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Doença preexistente nos planos de saúde

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05/02/2013 às 10:12
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5.Contratos de Plano de Saúde

É de origem contratual a relação entre as operadoras de plano de saúde e seus consumidores, razão pela qual se mostra fundamental uma breve passagem pelo tema. Aurisvaldo Sampaio conceitua o contrato de plano de saúde como:

(...) aquele por meio do qual uma das partes, a operadora, obriga-se diante da outra, o consumidor, a proporcionar a cobertura dos riscos de assistência à saúde mediante a prestação de serviços médico-hospitalares e/ou odontológicos em rede própria, reembolso das despesas efetuadas, ou pagamento direto ao prestador de dos referidos serviços (SAMPAIO, 2011, p. 187).

Trata-se de um contrato de prestação de serviços por tempo indeterminado, no qual o seu destinatário, em regra, se obriga ao pagamento de contraprestações mensais previamente definidas.

Os valores constitutivos dos contratos dos planos de saúde estão visceralmente ligados aos princípios constitucionais de proteção à vida, à saúde e ao dever do Estado de colocar a dignidade da pessoa humana acima dos interesses monetários dos empresários do setor (SILVEIRA, 2009, p. 81).

Apesar da fundamentalidade dos bens jurídicos envolvidos na relação estabelecida entre operadoras e seus consumidores, o mercado de planos de saúde no Brasil desenvolveu-se em um contexto de baixa regulação estatal até os fins da década de 1990 (COSTA, 2002, p. 49). Predominava a crença neoliberal de que a disputa entre as operadoras de planos de saúde por clientes seriam suficientes para garantir a estabilidade do setor. Por isso, as ações de controle e fiscalização do governo concentravam seus esforços para corrigir/atenuar as falhas de mercado, através da criação de regras econômico-financeiras (GAMA, 2002, p. 73).

O passar dos anos demonstrou que os contratos de planos de saúde estavam sendo veículos de exploração por parte das operadoras. A partir da década de 1980, a população brasileira passou a denunciar tal realidade, expondo uma série de abusos praticados, destacando-se dentre eles: negação de atendimento, aumento exagerado dos preços e seleção de risco e de usuários por parte das operadoras (REZENDE, 2011, p. 31). Tornou-se perceptível na época que a efetivação do direito à saúde dos clientes de planos estaria subordinada ao surgimento de um novo modelo de regulação. Um modelo que se respaldasse na ótica dos direitos consumeristas, direcionando sua atenção para a garantia do acesso e qualidade da assistência aos clientes dos planos (BAHIA, 2001, p. 337). Esse foi o ponto de partida para o surgimento do marco regulatório do setor, consubstanciado pela Lei nº 9.656 de 3 de Junho de1998, e da criação da Agência Nacional de Saúde (ANS) através da Lei 9.961 do ano de 2000.

Antes de analisar os aspectos regulatórios que irão influenciar os contratos dos planos de saúde, vale salientar que a legitimidade e a legalidade que fundamentam a interferência estatal no setor estão claramente expressas no artigo 197 da Constituição Federal, que determina ser “de relevância pública as ações e serviços de saúde, cabendo ao Poder Público dispor, nos termos da lei, sobre sua regulamentação, fiscalização e controle (...)”.

5.1. O marco regulatório e seus impactos nas relações contratuais

Como visto no tópico anterior, o mercado de planos de saúde no Brasil por muito tempo se desenvolveu longe de uma eficaz regulação estatal, algo que produziu alta lucratividade advinda de práticas exploratórias de consumo. A promulgação da Lei 9.656/98, a Lei dos Planos de Saúde, surgiu como importante instrumento para coibir tais abusos, causando, logicamente, impactos significativos à mencionada atividade econômica. Outro mecanismo que veio efetivar a regulação estatal é a Agência Nacional de Saúde (ANS), criada com a promulgação da Lei 9.961/00. Trata-se de uma autarquia vinculada ao Ministério da Saúde que atua como órgão de regulação, normatização, controle e fiscalização das atividades que garantem a assistência suplementar à saúde (RIANI, 2012, p. 25).

Os instrumentos regulatórios supracitados provocaram alterações profundas nas relações contratuais estabelecidas no âmbito da Saúde Suplementar. Torna-se interessante, para o desenvolvimento teórico deste estudo, que sejam descritas algumas das principais modificações ocorridas nas regras contratuais e estruturais***. Primeiramente*, os instrumentos regulatórios proporcionaram novos contornos ao modelo de contratação, que deixa de se pautar em um contrato jurídico determinado exclusivamente pelas operadoras para se tornar um contrato de adesão de via dupla. Neste novo cenário, as operadoras devem aderir a um conteúdo mínimo estabelecido pelo poder público, algo que garante maior equilíbrio na sua relação com os consumidores (REZENDE, 2011, p. 36).

Uma das maiores inovações trazidas pela Lei dos Planos de Saúde foi o estabelecimento de uma cobertura mínima a ser ofertada pelas operadoras, englobando um rol de procedimentos básicos que deve ser garantido em qualquer contrato estabelecido. As partes contratantes, porém, ficam livres no que se refere à fixação de serviços adicionais, podendo haver cobrança diferenciada nesses casos. As taxas de reajuste e os períodos de carência também são pré-fixados através da atividade regulatória (VALLE, 2012, p. 6), evitando a existência de cláusulas de adesão extremamente prejudiciais aos consumidores. Essas são mostras de como a regulação estatal tem contribuído para uma relação mais equilibrada entre consumidores e operadoras, proporcionando maior qualidade aos serviços e maior proteção à saúde e à dignidade dos clientes de planos de saúde.

Mas os mecanismos regulatórios estão voltados também para os aspectos econômico-financeiros da Saúde Suplementar. Sabe-se que a desestabilização financeira das operadoras de plano de saúde não é interessante para ninguém, muito menos para o consumidor. Este tem total interesse que tais empresas desenvolvam suas atividades de forma lícita e sustentável, possuindo capital disponível suficiente para cumprir suas responsabilidades contratuais. Em virtude disso, a atividade regulatória tem verificado se as operadoras possuem real capacidade de ofertar os serviços contratados, impondo regras mais rígidas para a constituição dessas empresas, sendo que apenas aquelas com condições financeiras mínimas de se manter no mercado passam a ter registro na ANS. Atualmente, dentre outros requisitos para operação, exige-se das operadoras capital social mínimo, provisão de risco, provisão para eventos não ocorridos e não avisados e margem de solvência (REZENDE, 2011, p. 36).

Na medida em que as operadoras tiveram que garantir maior equilíbrio econômico-financeiro para se manter no seu ramo de atividade, os contratos de planos de saúde se revestiram de maior segurança jurídica. Não se pode negar que a solvência das empresas é um requisito fático para o cumprimento dos contratos. E essa lógica ganha ainda mais importância quando tratamos de serviços de saúde, já que o não cumprimento das obrigações contratuais por parte das operadoras é capaz de gerar sérios prejuízos aos consumidores (REZENDE, 2011, p.34). Porém, ao mesmo tempo em que o mercado da Saúde Suplementar se revestiu de maiores garantias econômicas, ocorreu uma limitação no número de pessoas jurídicas capazes de cumprir os requisitos necessários para adentrarem no mencionado mercado. A conseqüência natural de tal realidade: a grande concentração de beneficiários em algumas poucas operadoras. Em 2009, mais de metade dos consumidores (50,2%) dos serviços suplementares de saúde estava vinculada a apenas 38 operadoras, de um total de 1.098. Acrescenta-se ainda que 90% dos beneficiários estavam concentrados em 366 empresas, enquanto os 10% restantes de dividiam nas outras 725 (RIANI, 2012, p. 26). Nesse contexto, a concorrência entre empresas fica extremamente desequilibrada, situação que prejudica a oferta de vantagens aos beneficiários. Tal fato legitima ainda mais o estabelecimento de conteúdos contratuais mínimos por parte da ANS, objetivando que a baixa concorrência não submeta os consumidores a contratos abusivos.

Outro impacto da regulação estatal sobre o setor da Saúde Suplementar se refere ao considerável impacto financeiro gerado. A exigência de uma cobertura mínima e a limitação no reajuste das mensalidades foram as principais razões para que as operadoras de planos de saúde passassem a ter maiores despesas assistenciais. Paulo Roberto de Rezende (2011, p.38) faz a seguinte consideração sobre o assunto:

Segundo dados da ANS, em 2003 as operadoras médico-hospitalares apresentaram uma receita de R$28.244.222.059, com uma despesa assistencial no importe de R$22.967.722.881, sendo que até o primeiro trimestre de 2011 já apresentavam uma receita de R$71.097.946.389 contra uma despesa assistencial de R$57.650.399.394. Caso leve-se em consideração apenas este dado, chega-se a um superávit de R$13.447.546.215, a ser dividido entre as 1.618 operadoras com registro na ANS, o que alcançaria um lucro de pouco mais de R$8.000.000,00 por ano. Esta situação demonstra que as operadoras não são tão superavitárias quanto se pensa e, ainda, deixa evidente que os custos assistenciais estão aumentando.

Como já mencionado, o incremento tecnológico contínuo na área da saúde torna a assistência cada vez mais onerosa, sem necessariamente trazer benefícios proporcionais. Esse fato, aliado ao aumento da faixa etária média dos beneficiários de planos de saúde, tem onerado de forma importante as operadoras. Esta realidade econômica impõe restrições à atividade regulatória estatal, que deve considerar as limitações financeiras das operadoras de planos de saúde, sob pena de inviabilizar a existência delas. Tais particularidades financeiras é que irão fundamentar, por exemplo, a estipulação de um período de carência de 24 meses para as doenças preexistentes.

5.2. Função social nos contratos de plano de saúde

A Constituição prevê em seu artigo 5º, inciso XXIII, que a “propriedade atenderá sua função social”. Miguel Reale (2012, p. 1) assevera que a realização da função social somente se dará se igual princípio for estendido aos contratos, já que este instrumento dá forma ao exercício do direito de propriedade. Quando aplicada aos contratos, a função social atua como limitadora das vontades individuais, buscando uma mais valia dos direitos e interesses coletivos sobre os eminentemente individuais (TALAVERA, 2012, p. 96).

Sabe-se que, segundo a sua concepção clássica, os contratos eram vistos como resultado da convergência de vontade de pessoas livres e iguais. O passar do tempo demonstrou que, na prática, sempre haverá um desequilíbrio de forças entre o contratante mais forte e o mais fraco. A parte dotada de maiores recursos terá franca proeminência sobre os contratantes mais fracos, prevalecendo sempre a sua vontade nas relações negociais (SAMPAIO, 2010, p. 77). Tornou-se claro que, para haver um desenvolvimento social harmônico, o contrato não poderia continuar sendo instrumento de atividades negociais abusivas, causando danos à parte contrária ou a coletividade (REALE, 2012, p. 1). A função social representa, então, a necessidade de se harmonizar os interesses privativos dos contratantes com alguns princípios constitucionais de maior magnitude, como o da dignidade da pessoa humana, da solidariedade e da justiça social (SAMPAIO, 2010, p. 199).

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No âmbito da prestação de serviços de saúde, a função social se torna claramente aplicável, visto que a própria Constituição Federal estatui que a assistência à saúde tem relevância pública, mesmo quando realizada por instituições privadas. Tal relevância advém do fato de que a utilização indevida do plano de saúde (seja por fraude ou por procedimento desnecessário ou mais oneroso) consome recursos que, se fossem usados adequadamente, beneficiariam um número maior de pessoas. Dentro da seara da Saúde Suplementar, o desperdício pode comprometer a disponibilidade de recursos para atender as futuras demandas de um número indeterminado beneficiários (SOARES, 2010, p. 459).

Sobre o assunto, Aurisvaldo Sampaio (2010, p. 200) afirma que os contratos de planos de saúde cumprem sua função social quando as operadoras garantem ao consumidor “acesso a serviços de assistência à sua saúde, com qualidade e presteza, nos limites da modalidade de plano contratado”. Para que isso seja possível, as operadoras devem gerir de modo adequado os recursos que os consumidores direcionam para elas todos os meses.


6.A Doença Preexistente nos Planos de Saúde

A Lei dos Planos de Saúde (Lei nº 9.656/98) estabelece uma vedação parcial de cobertura assistencial às doenças e lesões preexistentes à data da contratação dos planos de saúde. Trata-se de uma limitação de cobertura que persiste nos primeiros 24 meses de vigência do instrumento contratual estabelecido entre operadora e consumidor (SANTOS, 2012, p. 46), como visto no dispositivo extraído da referida lei:

Artigo 11: É vedada a exclusão de cobertura às doenças e lesões preexistentes à data de contratação dos produtos de que tratam o inciso I e o § 1º do art. 1º desta Lei após vinte e quatro meses de vigência do aludido instrumento contratual, cabendo à respectiva operadora o ônus da prova e da demonstração do conhecimento prévio do consumidor ou beneficiário.

Parágrafo único.  É vedada a suspensão da assistência à saúde do consumidor ou beneficiário, titular ou dependente, até a prova de que trata o caput, na forma da regulamentação a ser editada pela ANS.

Apesar de parecer prejudicial ao consumidor, qualquer período de carência é estipulado no sentido de viabilizar a sobrevivência financeira das operadoras, algo essencial para que ela seja capaz de atender às necessidades sanitárias de seus beneficiários. Acrescenta-se ainda que as “coberturas parciais temporárias” geram uma vantagem de grande monta aos consumidores: nenhum deles pode ser excluído de modo permanente da cobertura de um plano, independente das patologias que possua (BRASIL - CONASS, 2012, p. 50). O período de carência é, pois, um instrumento que cumpre duas funções distintas: a de viabilizar financeiramente o mercado e a de não gerar seleção de risco, dentre elas a de não realizar contratos com pessoas que portem patologias preexistentes.

Como dito, no caso das doenças preexistentes, existe um período de limitação de cobertura relativamente alto: 24 meses. A razão de uma parcialidade de cobertura tão duradoura perpassa por uma justificativa de caráter econômico, que diz respeito a um elemento preponderante no contrato de seguro: o risco. Sabe-se que dentro da lógica dos seguros, o risco deve ser calculado para um evento futuro e incerto. Ora, se uma das partes tiver conhecimento de uma patologia que muito provavelmente acarretará altas despesas, faltará a natureza essencialmente aleatória que caracteriza os contratos de seguro. A própria noção de mutualismo é afetada quando se substitui o risco futuro e incerto por outro presente e iminente (ZANZANELLI, 2012, p. 50).

Não é com relação ao seu longo período de carência que a doença preexistente é a grande responsável por conflitos de cobertura no mercado de saúde suplementar. A sua legitimidade e legalidade é questionada principalmente no que tange à sua imprecisão conceitual, como será demonstrado no tópico seguinte.

6.1. Imprecisões conceituais

A Lei dos Planos de Saúde não trás a definição do que seria doença preexistente, apesar de realizar disposições ao seu respeito. Para suprir tal ausência, a Agência Nacional de Saúde (ANS) editou a Resolução Normativa Nº 162/2007, que define as doenças preexistentes como sendo:

(...) aquelas que o beneficiário ou seu representante legal saiba ser portador ou sofredor, no momento da contratação ou adesão ao plano privado de assistência à saúde, de acordo com o art. 11 da Lei nº 9656, de 3 de junho de 1998, o inciso IX do art. 4º da Lei nº 9.961, de 28 de janeiro de 2000 e as diretrizes estabelecidas nesta Resolução.

Urge frisar que a preexistência da doença não se refere necessariamente a existência de patologias em momento anterior ao contrato. É exigido que o contratante tenha conhecimento dessa existência. “Desse modo, se o contratante tiver a doença antes de celebrar o contrato, mas o desconhecer, não estaremos diante, tecnicamente, de uma doença preexistente” (ROCHA apud SANTOS, 2012, p. 48). Tem-se, portanto, uma concepção baseada na boa-fé do consumidor no momento da celebração do contrato, algo que, na prática, proporciona claras imprecisões conceituais.

Com vistas a tornar o conceito de doença preexistente mais preciso, facilitando a sua aplicação nos contratos de plano de saúde, o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (IDEC) solicitou um parecer ao Conselho Federal de Medicina (SILVEIRA, 2009, p. 175). Atendendo tal demanda, o aludido conselho proferiu o Parecer Nº 16/97, que fez a seguinte consideração:

O conceito de doença preexistente, quando aplicado às relações contratuais, como a dos planos e seguros de saúde, apresenta caráter relativo e sem valor médico, não podendo ser utilizado como mecanismo limitador ao atendimento médico. Excetuando-se, talvez, os casos de acidentes e algumas poucas outras situações, é quase sempre muito difícil para o médico identificar com exatidão o momento em que o organismo abandona a higidez e transpassa o portal da doença.

Sabe-se que a norma jurídica não pode ser pensada como exterior ao seu campo de aplicação, sob pena provocar um afastamento entre o direito e a realidade. Karyne Silveira (2009, p.15) invoca essa concepção teórica para questionar o distanciamento existente entre o conceito de doença preexistente proposto pela ciência jurídica daquele oriundo do conhecimento médico. Como abordado em tópicos anteriores, a saúde e a doença não são mais consideradas estados opostos com fronteiras bem delimitadas. O processo saúde-doença é extremamente dinâmico – seus limites não são claros, de modo a ser praticamente impossível identificar o início de uma patologia. Para a autora, o aludido conceito jurídico comete impropriedade ainda maior: relaciona a existência da doença preexistente com o conhecimento que o consumidor tem de sua condição de saúde no momento da contratação. Exige, portanto, um verdadeiro diagnóstico clínico de alguém que não está legalmente habilitado para tal, já que, segundo as normas vigentes, somente alguns profissionais da saúde podem realizar diagnósticos.

Tantas vaguezas conceituais acabam por provocar um grande número de demandas judiciais que têm por objeto a solução de conflitos que dizem respeito às doenças preexistentes. Na prática, as operadoras de planos de saúde têm encontrado dificuldades de aplicar os dispositivos contratuais, já que a aplicação destes depende de elementos probatórios que comprovem que os clientes agiram de má fé, omitindo doenças das quais sabiam ser portadores. A jurisprudência brasileira, de modo recorrente, vem recusando os pedidos das operadoras que requerem a aplicação de dispositivos contratuais de doenças preexistentes (SILVEIRA, 2009, p.183). Entende-se que o consumidor muitas vezes deixa de relatar doenças pelo fato de ser leigo, fato no qual não se configura má-fé.

6.2. Declaração de doenças preexistentes e suas conseqüências legais

Ao adquirir um plano, o consumidor deverá declarar as doenças que sabe ser portador, sob pena de ser acusado de fraude e ver seu contrato ser suspenso ou cancelado (ORSI, 2012, p. 1). O consumidor pode enumerar as patologias que sabe possuir de duas formas: através da Declaração de Saúde ou da entrevista qualificada com profissional da saúde.

A Declaração de Saúde consiste em um documento, formulário, elaborado pela operadora, que registra informações sobre as doenças ou lesões do beneficiário, que este possa saber ser portador ou sofredor e das quais tenha conhecimento no momento da contratação ou adesão contratual (SANTOS, 2012, p. 49).

Nelson Freitas Zanzannelli (2012, p. 53) ressalta que o segurado comum, ao preencher qualquer formulário de inexistência de doenças, não está respaldado com a tecnicidade necessária que se requer para dar validade a essa declaração. Surge o questionamento se a simples declaração do segurado, dissociada de um diagnóstico médico preciso, poderá dar solidez jurídica a possíveis negativas de atendimento por parte das operadoras. A lei dispõe apenas que a operadora, caso entenda que a doença do segurado é anterior ao contrato, deverá provar a má-fé deste. O ônus da prova, pois, volta-se para o fornecedor de serviços, algo que se baseia em um dos princípios do Código de Defesa do Consumidor.

De acordo com Sandra Alves dos Santos (2012, p. 78), é dever da operadora atuar com cautela nas contratações. Caso desconfie das declarações prestadas pelo consumidor, é adequado requerer que o mesmo se submeta a entrevista qualificada com o fim de sanar as informações duvidosas. A mesma autora define a entrevista qualificada como sendo “o procedimento por meio do qual o consumidor é submetido a dar declarações de saúde perante um médico de sua escolha ou integrante da rede credenciada do plano, para que seja preenchido documento sobre sua saúde”. Frisa-se que, independentemente da participação de profissional especializado, as declarações deverão ser anotadas pelo consumidor, de próprio punho, em campo específico do documento de saúde (SANTOS, 2012, p. 49).

Importante frisar que a operadora deve se restringir ao questionamento das doenças que o consumidor é portador, não sendo permitidas perguntas sobre hábitos de vida, sintomas ou medicamentos que faz uso (RESOLUÇÃO 162 de 2007 da ANS).

A operadora pode optar pela realização de perícia médica, que se dará com a utilização de métodos diagnósticos como exames de sangue ou de imagens, por exemplo. Garante-se, assim, que o conhecimento da situação de saúde do cliente se baseie em análises mais precisas, e não na mera presunção de boa ou má fé. Caso se utilize da perícia médica, a operadora fica impossibilitada de alegar omissão do consumidor das doenças que é portador no momento da contratação, independentemente de má fé. Toma-se um exemplo: se um câncer tiver passado despercebido pela perícia médica, os fornecedores de planos de saúde não poderão alegar omissão de declaração de tal doença no ato de contratar, mesmo que prove que o cliente agiu com má-fé. A perícia médica, então, ao mesmo tempo em que dá maior precisão à avaliação do estado de saúde do cliente, limita o poder de ação das operadoras. Esse é um dos motivos para que, na prática, as operadoras não costumam submeter os consumidores a perícias. O outro motivo é de ordem econômica. A investigação diagnóstica voltada para a identificação do estado de saúde geral de todos os clientes que adquirissem um plano de saúde representaria um custo financeiro representativo para o mercado de Saúde Suplementar.

Caso a perícia médica fosse obrigatória, os critérios de identificação das doenças preexistentes seriam mais precisos, ocasionando menor número de demandas judiciais que tratem do tema. Ao invés do subjetivismo atinente à declaração de má fé, existiriam meios de identificação objetivos baseados em exames diagnósticos. O próprio conceito de doença preexistente se modificaria, deixando de ser aquela que o beneficiário ou seu representante legal saiba ser portador no momento da contratação. Ao invés disso, as doenças preexistentes passariam a ser aquelas que puderem ser identificadas através de perícia médica realizada no momento da contratação.

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Sobre o autor
Raoni Rodrigues

Acadêmico de Direito. Fisioterapeuta (Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública). Especialista em Saúde Pública.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RODRIGUES, Raoni. Doença preexistente nos planos de saúde. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3506, 5 fev. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/23649. Acesso em: 18 abr. 2024.

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