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A sentença declaratória de união estável como prova plena da condição de dependente perante a previdência social

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3. ESTUDO DAS AÇÕES

3.1. Conceito e Classificação

O conceito de ação se faz pela própria definição de sua natureza jurídica, ou seja, é um direito inerente a toda pessoa, física ou jurídica, de buscar a prestação jurisdicional do Estado para a satisfação de uma necessidade de solução de um conflito ou uma controvérsia existente.

Ou, para Cintra, Grinover e Dinamarco (1991: p.221), ação vem a ser o direito ao exercício da atividade jurisdicional.

No definir de Maria Stella Rodrigues (1.989: p.51), ação é um “... direito público subjetivo, que qualquer pessoa tem, de pedir ao Estado que preste a atividade jurisdicional diante de um caso concreto (conflito)...”.

Ao explicar o conceito que a doutrina atribui à ação, afirma a célebre jurista Maria Stella (1.989: p.51-52), que a natureza da ação é autônoma, uma vez que prescinde da existência de um direito material a defender e é abstrata por ser desnecessária a existência de um direito material a defender em Juízo, para que possa exercer o direito de agir, ou seja, bastando a existência de um interesse abstrato protegido pelo ordenamento jurídico, podendo a solução ser ou não favorável ao autor, mas tão somente, a “solução do litígio”.

Regra geral, a doutrina classifica as ações de acordo com as sentenças nelas proferidas. Sendo assim, têm-se: ações meramente declaratórias, ações constitutivas e ações condenatórias.

A classificação atribuída às ações por Maria Stella (1989: p.55-57), se dá pela natureza da ação, pela natureza do objeto, da extensão do objeto, ao fim e à transmissibilidade, em razão do direito buscado. Também as classifica em razão das sentenças nelas proferidas.

Sendo assim, quanto à natureza as ações são patrimoniais ou não patrimoniais. Aquelas defendem um direito real ou obrigacional, portanto, visam um patrimônio. Subdividem-se em ações reais e pessoais ou obrigacionais, sendo reais as que visam um direito real e as pessoais, objetivam garantir o cumprimento de uma obrigação. Como exemplo das reais, são as ações possessórias e pessoais ou obrigacionais, as ações de alimentos.

As ações não patrimoniais se propõem a defender direitos relacionados ao estado da pessoa, ao estado de família, a exemplo, a investigação de paternidade.

Quanto à natureza das sentenças proferidas nas ações, estas se classificam em ações declaratórias, condenatórias e constitutivas, seguindo essa a regra geral de classificação das ações pela doutrina brasileira.

Na classificação de Cintra, Grinover e Dinamarco (1.991: p.235), de acordo com o pedido a ação se classifica em ação de conhecimento e ação executória. A primeira tem por meta o julgamento do mérito da causa e a executiva, a satisfação do pedido.

Para esses doutrinadores as ações de conhecimento se subdividem em meramente declaratórias, constitutivas e condenatórias.

Dentro dessa classificação, apenas as ações cuja sentença de mérito seja condenatória tem força executiva.

Na ação condenatória, a pretensão do autor é criar uma obrigação para o réu (parte passiva).

Nas ações constitutivas, a sentença nelas proferidas é a que constitui, modifica ou extingue uma relação ou situação jurídica.

Ainda sobre a sentença constitutiva, ela se limita a declarar “... o direito preexistente, do qual derivam efeitos constitutivos, previstos no ordenamento jurídico...”, sob a ótica de Cintra, Grinover e Dinamarco (1.991: p.272).

Já as ações declaratórias são aquelas cuja sentença declara a existência ou não de relação jurídica ou a “... mera declaração de um fato (falsidade documental)”, no afirmar de Cintra, Grinover e Dinamarco (1991: p.270).

Apenas a título ilustrativo, resta o acréscimo das ações mandamentais e as ações executivas lato sensu, segundo a classificação de Pontes de Miranda, citado por Vicente Greco Filho (1981: p.229).

Na ação mandamental, o autor busca uma ordem judicial para que a parte demandada (pessoa física ou um órgão) faça ou deixe de fazer alguma coisa. É essa a pretensão deduzida em juízo nessa ação.

Já na ação executiva lato sensu, o autor adota novas medidas para que faça valer o seu direito.

Segundo Barbosa Moreira (2.000: p.3), o processo de execução é o exercício da função jurisdicional que visa “... à atuação prática da norma jurídica concreta que deve disciplinar determinada situação...”, afirmando o renomado jurista, que a sentença de mérito é a expressão da norma jurídica que disciplinará a pretensão dedutível em juízo.

No presente trabalho interessa a ação declaratória prevista no art.4º do Código de Processo Civil Brasileiro, na qual o interesse do autor está limitado em declarar a existência de uma relação jurídica, qual seja, a união estável.

Essa relação jurídica é a situação de convivência pública, que tenha continuidade e que seja duradoura entre um homem e uma mulher, intencionados em constituir uma família, família essa já existente de fato e a qual é reconhecida como entidade familiar pelo Estado Brasileiro Democrático de Direito, na forma do art.226, §3º da Carta Magna.

A ação declaratória pode ser definida como sendo o direito que tem o autor de buscar a prestação jurisdicional do Estado para o fim único de ter declarada a existência ou não de uma relação jurídica, ou da autenticidade ou falsidade de documento, de seu interesse. (Art.4º, incisos I e II do Código de Ritos Brasileiro).

Na ação declaratória da existência ou não de uma relação jurídica, que faz parte do objeto do presente estudo, parte-se da existência de uma relação de fato para que torne certa a sua existência como uma relação jurídica e, por conseguinte, capaz de gerar direitos e obrigações, sendo o objeto da ação a simples declaração de uma situação jurídica preexistente.

A respeito do tema, ao discorrer sobre a ação declaratória no tópico pertinente à classificação das ações, a doutrina de Maria Stella Villela (1.989: p.58), revela que “...Esse tipo merece, dos estudiosos, sérias críticas, no sentido de sustentar-se que o objeto da ação não é fazer simples declarações, mas dirimir conflitos reais...”, no que se concorda, uma vez que a necessidade – interesse do autor na busca de declarar a existência ou não da relação jurídica preexistente, ou de declarar que determinado documento é ou não verdadeiro, pressupõe a existência de um conflito.

Ressalte-se que na ação declaratória estabelece-se o contraditório havendo necessidade de citação das partes legítimo-interessadas, de produção de provas como a oitiva de testemunhas, juntada de documentos, etc.

Há que se destacar ainda o fato de que as provas devem ser idôneas e no processo se destinam a oferecer ao juiz os meios de conhecer a verdade dos fatos, de sorte a nele – pessoa do juiz, produzir a convicção acerca do fato que se quer provar.


4. A POSIÇÃO DOS COMPANHEIROS NO CRITÉRIO DE PREFERÊNCIA ENTRE OS BENEFICIÁRIOS DA PREVIDÊNCIA SOCIAL

Os companheiros estão inseridos na primeira classe de dependentes do segurado, considerada como classe preferencial, portanto, tendo preferência às demais classes na obtenção do benefício previdenciário, concorrendo em igualdade de condições a todos os dependentes inscritos na classe primeira, na forma do art.16, inciso I da Lei nº.8.213/91 e do Regulamento da Previdência Social.

Para a Previdência Social, companheira ou companheiro é a pessoa que mantém união estável com o segurado ou com a segurada, nos termos do §3º do art.226 da Constituição da República Federativa do Brasil, conforme previsto no art.16, §3º da Lei de Benefícios e art.16, §5º do seu Regulamento.

Em sede administrativa, na existência do casamento válido, ou seja, já havendo benefício de pensão por morte deferida à esposa, a Previdência Social tende a indeferir o pedido de pensão formulado pela companheira, não reconhecendo a união paralela.

No entanto, a jurisprudência pátria é inovadora quanto à situação de fato apresentada, reconhecendo união estável paralelamente ao casamento, portanto, mesmo não havendo a separação de fato.

É o caso da Apelação Cível nº0024936122 da Oitava Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul3, dentre outras.

Lembre-se que a união estável é equiparada ao casamento.

Logo, é a proteção da família que prevalece na intenção do legislador e do Judiciário, como visto.

Reforçando essa idéia, basta citar o art.1.727 do Código Civil Brasileiro cujo regramento é o de que as relações não eventuais entre o homem e a mulher, impedidos de casar, constituem concubinato.

Torna-se evidente que no caso do segurado que tem uma relação configurada concubinato, em que a concubina tinha pleno conhecimento de seu casamento, a lei não protegerá o direito da concubina não podendo esta auferir qualquer benefício.

Continuando as situações práticas vivenciadas em sede administrativa pelo Órgão Previdenciário, tem-se a do segurado casado, porém separado de fato, que mantém união estável com outrem, havendo hoje a possibilidade de deferimento do benefício de pensão por morte para a companheira.

Essa situação está prevista no §6º do art.16 do Decreto nº.3.048/99, com a redação atribuída pelo Decreto nº.6.384/2008.

Seguindo a orientação do Regulamento, a Instrução Normativa Nº20/INSS/PRES admite a possibilidade de concessão de pensão por morte nessas condições, porém, desde que comprovada a união estável na forma estabelecida no Regulamento da Previdência Social, Decreto nº.3.048/99, como prevê o §4º do art.269 da citada norma interna.

Registre-se que somente perderá a qualidade de dependente o cônjuge ou companheiro que cessar a união estável com o segurado sem ter garantida a percepção de alimentos, conforme disposto no art. 17, II, do Decreto nº.3.048/99.


5. A PROVA DA UNIÃO ESTÁVEL PARA A PREVIDÊNCIA SOCIAL

Impende de início verificar a definição de união estável pela legislação previdenciária.

E assim, o §6º do Decreto nº.3.048/99 define união estável como sendo aquela verificada entre o homem e a mulher como entidade familiar, quando forem solteiros, separados judicialmente, divorciados ou viúvos, enquanto não se separarem.

Como já observado, a prova da união estável aceita perante a Previdência Social para fins de benefício previdenciário, na via administrativa, depende daqueles três elementos que servem para comprovar ao mesmo tempo o vínculo com o segurado e a dependência econômica em relação a ele, que são aqueles documentos elencados no art.22 do Regulamento da Previdência Social.

No entanto, o mesmo Decreto Regulamentar estabelece no inciso XVII do art.22 que quaisquer outros documentos que possam convencer acerca da existência do fato que se quer provar, também valem como prova.

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E é aí que se pode inserir a sentença declaratória de união estável transitada em julgado como prova plena da condição de dependente perante a Previdência Social.

Ainda assim, o Órgão Previdenciário tem apresentado resistência quanto à aceitação da sentença declaratória de união estável transitada em julgado, como prova plena da condição dos companheiros de dependentes dos (as) segurados (as) para fins dos benefícios previstos na lei.

Tal posicionamento tem gerado uma série de demandas, tanto em sede administrativa, no contencioso administrativo, com o enorme volume de recursos interpostos perante as Juntas e o Conselho de Recursos da Previdência Social, quanto em sede de judiciário, cujo provimento tem sido favorável.

O que há necessidade de se distinguir, e ainda não se fez em sede administrativa, é a prova da dependência econômica da prova da vida em comum.

A esposa tem que comprovar que à época do óbito do segurado o seu casamento com ele era válido, tendo em vista o que estabelece o art.76, §1º da Lei nº.8.213/91.

De igual modo, a companheira tem que provar a vida em comum, ou seja, a existência de união estável havida até a data do óbito do segurado. Isso basta.

Interessante frisar que dentro do próprio órgão de assessoramento jurídico do INSS existe a controvérsia, a exemplo as Notas Técnicas nº28/2007 e 49/2008, ambas emitidas pela Procuradoria Federal Especializada do INSS.

A Nota Técnica nº.28/20074, datada de 23/03/2007, emitida pela Coordenação–Geral de Matéria de Benefícios da Procuradoria Federal Especializada do INSS, através de sua Divisão de Consultoria de Benefícios, adotou o entendimento de que a apresentação de três dos documentos elencados no §3º do art.22 do Decreto nº.3.048/99, se faz necessário apenas quando “...não foi proposta ação declaratória de união estável ou nos casos em que ainda não houve o trânsito em julgado...”, concluindo, ao final, que o reconhecimento da união estável até a data do óbito mediante sentença transitada em julgado proferida pela Justiça Estadual, é prova da qualidade de dependente para os fins da Lei nº.8.213/91 e o seu Regulamento.

Em contrapartida, a Nota Técnica nº.49/20085, datada de 28/05/2008, também emitida pela Coordenação – Geral de Matéria de Benefícios da Procuradoria Federal Especializada do INSS, através de sua Divisão de Consultoria de Benefícios, adotou o entendimento de que a união estável declarada pela Justiça Estadual, em processo judicial do qual o INSS não participou, não pode ser reconhecida como prova absoluta para fins de concessão de benefício previdenciário, afirmando que “...referida decisão ostenta um caráter de presunção relativa da relação jurídica nela declarada...” e desde que fique demonstrado que a sentença “seria equivocada ou viciada...”, cabe a análise das provas em sede administrativa com base na legislação previdenciária e o indeferimento do pedido de pensão fundado na sentença.

Nessa mesma esteira, a Nota emitida pela Consultoria Jurídica do Ministério da Previdência Social nº186/20086, em 29/05/2008, cuja ementa segue:

DIREITO PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO – QUALIDADE DE DEPENDENTE. COMPANHEIRA. ENQUADRAMENTO. BALIZAS. União estável. Constituição, art.226. Lei nº 8.213/91, art.16, §3º. Integração jurídica – Código Civil/2002, art.1723 e seguintes. Regulamento/RPS: art.22, §3º. Sentença judicial em ação declaratória de união estável. Limites subjetivos da coisa julgada. Valor probatório perante a Previdência Social. Relativização. Necessidade de avaliação e ponderação, no contexto probatório.

Em síntese, o entendimento adotado pela Consultoria Jurídica do Ministério da Previdência Social na referida Nota e que vincula o órgão previdenciário INSS, é o de que o entendimento defendido pela Nota Técnica nº.28 citada alhures, pelo fato de que a qualidade de dependente se prova perante a Previdência Social e não em sede de Vara de Família, “... a coisa julgada formada entre particulares (limites subjetivos), nesse panorama, não deve ser considerada cogente para o Estado...”, ao fim concluindo que a forma de se provar o vínculo de dependente para a Previdência Social encontra-se estabelecida na Lei nº.8.213/91, seu art.17 e no Decreto nº.3.048/99, art.22, §3º, afirmando que

Tal disposição regulamentar afigura-se-nos plenamente compatível com o critério da razoabilidade, uma vez que o vínculo de dependente não prescinde de comprovação, em qualquer hipótese.

Inclusive há uma cláusula de abertura na parte final do dispositivo (item XVII) que permite a integração do conjunto probatório do vínculo de união estável por quaisquer outros documentos que possam levar à convicção do fato a comprovar, logo, não há qualquer limitação além da legalidade, o que aproxima o mecanismo administrativo do meio judicial da liberdade das provas para convencimento do juiz.

De maneira que não vemos razão ou eficiência para prestigiar-se a ação declaratória de união estável como prova plena perante a Previdência Social, na medida em que esta se avizinha de uma mera justificação judicial no plano dos efeitos, não sendo razoável erigi-la à categoria de prova plena da relação de união estável, por mais respeitável que seja a intervenção judicial na colheita e avaliação das provas reunidas no processo.

Como se pode ver, o entendimento que prevalece no âmbito da Previdência Social é o de que a sentença declaratória de união estável não é prova plena da condição de dependente, na qualidade de companheira (o) para fins de benefício previdenciário.

Exigem-se os três elementos de prova na forma do §3º do art.22 do Decreto nº. 3.048/99 – Regulamento da Previdência Social.

A doutrina especializada quanto ao tema segue as prescrições do art.22 do RPS para a prova da união estável.

Para Ivan Kertzman (2005: p.269), a união estável pode ser comprovada para fins de benefícios previdenciários mediante apresentação de, no mínimo, três documentos do tipo, certidão de nascimento de filho havido em comum; certidão de casamento religioso etc., repetindo aqueles documentos elencados no §3º do art.22 do Regulamento da Previdência Social.

O mesmo entendimento segue Fábio Zambitte Ibrahim (2004: p.460), que afirma que tanto a dependência econômica como o vínculo se prova na forma do §3º do art.22 do Regulamento da Previdência Social.

Já Hermes Arrais Alencar (2007: p.179), apenas destaca que a documentação a ser apresentada pela (o) companheira (o) deve restringir-se a comprovar a união estável, não admitindo que o Órgão Previdenciário exija prova da dependência econômica.

No entanto esse autor não faz menção quanto a sentença declaratória de união estável como prova plena da união estável perante a Previdência Social, ficando a dúvida acerca do seu posicionamento em face da prova do vínculo na forma do Decreto nº.3.048/99, que é a mesma prevista para a comprovação da dependência econômica, conforme §3º do art.22 do Regulamento.

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Sobre a autora
Ivete Sacramento de Almeida Silva

Advogada, pós - graduada em Direito Previdenciário pela Universidade Gama Filho e servidora pública federal.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Ivete Sacramento Almeida. A sentença declaratória de união estável como prova plena da condição de dependente perante a previdência social. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3479, 9 jan. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/23422. Acesso em: 19 abr. 2024.

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Professor Orientador: Emanuel Cardoso Pereira

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