5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Percebe-se que o Estado contemporâneo não se preocupa apenas com o financiamento de suas despesas com pessoal, serviços, contratos, enfim, com a manutenção da máquina administrativa. O Estado que intervém sobre domínio econômico-social e que se preocupa com a consecução dos objetivos e valores constitucionais, deve ter à sua disposição instrumentos normativos específicos, que atendam às exigências cada vez maiores da economia e sociedade modernas.
Observa-se que ao lado das normas tributárias com função fiscal, ou seja, aquelas normas que visam precipuamente à arrecadação de recursos financeiros, surgem também normas cuja função não é a de imediata e unicamente incrementar as receitas estatais. De fato, a crescente demanda pela atuação estatal nos mais diversos setores da sociedade e da economia influiu diretamente na tributação e isto provocou a utilização cada vez maior do tributo em sua função extrafiscal.
Assim, o uso extrafiscal do tributo não almeja apenas estimular ou desestimular o comportamento dos contribuintes, muito menos se resume à questão dos fins não arrecadatórios. No Estado Social Democrático de Direito, o tributo passa a ser um instrumento de política socioeconômica e a extrafiscalidade o mecanismo pelo qual o Estado se utiliza para a consecução dos seus objetivos e dos valores constitucionais.
Neste contexto, da análise da doutrina e da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, depreende-se que a extrafiscalidade é admissível com base no poder de polícia, não aquele poder de polícia considerado como atividade repressiva e sancionadora de ato ilícito, mas sim como atividade limitadora e disciplinadora da amplitude de direitos individuais em benefício do bem comum, respeitando-se, para tanto, os princípios do não confisco, da isonomia, da capacidade contributiva e da proporcionalidade.
Constata-se, então, pela extensão de seus reflexos na esfera social ou econômica, que a extrafiscalidade deve ser implementada nos limites da Constituição e das leis. Nesse passo, a intervenção estatal, nessa circunstância, só se justifica quando efetivada para, de forma geral, satisfazer o bem comum e, de forma estrita, para contribuir com o crescimento do mercado nacional
Feitas essas considerações, cumpre ressaltar que a pretensão do trabalho não foi de esgotar o tema, mas tentar apontar algumas questões acerca do objeto de estudo, esperando ter contribuído para o debate doutrinário. Lembrando sempre que no cotejamento constante entre a possibilidade de intervenção estatal e os seus limites é necessário um criterioso juízo de ponderação sob a ótica da razoabilidade para que se encontre a verdadeira Justiça.
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Notas
[1] “Nenhuma das reivindicações anunciadas hoje em dia sob o título de deveres sociais pode atingir seu objeto sem uma direção da economia.”
[2] “Quando se trata de direito ao trabalho, ao salário vital, e à segurança e dos direitos aos lazeres e à cultura pessoal, é claro que essa realização é subordinada a uma organização sistemática da produção e do consumo concebida para dar a cada um aquilo que a democracia social lhe autoriza a exigir/aspirar. Seria ilusório ter um individuo sustentado pela sociedade se ela mesma não pudesse planificar a exploração e a utilização dos recursos coletivos. E isso é verdade tanto na prosperidade quanto na escassez”.
[3]O Relator argumentou que “a extrafiscalidade é admissível quando, pelo agravamento do imposto, não se vise ao afastamento de ato ilícito já praticado, até porque, enquanto não há a regularização indiretamente objetivada, o acréscimo tem por fim imediato a sanção do ato ilícito praticado, o que, por caracterizá-lo como multa, configura, precisamente, a vedação do artigo 3o do Código Tributário Nacional, ou seja, que a prestação pecuniária compulsória não constitua sanção de ato ilícito.”
[4]Extrai-se do voto que: “Não há falar-se, pois, em ofensa ao princípio da isonomia tributária, visto que a lei tributária – e esse é o caráter da Lei n° 9.317/96 – pode discriminar por motivo extrafiscal entre ramos de atividade econômica, desde que a distinção seja razoável, como na hipótese vertente, derivada de uma finalidade objetiva e se aplique a todas as pessoas da mesma classe ou categoria (...). Essa desigualdade factual justifica tratamento desigual no âmbito tributário, em favor do mais fraco, de modo a atender também à norma contida no §1º do art. 145 da Constituição Federal, tendo-se em vista que esse favor fiscal decorre do implemento da política fiscal e econômica, visando o interesse social. Portanto, é ato discricionário que foge ao controle do Poder Judiciário, envolvendo juízo de mera conveniência e oportunidade do Poder Executivo.”
[5]Em seu voto, a Ministra Ellen Gracie diferencia a igualdade proporcional da igualdade matemática ou paritária. Essa conclusão decorre do próprio conceito de igualdade, tal como o concebe o direito público, isto é, como igualdade proporcional, e não como igualdade matemática ou paritária. Os homens são desiguais na sociedade e na natureza, tanto quanto as coisas, os lugares, os fatos e as circunstâncias. O princípio da igualdade jurídica não traduz, no campo do direito – como uma opinião atrasada ou tendenciosa quer fazer crer – o desconhecimento dessa desigualdade natural. É antes um esforço para balanceá-la, compensando, o jogo das inferioridades e superioridades de modo que elas não favoreçam também uma desigual proteção jurídica, pois é certo que os ônus e as recompensas, o bom e o mau êxito, acompanharão com maior ou menor regularidade as variações naturais, mas não é desejável que fique sob a mesma influência a distribuição da Justiça.
[6]Outro argumento suscitado pelo Ministro Sepúlveda Pertence diz respeito ao princípio da capacidade contributiva previsto no art. 145, § 1º da CF. Para o Ministro, a admissão da progressividade do IPTU é o que melhor atenderia aos princípios da justiça social e da autonomia municipal. Mas a parte final do art. 145, § 1º da CF não deixou dúvidas de que a capacidade contributiva aí tratada, como critério de graduação do imposto é a capacidade econômica efetiva, real e global do contribuinte atinente aos impostos de caráter pessoal, não se aplicando aos impostos reais, como é o caso do IPTU.
[7]Para o Ministro, o Decreto-Lei n° 2.434/88 veiculou verdadeira norma tributária extrafiscal, com objetivo de intervir na “área econômico-fiscal e no domínio do comércio exterior”, cujo fundamento se encontra “na necessidade de o Estado implementar políticas governamentais, cuja execução lhe incumbe efetivar nos estritos limites de sua competência constitucional”.
[8] De acordo com o entendimento prevalecente naquela Corte Suprema, ressaltou o Ministro Celso de Mello que: “os Magistrados e Tribunais – que não dispõem de função legislativa – não podem conceder, por isso mesmo, ainda que sob fundamento de isonomia, o benefício da exclusão do crédito tributário em favor daqueles a quem o legislador, com apoio em critérios impessoais, racionais e objetivos, não quis contemplar com a vantagem da isenção. Entendimento diverso, que reconhecesse aos magistrados essa anômala função jurídica, equivaleria, em última análise, a converter o Poder Judiciário em inadmissível legislador positivo, condição institucional esta que lhe recusou a própria Lei Fundamental do Estado. É de acentuar, neste ponto, que, em tema de controle de constitucionalidade de atos estatais, o Poder Judiciário só atua como legislador negativo (grifos no original).
Abstract: The analysis here presented is about the regulatory taxes as an instrument used by the State to intervene in economic domain. Therefore, from the conception of Democratic State of Right is established the debate about power/duty to ensure that the public interest prevails in society. In this step, there are presented as valid instrument used by the State in search of its purpose, the common good, the use of the taxation. It is then based on the Federal Constitution, in the law and in the precedents of the Federal Supreme Court, a brief examination of the extrafiscal purposes on taxes, application and limitations. The research aims to contribute to the dissemination andunderstanding about the regulatory taxes institute, because it is an instrument which, if used within the constitutional and legal limits, may give taxes a role in the way of social and economic development of the country.
Keywords: STATE – INTERVENE IN ECONOMIC DOMAIN – EXTRAFISCAL TAXES – TAXE