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A atuação do Ministério Público na implementação de políticas na área ambiental

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Capítulo III

Direito Humano Fundamental ao Meio Ambiente

Ecologicamente Equilibrado

 Depois de muitos anos sem nenhuma norma de natureza constitucional que protegesse de forma explícita o meio ambiente, veio a atual Constituição Federal de 1988, regulamentar, de forma bem abrangente, a questão ambiental.

Assim, somente após passarmos por um momento de crise ambiental, acarretado por um aquecimento global sem precedentes, tendo prejudicado nossa respiração através da poluição do ar, nossa alimentação pela contaminação do solo, nosso modo de viver pela poluição sonora e urbana, que nos demos conta da necessidade de conjugar atividade econômica com respeito ao meio ambiente.

Diante da mobilização global por um meio ambiente saudável, inúmeros diplomas normativos foram criados, especialmente a partir de convenções internacionais visando uma conciliação entre Estados soberanos a fim de que se comprometessem a reduzir, por exemplo, a quantidade de poluentes que lançam no ar atmosférico, nos rios e nos mares, dentre os quais se destacam a Declaração do Meio Ambiente de Estocolmo de 1972, a ECO-92 ocorrida no Rio de Janeiro, o Protocolo de Kyoto, e mais recentemente, a Convenção do Clima de Copenhague.

Em seu artigo 225, caput, define nossa constituição o meio ambiente ecologicamente equilibrado como direito de todos e bem de uso comum do povo essencial à sadia qualidade de vida.

Partindo de tal definição, o meio ambiente se confunde com o próprio direito à vida, tendo em vista que um não consegue subsistir sem o outro. Pode-se afirmar que em um ambiente degradado, poluído, não se tem condições para propiciar o convívio de qualquer forma de vida terrestre, motivo pelo qual devemos correr contra o tempo no intuito de corrigir o mal que já foi feito e para impedir que novos males ocorram.

Vem à tona, então, o tão importante princípio do meio ambiente ecologicamente equilibrado como direito fundamental que, como será mais bem detalhado a seguir, define o meio ambiente como direito fundamental do qual não podemos desviar nossa atenção, tendo em vista que tanto a nossa geração quanto as futuras gerações dependem de seu adequado manejamento, motivo que o elevou, na visão de Édis Milaré, ao status de cláusula pétrea.

3.1. Dos Princípios Ambientais que devem ser observados pelo Administrador Público na implementação de Políticas Públicas

Cumpre agora demonstrar sob quais parâmetros deve o Administrador Público se guiar na aplicação das políticas públicas, tendo em vista que, não observando os seguintes princípios de ordem ambiental, estará sua conduta eivada de vício, possibilitando assim a intromissão do Ministério Público no sentido de adequar sua conduta aos anseios legais.

3.2. Princípio do ambiente ecologicamente equilibrado como direito fundamental da pessoa humana

Como antes demonstrado, o reconhecimento do direito ao meio ambiente sadio é um verdadeiro desdobramento do direito à vida, e, de acordo com Cançado Trindade, este direito à vida alberga a própria existência física e saúde dos seres humanos, assim como a própria dignidade dessa existência (a qualidade de vida), que faz com que valha a pena viver.[21]

Diante de tal concepção, cumpre ao Poder Executivo aplicar as diretrizes capazes de assegurar o acesso aos meios de sobrevivência a toda população, em especial para aqueles setores marginalizados pela sociedade que, vivendo em condições muitas vezes subumanas, sem o mínimo de perspectiva de futuro ante a omissão estatal, são obrigados a recorrer ao crime para conseguirem sobreviver.

3.3. Princípio da natureza pública da proteção ambiental

Este princípio tem sua base legis na própria concepção atual de meio ambiente como bem de uso comum do povo. Não é por outra razão que cabe a cada pessoa (física ou jurídica, de direito público ou privado, de direito interno ou externo) protegê-lo de qualquer uso que possa ser considerado como nocivo.

Tendo, pois, natureza pública, tem o Estado o dever de assegurar que seja mantida sua condição de meio ambiente ecologicamente equilibrado, garantindo, pois, a sadia qualidade de vida de todos.

Vincula-se com os princípios de Direito Administrativo da primazia do interesse público e da indisponibilidade do interesse público, já que, na lição de Édis Milaré, “tendo em vista que o interesse na proteção do meio ambiente, por ser de natureza pública, deve prevalecer sobre os direitos individuais privados, de sorte que, sempre que houver dúvida sobre a norma a ser aplicada a um caso concreto, deve prevalecer aquela que privilegie os interesses da sociedade, a dizer, in dúbio, pro ambiente”.[22]    

3.4. Princípio do controle do poluidor pelo Poder Público

Especial importância tem este princípio, tendo em vista que, a partir dele, deve o Poder Público intervir sempre que necessário para assegurar a manutenção, preservação e restauração dos recursos ambientais, possibilitando sua regular utilização pelos indivíduos, desde que assegurado sua utilização racional e sua disponibilidade.

Um dos instrumentos a ser utilizados pelas entidades governamentais para assegurar o adequado manejo do meio ambiente é a limitação dos direitos individuais, em benefício do bem-estar da coletividade, concretizado através do exercício do poder de polícia, próprio dos órgãos administrativos.

3.5. Princípio da consideração da variável ambiental no processo decisório de políticas de desenvolvimento

Na aplicação de políticas públicas, deve o Poder Executivo sempre levar em consideração a variável ambiental, tendo em vista que somente será legitimado este órgão a agir quando já sopesado o beneficio social da tomada desta decisão com os malefícios causados ao meio ambiente.

Somente será viável a implementação de tal política na medida em que os benefícios sociais sejam os máximos e os danos causados ao meio ambiente sejam os mínimos.

3.6. Princípio da participação comunitária

Este princípio expressa a idéia da necessidade de, sempre que possível, haver a cooperação entre Estado e sociedade na execução e na formulação da política ambiental.

Devem participar do processo decisório não apenas os órgãos governamentais, porém todos os diferentes grupos sociais que poderão ou não ser afetados pela tomada de certa decisão.

Não é por outro motivo que estabelece a lei a garantia de realização de audiências públicas no curso de processos de licenciamento ambiental que demandem a realização de estudos prévios de impacto ambiental.[23]

Assim, caso tenha sido aprovado algum projeto de licenciamento que possa de alguma forma poluir o meio ambiente sem a realização de audiência pública, legitimado estará o MP para impugnar a referida aprovação pelos órgãos estatais, na medida em que não foi observado a fase de realização da audiência pública.

3.7. Princípio do poluidor-pagador

Assenta-se na premissa de que os custos sociais externos que acompanham o processo produtivo precisam ser internalizados; portanto, na elaboração dos custos de produção devem os agentes econômicos levar em conta os aspectos que poderão causar impacto no meio ambiente, pois terão que arcar com os prejuízos advindos de suas condutas.

Tem por objetivo, na visão de Milaré, imputar ao poluidor o custo social da poluição por ele gerada, engendrando um mecanismo de responsabilidade por dano ecológico abrangente dos efeitos da poluição não somente sobre bens e pessoas, mas sobre toda natureza. É a chamada internalização dos custos externos [24], que, ao contrário do que se possa pensar, visa evitar o dano ao ambiente, e não tolerar a poluição mediante um preço.

No processo produtivo, além do produto que será comercializado pelo agente econômico, são produzidas também externalidades negativas que, ao contrário do lucro advindo da oferta do bem ao público, acarretará um prejuízo para sociedade, tendo em vista que o meio ambiente (considerado como bem comum do povo) será prejudicado. Daí a expressão “privatização de lucros e socialização de perdas”.

Este princípio tem especial roupagem no presente estudo, tendo em vista que, sendo o poluidor o próprio Estado, conseqüências adversas poderão ocorrer.

Aqui deve-se ressaltar o fim último deste princípio que não é, como já dito, de tolerar a poluição mediante um preço, mas sim, de evitar que o dano ocorra, e, caso este ocorra, tem o parquet a obrigação de se valer dos instrumentos necessários para cessar a fonte poluidora, evitando sua propagação.

3.8. Princípio da prevenção

Apesar da diferenciação citada pela doutrina entre os verbos prevenir e precaver, significando aquele o ato de antecipar-se ao evento danoso já conhecido para evitar seu acontecimento, e este o ato de antecipar-se ao evento que pode ou não ser danoso, para evitar seu acontecimento, pouca relevância tem este distinção, tendo em vista que o princípio da prevenção alberga os dois conceitos.

Presta-se a final de conta a priorizar certas medidas que evitem o nascimento de atentados ao ambiente, tendo em vista que depois de ocorrido o dano, mais difícil e custoso é repará-lo, além do fato de que o ambiente já terá sentido as mazelas do ato perpetrado. Porém, ao adotar medidas preventivas, apesar da possibilidade de aumento do preço de produção ou da inviabilidade de se produzir certo produto, tendo sido preservado o meio ambiente valeria a pena o sacrifício.

Sábias as palavras de Fábio Feldmann:

“Não pode a humanidade e o próprio Direito contentar-se em reparar e reprimir o dano ambiental. A degradação ambiental, como regra, é irreparável. Como reparar o desaparecimento de uma espécie? Como trazer de volta a floresta de séculos que sucumbiu sob a violência do corte raso? Como purificar um lençol freático contaminado por agrotóxicos?” [25]

Deve prestar-se o Poder Público no sentido de reprimir a prática de certas atividades por particulares que, ao final, prejudiquem ou possam prejudicar o meio ambiente. O Estado ao se omitir na opressão das atividades realizadas pelos agentes econômicos que, de algum modo, tragam ou possam trazer mazelas para o ambiente, com estes estão em conluio, pois, como já dizia o velho ditado “quem cala consente”, razão pela qual está legitimado o Ministério Público a agir. 

3.9. Princípio da função socioambiental da propriedade

Como já exposto, a partir da emergência dos chamados direitos de segunda geração, perde a propriedade o status de direito absoluto, no sentido de que seu proprietário pode dela usar e gozar no seu bem entender, para alcançar outro patamar, devendo ela, a partir de então, ser útil para seu proprietário, mas também para toda sociedade, de modo que seu uso possa gerar benefícios individuais e sociais.

Não é à toa que o art. 5, incisos XXII e XXIII, declara que o uso da propriedade será condicionado ao bem-estar social, além do art. 182, §2º, que detalha a função social da propriedade urbana e o art. 186 da propriedade rural.

Álvaro Luiz Valery Mirra sintetiza seu conceito atual de forma bem didática, ao dizer que “a função social e ambiental não constitui um simples limite ao exercício de direito de propriedade, como aquela restrição tradicional, por meio da qual se permite ao proprietário, no exercício de seu direito, fazer tudo que não prejudique a coletividade e o meio ambiente. Diversamente, a função social e ambiental vai mais longe e autoriza até que se imponha ao proprietário comportamentos positivos, no exercício de seu direito, para que a sua propriedade concretamente se adéqüe à preservação do meio ambiente”.[26]

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Com efeito, sabe-se que, no âmbito municipal, não tendo o proprietário se adequado aos mandamentos de seu Plano Diretor, invariavelmente não estará observando a função socioambiental da propriedade, motivo pelo qual deverá a Administração Pública reprimir tal conduta, seja através de multa, majoração do IPTU para que este se adéqüe mencionado diploma, e, não o fazendo, poderá até ocorrer a desapropriação do imóvel.

3.10. Princípio do usuário-pagador

Este princípio é um desdobramento do princípio do poluidor-pagador. A Política Nacional do Meio Ambiente pretendeu abrir mais o leque dos responsáveis pela prática de dano ambiental, determinando que se impusesse, também ao usuário, uma contribuição pela utilização de recursos ambientais com fins econômicos danosos ao meio ambiente, assim como se pode depreender da leitura do art. 4, inciso VII, da Lei 6.939/81.

Parte-se do pressuposto de é dever de todos preservar o meio ambiente, em especial, manter o meio ambiente ecologicamente equilibrado, já que, como sabemos, constitui este um patrimônio da coletividade, logo, a partir do momento em que o indivíduo utiliza-se de bens que possam, na sua cadeia produtiva ou no próprio consumo, resultar em prejuízo ambiental, tem o dever de reparar o mal causado ao ambiente.

Devemos levar em consideração que, como ocorre em relação ao princípio do poluidor-pagador, o usuário que paga não paga pelo direito, mesmo que indiretamente, de poluir. Este paga por um direito que lhe é outorgado pelo Poder Público (ao contrário do poluidor, em que o pagamento se constitui uma sanção), não tendo, pois, qualquer conotação penal.

3.11. Princípio da cooperação entre os povos

Um dos ramos da disciplina jurídica que mais transcende o âmbito nacional é o Direito Ambiental. Tomando-se por base que o meio ambiente é uno, e que, muitas vezes, uma alteração no ambiente perpetrada em um determinado local pode ser sentida em outro, e não raramente, em localidade bem distante, ganha importância este princípio.

A preocupação transnacional do Direito Ambiental começou a ser focalizada a partir de 1972, com a realização da Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente Humano em Estocolmo. A partir daí inúmeros tratados foram criados com o fim de fazer com que os diferentes povos cooperassem no sentido de proteger o meio ambiente, tornando-o ecologicamente equilibrado para esta e futuras gerações.

Nosso direito interno recepcionou estas idéias, culminando na elaboração da Lei 9.605 de 1998 que, em seu Capítulo VII dedica-se à “cooperação internacional”, visando o intercâmbio quanto à produção de provas, exame de objetos e lugares, informações de pessoas e coisas, presença temporária de pessoas presas cujas declarações tenham relevância para a decisão de uma causa e outras formas de assistência permitidas pela legislação em vigor ou em tratados de que o Brasil seja parte.

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Sobre o autor
Victor Calegare Largura Queiroz

Advogado especializado em Direito Imobiliário. Graduado em Direito e pós-graduação em Direto Imobiliário pela PUC-Rio. Curso de MBA em Gestão Empresarial pela FGV-Rio. Mestrando pela Universidade do Minho, localizada em Braga-Portugal.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

QUEIROZ, Victor Calegare Largura. A atuação do Ministério Público na implementação de políticas na área ambiental. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3527, 26 fev. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/23784. Acesso em: 22 dez. 2024.

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