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Aposentadoria especial de servidor público que labora em condições prejudiciais à saúde ou à integridade física.

Uma análise doutrinária e jurisprudencial em face de omissão legislativa

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10/03/2013 às 09:48
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4. Repercussão administrativa do posicionamento do STF

Tendo em vista a diretriz firmada pelo Supremo Tribunal Federal, e considerando a necessária comprovação dos requisitos comprobatórios do labor em condições especiais, o Secretário de Políticas da Previdência Social editou a Instrução Normativa nº. 1/2010, na qual “estabelece instruções para o reconhecimento do tempo de serviço público exercido sob condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física pelos regimes próprios de previdência social para fins de concessão de aposentadoria especial aos servidores públicos amparados por Mandado de Injunção”.

Antes mesmo de adentrar o mérito da IN nº. 1/2010, é de se destacar que, não obstante se compreenda que o mandado de injunção produza efeito apenas entre as partes envolvidas, é de causar estranheza a lógica decorrente de seu direcionamento estar restrito a servidores amparados por pronunciamento judicial, já que (a) para aplicação administrativa dos termos da IN, os servidores devem ingressar em juízo e; (b) para ingressar em juízo, devem ter feito um pretérito requerimento administrativo.

Ou seja, o servidor deve solicitar a aposentadoria especial à Administração (já sabendo que terá o pedido negado); depois, ingressar no Judiciário para o reconhecimento do direito (amparado pela jurisprudência consolidada do STF a sinalizar o atendimento do pleito) e, por fim, retornar à Administração para comprovação dos requisitos estabelecidos na IN, fazendo parecer que o interessado anda em círculos.

Feitas tais premissas, e partindo para o exame da IN nº. 01/2010, vê-se que o enquadramento da atividade como passível de aposentadoria especial será feito de acordo com a previsão legal vigente no momento de seu exercício, senão vejamos:

Art. 2º. A caracterização e a comprovação do tempo de atividade sob condições especiais obedecerão ao disposto na legislação em vigor na época do exercício das atribuições do servidor público.

§ 1º O reconhecimento de tempo de serviço público exercido sob condições especiais prejudiciais à saúde ou à integridade física pelos regimes próprios dependerá de comprovação do exercício de atribuições do cargo público de modo permanente, não ocasional nem intermitente, nessas condições.

§ 2º Não será admitida a comprovação de tempo de serviço público sob condições especiais por meio de prova exclusivamente testemunhal ou com base no mero recebimento de adicional de insalubridade ou equivalente.

Art. 3º. Até 28 de abril de 1995, data anterior à vigência da Lei no 9.032, o enquadramento de atividade especial admitirá os seguintes critérios:

I - por cargo público cujas atribuições sejam análogas às atividades profissionais das categorias presumidamente sujeitas a condições especiais, consoante as ocupações/grupos profissionais agrupados sob o código 2.0.0 do Quadro anexo ao Decreto no 53.831, de 25 de março de 1964, e sob o código 2.0.0 do Anexo II do Regulamento dos Benefícios da Previdência Social, aprovado pelo Decreto no 83.080, de 24 de janeiro de 1979; ou

II - por exposição a agentes nocivos no exercício de atribuições do cargo público, em condições análogas às que permitem enquadrar as atividades profissionais como perigosas, insalubres ou penosas, conforme a classificação em função da exposição aos referidos agentes, agrupados sob o código 1.0.0 do Quadro anexo ao Decreto no 53.831, de 1964 e sob o código 1.0.0 do Anexo I do Regulamento dos Benefícios da Previdência Social, aprovado pelo Decreto no 83.080, de 1979.

Será consoante, portanto, com as disposições da Lei nº. 9.032 (alteradora da Lei nº. 8.213/91) se posterior 28.04.1995, data de advento do normativo, quando o segurado deverá comprovar que efetivamente laborou em condições especiais passíveis de percepção do benefício. Acaso exercido em lapso pretérito, deverá ser demonstrado pelo interessado que integrava categoria funcional amparada pelo direito à inativação diferenciada.

De igual modo, foi editada Orientação Normativa nº. 6/2010, pelo Secretário de Recursos Humanos do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, objetivando uniformizar os procedimentos relacionados à concessão de aposentadoria especial prevista no art. 57 da Lei nº 8.213/91 ao servidor público federal amparado por decisão em mandado de injunção julgado pelo Supremo Tribunal Federal.

Desde já fica registrada a mesma crítica estabelecida acerca da obrigatoriedade de decisão judicial para o reconhecimento do direito já delineada anteriormente sobre a IN nº. 1/2010.

Ponto a ser destacado na ON nº. 6/2010 é referente à expressa indicação de responsabilização administrativa, civil e penal do servidor que efetive a concessão do benefício de modo irregular, aqui entendido como aquele que não esteja consoante com as instruções então estabelecidas:

Art. 15. Compete aos dirigentes de Recursos Humanos a execução das aposentadorias especiais e da conversão do tempo especial, observando-se as decisões judiciais proferidas e as disposições estabelecidas nesta Orientação Normativa, ficando sujeitos à responsabilização administrativa, civil e penal quanto aos atos de concessão indevidos, ou que causem prejuízo ao erário.

A ON igualmente estabelece a necessária comprovação do labor em condições especiais, devendo o servidor apresentar, “documentos que contenham elementos necessários à inequívoca comprovação de que o servidor tenha exercido atividades sob condições especiais, submetido a agentes nocivos químicos, físicos, biológicos ou associação e agentes prejudiciais à saúde ou à integridade física”.

Sobre a necessária comprovação do labor em condições especiais, Carlos Alberto Pereira de Castro e João Batista Lazzari (2011, p. 845) apontam que enseja uma especial dificuldade para a maioria dos servidores públicos, haja vista que muitos entes públicos não produziram os competentes laudos técnicos periciais aptos a tal fim, o que ensejaria o reconhecimento ainda incompleto do direito à aposentadoria especial.


5. O deferimento da aposentadoria especial como meio de concretização do princípio da isonomia

Ao longo das últimas décadas, o legislador tem trabalhado de modo a aproximar os regimes geral e próprio de previdência social, objetivando que servidores públicos e trabalhadores da iniciativa privada tenham, cada dia mais, um tratamento previdenciário igualitário, submetido a condições e garantias similares, sendo demonstração clara disso as reformas constitucionais que vêm sendo efetivadas a partir a Constituição de 1988, definidoras de fortes restrições, e mesmo extinções, de vantagens indevidas e/ou simplesmente não deferidas aos trabalhadores em geral, bem como a recente regulamentação da previdência complementar do servidor público.

Ocorre que, penso, ônus e bônus devem, necessariamente, caminhar juntos.

Se os servidores públicos estão perdendo vantagens que antes possuíam para que seu regime se aproxime do RGPS (e aqui não se pretende adentrar o mérito da correção ou incorreção da extinção de vários desses benefícios), é justo que também usufruam das mesmas garantias deferidas aos trabalhadores da iniciativa privada.

Ora, retomando a ideia que a aposentadoria especial tem por objetivo justamente salvaguardar a saúde e a integridade física e mental do trabalhador que laborou durante certo tempo submetido a agentes nocivos, essa garantia deve ser operacionalizada de modo a assegurar, em última instância, a própria dignidade do segurado, por meio do respeito à sua qualidade de vida, tanto para servidores quanto para não servidores.

Ademais, o art. 7º, XXII, da CF/88 outorga ao trabalhador, urbano ou rural, o direito à redução dos riscos inerentes ao trabalho, perspectiva também assegurada ao servidor público, nos termos preconizados pelo art. 39, §3º, da mesma CF, igualdade de tratamento consonante com o princípio da isonomia trazido no caput do art. 5º, pois, sem dúvida, o servidor público também é trabalhador.

Nesse balanço, percebe-se que a concessão da aposentadoria diferenciada ao servidor público que labora em condições especiais é meio de concretização do próprio princípio da isonomia, já que trata trabalhadores que estão submetidos ao mesmo contexto laborativo potencialmente causador de danos à saúde ou à integridade física de forma equivalente - sejam eles da iniciativa privada, sejam servidores públicos –, e os difere, de outra face, dos operários que exercem suas atividades em ambiente salubre, razão pela qual é imperioso concluir que a lacuna legal não pode se constituir em óbice ao reconhecimento do direito constitucional à aposentadoria especial.


6. Perspectivas legislativas

Em face da exigência constitucional de edição de lei complementar para regulamentar o art. 40, § 4º, III, e da incontroversa mora legislativa, diversos projetos de lei tramitam no Congresso Nacional, objetivando concretizar a reclamada regulamentação legal do direito previsto constitucionalmente.

Em princípio, merece ser destacado que ainda em maio de 2005 o então Deputado Federal Lobbe Neto apresentou projeto de indicação (nº. 5303/2005) dirigido ao Ministro da Previdência Social, no qual seria sugerido que apresentasse projeto de lei complementar ao Congresso que dispusesse sobre aposentadoria de servidores públicos, nos casos de atividades exercidas exclusivamente em condições especiais que prejudiquem a saúde ou integridade física.

Outra oferta legislativa veio com os Deputados Federais Mauro Nazif, Ilderlei Cordeiro e outros que ingressaram com a Proposta de Emenda Constitucional nº. 449/09, objetivando alterar a redação do próprio art. 40, §4º, da CF/88 para estabelecer o tempo para a aposentadoria especial, senão vejamos: “III - que tiverem trabalhado sujeitos a condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física, durante 15 (quinze), 20 (vinte) ou 25 (vinte e cinco) anos, conforme dispuser a lei”. O ponto de destaque da PEC está em seu art. 2º, ao definir que, enquanto não entrar em vigor a lei prevista no art. 40, § 4º, III, da Constituição Federal, a aposentadoria especial do servidor público estaria submetida às mesmas regras dos trabalhadores vinculados ao regime geral.

Não obstante tenha apenas reafirmado a solução já aposta pelo STF, haveria, a partir de então, uma previsão constitucional nesse sentido, o que não daria espaço à negativa do direito pela Administração, tampouco da necessidade de prévio pronunciamento judicial.

Tramita, ainda, o Projeto de Lei Complementar nº. 472/2009 (Câmara dos Deputados) (autoria do Deputado Federal Arnaldo Faria de Sá), ao qual estão apensados os PLC nº. 555/2010 (autoria do Poder Executivo) e nº. 147/2012 (autoria da Deputada Federal Flávia Morais).

A proposta inicial da PLC nº 472/2009 coloca como requisitos para a aposentadoria especial, além do lapso de 15, 20 ou 25 anos trabalho permanente e habitual, não ocasional nem intermitente, sujeito a condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física, assim entendidas as que o exponham aos agentes nocivos químicos, físicos, biológicos ou associação de agentes prejudiciais à saúde ou à integridade física, o cumprimento de pelo menos 10 anos de efetivo exercício no serviço público e 5 anos no cargo efetivo em que se dará a aposentadoria, independentemente de idade.

Demais disso, assevera que a comprovação do lapso exercido em condições especiais deve ser feita pelo órgão ou entidade onde o servidor tiver exercido a atividade, com base em laudo técnico de condições ambientais do trabalho expedido por médico do trabalho ou engenheiro de segurança do trabalho, sendo possível ainda a averbação de lapso pretérito desde que o segurado apresente ao órgão ou entidade concedente os laudos pertinentes.

Nesse ponto, é importante trazer à baila parte da justificativa apresentada pelo autor da proposta, Deputado Federal Arnaldo Faria de Sá, in verbis:

Portanto, se por um lado, atualmente a sociedade clama por uma reforma previdenciária do setor público, proclamando mesmo a “unificação dos regimes” como critério de isonomia entre todos os brasileiros, sem dúvida alguma que os servidores públicos, que merecem respeito e preservação de suas dignidades, devem então, por seu turno, também se igualar em direitos com os milhões de brasileiros do regime privado, afinal de contas, o novo governo não busca novamente dizer que os servidores públicos 6 são os “bodes expiatórios” da crise previdenciária[6].

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Além da própria questão da isonomia, bandeira levantada por todos aqueles que buscam a aproximação entre os regimes de previdência geral e próprio e que, aliás, vem sendo levada a efeito pelo legislador conforme anteriormente indicado, existe uma questão econômica a reclamar a imediata regulamentação do dispositivo constitucional: os gastos advindos desses processos judiciais, afinal, são juízes, promotores, procuradores e serventuários trabalhando em tais ações que possuem apenas um fim plausível: o reconhecimento do direito. Aliás, a Deputada Federal Flávia Moraes (autora do PLC nº. 147/2012) encampou essa perspectiva na justificativa do dito projeto, ao afirmar que seu objetivo seria “suprir a lacuna legal que, além de prejudicar os servidores, sobrecarrega o Poder Judiciário com o crescente número de ações que são ajuizadas e onera os entes públicos com as despesas decorrentes dessas ações”.

Pois bem. Seguindo os trâmites legislativos pertinentes, a matéria foi submetida à apreciação da Comissão de Trabalho, de Administração e de Serviço Público da Câmara dos Deputados, oportunidade em que acompanhou o voto da Relatora Deputada Manuela D'Ávila no sentido de que o PLC nº. 555/2010, por ser mais completo, deveria ter prosseguimento, ao passo que o PLC nº. 472/2009 foi rejeitado. O projeto agora pende de apreciação pelas Comissões de Seguridade Social e Família - CSSF; de Finanças e Tributação - CFT e de  Constituição e Justiça e de Cidadania – CCJC.


Conclusões

Diante da incontestável mora legislativa em regulamentar o dispositivo constitucional que estabelece a adoção de critérios e requisitos diferenciados para a aposentação de servidores públicos que trabalhem em condições passíveis de prejudicar sua saúde ou sua integridade física, o fato é que não pode o segurado ficar tolhido de seu direito, devendo os órgãos competentes viabilizar o fim da omissão.

Nesse sentido é que o Supremo Tribunal Federal, competente para resguardar os princípios constitucionais, dentre os quais constam a dignidade da pessoa humana e a isonomia, tomou a iniciativa e, assentando o caráter mandamental e não apenas declaratório do mandado de injunção, determinou a aplicação de norma infraconstitucional direcionada aos trabalhadores da iniciativa privada.

Todavia, os provimentos solucionam casos concretos, mas forçam os interessados a, seguidamente, ingressarem com pleitos administrativos e judiciais, tornando imperioso que o legislador, atento à demanda existente e, mais que isso, aos princípios constitucionais relativos ao direito fundamental à previdência social, à eficiência da Administração pública, à isonomia e à dignidade da pessoa humana, efetivamente promova a edição da norma reclamada pelo art. 40, §4º, III, da CF/88, dando real efetividade à previsão constitucional.

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Sobre a autora
Meiry Mesquita Monte

Advogada em Fortaleza (CE). Especialista em Direito Previdenciário (UNIFOR).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MONTE, Meiry Mesquita. Aposentadoria especial de servidor público que labora em condições prejudiciais à saúde ou à integridade física.: Uma análise doutrinária e jurisprudencial em face de omissão legislativa. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3539, 10 mar. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/23901. Acesso em: 22 dez. 2024.

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