Resumo: A sociedade brasileira contemporânea reclama cada vez mais por uma busca de mecanismos e iniciativas que propiciem uma maior efetividade aos direitos e garantias previstos na Constituição Federal, uma vez que estes estão sendo, diariamente, inobservados por diversos setores da sociedade brasileira. Diante desse quadro, surge o fenômeno do ativismo judicial como uma resposta à inércia das demais esferas de poder do Estado. Com base em posicionamentos doutrinários, o presente artigo tem como objetivo apresentar análises e reflexões acerca da presença do fenômeno do ativismo judicial no Brasil, revelando os principais fatores responsáveis pela sua origem, bem como suas principais características, trazendo, inclusive, alguns exemplos de decisões consideradas ativistas proferidas pelo Supremo Tribunal Federal.
Palavras-chave: Pragmatismo Jurídico. Ativismo judicial. Efetividade de direitos.
Sumário: INTRODUÇÃO. CAPÍTULO 1. Breves considerações acerca do Pragmatismo Jurídico. 1.1. Principais contribuições: o consequencialismo, o contextualismo e o antifundacionismo. 1.2. A criação da norma individual pelo juiz. CAPÍTULO 2 .O Ativismo Judicial no Brasil. 2.1. Uma distinção entre ativismo judicial e judicialização. 2.2. Principais fatores responsáveis pela origem do Ativismo Judicial no Brasil. 2.3. Principais características. 2.4. Exemplos de decisões judiciais consideradas ativistas proferidas pelo Supremo Tribunal Federal. CAPÍTULO 3. O Ativismo Judicial pode provocar uma “ditadura” do Poder Judiciário no Brasil? 3.1. Principais controvérsias e discussões sobre o tema. CONCLUSÃO. REFERÊNCIAS.
INTRODUÇÃO
Atualmente, não restam dúvidas de que os princípios passaram a ter um status de norma jurídica e de que a Constituição Federal brasileira passou a ser vista como um sistema aberto de regras e princípios sustentado pela ideia de justiça e efetividade de direitos.
No mais, o Poder Judiciário, em muitas ocasiões, é convocado para decidir acerca de diversas questões que não se encontram, ainda, bem definidas no âmbito social.
Ao partir de tais constatações, o presente artigo tem como principal objetivo trazer análises e reflexões de ordem doutrinária e jurisprudencial acerca da presença do fenômeno do ativismo judicial no Brasil.
Com o fim de expor com uma maior acuidade o referido tema, o presente artigo foi dividido em três capítulos.
O primeiro capítulo traz algumas considerações de ordem filosófica, tecendo, especialmente, uma análise acerca das contribuições fornecidas pela corrente do Pragmatismo Jurídico, de modo a servir de base para uma discussão acerca do fenômeno do ativismo judicial.
O segundo capítulo, por sua vez, aborda especificamente o fenômeno sob exame, buscando, sobretudo, expor os principais fatores responsáveis pela sua origem no Brasil, bem como suas principais características. Além disso, busca-se citar alguns exemplos de decisões judiciais consideradas ativistas proferidas pelo Supremo Tribunal Federal.
O terceiro capítulo, por fim, traz uma reflexão acerca da possibilidade do ativismo judicial gerar uma "ditadura" do Poder Judiciário no Brasil, não olvidando, sobretudo, de destacar a importância de se pluralizar e de se enriquecer o debate sobre o tema.
1. BREVES CONSIDERAÇÕES ACERCA DO PRAGMATISMO JURÍDICO
De início, vale ressaltar que as correntes doutrinárias tradicionais preocupam-se, principalmente, em decodificar a lei, instrumentalizá-la ou justificá-la, perdendo com isso a noção de sua inserção histórica, do contexto onde foi produzida, bem como a viabilidade de se aplicá-la às reivindicações por novos direitos individuais e coletivos.
No mais, a dogmatização do Direito, na sociedade moderna, propiciou a consolidação de um Estado de Direito onde a lei passou a ser vista como a fonte suprema de um sistema.
Um dos fatores responsáveis pela consubstanciação de tal dogmatização é o da inegabilidade dos pontos de partida, que são os textos provenientes de fontes normativas. Logo, os discursos no processo judicial devem, equivocadamente, se submeter a essa limitação dos textos dogmáticos, não podendo negá-los em uma argumentação dita dogmática. Outros fatores considerados fundamentais para a dogmatização são a “monopolização da força, a legitimação da violência e a impossibilidade de alegar o non liquet na seara de uma decisão de conflitos” (CATÃO, 2007:41).
Infere-se que os fatores supramencionados visam, principalmente, a consecução de uma segurança jurídica.
No mais, as posturas jurídicas dogmáticas reduzem o conhecimento dos agentes jurídicos às normas estatais e as não dogmáticas, por outro lado, aceitam a hipótese de outros fatores poderem nortear as decisões de tais agentes. Um mesmo intérprete do Direito, portanto, pode construir uma argumentação embasada na legislação ou não (ADEODATO, 2005).
Diante desse breve intróito, cumpre advertir que os estudiosos e aplicadores do Direito devem se livrar da noção de que o Direito é fixo e imutável, haja vista que se submete, a todo instante, a críticas e, sobretudo, a interpretações divergentes.
Uma corrente que corrobora tal premissa e que será objeto de análise no presente capítulo é a do pragmatismo jurídico[1].
Ao contrário das abordagens positivistas e formalistas do Direito, o pragmatismo jurídico não possui compromissos rígidos com os tradicionais imperativos da segurança ou da certeza jurídicas. Seu principal compromisso é, sobretudo, com as necessidades humanas e sociais.
Um juiz pragmatista, por exemplo, não se preocupa em manter uma coerência lógica do sistema jurídico se isto não servir a um resultado socialmente desejável e benéfico (EISENBERG, 2007).
Tal corrente, também, assume o compromisso com a idéia de que não há nada fora do alcance da investigação e da discussão, visando superar qualquer obstáculo dogmático que impeça o desenvolvimento das habilidades dialéticas e, sobretudo, das imprescindíveis atividades críticas (EISENBERG, 2007).
Convém observar que em sistemas jurídicos, como o brasileiro[2] (e.g), a legitimidade do poder jurisdicional estatal encontra-se arraigada na observância da lei. Todavia, sabe-se que o Direito não se limita a um número de regras capaz de oferecer uma solução satisfatória a todos os conflitos de interesses. E com o escopo de superar esse empecilho, tais sistemas jurídicos, por exemplo, fornecem ou até mesmo criam princípios, positivando-os em seus respectivos ordenamentos jurídicos[3].
O Direito passa a ser visto, então, como um conjunto de regras e de normas principiológicas capaz de dirimir conflitos. No entanto, conforme o pragmatismo jurídico, o intérprete do Direito não deve recorrer somente a esse conjunto de regras e princípios, uma vez que ele pode se utilizar de outros instrumentos para atender, especialmente, as necessidades humanas e sociais (EISENBERG, 2007).
Um juiz, na sua atual posição, improvisa, muitas vezes, uma tese quando, em um determinado momento, é obrigado a fazer face às exigências do caso concreto. Além disso, outros métodos e fontes considerados válidos ou autorizados podem servir de instrumentos para se obter maiores informações e, sobretudo, uma prestação jurisdicional mais eficiente (EISENBERG, 2007).
Cumpre assinalar que as teorias não se revelam excludentes em sua aplicação prática, haja vista que elas podem ser vistas como perspectivas que proporcionam uma melhor compreensão do Direito e, principalmente, uma maior racionalização do processo judicial (EISENBERG, 2007).
Com o escopo de fornecer uma maior credibilidade e flexibilidade à interpretação e aplicação do Direito, o pragmatismo jurídico traz, portanto, algumas contribuições relevantes, de modo a conformar o Direito às exigências de uma sociedade cada vez mais complexa e dinâmica.
1.1. PRINCIPAIS CONTRIBUIÇÕES: O CONSEQUENCIALISMO, O CONTEXTUALISMO E O ANTIFUNDACIONISMO
Tecidas considerações gerais acerca da corrente do Pragmatismo Jurídico, deve-se, no presente momento, revelar as principais contribuições trazidas por tal corrente, quais sejam: o contextualismo, o consequencialismo e o antifundacionismo (EISENBERG, 2007).
O contextualismo implica que a valorização do contexto possibilita o juiz pragmatista de se valer de fontes tanto do âmbito jurídico quanto do não-jurídico – dados científicos, técnicos, etc. - para atender as demandas que se revelam no caso concreto (EISENBERG, 2007).
No mais, um intérprete do Direito não deve defender a existência de conceitos fixos, imutáveis, independentes das mudanças históricas, haja vista que este se revela como um ser histórico inserido em um determinado contexto social, político e cultural (CASTRO, 2007).
O consequencialismo, por sua vez, requer que toda e qualquer proposição seja testada por meio da antecipação de suas consequências e resultados possíveis. Um juiz, ao decidir, visará um futuro melhor para a sociedade ou tentará supor conseqüências, buscando alcançar a decisão que lhe parecer mais adequada e que, também, melhor atenda as necessidades humanas e sociais (CASTRO, 2007).
Vale frisar que as conseqüências desejadas não podem ser derivadas de uma hierarquia de preferências, mas devem ser fins possíveis de serem atingidos pela interpretação oferecida para aquele contexto (EISENBERG, 2007).
O antifundacionismo, por fim, consiste na rejeição de quaisquer espécies de conceitos abstratos e dogmas, entre outros tipos de fundações possíveis ao pensamento (CASTRO, 2007). Assim, toda e qualquer interpretação resultará de uma relação entre o sujeito e o texto, desmistificando a idéia de objetividade absoluta ou da existência de uma única interpretação possível ou correta.
Verifica-se que as aludidas contribuições corroboram a observação de que pensar o Direito sob uma ótica pragmatista implica em compreendê-lo em termos comportamentais, isto é, o Direito passa a ser delineado pela atividade realizada, sobretudo, pelos juízes.
1.2. A CRIAÇÃO DA NORMA INDIVIDUAL PELO JUIZ
Como já salientado alhures, o Direito, enquanto fenômeno social, dinâmico e complexo, não pode estar atrelado tão somente à subsunção do fato a uma premissa maior, como estabelece o raciocínio lógico-formal que se revela no modelo positivista.
Ao se analisar o Pragmatismo Jurídico, torna-se necessário, também, conceder a devida atenção ao processo de criação da norma individual pelo juiz, fruto da adequação da norma geral a um caso concreto. Assim, parâmetros rígidos de validade podem ser humanizados mediante o papel criativo do juiz quando da apresentação de argumentos que envolvem as circunstâncias do caso concreto, norteando, assim, sua decisão.
Convém destacar que doutrinas tradicionais relegam a função criadora do juiz, embasando-se no argumento de que a lei é a verdadeira fonte de validade do Direito, sempre criada pelo legislador e entregue aos tribunais para aplicá-la por meio do silogismo tecnicista. Não há dúvidas de que tal postura proporciona um “insulamento técnico-científico ao juiz” (AZEVEDO, 1989:21), transmitindo a ideia de que este possui uma função meramente técnica, subserviente, reduzida à aplicação acrítica da lei.
Insiste-se na idéia de que há, ainda, neutralidade na interpretação do Direito, aceitando-se, equivocadamente, a noção de que o intérprete se revela desprovido de ideologias, noções e preconceitos. No mais, são desconsiderados os contextos social, político, histórico e cultural que estruturam o Direito e que influenciam diretamente o processo decisório (EISENBERG, 2007).
Salienta-se que o juiz é um ser humano que possui uma formação pessoal, própria e o exame dos fatos sociais podem fornecer a este os dados sobre os quais medita o seu espírito criador e neste processo de criação há sempre alguma coisa a mais do que nele ingressou. O manuseio de exemplos e de casos concretos pode desenvolver essa habilidade criativa e a repetição pura e simples de preceitos, por outro lado, pode criar um profissional medíocre (CARDOZO, 2004).
Vale frisar, portanto, que, quando se defende a criação judicial do Direito, isso não significa que o juiz formule normas gerais, abstratas, uma vez que uma lei abstrata não pode ser considerada, ainda, um direito. A criação de direitos pelo juiz decorre do próprio exercício da função jurisdicional, de modo necessário e inafastável. Interpretar o direito não é apenas individualizar a norma, como também adequá-la ao contexto no qual será aplicada (CARDOZO, 2004).
Segundo Coelho (2009), a interpretação criadora é uma atividade legítima que o juiz desempenha de forma natural no curso do processo de aplicação do direito e não um procedimento que deva ser coibido, uma vez que estaria situado à margem da lei.
Impende destacar que, no Direito, torna-se incabível pensar em uma interpretação que revele o que seria uma essência da norma jurídica ou até mesmo em decisões judiciais adequadas a uma verdade. Por outro lado, um texto normativo não deve tentar impor ao intérprete um determinado sentido, uma vez que esgrima com a própria natureza da interpretação.
Noutro giro, surgem discussões quanto à existência ou não de influências externas nas decisões judiciais ou se há ou não, em decorrência de tais influências, decisões arbitrárias prolatadas por juízes, passando, assim, pelo problema da legitimidade do Judiciário para a tomada de decisões livres, sem as aludidas interferências. Controvérsias se originam, também, com relação a qual dos poderes logra de uma função central no âmbito de um Estado Democrático de Direito (CATÃO, 2007). Tais discussões serão analisadas nos capítulos subsequentes que têm como objeto o exame do fenômeno do ativismo judicial no Brasil.
Não obstante a existência de tais controvérsias, não restam dúvidas de que a interpretação pode ser vista como um relevante meio de construção do direito, haja vista que o legislador cada vez mais se utiliza de textos vagos, imprecisos e, inclusive, contraditórios, não logrando êxito algum em conciliar as aspirações humanas e coletivas. Por isso, ao juiz não compete buscar o sentido de tal texto, mas, sim, construí-lo, solucionando o conflito de interesses de maneira adequada e eficiente.
Com o fim de ilustrar tais considerações, vale citar um exemplo referente aos valores éticos. Estes dependem de um contexto, de seus elementos culturais e de seus respectivos fatores históricos, variando, assim, em diferentes épocas e culturas. O que hoje se considera ético, amanhã pode não ser considerado como tal e vice-versa.
Outro exemplo é o próprio conceito de justiça que apresenta significações distintas construídas por distintas mentalidades. Tentativas de objetivar seus padrões ou descrevê-los jamais lograram sucesso. Nesse sentido, a justiça se revela um conceito muito mais sutil e indeterminado do que qualquer outro que seja criado por uma mera observância de uma regra (CARDOZO, 2004).
Nota-se, claramente, que o tempo despiu as imperfeições do Direito moderno, revelou como o universalismo era um engano e como o império da lei não regrava tudo. A observação da realidade jurídica cotidiana fez com que muitos juristas, que se interessavam pelos problemas fundamentais do Direito, reconhecessem que há um pluralismo de métodos e de fontes do Direito e que é necessário, portanto, fortalecer o pragmatismo (ARNAUD, 1991).
O juiz deve subordinar-se ao direito e não à lei, já que é possível existir uma lei que vai de encontro ao direito (AZEVEDO, 1989).
Assim, cabe aos juízes e, também, aos juristas, em primeiro lugar, compreender a lei à luz dos princípios constitucionais e dos direitos fundamentais (MARINONI, 2008).
Diante desse contexto, emerge o Ativismo Judicial[4].
2. O ATIVISMO JUDICIAL NO BRASIL
Após uma análise das contribuições fornecidas pelo Pragmatismo Jurídico, verifica-se que tal corrente pode se revelar, também, como uma teoria que contribui para o fenômeno do ativismo judicial, tendo em vista que, em seu âmbito, o que confere validade para as normas jurídicas passa a ser a aplicação destas, de modo a atender, sobretudo, as necessidades humanas e sociais (EISENBERG, 2007).
Diante disso, o presente capítulo fará uma abordagem do fenômeno do ativismo judicial, expondo os principais fatores responsáveis pela sua origem, bem como suas principais características. Além disso, serão citados, a título de ilustração, alguns exemplos de decisões judiciais consideradas ativistas proferidas pelo Supremo Tribunal Federal.
2.1. UMA DISTINÇÃO ENTRE JUDICIALIZAÇÃO E ATIVISMO JUDICIAL
Inicialmente, cumpre relembrar que houve mudanças filosóficas significativas em ordenamentos jurídicos do pós-guerra por todo o mundo. No mais, houve, após a promulgação da Constituição Federal brasileira de 1988, uma valorização da função exercida pelo Poder Judiciário que passou a proferir decisões sobre diversos assuntos, intensificando, assim, as atividades dos juízes que passaram a não se revelar mais como observadores distantes e impassíveis de conflitos de interesses (GIORGIS, 2007).
Servem como provas da intensificação das atividades do Judiciário a preocupação de tal poder com o reforço das instituições garantidoras do Estado de Direito, como a magistratura e o Ministério Público; as investigações focadas na elucidação de casos de corrupção, envolvendo, principalmente, a classe política; o controle jurisdicional de atos das Comissões Parlamentares de Inquérito (CPI’s) no que tange à violação de direitos e garantias constitucionais; e a ampliação do rol de legitimados ativos para o ajuizamento da ação direta de inconstitucionalidade (ADI), objetivando-se pluralizar o debate constitucional no sentido de conferir um maior coeficiente de legitimidade política e social aos julgamentos do Supremo Tribunal Federal (MELLO, 2006).
Após esse breve intróito, convém enfatizar que o ativismo judicial não deve ser confundido com “judicialização”. Tal expressão significa que algumas questões consideradas de grande repercussão política ou social estão sendo decididas pelo Poder Judiciário e não pelas instâncias políticas tradicionais, como os poderes Legislativo e Executivo (BARROSO, 2008).
Pode-se asseverar que a judicialização envolve uma transferência de poder para juízes e tribunais, proporcionando alterações significativas na linguagem, na argumentação e, sobretudo, no modo de participação da sociedade (BARROSO, 2008).
Reflexo de tal transferência de poder é a grande judicialização, por exemplo, das políticas públicas e sociais que passaram a ser decididas, em última instância, pelos tribunais.
O ativismo judicial, por seu turno, revela-se como um fenômeno em que o Poder Judiciário transmuda de seu estado de passividade para uma atitude proativa, optando ativamente pela interpretação dos preceitos constitucionais, de modo a conceder máxima efetividade e concretização a direitos (PETRACIOLI, 2009).
É o Judiciário extrapolando os limites clássicos de sua esfera de poder para estabelecer suas fronteiras dentro dos espaços próprios dos outros poderes republicanos (PETRACIOLI, 2009).
Vale ressaltar que tal fenômeno teve suas primeiras manifestações nos Estados Unidos, tendo em vista que o próprio sistema Common Law favorece, de certa forma, o ativismo ao consagrar o processo de criação jurisprudencial do Direito (CITTADINO, 2004).
Impende frisar que, no contexto brasileiro, a judicialização, apesar de possuir uma relação com o ativismo judicial, é “um fato, uma circunstância que decorre do modelo constitucional que se adotou, e não um exercício deliberado de vontade política” (BARROSO, 2008).
Caso um juiz verifique que por meio de uma norma constitucional pode-se deduzir uma pretensão, subjetiva ou objetiva, cabe àquele dela conhecer, decidindo a matéria. Já o ativismo judicial se revela como uma atitude, a escolha de um modo específico de interpretar a Constituição com o fim de expandir o seu sentido e alcance (BARROSO, 2008).
Normalmente, o ativismo judicial se manifesta em situações que serão expostas na seção subsequente.
2.2. PRINCIPAIS FATORES RESPONSÁVEIS PELA ORIGEM DO ATIVISMO JUDICIAL NO BRASIL.
Reconhece-se que houve no Brasil, ao longo dos anos, uma considerável ampliação do controle normativo do Poder Judiciário. Pode-se dizer que esse controle, inclusive, é propiciado pela própria Constituição Federal de 1988 que, de certa forma, viabiliza uma ação judicial que recorre a procedimentos interpretativos legitimadores de aspirações humanas e sociais (CITTADINO, 2004).
Com efeito, percebe-se, também, uma maior mobilização política da sociedade, bem como uma ampliação do acesso à justiça em decorrência do crescimento dos números de demandas e, sobretudo, de assistências judiciárias à população (CAPPELLETTI, 1988).
Não há dúvidas, ainda, de que foi conferida uma força normativa à Constituição pátria, uma vez que a sua estrutura se encontra repleta de princípios. Como já observado no capítulo anterior, a incorporação de tais normas principiológicas pode conceder uma margem para a realização de interpretações construtivistas do Direito, dando azo a julgados distintos sobre um mesmo assunto, conforme as perspectivas dos julgadores.
Noutro giro, cumpre assinalar que o legislador, no Estado brasileiro contemporâneo, é chamado a intervir em tudo, utilizando-se da lei como instrumento único para a solução de diversos problemas. Os diplomas legais e outros atos normativos, tais como medidas provisórias, por exemplo, estão se multiplicando abruptamente, uma vez que se busca atender às pressões da sociedade e, também, a uma parcela da mídia.
Essa elaboração exacerbada de diplomas normativos, no entanto, peca por não atender aos anseios da sociedade, às mudanças nas relações dos cidadãos entre si e entre estes e o Estado (PETRACIOLI, 2009).
O Poder Executivo, por seu turno, não observa, notadamente, os direitos consagrados no ordenamento jurídico-constitucional, cuja aplicabilidade não deveria de forma alguma ser limitada. Além disso, não se administra adequadamente a máquina estatal, de modo a proporcionar aos legítimos titulares do poder os benefícios que o Estado deve prover.
Diante de tal situação, alguns defendem que o ativismo judicial é jurídica e socialmente justificável em razão da inércia e/ou da atuação insuficiente dos demais poderes. Além disso, sustenta-se que tal fenômeno se revela como uma resposta dada pelos órgãos jurisdicionais ao momento político atual da sociedade brasileira (GOMES, 2009).
Sustenta-se, também, que há uma “crise de identidade” (PETRACIOLI, 2009) das demais esferas de poder, colocando-se em risco a democracia, de modo a provocar um caos institucional.
Tal crise de identidade está afetando, inclusive, os partidos políticos diante dos constantes e suspeitos acordos políticos entre Executivo e Legislativo, bem como a representatividade popular, tendo em vista o crescente afastamento entre a classe política e a sociedade em geral (PETRACIOLI, 2009).
Outro fator que é considerado, por alguns, como relevante para o surgimento do fenômeno sob exame é a liberdade de expressão e a liberdade alcançada pela imprensa nas últimas décadas. Exemplo disso é a divulgação frequente de diversos escândalos, envolvendo a classe política (APPIO, 2008).
Não se deve olvidar, ainda, da nova composição do Supremo Tribunal Federal, já que, no âmbito desta Corte Suprema, encontram-se ministros com uma formação humanista, preocupados com a concretização de valores e princípios constitucionais (BARROSO apud GOMES, 2009).
Vale lembrar que o STF, durante os anos de ditadura militar, atuava no exercício de suas funções de certa forma discreta. Já ao final da década de 1990, passou-se a exercer uma nova espécie de jurisdição constitucional por meio da qual o ativismo judicial auferiu considerável atenção (APPIO, 2008).
Diante dos fatores expostos supra, convém advertir que o ativismo judicial, apesar de ser um tema recente e, ainda, pouco abordado pelos estudiosos do Direito no Brasil, encontra-se passível de críticas, tendo em vista que, para alguns, pode elevar o Judiciário à condição de protagonista do cenário republicano brasileiro. Tal discussão será exposta em momento posterior.
2.2. PRINCIPAIS CARACTERÍSTICAS.
Segundo Barroso (2008), um juiz ativista atua de forma distinta e aberta, pautando sua conduta no cumprimento integral da Constituição, de modo a aplicar os mandamentos constitucionais a situações ainda não acobertadas pelo texto constitucional, não se olvidando de considerar, em sua decisão, o contexto onde se encontra inserido, bem como as conseqüências que poderão advir de tal decisão.
Um juiz ativista, também, não possui receios em declarar a inconstitucionalidade de atos normativos produzidos pelo legislador, tendo em vista que desenvolve critérios mais flexíveis de controle (BARROSO, 2008).
Um juiz ativista, ainda, se caracteriza por impor condutas ou abstenções ao Poder Público, principalmente em matérias que envolvem políticas públicas (BARROSO, 2008).
Perante tais constatações, verifica-se que um juiz ativista procura não aguardar manifestações provenientes do legislador típico. No mais, tem como principal objetivo preencher os vazios (omissões) encontrados nas demais esferas de poder, de modo a conferir uma eficácia máxima aos valores e direitos consagrados na Constituição Federal.
Torna-se de grande valia lembrar que o Poder Judiciário encontra-se vinculado aos direitos fundamentais não somente a partir do momento que fiscaliza o cumprimento destes pelas demais esferas de poder, mas também no conteúdo de cada decisão, bem como no seu modo de agir (NUNES JÚNIOR, 2010).
Cumpre asseverar, ainda, que os efeitos jurídicos emanados das normas definidoras de direitos fundamentais, podem e devem ser extraídos diretamente pelo julgador sem a necessidade de haver uma intervenção do legislador ordinário, devendo, nesta medida, ser efetivados, haja vista que, em caso contrário, os aludidos direitos poderiam cair na esfera de disponibilidade dos órgãos estatais (SARLET, 2002).
Não restam dúvidas de que, nos dias de hoje, os direitos fundamentais não podem mais ser vistos como meros enunciados que não logram de qualquer força normativa, “limitados a proclamações de boas intenções e veiculando projetos que poderão, ou não, ser objeto de concretização dependendo única e exclusivamente da boa vontade do poder público, em especial, do legislador” (SARLET, 2002).
De arremate, impende frisar que o Estado existe para atender ao bem comum e, consequentemente, satisfazer direitos fundamentais, garantindo, assim, a “igualdade material entre os componentes do corpo social” (GRINOVER, 2008:12).
2.3. EXEMPLOS DE DECISÕES JUDICIAIS CONSIDERADAS ATIVISTAS PROFERIDAS PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL.
Com o fim de ilustrar a presença cada vez maior do ativismo judicial no Brasil, vale a pena citar alguns exemplos de decisões de caráter ativista proferidas pelo Supremo Tribunal Federal, tendo em vista a legitimidade política que esta Corte Suprema desfruta atualmente, sobretudo, em decorrência de uma série de conjugações entre fatos e eventos de natureza estritamente política que marcaram a recente história do Brasil na última década como, por exemplo, o impeachment de um ex-presidente da República (APPIO, 2008).
Um primeiro exemplo que merece ser destacado é o da declaração de inconstitucionalidade do regime integralmente fechado, previsto no artigo 2º, da Lei n° 8.072/1990 (Lei de Crimes Hediondos). Segundo o STF, o aludido dispositivo viola o núcleo essencial do direito à individualização da pena, previsto no rol de direitos e garantias fundamentais do artigo 5º, da Constituição Federal (NUNES JÚNIOR, 2010).
Outro exemplo que merece destaque é a decisão proferida pelo STF na ADPF n° 54[5]. A corte suprema considerou, por maioria, que incumbia a esta e não ao Congresso Nacional regular o tema por meio de uma ação de controle objetivo de constitucionalidade das leis. Tal opção revelou uma nítida postura ativista em favor de uma minoria, qual seja, as mulheres. (APPIO, 2008).
Ao abordar o ativismo judicial durante o julgamento dos Mandados de Injunção números 670 e 712[6], a jurisprudência do STF evoluiu no sentido positivo de fornecer ao Mandado de Injunção o sentido previsto pelo legislador constituinte (APPIO, 2008).
Um caso, também, que merece ser ressaltado é o da implantação da fidelidade partidária. O STF aplicou diretamente a Constituição a uma situação não expressamente contemplada em seu texto e independentemente de manifestação do legislador ordinário. A mesma corte declarou, com fulcro no Princípio Democrático, que a vaga no Congresso pertence ao partido político (BARROSO, 2008). Criou-se, assim, uma nova hipótese de perda de mandato parlamentar, além das que se encontram expressamente previstas no ordenamento constitucional.
Não se deve deixar de assinalar a edição, pelo STF, de algumas súmulas vinculantes que trouxeram regulações a determinadas matérias que, até então, não haviam sido objeto de lei como, por exemplo, as restrições ao uso de algemas[7], a vedação da cobrança da taxa de matrícula em universidades públicas[8] e a vedação do nepotismo no âmbito dos três poderes da República[9] (GANEM, 2010).
Ao analisar o direito à educação[10], o STF decidiu que a educação infantil se afigura como um direito constitucional indisponível, fundamental, haja vista que confere um desenvolvimento integral à criança. O impedimento de efetivo acesso e de atendimento em creches e unidades de pré-escola por parte do Poder Público Municipal configura inaceitável omissão governamental, violando, assim, dispositivos constitucionais. Por se revelar como direito fundamental de toda criança, a educação infantil não deve se expor, em seu processo de concretização, a avaliações meramente discricionárias da Administração Pública.
Por fim, não se pode olvidar de citar um exemplo notório, qual seja, o da distribuição de medicamentos e a determinação de terapias mediante decisões judiciais. A matéria não foi apreciada, ainda, de forma aprofundada pelo STF, exceto nos casos onde constam pedidos de suspensão de segurança. No entanto, constata-se, em diversos tribunais estaduais e federais, uma grande quantidade de decisões, condenando a União, o Estado ou o Município[11] a fornecer medicamentos e terapias que não constam das listas e protocolos do Ministério da Saúde ou das Secretarias Estaduais e Municipais de Saúde (BARROSO, 2008).
Após a análise dos exemplos supracitados, pode-se inferir que o STF possui uma missão de proteger, sobretudo, as minorias, uma vez que não são adequadamente representadas na esfera política tradicional (Congresso Nacional e Presidente da República), bem como de conceder máxima eficácia aos direitos consagrados no ordenamento jurídico-constitucional.
A Suprema Corte, também, não pode permitir que se instaurem “círculos de imunidade em torno do poder estatal” (MELLO, 2006), sob pena de se fragmentarem os direitos dos cidadãos, as liberdades públicas e de se degradarem as instituições democráticas (MELLO, 2006).
O STF, ainda, possui a capacidade de deflagrar o debate político em torno de questões morais da mais alta relevância, mas que se encontram, na maior parte do tempo, no “subterrâneo da política comum do cotidiano mais preocupada com a prática de atos de governo e com CPI’s” (APPIO, 2008:385).
Noutro giro, há quem sustente a ideia de que não é toda e qualquer matéria que possa ser decidida no âmbito de um tribunal, pois algumas situações que envolvem aspectos técnicos ou científicos de grande complexidade devem ser, inicialmente, analisadas pelo Legislativo ou Executivo. Logo, deve-se ceder um espaço para juízos discricionários dotados de razoabilidade (BARROSO, 2008).
Além disso, um juiz não detém informação suficiente ou conhecimento específico acerca de determinado assunto. Em questões como, por exemplo, demarcação de terras indígenas ou transposição de rios, em que tenha havido estudos técnicos e científicos adequados, deve ser levada em consideração a questão da capacidade institucional (BARROSO, 2008).