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Da ausência de regulamentação quanto ao uso de tablets, smartphones ou laptops pelos advogados em audiências e julgamentos e suas implicações jurídicas

10/12/2012 às 13:31
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A proibição poderá ser imposta, por exemplo, no caso de o magistrado flagrar e comprovar que o advogado estaria se comunicando com as testemunhas que não participam da audiência.

Resumo: Até que seja regulamentada a utilização dos meios tecnológicos (tablets, smartphones ou laptops), imprescindível que se faça uma ponderação dos valores e bens da vida atingidos, pautando-se sempre pela direção contida na garantia fundamental prevista na Constituição, que privilegia a publicidade dos atos processuais e os Princípios do Contraditório e da Ampla Defesa.


I. Introdução

Este artigo visa colocar ainda mais em discussão e evidência a polêmica travada entre advogados e magistrados quanto à permissão ou à proibição do uso de aparelhos eletrônicos, mais especificamente, tablets, smartphones ou laptops, durante a realização de audiências ou julgamentos no âmbito do Poder Judiciário.


II. Da ausência de regulamentação e as implicações jurídicas decorrentes

Recentemente, houve a divulgação, nos diversos meios de comunicação, da proibição imposta por um magistrado da Justiça do Trabalho, no Estado de Pernambuco, assim como pelo Conselho de Contribuintes do Estado, em Belo Horizonte, em relação ao uso de palmtop, no primeiro caso, e de um tablet, no segundo caso.

Em relação ao magistrado trabalhista, este acolheu a reclamação feita pelo advogado da parte contrária, ao ver que seu colega fazia uso de um palmtop, argumentando que poderia o advogado estar a se comunicar com as testemunhas que se encontravam do lado de fora da sala da audiência.

Já em relação à proibição imposta pelo Conselho de Contribuintes do Estado de Minas Gerais, esta ocorreu quando, após realizar sustentação oral perante o citado Conselho, o advogado passou a gravar o julgamento, para poder mostrá-lo ao seu cliente posteriormente, quando foi questionado pelo relator a respeito de sua atitude, deixando o advogado constrangido.

Sem nenhuma regulamentação acerca do assunto que diga ser permitida ou proibida a utilização de tais meios eletrônicos nos locais de realização de atos processuais, principalmente em audiências e julgamentos, inevitável que haja discussão sobre o tema, porquanto é crescente o uso de tais meios tecnológicos nas diversas profissões, e também no meio jurídico, sobretudo nos escritórios de advocacia, assim como nas áreas comuns do âmbito do Poder Judiciário, como fóruns, varas, juizados, tribunais etc.

Merece ser ressaltado que com a publicação da Lei n° 11.419/2006, que dispõe sobre a informatização do processo judicial, restou consagrada uma nova era − a era da tecnologia aplicada no âmbito do Poder Judiciário −, tanto no âmbito trabalhista, como no estadual e federal.

A citada lei dispõe que o uso de meio eletrônico na tramitação de processos judiciais e na comunicação de atos e transmissão de peças processuais será admitido nos termos desta Lei, de modo que nos Juízos em que foi implantado o processo judicial, não mais se aceitam as petições em papel, implicando, consequentemente, a substituição do papel por tablets, smartphones, palm top, dentre outros, pois para que os operadores do direito, especialmente juízes e advogados, tenham acesso aos autos virtuais, tanto em seus escritórios e gabinetes, como durante a realização de audiências e julgamento de recursos pelas cortes superiores, é imprescindível que se lance mão de tais recursos tecnológicos.

A Constituição Federal, em seus arts. 5º, inciso LX, e 93, inciso IX, dispõe expressamente acerca da garantia de publicidade dos atos processuais, os quais somente poderão tê-la restringida em caso de violação à intimidade ou se o interesse social assim o exigir, de modo que, caso tal garantia seja violada, os atos praticados serão considerados nulos:

Art. 5° – omissis

(...)

LX − a lei só poderá restringir a publicidade dos atos processuais quando a defesa da intimidade ou o interesse social o exigirem;

Art. 93 −Lei complementar, de iniciativa do Supremo Tribunal Federal, disporá sobre o Estatuto da Magistratura, observados os seguintes princípios:

(…)

IX − todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação.

Nos casos práticos mencionados, tem-se que não foram apresentados argumentos plausíveis a configurar alguma das exceções previstas na Carta Magna, resultando, assim, a prática dos atos de censura em arbitrariedade contra as prerrogativas do advogado, que teve o direito de defesa cerceado.

No ano de 2008, o CNJ – Conselho Nacional de Justiça se pronunciou em matéria semelhante (Pedido de Providências n° 2007.10.0.001356-1), mais especificamente, em caso concreto em que o advogado foi proibido pelo Juiz Presidente de um Júri, no Estado de Minas Gerais, de utilizar a energia do prédio para carregar a bateria de seu laptop, restando prejudicado na tese que iria apresentar em defesa de seu cliente, já que esta se encontrava no laptop e este se achava sem bateria:

Pedido de Providências 2007.1.000.01356-1

ACÓRDÃO

EMENTA: PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS. CONSULTA DE ADVOGADO. POSSIBILIDADE DE USO DA ENERGIA DO FORUM DURANTE A SESSÃO DE JULGAMENTO. UTILIZAÇÃO DE NOTEBOOK. PRÁTICA OBSTADA POR JUIZ PRESIDENTE DA SESSÃO DO TRIBUNAL DO JÚRI. Em respeito aos princípios do contraditório e da ampla defesa, não se pode permitir que magistrado ou servidor de tribunal impeça que advogado, defensor público, ou mesmo membro do Ministério Público façam uso de computador portátil em sessão de julgamento, uma vez que se encontram no exercício constitucional de suas atribuições, sob pena de configurar manifesto cerceamento de defesa. Além disso, o gasto de energia não tem nenhuma expressão econômica, conforme atestado pela Agência Nacional de Energia Elétrica – ANEEL, representando consumo baixíssimo (0,06 kWh) e custo de menos de um centavo (R$ 0,038) por hora. Episódio que deve ser examinado pela Corregedoria Nacional de Justiça a qual se remete o procedimento para análise disciplinar. Decisão unânime quanto ao mérito da consulta e, por maioria, remetido à Corregedoria.

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Até o presente momento, em que pese ser este o único precedente do CNJ quanto à utilização dos meios eletrônicos durante a realização de audiências e julgamentos perante o Poder Judiciário, e, que, por unanimidade, foi favorável aos advogados, é incontestável a importância do citado julgamento para a classe.


III. Conclusões

Inegável, assim, que em se tratando, o eventual caso concreto, de alguma das exceções previstas na Constituição Federal, dúvidas não existem quanto à legitimidade da proibição imposta pelo magistrado em relação à utilização dos meios eletrônicos pelos advogados, o que se admite em defesa do Princípio da Razoabilidade e da Proporcionalidade, em razão do qual devem ser ponderados os interesses envolvidos. Caso contrário, tal proibição somente poderá ser imposta no caso de o magistrado flagrar e comprovar que o advogado estaria se comunicando com as testemunhas, sob pena de agir com abuso de poder e em violação direta dos princípios constitucionais do Contraditório e da Ampla Defesa.

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Sobre a autora
Clae Soares Ribeiro

Advogada associada de Bulhões & Bulhões Advocacia, formada pela Universidade Federal de Alagoas e especialista em Direito Público pela Unisul.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RIBEIRO, Clae Soares. Da ausência de regulamentação quanto ao uso de tablets, smartphones ou laptops pelos advogados em audiências e julgamentos e suas implicações jurídicas. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3449, 10 dez. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/23202. Acesso em: 24 abr. 2024.

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