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A sentença declaratória de união estável como prova plena da condição de dependente perante a previdência social

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6. CONCLUSÃO

Nas experiências de trabalho na área da análise do direito, costumo equiparar a sentença declaratória de união estável transitada em julgado, a uma certidão de casamento. Ambos são documentos públicos, portanto, dotados de fé pública e possuem forma legal.

Via de regra, não se discute a validade das certidões emitidas pelos tabeliões de notas, posto que tais documentos são dotados de fé pública, podendo-se vindicar estado contrário se comprovado erro ou falsidade no documento.

De igual modo, a sentença, qualquer que seja ela, por ser documento público, sendo proferida pelo juízo competente, seguindo a forma legal, é dotada de fé pública, somente cabendo discussão nos casos previstos em lei, especificamente mediante os recursos aplicáveis e, escoados estes, através de ação rescisória ou ação anulatória, quando cabíveis.

A união estável é uma entidade familiar, digna da proteção do Estado, na forma estabelecida no art.226, §3º da Carta Política Brasileira.

Se a união estável é tida como entidade familiar, a criação ou a dissolução dessa união estável ente homem e mulher implica alteração do status familiar.

As questões de estado são as relacionadas à família e ao estado civil (nacionalidade, cidadania etc.).

As questões de estado família, são as que envolvem casamento, divórcio, filiação. Ora, se a união estável é equiparada a casamento, logo, toda questão que envolva a união estável deve ser tida como questão de estado.

Nas questões de estado há obrigatoriedade da intervenção do Ministério Público, consoante prescreve o Código de Processo Civil Pátrio.

A competência para julgar as lides que envolvam as relações entre os conviventes é da Justiça Estadual e restrita às Varas de Família. É o que prescreve o art.9º da Lei nº.9.278/96.

Ora, se a Carta Política Pátria, Lei Máxima, atribuiu à união estável a condição de “entidade familiar”, as pessoas que estão nessa situação passam a ocupar posição especial no seio familiar.

Daí segue-se várias consequências jurídicas: direito de acréscimo do nome de família do companheiro, de ser chamada a concorrer na sua sucessão como herdeira, de receber alimentos etc.

Disso se dessume que a união estável é uma modalidade de estado da pessoa, logo, nos termos do art.472, segunda parte, do CPC, a sentença transitada em julgado, portanto, coisa julgada material, tem efeito contra terceiros na lide da qual resultou, se todos os interessados foram citados no processo. São os efeitos reflexos da sentença.

Interessados nas questões de estado são aqueles ligados pelos laços de parentesco.

Destarte, uma vez atendidos os pressupostos da legitimidade ad causam entre as partes na ação de estado, aquele que não foi parte na lide, o terceiro, não terá direito de discutir a matéria já decidida em outros processos, ainda que possa a vir sofrer prejuízo por força da decisão.

A eficácia erga omnes atribuída à coisa julgada nas ações de estado significa, em outras palavras, que ninguém pode ignorar o status definido pela sentença.

Ademais, na forma do art.334, inciso I do Código de Processo Civil, os fatos notórios independem de prova.

Sendo assim, pode-se afirmar que a sentença declaratória de união estável uma vez transitada em julgada, é prova plena da qualidade de dependente na condição de companheira (o) para fins de direito perante a Previdência Social.

Ora, se para a Previdência Social a relação de dependência econômica da (o) companheira (o) em face do (a) segurado (a) é presumida, consoante preceitua o art.16, inciso §4º c/c inciso I da Lei nº.8.213/91, basta apenas que ela (e) comprove a vida em comum.

Vida em comum corresponde a um fato.

A prova da vida em comum deve ser plenamente realizada através da correspondente ação declaratória, independentemente da existência até mesmo de prova material, ao considerar-se que a união estável é uma situação de fato, que tem como elementos a notoriedade e a convivência duradoura, como entidade familiar.

Fato se prova com testemunhas.

Demais disso, a Lei de Benefícios não exige a prova material como elemento de prova da vida em comum.

Nesse sentido, é o entendimento do Superior Tribunal de Justiça em acórdão proferido no Recurso Especial interposto pelo INSS, REsp 783697/GO / 2005/0158025-77, que teve como Relator o Ministro Nilson Naves, como segue:

No nosso sistema processual, coexistem e devem ser observados o princípio do livre convencimento motivado do juiz e o princípio da liberdade objetiva na demonstração dos fatos a serem comprovados (arts.131 e 332 do Cód. de Proc.Civil).

Se a lei não impõe a necessidade de prova material para a comprovação tanto da convivência em união estável como da dependência econômica para fins previdenciários, não há por que vedar à companheira a possibilidade de provar sua condição mediante testemunhas, exclusivamente. Ao magistrado não é dado fazer distinção nas situações em que a lei não faz.

Acerca de prova, o CPC estabelece que esta se faz por todos os meios admitidos no direito, sendo legais e moralmente legítimos, todos são hábeis para provar a verdade dos fatos, na forma do caput do art.332.

Portanto, já é hora de o Órgão Previdenciário admitir que a sentença declaratória de união estável por si só, uma vez transitada em julgado, é prova plena da qualidade de dependente na condição de companheira (o) do (a) segurado (a) da Previdência Social.

Ressalte-se que a união estável deve persistir até a data do óbito do (a) segurado (a), caso contrário, haverá necessidade de comprovação de dependência econômica, na forma exigida pelo §1º do art.76, da Lei nº. 8.213/91.

Resta ao Órgão Previdenciário procurar se adequar em face dessa realidade, visando cumprir efetivamente a sua missão que é a de garantir a proteção ao trabalhador brasileiro e aos seus familiares e não opor obstáculo ao caminho legal traçado pelos seus beneficiários.

Por fim, vale informar que atualmente existe um forte movimento dentro do Órgão de Assessoramento Jurídico do INSS – Procuradoria Federal Especializada do INSS com o fito de reduzir as demandas, que é o batizado “Programa de Redução de Demandas Judiciais do INSS” e, tem-se a sugerir que esse movimento deva iniciar com uma reforma na conduta adotada pelo Instituto no tocante à não aceitação das sentenças declaratórias de união estável como prova plena de condição de dependente perante a Previdência Social, o que só tem gerado novas demandas, portanto, indo de encontro à intenção em reduzir o número de ações propostas contra o Órgão Previdenciário.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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BRASIL. Lei nº.8.213. Plano de Benefícios. Dispõe sobre os planos de benefícios e dá outras providências. Publicada em Diário Oficial da União em 25/07/1991.

BRASIL. Lei nº.8.971. Regula o direito dos companheiros a alimentos e sucessão. Publicado em Diário Oficial da União em 30/12/1994.

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Notas

1 Justificação Administrativa é um recurso utilizado no âmbito administrativo do Órgão Previdenciário, para o fim de suprir a falta ou insuficiência de documento ou produzir prova do fato ou circunstância de interesse dos beneficiários, perante a Previdência Social.

2 Disponível no site www.stf.gov.br. Acesso em 23/06/2009.

3 Apelação cível nº70024936122. Disponível no site: www.tjrs.jus.br. Acesso em 28/06/2009.

4 Disponível em https://10.69.3.53/dirben/NotaTecnica/notatecnica028CGMBEN-2007.pdf Intraprev. Acesso em 26/06/2009.

5 Disponível em https://10.69.3.53/dirben/NotaTecnica/notatecnica049CGMBEN-2008.pdf Intraprev. Acesso em 28/06/2009.

6 Disponível em https://10.69.3.53/dirben/NotaTecnica/Nota_CONJUR_MPS_186_2008.pdf Intraprev. Acesso em 28/06/2009.

7 Disponível no site: www.stj.gov.br. Acesso em 30/06/2009

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Sobre a autora
Ivete Sacramento de Almeida Silva

Advogada, pós - graduada em Direito Previdenciário pela Universidade Gama Filho e servidora pública federal.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Ivete Sacramento Almeida. A sentença declaratória de união estável como prova plena da condição de dependente perante a previdência social. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3479, 9 jan. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/23422. Acesso em: 23 dez. 2024.

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Professor Orientador: Emanuel Cardoso Pereira

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