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A influência dos órgãos da mídia nos crimes de grande repercussão social em face da presunção de inocência do acusado

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19/03/2013 às 09:58
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4. PUBLICIDADE X PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA

4.1. PUBLICIDADE DOS ATOS PROCESSUAIS

Convém relatar neste tópico um breve histórico sobre a publicidade dos atos processuais no mundo. Algumas vezes, adotava-se como regra a publicidade, em certas outras era exceção, predominando então o sigilo dos atos processuais. Por fim, o assunto será analisado no cenário brasileiro desde a Constituição do Império (1824) até os dias atuais.

Salienta-se que em épocas distantes, a vítima ou a sua própria família praticava a “justiça com as próprias mãos” quando sofria uma lesão (VIEIRA, 2003, p. 74).

Em razão disso, e devido aos excessos utilizados pelos lesados vingativos, o Estado passou a intervir nessa relação conflituosa, e com a finalidade de reparação do dano sofrido pela vítima, responsabilizava o causador da lesão. Importante se faz notar que o processo penal passou a ser realizado de maneira pública e oral, onde o acusado e a vítima argumentavam suas razões, perante uma assembléia, que ao final da sessão julgava o litígio.

É necessária a observância de que, no antigo Egito, a instrução, o procedimento e o julgamento eram secretos, solenes e simbólicos, posteriormente a instrução passou a ser pública (VIEIRA, 2003, p. 75).

Percebe-se o início da publicidade do processo criminal, mesmo que de forma limitada.

Cumpre dizer que o regime ateniense estabeleceu que qualquer cidadão poderia perseguir criminalmente o acusado da prática de uma infração penal. Sendo assim, o agressor tomava conhecimento da acusação através de publicação afixada no “tribunal” e reunia todas as provas que apresentaria como defesa no dia do julgamento, realizado em praça pública (VIEIRA, 2003, p. 75-76).

Cabe destacar que na Grécia todos os atos do processo eram públicos, inclusive o julgamento.

Importante evidenciar que a regra da publicidade dos atos processuais em Roma era plena, no período republicano. Contudo, durante o Império Romano tal publicidade era exceção, somente nas audiências de menor relevância, as pessoas do povo participavam. Nota-se que as demais audiências eram realizadas na casa ou na sala do magistrado, de maneira não pública (VIEIRA, 2003, p. 76).

Num primeiro momento, durante a República Romana, os atos processuais eram acessíveis a todas as pessoas, embora houvesse julgamentos secretos, nos quais era proibida a publicidade. Por sua vez, no período imperial, mesmo que o processo não era público, em regra, os atos processuais passaram a ser reproduzidos nos autos.

A jurisdição para julgar os membros do clero[14] acusava de forma imprescindível e os debates e julgamento eram orais e públicos. Posteriormente, adotou-se o sistema inquisitório. Era tudo documentado, mas secretamente, tanto a acusação, quanto os debates e julgamento e até mesmo o próprio suspeito não tinha conhecimento sobre a acusação que lhe imputavam (VIEIRA, 2003, p. 76-77).

Destaca-se que o processo para julgar os funcionários oficiais da Igreja Católica tornou-se inquisitivo e havia confissões sob torturas. Tal procedimento passou a ser adotado por vários países da Europa.

Não se pode deixar de relatar que, após a Revolução Francesa em 1789, foi garantida ao cidadão a igualdade no processo criminal em face do acusador, e ainda a publicidade dos atos processuais e a oralidade dos debates (VIEIRA, 2003, p. 78).

É indispensável notar que, sob a égide dos princípios universais, da liberdade, igualdade e fraternidade, conquistados durante os acontecimentos revolucionários que mudaram a política e a sociedade da França, passou a haver o equilíbrio entre a acusação e a defesa do cidadão.

Cumpre mencionar que, no Brasil, a Constituição do Império, elaborada em 1824, aboliu o sistema inquisitivo que vigia até então e adotou a publicidade dos atos processuais. Na Constituição Republicana, promulgada em 1891, a publicidade processual não se fez presente expressamente em seu texto, embora os direitos processuais existentes fossem respeitados. As Constituições da República dos Estados Unidos do Brasil de 1934 e 1946 e a Constituição do Brasil de 1967 também não dispuseram de forma expressa o princípio da publicidade dos atos processuais, mas este decorria do contraditório, da ampla defesa e do devido processo legal (VIEIRA, 2003, p. 79-85).

Cabe mencionar que a publicidade dos atos processuais somente veio de forma expressa, como direito e garantia individual, com a promulgação da Constituição Republicana no artigo 5º, inciso LX e artigo 93, inciso IX, que estabelecem, respectivamente: “a lei só poderá restringir a publicidade dos atos processuais quando a defesa da intimidade ou o interesse social o exigirem”, e:

Todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação.

Neste sentido, observa-se que a publicidade dos atos processuais é a regra adotada no Brasil e o sigilo processual a exceção.

Necessário se faz observar que o Brasil é signatário dos principais tratados internacionais sobre direitos humanos – Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, Pactos sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais e o Pacto de São José da Costa Rica também conhecido como Convenção Americana de Direitos Humanos. São tratados que expressam sobre a liberdade de imprensa de forma ampla e com status de normas constitucionais (VIEIRA, 2003, p. 40-43).

Por fim, em virtude dessas considerações, consigna-se que a publicidade dos atos processuais é um direito fundamental que deve ser respeitado. É também a garantia do pleno exercício de defesa do acusado da prática de um crime, para que o mesmo não possa sofrer ou ser prejudicado pelo Estado acusador. No entanto, o texto constitucional dispõe também sobre o sigilo dos atos processuais em situações excepcionais.

4.2. PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA

Vale ratificar que o termo presunção significa: “julgamento baseado em indícios, aparências; suposição que se tem por verdadeira” (HOUAISS, p. 1548). Não custa enfatizar que a referida palavra é conhecida como a imaginação de algo a partir de seus aspectos.

Consigna-se ainda que, segundo o Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, a expressão inocência significa: “qualidade de quem é incapaz de praticar o mal; estado daquele que não é culpado de uma determinada falta ou crime” (2009, p. 1086).

Portanto, segundo o vocábulo presunção de inocência, o indivíduo não cometeu nenhum ato ilícito, até que se prove o contrário.

Registrem-se, de forma relevante, os aspectos históricos da presunção de inocência, no cenário mundial e em nosso país, presunção esta que em muitas vezes é inobservada, existindo, no entanto, a presunção de culpabilidade do suspeito da prática de um crime.

É necessário lembrar que no período da Inquisição a presunção de culpabilidade recaía sobre o acusado da prática de infração penal; havia arbitrariedades, não se respeitava o direito ao contraditório, à ampla defesa, ao processo justo e célere e à presunção de inocência, onde somente uma pessoa investigava, acusava e julgava (BENTO, 2007, p. 31).

Sendo assim, os direitos do acusado não eram respeitados. Nota-se que, sob tortura[15], meio utilizado para a obtenção da confissão, o suspeito da prática do ilícito tinha que provar que era inocente. É de suma importância relembrar que sob a influência do período iluminista, houve a necessidade de reação em face do processo penal inquisitório.

O que se releva é que os iluministas criticaram as regras penais inquisitivas pelo abuso estatal cometido contra o ser humano, que era considerado inimigo do Estado. Os pensadores dessa nova corrente eram filósofos, escritores, historiadores, diplomatas e juristas insatisfeitos com a situação em que se encontravam. Delinearam, sob a ótica dos preceitos religiosos e monárquicos dominantes, que o ser humano, em regra, é um ser bom, sendo seu atuar criminoso (pecador), uma exceção. Portanto, o ser humano deveria ser visto como fonte e destino do poder estatal (MORAES, 2010, p. 69-72).

Lapidar, sob tal aspecto, Cesare Bonesana foi contra o processo inquisitório, e salientou, de forma humanista, sobre a necessidade da observação da presunção de inocência e não da presunção de culpabilidade do acusado da prática delituosa:

A um homem não se pode chamar de culpado antes da sentença do juiz, nem a sociedade pode negar-lhe a sua protecção (sic) pública, senão a partir do momento em que for decidido que ele violou os pactos por intermédio dos quais ela lhe foi concedida. Qual é, pois, o direito, se não o da força que dá potestas ao juiz para impor uma pena a um cidadão enquanto há dúvidas se é réu ou inocente? Não é novo este dilema: ou o crime é certo ou incerto. Se certo, não convém que se lhe aplique outra pena diferente daquelas que se encontram previstas na lei, e é inútil a tortura porque inútil à confissão do réu; se for incerto, não se deve atormentar um inocente, pois ele é, segundo a lei, um homem cujos delitos não estão provados (apud BENTO, 2007, p. 34).

Cumpre destacar que sob a nova ótica humanista, que trouxe características influenciadoras inerentes ao processo penal, visando à presunção de inocência do acusado antes de sentença penal condenatória e a proteção pública que ele merece, há se de ressaltar que a inquisição considera-se um dos últimos resquícios do abuso do poder estatal exercido contra o cidadão.

No entanto, em 1776, surge a Declaração de Direitos de Virgínia, que se inscreve no contexto da luta pela Independência dos Estados Unidos da América, sendo a primeira Declaração de Direitos Fundamentais, em sentido moderno, assegurou o direito de defesa do cidadão nos processos penais, e ainda, dispôs sobre a exceção da restrição ao direito de liberdade e ao julgamento célere por júri imparcial, não deixando de observar a presunção de inocência do acusado das imputações feitas contra ele (BENTO, 2007, p. 36-37).

Como se pode verificar, os direitos de defesa do cidadão, que era acusado da prática delituosa, passaram a ser observados.

Contudo, a presunção de inocência se iniciou efetivamente com a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, na França, em 1789, a qual trouxe expressamente em seu artigo 9º a seguinte disposição:

Todo o homem é considerado inocente, até o momento em que, reconhecido como culpado, se julgar indispensável a sua prisão: todo rigor desnecessário, empregado a efectuar, deve ser severamente reprimido pela lei (BENTO, 2007, p. 39).

Convém notar que, sendo a primeira positivação do estado de inocência do cidadão, afastou-se a presunção de culpa que recaía sobre o acusado. Este deveria ser tratado com dignidade, com o devido respeito a todos os seus direitos e garantias, inclusive à sua liberdade.

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Mister se faz consignar que em 1948, após a Segunda Guerra Mundial, ratificando os preceitos da Revolução Francesa, quais sejam igualdade, liberdade e fraternidade, foi adotada pela ONU-Organização das Nações Unidas, a Declaração Universal dos Direitos Humanos, que também expressou, com grande repercussão universal, sobre os direitos e garantias do cidadão no processo criminal, conforme segue o artigo 11 da referida Declaração:

Toda pessoa acusada de delito tem direito a que se presuma sua inocência, enquanto não se prova sua culpabilidade, de acordo com a lei e em processo público no qual se assegurem todas as garantias necessárias para sua defesa (BENTO, 2007, p. 41).

Neste sentido deve-se dizer que, novamente, o princípio da presunção ou estado de inocência se faz presente garantindo a defesa e o contraditório de forma plena, sempre que uma pessoa for acusada da prática de um delito.

Oportuno se torna dizer sobre a presunção de inocência no cenário mundial. A Convenção Européia para Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, editada em 1950, expressa em seu artigo 6-2 o princípio da presunção de inocência, nestes termos: “Qualquer pessoa acusada de uma infração penal deverá ser presumida inocente até provada a sua culpabilidade de acordo com a lei” (BENTO, 2007, p. 43).

Observa-se a proteção aos direitos do cidadão, mais precisamente no que concerne ao contraditório e ampla defesa e, principalmente, à sua liberdade.

Como se percebe, no Brasil não havia uma disposição legal expressa sobre a presunção de inocência, esta era aplicada em decorrência dos princípios do contraditório e da ampla defesa, contemplados no Direito Processual Penal.

Convém registrar que o princípio da presunção de inocência foi introduzido, de forma expressa, na Constituição Federal, no inciso LVII, do artigo 5º, que assim versa: “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”.

Tenha-se presente que a expressão inocência também é conhecida pela doutrina como não-culpabilidade e ainda estado de inocência, não havendo, portanto, nenhuma restrição ao direito do cidadão por conta da terminologia.

Cumpre assinalar ainda que, em 1969, foi aprovada a Convenção Americana sobre Direitos Humanos – Tratado Internacional conhecido como Pacto de São José da Costa Rica. O texto convencional foi ratificado integralmente pelo Brasil em 1992, tendo a previsão da presunção de inocência em seu artigo 8º, inciso II: “Toda pessoa acusada de delito tem direito a que se presuma sua inocência enquanto não se comprove legalmente sua culpa” (BENTO, 2007, p. 48).

Sendo assim, demonstra-se o interesse da República Federativa do Brasil em fazer parte de um acordo internacional que versava sobre Direitos Humanos, ampliando assim as garantias e direitos fundamentais da pessoa humana.

Não se pode perder de vista que foi garantido ainda ao acusado a plenitude do direito à defesa, durante o processo criminal. Recorde-se que, por se tratar de direitos humanos, as normas do Tratado Internacional, ratificado de forma integral pelo Brasil, têm força de normas constitucionais nos termos do § 2º do artigo 5º da Constituição da República.

Nota-se que, em respeito à dignidade da pessoa humana, e com a finalidade de se fazer justiça, deve-se respeitar todos os direitos previstos em leis.

Por tais razões, registre-se que os direitos e garantias do cidadão acusado da prática de uma infração penal também foram expressamente protegidos pela Convenção Européia de Direitos Humanos em 1990 e pela Carta dos Direitos Fundamentais da União Européia em 2000 (BENTO, 2007, p. 49-52).

Em virtude dessas considerações, importante se torna registrar o respeito devido à presunção de inocência do cidadão antes do trânsito em julgado de sentença penal condenatória. Portanto, é necessário lembrar que se considera garantia fundamental que jamais poderá ser violada, assim como os demais direitos fundamentais, tais quais dignidade humana, contraditório, ampla defesa, liberdade e segurança, como regra, durante um processo criminal célere e justo, tutelados, sobretudo, pelo ordenamento jurídico brasileiro.

4.3. CONFLITO ENTRE PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS

Cumpre consignar que a liberdade de expressão está prevista na Lei Fundamental brasileira, no artigo 5º, inciso IX e no artigo 220, que assim dispõem, respectivamente: “é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença”, e, “a manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição”.

Portanto, expressar nada mais é do que ter liberdade de pensamento, poder exteriorizar de forma livre as opiniões e idéias próprias.   

Neste sentido, Ana Lúcia Menezes Vieira ensina:

A expressão máxima do livre pensar é poder propagar, por quaisquer meios, opiniões, idéias e pensamentos. A liberdade de expressão é consequência da liberdade de pensamento, é a exteriorização desta. Não se pode falar em liberdade de pensar se ela se circunscreve apenas ao pensamento, no interior indesejável do ser humano. Pensamento que não se manifesta, que se oculta, não atinge a plenitude da liberdade (2003, p. 24).

Sendo assim, os meios de comunicação de massa exercem esse direito de forma plena. Cabe mencionar que à grande mídia é reservado o direito de levar ao público fatos, notícias e acontecimentos do país e do mundo.

Importante se faz notar que a sociedade também possui o direito de informação garantido na Lei Maior, no artigo 5º, incisos XIV, XXXIII, in verbis, na devida ordem: “é assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional”, e:

Todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado.

Necessário se faz registrar que o direito à informação é indispensável ao cidadão do Estado Democrático de Direito Social[16]. José Afonso da Silva, citado por Ana Lúcia Menezes Vieira, leciona que a liberdade de informação tem o caráter pessoal e coletivo. O autor ensina que o direito pessoal de informação “compreende a procura, o acesso, o recebimento ou a difusão de informações ou idéias, por qualquer meio, e sem dependência de censura, respondendo cada qual pelos abusos que cometer”. No que diz respeito ao direito coletivo de informação, este se opera através das notícias veiculadas pelos meios de comunicação de massa, ou seja, pela mídia (2003, p. 30).

Notável se faz lembrar que é através dos meios de comunicação que os indivíduos obtêm grande parcela de seus conhecimentos sobre o mundo. Impende assinalar que é o direito de buscar informações de interesse pessoal ou coletivo, sem qualquer restrição. No entanto, há limites quando a divulgação de informações, fatos ou acontecimentos venha destruir a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas.

Vale relembrar ainda que o Magno Texto Federal garante a publicidade dos atos processuais no artigo 5º, inciso LX e no artigo 93, inciso IX. Consigna-se, portanto, que a publicidade dos atos processuais é um direito fundamental que deve ser respeitado plenamente. Entretanto, haverá o sigilo processual quando a defesa da intimidade ou o interesse social o exigirem, lembrando que o direito de preservação da intimidade do interessado no sigilo não pode prejudicar o direito público de informação.

Convém notar, outrossim, sobre o princípio da presunção de inocência vigente e disposto na Constituição Federal, no artigo 5º, inciso LVII, expressado da seguinte maneira: “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”.

Refere-se ao também chamado de princípio da não-culpabilidade ou do estado de inocência, e, ainda, conhecido pela seguinte expressão popular “todo mundo é inocente até que se prove o contrário”.

Neste sentido, opina José Eduardo de Souza Pimentel[17]:

“(...) estado de inocência, isto é, um estado jurídico no qual o acusado é inocente até o trânsito em julgado da sentença condenatória. (...) Decorre do princípio em comento que, para que alguém seja condenado, deve haver prova consistente da autoria e culpabilidade. Não é do réu o ônus de provar a inocência. É o acusador que tem o dever da demonstração do fato criminoso e da responsabilidade do agente. Para a solução absolutória, no entanto, basta que o imputado lance dúvida plausível sobre o seu envolvimento no delito (in dubio pro reo)” (2010, p. 7).

Nota-se que os meios de comunicação de massa não satisfeitos de exercerem sua atividade típica que é de somente informar a população dos fatos ocorridos, formam uma opinião própria, manipulam a sociedade e influenciam o modo coletivo de pensar.

Neste diapasão, Judson Pereira de Almeida[18] registra:

A mídia, portanto, seleciona e pauta os assuntos que ela considera mais relevantes para a sociedade. A linguagem dos grandes meios (rádio e TV, principalmente) não permite aprofundamentos e grandes reflexões. Esta pauta transforma-se em discussão que tem por base os elementos considerados principais por quem seleciona o que vai ser divulgado. A notícia, desta forma, reflete na formação da opinião pública, constituindo-se, assim, a mídia, uma instância indireta de controle da sociedade na medida em que aponta para os assuntos que devem ser debatidos. As mensagens transmitidas produzem efeitos que se diferenciam de indivíduo para indivíduo, levando-se em conta fatores como classe sócioeconômica, grau de instrução, nível cultural etc. Mas, apesar de não manipular diretamente as pessoas, este espaço público de discussão construído pela imprensa, constitui-se numa atmosfera de pensamento relativamente homogeneizado, tendo-se em vista que a elaboração do pensamento social, da consciência coletiva, da percepção do “homem médio” a respeito de determinados assuntos, tem como um de seus pressupostos os conteúdos veiculados pela imprensa (2007, p. 26-27).

Dessa forma, a mídia conduz a opinião pública, observando o seu interesse econômico e político, divulgando notícias que entende ser relevante para a sociedade. Diante do grande número e velocidade das informações divulgadas, não se permite fazer grandes e aprofundadas reflexões sobre o assunto em pauta; sendo assim, influencia o pensamento da sociedade.

Cabe salientar que, nos últimos anos, quando um crime de grande repercussão social é praticado, além de ser divulgado pela imprensa de forma ampla, ele é investigado pelos próprios jornalistas. Por fim, acusam e condenam o acusado da prática criminosa antes de uma decisão judicial irrecorrível, causando a indignação da população, o medo, o terror, a insegurança e a falsa realidade do momento social vivido.

Ante os fatos acima delineados, cumpre fazer as seguintes indagações: com a divulgação de dados do suspeito da prática criminosa, dentre outros detalhes, através da grande imprensa, está sendo respeitado o princípio da presunção de inocência?  Essas informações são de interesse público? Como fica a dignidade da pessoa do acusado? Qual é o limite do direito de liberdade de expressão da imprensa? Como resolver essa situação?

Notável se faz lembrar que a Constituição Federal, no artigo 5º, dispõe sobre os direitos e garantias fundamentais do cidadão, dentre os quais a liberdade de expressão, a publicidade dos atos processuais e a presunção de inocência se fazem presentes. Registre-se que esses direitos são invioláveis, mas não absolutos, e em caso de colisão entre eles deverá ser observado o Princípio da Ponderação, Proporcionalidade ou Razoabilidade[19].

Necessário se faz anotar a lição de Jorge Luís de Camargo[20]:

Em primeiro lugar tem que ver que o direito à informação e à imprensa livre também é constitucional e pertence não apenas aos membros da imprensa, como também, e principalmente, à própria sociedade brasileira, por isso, [há] um conflito entre os direitos dos acusados e os da imprensa. Com isto, a priori não [existe] a possibilidade de se impedir qualquer discussão e difusão de informações a respeito de crimes de grande repercussão nacional, mesmo sabendo que isso poderá ser a porta de entrada para grandes abusos. Qual a solução encontrada? (...) No caso de se alegar uma grande ofensa à intimidade, honra, vida privada das pessoas, ou seja, a ofensa ao direito constitucional [haverá] a compatibilização dos direitos constitucionais em conflito, com a aplicação do Princípio da Ponderação dos Interesses[21].

No que diz respeito à Ponderação de Interesses na Constituição, Daniel Sarmento citado por Fábio Martins de Andrade expressa que a ponderação é o método utilizado para resolver conflitos entre princípios constitucionais. Assim ensina:

Tal método caracteriza-se pela sua preocupação com a análise do caso concreto em que eclodiu o conflito, pois as variáveis fáticas presentes no problema enfrentado afiguram-se determinantes para a atribuição do ‘peso’ específico e cada princípio em confronto, sendo, por consequência, essenciais à definição do resultado da ponderação (2007, p. 246).

Sendo assim, é importante relembrar que o direito à informação do cidadão não deverá ser restrito. Entretanto, se houver violação à dignidade do investigado, devem ser observados e respeitados os direitos a ele inerentes. Vale ressaltar a importância do cumprimento do princípio da presunção de inocência para que não haja um prejulgamento, ou seja, uma condenação antecipada do indivíduo feita pela sociedade e principalmente pela mídia, antes do devido processo legal[22].

Cumpre destacar a lição de Paulo Henrique da Silva Carvalho[23]:

A mídia [tem] um papel fundamental no atual estado democrático [de direito]. A força da imprensa faz com que casos, até então deixados de lado pelos órgãos responsáveis, sejam, de maneira rápida, solucionados ou, no mínimo, lembrados. De outro lado, estamos vivenciando a exploração de alguns meios de comunicação em relação a determinados assuntos, notadamente aqueles ligados a crimes de repercussão social. Não se pode, em hipótese alguma, por mais grave que seja o delito, deixar que a imprensa condene antecipadamente os envolvidos[24].

Não se pode deixar de salientar o relevante papel da imprensa e dos meios de comunicação de massa ao difundir notícias de cunho processual quando se tem a prática de um crime de grande comoção social. Além de levar a informação à sociedade, desperta o interesse social pela cultura jurídica, já que é desconhecida pela maioria da população.

Contudo, o que não se pode admitir é que a mídia exerça a função investigativa do fato típico e antijurídico que é da Polícia Judiciária e do Ministério Público; este também denuncia e acusa o investigado. Concluindo, os meios informativos jamais podem julgar o réu; essa função é exclusiva do Poder Judiciário.

É de extrema importância preceituar o entendimento de Jefferson Aparecido Dias[25] sobre o assunto discutido:

O problema da exposição pela mídia dos réus e acusados gera problemas porque no Brasil não [existe] a cultura de responsabilizar os meios de comunicação por eventuais danos causados às pessoas expostas. (...) Além disso, [é] ridícula a exposição de informações que são totalmente sigilosas e, na prática, acabam se tornando públicas sem que [haja] qualquer consequência, como é o caso de divulgação de interceptações telefônicas, quando não [é] autorizada a divulgação pelo Judiciário[26].

Percebe-se que o acusado passa a ser perseguido pela mídia, que expõe à sociedade todos os detalhes de sua vida, mesmo antes da instauração do inquérito policial, quando promovem verdadeiros interrogatórios ao suspeito criminoso.

Cabe salientar novamente que o inquérito policial é inquisitivo e sigiloso. Importante frisar que há situações em que o advogado do investigado não tem acesso ao documento investigativo; contudo, as autoridades permitem a divulgação do mesmo através dos meios de comunicação de massa, como por exemplo, a publicidade imediata e sensacionalista de elementos da investigação, tais como os depoimentos do acusado e testemunhas, despertando o interesse público pelas notícias sobre o caso.

Nota-se que a grande mídia agindo dessa maneira estará violando o direito fundamental do acusado que é de não ser considerado culpado de forma antecipada. Vale citar o pensamento de Ana Lúcia Menezes Vieira que assim dispõe:

A notícia do inquérito ou processo, narrada de forma leviana, distante da verdade e sem critério técnico por parte do jornalista, a publicação de fotos comprometedoras de sua imagem e honra, as filmagens sensacionalistas do criminoso, do local dos fatos fazem parte do cotidiano dos meios massivos de comunicação. Nem sempre há a preocupação do jornalista em preservar a intimidade do suspeito. Nem tampouco esse cuidado existe por parte da autoridade policial ou investigadores de polícia, que insistem em apresentar o preso à mídia (2003, p. 156).

Necessário se faz lembrar que na investigação jornalística são trazidos à tona todos os detalhes relativos à vida íntima do suspeito, tais quais: família, amigos, relacionamentos amorosos, trabalho, lazer, costumes, e outros. Torna-se relevante registrar que o investigado já ingressa no processo com grande desvantagem em relação à acusação.

Cumpre mencionar sobre a necessidade da publicidade dos atos processuais no processo penal, desde que seja feita de forma responsável, para que a população fiscalize os trabalhos do Poder Judiciário e controle a administração da justiça, conforme o seguinte entendimento:

Na fase judicial, ao contrário do inquérito, existe o princípio da publicidade dos atos processuais, que é uma forma de controle popular da administração da justiça. Os meios de comunicação podem e devem noticiar atos processuais, desde que de forma responsável. Assim, a mídia pode ser um importante instrumento de divulgação dos atos do Judiciário, para que estes ocorram de forma transparente, sob as vistas do público. (...) Mas o princípio da publicidade, como tantos outros, não pode ser aplicado de forma irrestrita, absoluta. A publicidade é regra, mas, em alguns casos, o juiz pode determinar a restrição, para evitar a violação de garantias individuais, de animosidade no público e outros fatores que venham a prejudicar o regular andamento do processo. Em nosso tempo, a divulgação exagerada e sensacionalista, feita por alguns veículos de comunicação, de atos do processo, exige cuidado maior por parte do magistrado (ALMEIDA, 2007, p. 48-49).

É necessário anotar que a divulgação de mentiras, a interpretação jornalística sobre o crime de grande repercussão social investigado, os juízos de valor da mídia e a manipulação da sociedade pelos meios de comunicação de massa constituem um processo paralelo ao judicial; dessa forma, não está livre de produzir influências e injustiças sociais.

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Sobre o autor
Moisés da Silva Santos

Advogado. Bacharel em Direito pelas Faculdades Integradas de Ourinhos – FIO (2010). Pós-Graduando em Direito do Estado pelas Faculdades Integradas de Ourinhos – FIO. Pós-Graduando em Direito Processual Civil pelo Centro Universitário UNINTER.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SANTOS, Moisés Silva. A influência dos órgãos da mídia nos crimes de grande repercussão social em face da presunção de inocência do acusado. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3548, 19 mar. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/23994. Acesso em: 26 abr. 2024.

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