Artigo Destaque dos editores

O relevante papel da Polícia Civil em face da nova Lei do Crime Organizado

10/03/2013 às 09:59
Leia nesta página:

Analisa-se a nova Lei do Crime Organizado, com ênfase na missão da Polícia Civil de apontar as elementares típicas do novo conceito normativo de organizações criminosas, fator decisivo para a formação do juízo colegiado e consequente prestação jurisdicional efetiva.

Resumo: O presente ensaio tem por objetivo analisar a nova Lei do Crime Organizado, Lei 12.694/2012, com especial ênfase na árdua e relevante missão da Polícia Civil de apontar, por meio de seus diversos atores sociais, as elementares típicas do novo conceito normativo de organizações criminosas, fator decisivo para a formação do juízo colegiado e consequente prestação jurisdicional efetiva.

Palavras-Chaves: Crime Organizado - Construção conceitual de Organizações Criminosas - Juízo colegiado - Importância da Polícia Civil – Prestação Jurisdicional apta e efetiva.


Em 23 de outubro de 2012, entrou em vigor a Lei 12.694/2012, oriunda do anseio da Associação dos Juízes Federais, e fruto do Movimento do II Pacto Republicano que dispõe sobre a “criação de colegiado para julgamento em primeiro grau nos casos de crimes de organizações criminosas”.

A nova ordem legal passou a dispor sobre o Processo e o julgamento colegiado em primeiro grau de jurisdição dos crimes praticados por organizações criminosas, modificando, assim, trechos do Código Penal Brasileiro (Decreto-Lei 2848/40), do Código de Processo Penal (Decreto-Lei 3689/41), do Código Brasileiro de Trânsito (Lei 9.503/97) e do Estatuto do Desarmamento (Lei 10.826/2003).

Em que pese não haver, nos termos do artigo 2º da Lei 9.034/95, a criação de um novo tipo penal, mas tão somente a construção conceitual daquilo que conhecemos por organizações criminosas, importa traçar as principais diferenças entre essas e o chamado crime de quadrilha ou bando.

O crime de quadrilha ou bando, previsto no artigo 288 do Código Penal, constitui um tipo penal autônomo, ou seja, um crime próprio, vez que exige para a sua configuração a associação de, no mínimo, quatro pessoas, em caráter estável ou permanente, não exigindo organização, tampouco divisão de tarefas, bastando que os quadrilheiros tenham “o fim de cometer crimes”, quaisquer que sejam eles, estando dispensadas quaisquer considerações relativas à pena e às circunstâncias delitivas.

Por sua vez, o novo conceito de organização criminosa trazido pelo artigo 2º da Lei n.º 12.694/2012, não constitui, verdadeiramente, um tipo penal (crime), mas a reformulação conceitual de um modo organizacional para a prática de delitos, o qual resta configurado a partir da associação de 3 (três) ou mais pessoas, estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de crimes cuja pena máxima seja igual ou superior a 4 (quatro) anos ou que sejam de caráter transnacional.

A maior inovação legislativa foi a possibilidade de o Poder Judiciário formar órgão colegiado de juízes para a adoção de medidas cautelares e julgamento de crimes cometidos por organizações criminosas. Destarte, doravante em processos ou procedimentos que tenham por objeto crimes praticados por organizações criminosas, o magistrado poderá decidir pela formação de colegiado para a prática de qualquer ato processual, em especial para deliberar sobre a decretação de prisão ou de medidas assecuratórias, concessão de liberdade provisória ou revogação de prisão, sentença, progressão ou regressão de regime de cumprimento de pena, concessão de liberdade condicional, transferência de preso para estabelecimento prisional de segurança máxima e inclusão do preso no regime disciplinar diferenciado. Como dispõe

O novel diploma legal determina que o colegiado seja formado pelo juiz do processo e por dois outros juízes escolhidos por sorteio eletrônico dentre aqueles de competência criminal em exercício no primeiro grau de jurisdição. As novas disposições permitem, inclusive, que os tribunais reforcem a segurança orgânico-predial, designando servidores para o exercício das funções de segurança, acrescentando o artigo 7-A do Estatuto do Desarmamento, que passou a dispor sobre a propriedade, responsabilidade, utilização e guarda das armas de fogo utilizadas por tais servidores.

O colegiado poderá ser instaurado em processo incidente, para decidir incidente de falsidade, por exemplo, ou em processo principal (ação penal), em momento anterior à propositura da denúncia, durante a ação penal ou mesmo na fase de execução. Exemplo disso é a instauração de colegiado, antes da ação penal, para que seja decidido um pedido de interceptação telefônica requerido no bojo do inquérito policial; durante a ação penal, para a prolação da sentença; ou após a ação penal, para decidir quanto à regressão de regime prisional.

Na seara do conjunto probatório alusivo à existência da Organização Criminosa, produzido especialmente em sede de Inquérito Policial, aduz-se a relevância da participação dos servidores da Polícia Civil (Delegados de Polícia, Médicos-Legistas, Peritos, Investigadores e Escrivães de Polícia), a quem no exercício das funções inerentes a seus cargos, incumbe apontar as redes do crime organizado, especificando-se as suas ações, nexos e resultados, com especial incidência na elucidação da estrutura e planejamento empresariais delitivos, hierarquia vertical, poderes econômico-financeiro, de representação, de mobilidade, fachada legal, demanda de mercado, uso de modernos meios tecnológicos, corrupção e alto poder de intimidação e de expansão territorial, impingidos pelas organizações criminosas.

Fique sempre informado com o Jus! Receba gratuitamente as atualizações jurídicas em sua caixa de entrada. Inscreva-se agora e não perca as novidades diárias essenciais!
Os boletins são gratuitos. Não enviamos spam. Privacidade Publique seus artigos

Tudo isso deve emergir da atividade perito-investigativa exigida em qualquer setor do conhecimento e da capacidade laborativa policial civil, de modo a agregar ao caderno de investigação preliminar conhecimentos técnicos, jurídicos e científicos.

Assim, coadjuvado por uma equipe investigativa extremamente diligente e perspicaz, deverá a Autoridade Policial no exercício de seu mister fornecer todos os elementos de prova para que o Poder Judiciário possa decidir pela convocação ou não do juízo colegiado.

Lado outro, se a medida for pelo afastamento de sigilo telefônico, em conformidade da Lei 9.296/96, deverá a Autoridade Policial indicar os indícios probatórios angariados acerca da existência de organização criminosa, para que a formação do colegiado se imponha ao convencimento do magistrado.

Caso a medida recomendada em razão do interesse social seja a segregação cautelar, uma prisão preventiva, por exemplo, caberá, do mesmo modo, à Autoridade Policial elencar todas as provas necessárias para a formação do juízo colegiado.

Destarte, é importante que a Autoridade Policial adote providências no sentido de representar acerca da alienação antecipada de bens que tiverem sido objeto de medidas assecuratórias para os fins persecutórios do processo penal.

Quando os bens ou valores equivalentes ao produto ou proveito do crime não forem, porém, encontrados ou quando se localizarem no exterior, haverá ainda, a possibilidade de serem confiscados.

O fato é que, todas essas medidas, essenciais para a descapitalização da organização criminosa e, consequente proteção integral da sociedade, somente serão possíveis se houver no Inquérito Policial provas cabais de vinculação com a organização criminosa, o que confirma, de modo inequívoco, não existir sistema de justiça criminal apto, efetivo e robusto, sem a participação decisiva e essencial da Polícia Judiciária.

Nessa linha de raciocínio, ao encaminhar o Inquérito Policial devidamente relatado ao Poder Judiciário, consoante disposto no artigo 10 do Código de Processo Penal, deverá a Autoridade Policial evidenciar que o injusto penal apurado decorre de organizações criminosas, colacionando-se as provas produzidas a respeito, para que o Juiz de Direito determine, por imperativo legal, a instituição do Juízo Colegiado.

Trata-se de dever legal que se impõe à Polícia Civil, porque detém, com exclusividade e legitimidade, a atribuição investigativa, no âmbito estadual e, por isso, emerge no seio social, como guardiã da sociedade moderna com roupagem de imparcialidade, compromisso ético, espírito público e instrumento de proteção da humanidade.


Referências Bibliográficas:

BRASIL. Decreto nº 2848/1940. Define o Código Penal Brasileiro. - 5. ed. – São Paulo: Saraiva, 2009.

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. - 5. ed. – São Paulo: Saraiva, 2009.

Assuntos relacionados
Sobre o autor
Jeferson Botelho Pereira

Jeferson Botelho Pereira. Ex-Secretário Adjunto de Justiça e Segurança Pública de MG, de 03/02/2021 a 23/11/2022. É Delegado Geral de Polícia Civil em Minas Gerais, aposentado. Ex-Superintendente de Investigações e Polícia Judiciária de Minas Gerais, no período de 19 de setembro de 2011 a 10 de fevereiro de 2015. Ex-Chefe do 2º Departamento de Polícia Civil de Minas Gerais, Ex-Delegado Regional de Governador Valadares, Ex-Delegado da Divisão de Tóxicos e Entorpecentes e Repressão a Homicídios em Teófilo Otoni/MG, Graduado em Direito pela Fundação Educacional Nordeste Mineiro - FENORD - Teófilo Otoni/MG, em 1991995. Professor de Direito Penal, Processo Penal, Teoria Geral do Processo, Instituições de Direito Público e Privado, Legislação Especial, Direito Penal Avançado, Professor da Academia de Polícia Civil de Minas Gerais, Professor do Curso de Pós-Graduação de Direito Penal e Processo Penal da Faculdade Estácio de Sá, Pós-Graduado em Direito Penal e Processo Penal pela FADIVALE em Governador Valadares/MG, Prof. do Curso de Pós-Graduação em Ciências Criminais e Segurança Pública, Faculdades Unificadas Doctum, Campus Teófilo Otoni, Professor do curso de Pós-Graduação da FADIVALE/MG, Professor da Universidade Presidente Antônio Carlos - UNIPAC-Teófilo Otoni. Especialização em Combate à corrupção, crime organizado e Antiterrorismo pela Vniversidad DSalamanca, Espanha, 40ª curso de Especialização em Direito. Mestrando em Ciências das Religiões pela Faculdade Unida de Vitória/ES. Participação no 1º Estado Social, neoliberalismo e desenvolvimento social e econômico, Vniversidad DSalamanca, 19/01/2017, Espanha, 2017. Participação no 2º Taller Desenvolvimento social numa sociedade de Risco e as novas Ameaças aos Direitos Fundamentais, 24/01/2017, Vniversidad DSalamanca, Espanha, 2017. Participação no 3º Taller A solução de conflitos no âmbito do Direito Privado, 26/01/2017, Vniversidad DSalamanca, Espanha, 2017. Jornada Internacional Comjib-VSAL EL espaço jurídico ibero-americano: Oportunidades e Desafios Compartidos. Participação no Seminário A relação entre União Europeia e América Latina, em 23 de janeiro de 2017. Apresentação em Taller Avanco Social numa Sociedade de Risco e a proteção dos direitos fundamentais, celebrado em 24 de janeiro de 2017. Doutorando em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidad Del Museo Social Argentino, Buenos Aires – Argentina, autor do Livro Tráfico e Uso Ilícitos de Drogas: Atividade sindical complexa e ameaça transnacional, Editora JHMIZUNO, Participação no Livro: Lei nº 12.403/2011 na Prática - Alterações da Novel legislação e os Delegados de Polícia, Participação no Livro Comentários ao Projeto do Novo Código Penal PLS nº 236/2012, Editora Impetus, Participação no Livro Atividade Policial, 6ª Edição, Autor Rogério Greco, Coautor do Livro Manual de Processo Penal, 2015, 1ª Edição Editora D´Plácido, Autor do Livro Elementos do Direito Penal, 1ª edição, Editora D´Plácido, Belo Horizonte, 2016. Coautor do Livro RELEITURA DE CASOS CÉLEBRES. Julgamento complexo no Brasil. Editora Conhecimento - Belo Horizonte. Ano 2020. Autor do Livro VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. 2022. Editora Mizuno, São Paulo. articulista em Revistas Jurídicas, Professor em Cursos preparatórios para Concurso Público, palestrante em Seminários e Congressos. É advogado criminalista em Minas Gerais. OAB/MG. Condecorações: Medalha da Inconfidência Mineira em Ouro Preto em 2013, Conferida pelo Governo do Estado, Medalha de Mérito Legislativo da Assembléia Legislativa de Minas Gerais, 2013, Medalha Santos Drumont, Conferida pelo Governo do Estado de Minas Gerais, em 2013, Medalha Circuito das Águas, em 2014, Conferida Conselho da Medalha de São Lourenço/MG. Medalha Garimpeiro do ano de 2013, em Teófilo Otoni, Medalha Sesquicentenária em Teófilo Otoni. Medalha Imperador Dom Pedro II, do Corpo de Bombeiros, 29/08/2014, Medalha Gilberto Porto, Grau Ouro, pela Academia de Polícia Civil em Belo Horizonte - 2015, Medalha do Mérito Estudantil da UETO - União Estudantil de Teófilo Otoni, junho/2016, Título de Cidadão Honorário de Governador Valadares/MG, em 2012, Contagem/MG em 2013 e Belo Horizonte/MG, em 2013.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PEREIRA, Jeferson Botelho. O relevante papel da Polícia Civil em face da nova Lei do Crime Organizado . Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3539, 10 mar. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/23902. Acesso em: 4 nov. 2024.

Leia seus artigos favoritos sem distrações, em qualquer lugar e como quiser

Assine o JusPlus e tenha recursos exclusivos

  • Baixe arquivos PDF: imprima ou leia depois
  • Navegue sem anúncios: concentre-se mais
  • Esteja na frente: descubra novas ferramentas
Economize 17%
Logo JusPlus
JusPlus
de R$
29,50
por

R$ 2,95

No primeiro mês

Cobrança mensal, cancele quando quiser
Assinar
Já é assinante? Faça login
Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Colabore
Publique seus artigos
Fique sempre informado! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos