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OAB: um serviço público realmente independente?

O caso dos advogados públicos federais

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13/02/2013 às 08:29
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3. Conclusões

Para encerrar esse ensaio, não encontrei palavras mais apropriadas do que aquelas dos Ministros Marco Aurélio e Luiz Fux, ao proferir seus votos no julgamento do RE nº 603.583/RS, que é outro julgamento paradigmático sobre o papel e a posição da OAB no Brasil.

Segundo o Min. Marco Aurélio, “[a] Ordem dos Advogados do Brasil, precisamente em razão das atividades que desempenha, não poderia ficar subordinada à regulamentação presidencial ou a qualquer órgão público, não só quanto ao exame de conhecimentos, mas também no tocante à inteira interpretação da disciplina da Lei nº 8.906/94, consoante se verifica do artigo 78, a determinar que cabe ao Conselho Federal expedir o regulamento geral do estatuto. Nesse campo, a vontade superior do Chefe do Executivo não deve prevalecer, mas sim a dos representantes da própria categoria”.

Por outro lado, o Min. Luiz Fux ressaltou que, ao desempenhar suas funções, “remaesce a OAB como entidade de autorregulação profissional, à qual se confia a disciplina infralegal da advocacia. Faz sentido que assim o seja, pois a própria legitimidade democrática da regulação profissional da advocacia também repousará na observância da visão concreta do mercado e de suas práticas usuais (em constante transformação), sem prejuízo das medidas corretivas que se eventualmente fizerem necessárias. Portanto, conferir à entidade de classe a fixação dos marcos regulatórios que orientarão a atividade profissional de seus próprios filiados é, em princípio, consagrar a reflexividade que, segundo SERGIO GUERRA (Discricionariedade e reflexividade: uma nova teoria sobre as escolhas administrativas. Belo Horizonte: Fórum, 2008), legitima a atividade regulatória”.

Não existe um monopólio de interpretação das leis. A OAB também pode fazê-lo. A Constituição é uma carta aberta à sociedade dos intérpretes e é missão institucional da Ordem defendê-la e pugnar pela boa aplicação das leis (art. 44, I da Lei nº 8906/93). Da mesma forma que a AGU se manifestou sobre a advocacia privada – matéria completamente estranha a sua competência regulamentar – cabe a OAB pronunciar-se, em nível de provimentos do Conselho Federal, afinal, nas palavras do Min. Carlos Ayres Britto, seu “regime jurídico é tricotômico: começa com a Constituição, passa pela Lei orgânica da OAB (a Lei nº 8.906) e desemboca nesses provimentos administrativos, endógenos ou próprios da instituição”.

Mas aqui reside uma interessante peculiaridade: cabe somente à OAB, em regime de exclusividade, autorregulação do estatuto dos advogados, em normas que, embora não estatais, são de ordem pública e natureza cogente. Esta aí a imprescindível necessidade de manifestação da Ordem dos Advogados do Brasil, num diálogo de alto nível com a Advocacia-Geral da União, sobre a situação dos seus filiados, os advogados públicos federais. Abrir mão desse papel ou manter-se silente diante do desenrolar das situações é aceitar a subtração de sua competência, desrespeitar o processo histórico-político brasileiro que desenhou, a duras penas, a OAB. Não se pode esquecer que a liberdade da OAB só encontra paralelo na liberdade da Imprensa e que sua independência existe para promover e proteger a independência do advogado. A advocacia é uma profissão liberal que foi aprisionada pelos regulamentos da Advocacia-Geral da União que precisam ser aperfeiçoados e melhor aplicados, como mandam as finalidades que ditam a própria existência da OAB.


Notas

[1] http://www.oab.org.br/noticia/25081/marcus-vinicius-defende-dialogo-de-alto-nivel-com-poderes-da-republica

[2] Isto porque existem outras categorias de advogados públicos federais, a exemplo dos Advogados do Senado, que não padecem das mesmas mazelas dos Membros da AGU, em especial no que se refere ao livre exercício de sua profissão.

[3] Sob a Constituição alemã de Weimer, o regime Nazista ascendeu e construiu, sob a vontade da maioria, um regime cuja legalidade exterminava os direitos humanos de parte do povo alemão e dos que viviam sob seu território. A experiência da civilizada Europa revelou que a vinculação positiva à lei deve respeito aos valores fundamentais e aos consensos mínimos estabelecidos na Constituição Federal. É a mesma situação, embora evidentemente com outra roupagem, que aqui se repete: foram tolhidos ao longo dos anos a liberdade de ofício, a livre iniciativa e uma série de outros direitos fundamentais dos advogados públicos federais.

[4] O Ministério Público, por exemplo, somente pode defender direitos individuais indisponíveis, por força do art. 128 da Constituição.

[5] Orientação Normativa nº 01/2011 da Corregedoria da Advocacia-Geral da União.

[6] Nota Pública veiculada pela Advocacia-Geral da União na página do órgão na internet, veiculada em 21.12.2012 e disponível em: <http://www.agu.gov.br/sistemas/site/TemplateTexto.aspx?idConteudo=223125&id_site=3> Acesso em: 6 fev. 2013.

[7] As permissões estão contidas na Portaria nº 758/2009 da AGU, na Instrução Normativa Conjunta nº 1/2009 do Corregedor-Geral da União e do Procurador-Geral Federal, na Orientação Normativa nº 27/2009 da AGU e, principalmente, no despacho do Advogado-Geral da União no processo administrativo nº 00400.023223/2009-89.

[8] Note-se que o art. 145, §3º, I e II da LSA reza que o membro de conselho fiscal ou de administração não pode ter interesse conflitante com a sociedade. Ou seja, a lei presume que o cargo de advogado público não gera conflito de interesses nem mesmo na gestão de empresas privadas. Por que geraria apenas e tão somente no exercício da advocacia?

[9] Processo administrativo nº 00407.004734/2011-56 – Parecer nº 22/2012/DEPCONS/PGF/AGU, aprovação em 23.04.2012.

[10] BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo. 21ª ed., São Paulo: Malheiros, 2006, p. 760.

[11] Nesse julgamento, ficou assentado que temas como “férias” dos procuradores da Fazenda Nacional não estariam compreendidos no conceito de “organização e funcionamento” da AGU (art. 131 da CF), que seriam os únicos submetidos à reserva de lei complementar. No caso, o Supremo aceitou que Lei Ordinária (art. 77 da Lei nº 8.112/90), que reduziu para 30 dias o período de férias de Procurador da Fazenda Nacional, revogasse o art. 30 do Decreto-lei nº 157/67, que foi recepcionado pela Constituição Federal com natureza de Lei Complementar (art. 34 § 5º do ADCT), que lhes atribuía, inicialmente, 60 dias de férias.

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[12] Processo administrativo nº 00407.004734/2011-56 – Parecer nº 22/2012/DEPCONS/PGF/AGU, aprovação em 23.04.2012.

[13] Mais considerações sobre a inconstitucionalidade da proibição, enfocando em especial os limites à discricionariedade do legislador, a reserva legal qualificada do direito fundamental, a violação da liberdade de profissão, isonomia, do princípio federativo e do interesse público podem ser conferidas : ALMEIDA, Ricardo Marques de. O estatuto constitucional da Advocacia Pública. Jus Navigandi, Teresina, ano 17, n. 3334, 17 ago. 2012. Disponível em:<http://jus.com.br/revista/texto/22412>. Acesso em: 6 fev. 2013.

[14] O STF assim definiu o silêncio eloquente: “Litígio entre sindicato de empregados e empregadores sobre o recolhimento de contribuição estipulada em convenção ou acordo coletivo de trabalho. Interpretação do art. 114 da CF. Distinção entre lacuna da lei e 'silêncio eloquente' desta. Ao não se referir o art. 114 da Constituição, em sua parte final, aos litígios que tenham origem em convenções ou acordos coletivos, utilizou-se ele do 'silêncio eloquente', pois essa hipótese já estava alcançada pela previsão anterior do mesmo artigo, ao facultar a lei ordinária estender, ou não, a competência da Justiça do Trabalho a outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho, ainda que indiretamente. Em consequência, e não havendo lei que atribua competência a Justiça Trabalhista para julgar relações jurídicas como a sob exame, é competente para julgá-la a Justiça comum.” (RE 135.637, Rel. Min. Moreira Alves, julgamento em 25-6-1991, Primeira Turma, DJ de 16-8-1991.).

[15] MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional. 3ª ed., São Paulo: Saraiva, 2008, p. 309.

[16] RE nº 603.583/RS, Rel. Min. Marco Aurélio, j. 26.10.2011. A questão do risco à coletividade como critério que norteia a interpretação das restrições do direito fundamental à liberdade de ofício também se fez presente ao nortear os julgamentos do RE nº 511.961/SP, Rel. Min. Gilmar Mendes, j. 16.06.2009, que tratou da exigência de diploma para exercício da profissão de jornalista, e do RE nº 414.426/SC, Relª. Minº Ellen Gracie, j. 01.08.2011, que cuidou da exigência do registro dos músicos no conselho profissional como condição de exercício da profissão.

[17] Agravo de Instrumento na Ação Popular nº 5003643-37.2012.404.7104 interposto pela União no TRF-4. 


In Abstract: The inalienable right to practice Law by those whom fulfill the qualifications established by Brazilian Bar Association (OAB) Statute can not be repudiated by a majority in 'ad hoc' legislatures. OAB, as an unique body in the Brazilian legal system which not only carries out a corporate role but also renders a independent public service, is the sole entity legitimately entitled to regulate Law practice and to interpret Law no. 8.906/93, with no Government interference whatsoever. Within the Attorney-General's Office (AGU) employment and labor are regulated by statutory law for they are subjects which do not bear relation to the organization and operation of said body. Therefore the obstruction regarding the practice of Law by its members outside their professional duties no longer exists, having been abrogated by Art. 6 of Law 11.890/2008, which has changed the status regarding the subject, formerly regulated by Art. 28, I of Supplementary Law 73/93.

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Sobre o autor
Ricardo Marques de Almeida

Procurador Federal no Estado do Rio de Janeiro. Representante Suplente da Carreira de Procurador Federal no Conselho Superior da AGU.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ALMEIDA, Ricardo Marques. OAB: um serviço público realmente independente?: O caso dos advogados públicos federais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3514, 13 fev. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/23717. Acesso em: 20 abr. 2024.

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