixá-lo de lado. Convém, ao contrário, mantê-lo aceso. Este tema suscita importantes questões, dignas de registro e reflexão, propondo-se o presente estudo a apresentá-las em suas linhas fundamentais.


2. INTERVENÇÃO DO ESTADO NO DOMÍNIO ECONÔMICO

2.1.Referencial Teórico e Histórico

A intervenção do Estado no domínio econômico, do ponto de vista teórico-histórico, sempre existiu, variando apenas quanto à intensidade e modo de atuação. Segundo ensina Cabral de Moncada: “A intervenção é um fenômeno historicamente permanente. Na verdade, desde sempre existiram formas de intervenção na economia por parte do Estado, embora qualitativa e quantitativamente diferentes das que são características do Estado de Direito Social dos nossos dias” (CABRAL DE MONCADA, 1988, p. 15).

A própria ideia de Estado, em alguma medida, traz em si a concepção de intervenção, especialmente quando se parte de um conceito pós-moderno de Estado, enquanto a reunião das soberanias individuais na busca da maximização dos resultados socialmente considerados.

A existência de um ente que atua de forma imperativa sobre as condutas individualmente consideradas, é que faz transparecer essa ligação essencial entre o Estado e a intervenção. De Plácido e Silva, no verbete “intervenção” de seu Dicionário Jurídico assevera que “do latim interventio, intervenire (assistir, intrometer-se, ingerir-se), em acepção comum é tido o vocábulo como intromissão ou ingerência de uma pessoa em negócios de outrem, sob qualquer aspecto, isto é, como mediador, intercessor, conciliador etc”. (DE PLACIDO E SILVA, 2002, p. 446). Já Antônio Houaiss, com a costumeira precisão, toma a intervenção como “interferência do Estado em domínio que não seja de sua competência, embora constitucionalmente legítima” (HOUAISS, 2001, p. 1637).

Percebe-se, então, que a definição lingüística da palavra “intervenção” está arraigada, influenciada pelo pensamento liberal clássico, por uma visão em que o seu sentido evidencia um descontentamento do indivíduo com essa tal “intromissão” estatal. No entanto, conforme também se depreende do que foi acima citado e como será melhor detalhado mais a frente, a partir do paradigma do Estado Democrático de Direito, esta intervenção é necessária, não só porque constitucionalmente prevista, mas também porque embasada dentro de um contexto histórico, jurídico e social que a legitimam.

Refletindo esta concepção pós-moderna, Marco Aurélio Greco define que a intervenção do Estado na ordem econômica constitui na “participação deste (Estado) no fluir do processo econômico, seja na etapa da produção da riqueza (desenvolvimento), seja na sua distribuição (justiça social)” (GRECO, 1977, p. 29).

Independente do conceito apresentado, a verdade é que o significado de intervenção do Estado no domínio econômico variou significativamente ao longo do tempo e conforme o contexto histórico.  No Estado correspondente ao modelo jurídico liberal, cuja ideologia assentava-se no individualismo, as normas de intervenção do Estado na economia assumiam muito mais um caráter de repressão do que de indução de comportamentos. Conforme lição de Bensoussa, no Estado liberal havia:

O predomínio da idéia segundo a qual as leis naturais do mercado seriam suficientes para o desenvolvimento da atividade econômica, justificando, pois, um pretendido absenteísmo estatal de qualquer exercício de poder, deixando os agentes econômicos em regime de ampla liberdade... o Estado, neste mesmo período, buscava não uma intromissão na vida empresarial ou econômica de forma direta, mas sim, indiretamente, procurando garantir um ambiente político e econômico propício ao surgimento e desenvolvimento de grandes sociedades, e aqui interessa especificamente a grande concentração de capitais representada pelas companhias”(BENSOUSSA, 2007, p.24).

No final do século XIX já começaram a surgir alterações neste modelo jurídico estatal. Nas palavras do já citado Cabral de Moncada:

A actividade económica deixou de ser mais um sector indiferenciado da actividade privada geral para passar a ser objecto específico da actividade conformadora dos Poderes Públicos, e do mesmo passo a ciência económica deixa de ter por objeto o simples estudo do comportamento (económico) do indivíduo e passa a abranger também o Estado.” Nesse contexto, o Estado Social surge então como um agente de realizações no domínio da economia, passando a exercer um papel ativo na conformação da vida social, política e econômica, com vistas ao bem comum (CABRAL DE MONCADA, 1988, p. 23).

Esta ideia de atuação positiva do Estado fez com que a norma jurídica assumisse um conteúdo axiológico e, por conseguinte, exercesse as funções de coordenação, indução, condução e agilização da economia. Em realidade,

O Estado não se conteve naquele papel de relativa neutralidade e platonismo, passando a impor finalidades outras que não a de mero suprimento de condições para superar as imperfeições do mercado, passando a lograr a obtenção de objetivos de política econômica bem definidos para o desempenho do sistema econômico (SCHOUERI, 2006, p. 79).

De fato, a ação autofágica dos agentes econômicos exigiu a intervenção do Estado para garantir a própria liberdade do mercando, então ameaçada pelo demasiado poder econômico desses agentes (o poder econômico privado).

A crise do sistema capitalista de produção, a ocorrência da Primeira e Segunda Guerras Mundiais e a evidente insustentabilidade da situação a que eram submetidos os trabalhadores fez evidenciar-se uma questão social. E por mais irônico que possa parecer, o Estado passa, então, a atuar para salvar a liberdade de iniciativa que antes exigia a sua total abstenção para existir (na concepção dos liberais).

A Constituição do México de 1917 e a Constituição de Weimar de 1919 apresentam pela primeira vez a tendência de atuação do Estado no domínio econômico. Aquela condicionou o exercício da propriedade privada à observância do interesse público (artigo 27) e estabeleceu o combate ao regime de monopólios, à concentração econômica e ao açambarcamento (artigo 28); esta, dispôs sobre a organização da vida econômica e fixou limites à liberdade econômica individual (LEOPOLDINO DA FONSECA, 2005, p. 260).

Cresce, à época, uma grande tendência de dirigismo Estatal da economia, com a centralização das decisões econômicas. No Welfare State, o Estado, mesmo mantendo o regime de mercado, ingressou na economia de forma tal a tornar-se uma personagem do jogo econômico, que exercia sua influência no interesse da coletividade.

A intervenção deixa de ser uma circunstância excepcional para tornar-se um elemento fundamental do Estado. A doutrina de John Maynard Keynes no ocidente, que apresentou um programa governamental do pleno emprego, foi de um impacto que passou a ser cognominada de "Revolução Keynesiana” (MONTORO FILHO, 1992, p.53).

E enquanto Keynes reabilitava o capitalismo, o socialismo era implantado em nível nacional pela primeira vez, em 1917, na União das Repúblicas Socialistas Soviética - URSS, servindo de modelo a nações como China, Vietnã e Cuba.

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Contudo, o Estado paternalista do Welfare, que não contava com a participação democrática, nem se fundamentava em uma legitimidade jurídica, acabou por se mostrar ineficiente quanto ao seu desempenho econômico de implementação dos direitos fundamentais, desenvolvimento econômico e maximização da riqueza coletiva. Um sentimento de descrédito se insurge contra esse Estado paternalista, o qual se incumbe da tarefa de decidir o que seria o bem da coletividade sem uma relação de participação daquela.

Fruto deste descrédito surgiu a necessidade de um meio-termo entre o “desinteresse” do Estado Liberal e o intervencionismo exagerado do Welfare State, de modo a se exigir uma constituição econômica ou um direito especial da economia, em que o Estado, embora não se substituísse ao mercado, interviesse minimamente nas suas disputas, através de normas/ e ou institutos que, embora assegurassem o direito de propriedade, a liberdade de empresa e a liberdade de trabalho – como direitos fundamentais econômicos -, não permitisse abusos no seu exercício (MENDES, 2009, p. 1406).

O papel do Estado é redefino pelo novo paradigma constitucional adotado. Surge então a teoria de uma constitucionalidade econômica compatível ao exercício da cidadania, com uma política econômica implantadora de direitos fundamentais, criada pelo discurso jurídico da livre criação e da processualidade (pelo contraditório, ampla defesa e isonomia) da ordem econômica.

Neste contexto, no Brasil, essa ruptura paradigmática ocorreu, principalmente, com Constituição brasileira de 1988, implicando uma hermenêutica de Direito Democrático. A Constituição Federal de 1988 não permite o chamado neoliberalismo, ou seja, é uma Constituição que rechaça o liberalismo puro, tal interpretação é observada na leitura dos artigos 3º, 5º inciso XXIII, 170, 193 e 219. A Constituição, então, aponta ao Estado a busca pelos valores apontados por estes dispositivos, como a função social da propriedade, promoção do bem estar social e a busca de uma sociedade justa e solidária para todos (BANDEIRA DE MELLO, 2006, p. 745 e ss).

Entretanto, ao mesmo tempo em que se afirma que o liberalismo econômico não é possível com a Constituição atual, observa-se que este mesmo texto impede que o Estado planifique a economia. Aponta-se, neste contexto, o art. 174 da Constituição Federal, donde se extrai que:

A título de planejar, o Estado não pode impor aos particulares nem mesmo o atendimento às diretrizes ou intenções pretendidas, mas apenas incentivar, atrair os particulares, mediante planejamento indicativo que se apresente como sedutor para condicionar a atuação da iniciativa privada (BANDEIRA DE MELLO, 2006, p. 750).

Preferencialmente, portanto, o Estado Brasileiro deve agir no sentido de induzir os comportamentos dos particulares, levando a economia na direção do que planejou, introduzindo os princípios da justiça social e das necessidades da vida nacional, de modo a possibilitar a todos uma existência digna, além de garantir a liberdade econômica dentro de tais limites, como elementos fundamentais para a organização da ordem econômica (ALBIDO DE SOUZA apud MENDES, 2009, p. 1406).

Percebe-se, assim, que a intervenção na economia, respeitados os ditames e os limites constitucionais, faz-se necessária, pois nenhuma das reivindicações pleiteadas hoje sob o título de Direitos Sociais poderá alcançar seu objetivo sem uma intervenção mínima do Estado na economia.

A veracidade desta conclusão é demonstrada de modo irrefutável desde 1956-57, por George Burdeau, em Traité de Science Politique: “Aucune dês revendications énoncées aujourd’hui sous le titre de doits sociaux ne peut pas atteindre son objet sans une direction de l’economie[1].” E ainda:

“Qu’il s’agisse du droit au travail, du salaire vital, de la sécurité ou du droit aux loisirs et la culture personnelle, il est claire que leur rélisation est subordonnée à une organization de la production et la consommation systématiquement conçue por donner à chacun ce à quoi la démocratie sociele l’ autorise à prétendre. Il serait illusoire de faire prendre l’individu en charge par la sociéte si celle-ci ne póuvait planifier l’ exploitation et l’utilization dês resourses colliectives. Et ceci est vrai aussi bien dans la prospérité que dans la pénurie[2]”. (BURDEAU apud BECKER, 2002, p. 593)

Ante o exposto, feito este esboço conceitual e histórico da intervenção do Estado no Domínio Econômico e explicitada a sua presença e sua necessidade dentro da Ordem Econômica Brasileira, faz-se mister uma análise acerca das diversas formas através das quais ela se manifesta.

2.2 Formas de Intervenção do Estado no Domínio Econômico

Pode o Estado atuar ou intervir no processo econômico. Considera-se atuação a exploração da atividade econômica em sentido amplo (abrangendo a prestação de serviços) e intervenção, a exploração de dita atividade em sentido estrito.

A distinção entre atividades econômicas que são serviços públicos e atividades econômicas que não o são (atividade econômica em sentido estrito), não é nova, tendo sido originariamente, entre nós, postulada por Celso Antônio Bandeira de Mello (MELLO apud GRAU, 2001, p. 150). Tal distinção foi acatada por vários doutrinadores, a exemplo de Eros Roberto Grau: “ao afirmar que serviço público é tipo de atividade econômica, a ele atribui a significação de gênero no qual se inclui a espécie, serviço público” (GRAU, 2001, p. 1390). Já para José dos Santos Carvalho Filho: “dentro da noção de atividade econômica em sentido amplo, temos, como espécies, alguns serviços públicos e as atividades econômicas em sentido estrito” (CARVALHO FILHO, 2002, p. 389).

Faz-se importante a supramencionada distinção, tendo em vista que no presente trabalho se discorre sobre as formas de atividade econômica em sentido estrito, ou seja, no exato dizer de Grau, por pertencer o domínio econômico (atividade econômico em sentido estrito) aos particulares, às empresas, e não ao Estado – pode-se nele intervir. Assim, cogitando-se das formas de atuação do Estado em relação ao processo econômico desenrolando na esfera do provado – isto é – no campo da atividade econômica em sentido estrito, no “domínio econômico” – cuida-se das formas de intervenção do Estado em relação a ele (GRAU, 2001, p. 145, 146, 147).

Celso Antônio Bandeira de Mello aponta que esta intervenção do Estado pode ocorrer de três formas: 1) exercendo o poder de polícia, na função de fiscalização e regulamentação das atividades; 2) exercendo ele próprio a atividade econômica, hipótese que é exceção justificada apenas por imperativo de segurança nacional ou por relevante interesse público; ou 3) incentivos à iniciativa privada, com favores fiscais e crédito facilitado (BANDEIRA DE MELLO, 2006, p. 749).

Destrinchando de maneira mais detalhada as formas de intervenção, Eros Roberto Grau classifica a intervenção em três modalidades: a) intervenção por absorção ou participação, b) intervenção por direção e c) intervenção por indução. Tais modalidades podem ser organizadas conforme a atuação do Estado em cada uma delas, distinguindo-se entre intervenção 1) no domínio econômico e 2) sobre o domínio econômico. (GRAU, 2001, p. 126)

Na modalidade intervenção no domínio econômico, o Estado intervém na atividade econômica em sentido estrito, isto é, desenvolve ação como sujeito econômico. Participa diretamente da atividade econômica como um dos agentes participantes da economia, sejam eles públicos ou privados. Ocorre por absorção ou participação.

A intervenção no domínio econômico por absorção, também de forma direta, se dá quando o Estado toma para si exclusivamente o controle de determinada atividade ou setor da economia, proibindo a atuação de particulares, constituindo monopólio da atividade. Já quando atua por participação age como mais um dos participantes da atividade econômica, competindo com os privados que atuam no setor.

Na intervenção sobre o domínio econômico, o Estado atua de maneira indireta, como regulador da atividade econômica. Nesta hipótese emite normas de regulamentação da atividade econômica, valendo-se do seu poder de império para intervir na economia sem participar dela diretamente.

Neste caso, poderá intervir sobre o domínio econômico por direção ou indução. Quando atua por direção, estabelece normas obrigatórias de comportamento para os participantes da atividade econômica. O descumprimento de tais normas ocasiona aplicação de sanção jurídica. Já na atuação por indução, o Estado manipula os instrumentos de intervenção sem a exigência de um comportamento compulsório por parte dos agentes, mas de maneira a estimular ou desestimular determinadas atividades e comportamentos.

Eros Roberto Grau afirma que na modalidade de indução têm-se normas dispositivas, deixando de lado a carga de cogência que carregam as normas da modalidade de direção. Tais normas não estabelecem sanção, mas trazem um “convite” (traduzido em benefícios tributários, pecuniários, patrimoniais, etc.) ao destinatário para que este participe da atividade incentivada pelo Estado. O destinatário pode optar por não aceitar o “convite” que o Estado lhe faz, e por tal opção não sofrerá qualquer sanção. Se aderir ao preceito da norma indutora, poderá usufruir os benefícios oferecidos pelo Estado como forma de fomentar a atividade econômica eleita. Na hipótese acima exposta, tem-se a indução de maneira positiva, ou seja, o Estado concede benefícios para quem aderir a comportamento por ele estimulado. (GRAU, 2001, p. 128)

A indução também pode se dar por via negativa, com a colocação, por parte do Estado, de barreiras que visem desestimular determinados comportamentos que sejam considerados indesejáveis (GRAU, 2001, p. 129).

Da disciplina da ordem econômica na Constituição de 1988, verifica-se que das formas de intervenção vistas, a mais adequada ao modelo brasileiro é a indução de comportamentos dos privados. A direção pura da economia é vedada pela Constituição, isto é, o Estado só pode expedir normas de regulamentação e fiscalização do exercício da atividade econômica, mas nunca de direção, propriamente dita, da atividade econômica.

Mais excepcional ainda é a intervenção no domínio econômico. A participação do Estado na economia, junto com os privados é cabível apenas em casos de exceção. Ambas as hipóteses (participação ou absorção) devem ser evitadas, pois não se tratam do que o Estado normalmente deve fazer, de acordo com a Constituição Federal.

Desta forma, cabe ao Estado um papel de fiscalização e regulamentação, principalmente no sentido de coibir práticas abusivas por parte dos privados, e de indução, quando pretende indicar comportamentos desejáveis ou indesejáveis.

Assim, o principal papel do Estado, quando seja necessária a intervenção, é o de indutor, de fomento, de estímulo a comportamentos. Por exemplo, no caso de uma política para estímulo de plantio de determinada cultura em certa região, poderá conceder estímulos fiscais para os agricultores para que plantem tal variedade como quer. Não pode impor o plantio daquela variedade, mas pode induzir os privados a plantarem através de atividades de fomento.

Dentro desta conjectura, percebe-se que o Estado contemporâneo não se preocupa apenas com o financiamento de suas despesas com pessoal, serviços, contratos, enfim, com a manutenção da máquina administrativa. O Estado que intervém sobre o domínio econômico-social e que se preocupa com a consecução dos objetivos e valores constitucionais, deve ter à sua disposição instrumentos normativos específicos, que atendam às exigências cada vez maiores da economia e sociedade modernas.

Dessa forma, ao lado das normas tributárias com função fiscal, ou seja, aquelas normas que visam precipuamente à arrecadação de recursos financeiros, surgem também normas cuja função não é a de imediata e unicamente incrementar as receitas estatais. De fato, a crescente demanda pela atuação estatal nos mais diversos setores da sociedade e da economia influiu diretamente na tributação e isto provocou a utilização cada vez maior do tributo com função não apenas arrecadatória.

A necessidade de intervir sobre as relações econômicas para proteger e equilibrar a balança comercial; a necessidade de promover o fomento de atividades econômicas em determinadas regiões do território nacional, para reduzir as desigualdades regionais e sociais; a necessidade de proteger o meio ambiente contra a exploração predatória; a necessidade de reduzir a concentração de renda que resulta no empobrecimento e marginalização de parcela substancial da sociedade; a necessidade de reduzir o desemprego e o subemprego e evitar a precarização das condições de trabalho, a necessidade de desincentivar o consumo de fumo e bebidas alcoólicas são apenas alguns exemplos de objetivos extrafiscais que orientam o legislador no momento da criação de uma norma tributária que sirva de instrumento para a intervenção estatal.

Com efeito, o estudo deste fenômeno não pode prescindir da investigação de princípios e objetivos que norteiam a Constituição Econômica e a Tributária. É o que ensina Ricardo Lobo Torres, citado por Luís Eduardo Schoueri, quando afirma que: “A intervenção indireta do Estado sobre a economia, através de tributos ou outros ingressos, é um assunto de rara complexidade.” Isto porque:

As relações entre a Constituição Econômica e a Tributária apresentam-se como íntimas e profundas. Não há subordinação entre elas, pois a Constituição Tributária não se dilui na Econômica nem ocorre o contrário. Estão em equilíbrio permanente, influenciando-se mutuamente e relacionando-se em toda a extensão dos fenômenos econômico e tributário.” (SCHOUERI, 2005, p. 38).

Neste contexto, pode-se afirmar que um dos importantes instrumentos utilizados pelo Estado para intervir indiretamente no domínio econômico é o tributo. Ao lado da função arrecadadora, o tributo exerce uma função importante na regulação do mercado e na reestruturação social e econômica. Assim, adquire fundamental importância a noção de extrafiscalidade, como forma de fazer cumprir os objetivos constitucionais.

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Sobre a autora
Hamanda Rafaela Leite Ferreira

Procuradora do Estado da Paraíba. Especialista em Direito Processual e pós-graduanda em Direito Tributário

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FERREIRA, Hamanda Rafaela Leite. A extrafiscalidade tributária como forma de intervenção do Estado no domínio econômico. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3432, 23 nov. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/23080. Acesso em: 22 dez. 2024.

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