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A influência dos órgãos da mídia nos crimes de grande repercussão social em face da presunção de inocência do acusado

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19/03/2013 às 09:58
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5. INFLUÊNCIAS NOS JULGAMENTOS

Não custa enfatizar sobre as influências da mídia na sociedade e no processo penal e suas consequências danosas ao acusado criminalmente. Registre-se que os meios informativos de massa formam a opinião pública, causam o medo, o terror, a insegurança e a falsa realidade do momento social vivido.

Além disso, provocam um clima de indignação, a comoção social, o clamor e a pressão popular sobre os atores do processo, podendo resultar danos irreparáveis ao suspeito, como a exclusão social, a prisão cautelar ilegal, ou seja, a pena pelo crime supostamente cometido por ele já começa a ser cumprida no momento da persecução penal, o prejulgamento no Tribunal do Júri, e, por fim, a condenação do suspeito sem o respeito ao princípio constitucional do devido processo legal e à ampla defesa.

Importante se torna mencionar a lição de Judson Pereira de Almeida sobre a influência da divulgação de notícias no ordenamento jurídico penal e no devido processo legal, in verbis:

Na sociedade brasileira atual, Direito Penal e Mídia possuem uma relação muito próxima. As pessoas se interessam por informações que dizem respeito à burla das regras penais. A imprensa, portanto, não tem como ficar alheia ao interesse causado pelo crime, mesmo porque a imprensa é o “olho da sociedade”. Jornais impressos, revistas, o noticiário televisivo e radiofônico dedicam significativo espaço para este tipo de notícia. Acontece que, muitas vezes, a divulgação reiterada de crimes e a abordagem sensacionalista dada por alguns veículos de comunicação acabam por potencializar um clima de medo e insegurança. A criminalidade ganha máxime e a sociedade começa a acreditar que está assolada pela delinquência. Cria-se uma falsa realidade que foge aos verdadeiros números da criminalidade (2007, p. 33).

Impende relatar que tais influências se operam também na formação da personalidade e do conceito dos indivíduos da sociedade. Eles pouco refletem sobre o que é divulgado na imprensa, não procuram saber se é verdadeiro ou não, normalmente dão credibilidade a tudo o que é divulgado e opinado jornalisticamente. Esses espectadores mal formam suas próprias opiniões sobre as informações veiculadas.

Sob tal aspecto, convém relatar a passagem escrita de Diana Paula de Souza[27]:

Isso [divulgação de fatos violentos pela mídia] influencia o processo de autoconstituição do sujeito, a formação de sua personalidade ou de sua psique e, em última análise, da própria afetividade, já que esta é continuamente modificada pelo meio social. Seu interior nada mais é que uma dobra do exterior. Seu sistema de valores, portanto, é constituído, principal e fundamentalmente, pelo ambiente simbólico no qual se encontra, reservando-se aí um papel marcadamente importante para os meios de comunicação de massa. Trata-se, portanto, de um processo dialógico, em que interior e exterior trocam conteúdos ininterruptamente (2005, p. 5).

É sobremodo importante frisar ainda que em meio a essas ondas de terror causadas pela mídia com a divulgação de índices de criminalidade e violência em nosso país, a grande imprensa atual desfigura e cria a realidade, constituindo fator decisivo na elaboração de leis cada vez mais rígidas que modificam o ordenamento jurídico brasileiro; entretanto, nem sempre contribuem para a redução dos crimes praticados, apenas fortalece a corrente de pensamento denominada Lei e Ordem[28].

Neste sentido, relevante se faz registrar a tese de doutorado de Diana Paula de Souza, verbis:

Partindo da premissa de que os meios de comunicação de massa atuam como dispositivos de agendamento da pauta do Poder Legislativo nacional em matéria penal, (...) estratégias discursivas foram utilizadas por três jornais de circulação nacional, a saber, Folha de S. Paulo, O Globo e Jornal do Brasil, na cobertura do sequestro do empresário Abílio Diniz em 1989 e do assassinato da atriz Daniela Perez em 1992.

O primeiro episódio, aliado aos sequestros de Antonio Beltran Martinez, Luís Salles e Roberto Medina, é considerado como aquele que apressou a elaboração e aprovação sem discussões da Lei de Crimes Hediondos. Já o caso Daniela Perez é apontado como um dos fatores que desencadeou uma campanha empreendida pelos meios de comunicação social para incluir o homicídio entre os crimes hediondos (2009, p. 6).

Destarte, a Lei nº 8072 de 25 de julho de 1990 que dispõe sobre os crimes hediondos, que são infrações penais que inspiram repulsa e horror social dada a sua repercussão, tais como homicídio, latrocínio, extorsão mediante sequestro, estupro, dentre outros, foi mal elaborada, criada de forma apressada, sob as influências midiáticas e sociais, tornando mais cruéis as penas relativas a esses crimes, tendo por principal finalidade a redução da criminalidade que se operava naquele momento.

Neste diapasão, Miguel Bruno[29] salienta que:

Ao contrário do que se previa, a Lei dos Crimes Hediondos em nada modificou o sistema, prova é que a criminalidade, principalmente no que tange aos crimes hediondos, aumentou violentamente, pois o que gera a vontade de se praticar o delito não é o fato de a pena ser mais ou menos cruel, mas sim a certeza de que o delinquente permanecerá impune (2010, p. 1).

Sendo assim, além de influenciar a opinião pública, os atores do processo penal, a mídia exerce poder sobre o Legislativo, no que tange à má elaboração de leis.

Impende relatar sobre crimes de grande repercussão social ocorridos no Brasil que foram abordados de forma ampla pela mídia, resultando além de injustiças e danos irreparáveis aos acusados da prática das referidas infrações penais, como também a condenação antecipada pela imprensa e pela sociedade e o prejuízo de sua defesa. Seguem os fatos:

a) Irmãos Naves:

Considerado o maior erro judiciário do Brasil, o caso dos Irmãos Naves, ocorreu em 1937, na cidade de Araguari, em Minas Gerais. Joaquim Naves Rosa tinha 27 anos, era casado e tinha uma filha; Sebastião José Naves tinha 32 anos, era casado e tinha dois filhos. Os irmãos eram trabalhadores, compravam e vendiam cereais e outros bens de consumo. Eles eram primos de Benedito Pereira Caetano, que também era sócio de Joaquim.

Na madrugada de 29 de novembro de 1937, Benedito sumiu da cidade, sem deixar notícias. Levou consigo grande importância em dinheiro, produto da venda de enorme quantia de arroz, que comprara com dinheiro emprestado da família.

Sabendo do ocorrido, os irmãos Naves procuraram Benedito por toda a parte e como não o encontraram, comunicaram o fato à polícia, que iniciou imediatamente as investigações.

O Delegado atribuído ao caso, tenente Francisco Vieira dos Santos, o “Chico Vieira” acusou os irmãos pela morte do primo. Com isso, foram presos juntamente com Don’Ana (Ana Rosa Naves, mãe dos irmãos). Foram ainda submetidos aos mais cruéis tipos de torturas[30] na presença da genitora. Resistiram às crueldades e violências sem assumirem a prática do delito, até que, não se conformando, o tenente e seus subordinados estupraram Ana Rosa na frente de seus filhos, e após muitas outras torturas, houve a confissão.

Joaquim foi interrogado pela polícia e respondeu tudo e da forma que o tenente Vieira queria, assumindo a culpa juntamente com o irmão. As esposas dos irmãos Naves também foram interrogadas sob ameaças de morte de seus filhos e de estupro; confessaram tudo.

Notável se faz anotar que o caso passou a ser conhecido nacionalmente, pois a imprensa o divulgou de forma destacada. Formou-se então a opinião pública, a população aceitava a culpa dos irmãos como fato consumado, de que eles teriam matado o primo para ficar com o dinheiro a fim de saldar possíveis dívidas de comércio. Nem os advogados queriam defendê-los. 

Após a mãe dos Naves narrar o drama sofrido e insistir muito, o advogado João Alamy Filho se comoveu e aceitou defender os acusados. Ele tentou provar a inocência de seus clientes de todas as formas legais possíveis.

Os irmãos Naves foram levados ao Tribunal do Júri, acusados da prática de latrocínio contra Benedito. Importa destacar que houve a retratação das confissões extorquidas na Delegacia de Polícia e o depoimento de outros presos que relataram as atrocidades sofridas pelos irmãos. Por essas razões, eles foram absolvidos por maioria absoluta de votos. No entanto, a Promotoria recorreu e anulou o julgamento por considerar nula a quesitação.

Cumpre registrar que no segundo julgamento, os irmãos Naves foram novamente absolvidos pelo júri, por maioria absoluta, mas, como anteriormente, o Ministério Público apelou da decisão e levou os réus ao terceiro julgamento que foi realizado no Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais.

É necessário ressaltar que dessa vez, mediante a ausência de soberania do júri no tribunal pelo regime ditatorial da Constituição de 1937, os réus foram condenados, por maioria absoluta, a 25 anos e 6 meses de reclusão. Posteriormente, houve a primeira revisão criminal, onde a pena foi reduzida para 16 anos. Depois de cumprirem 8 anos e 3 meses de cárcere, pelo bom comportamento demonstrado na prisão, os irmãos Joaquim e Sebastião conseguiram o livramento condicional.

Dois anos após a liberdade, Joaquim Naves morreu enfermo no asilo em que vivia para se tratar de doença contraída por causa das torturas. No mesmo ano faleceu o tenente Francisco Vieira de derrame cerebral.

Em busca de justiça e de provar sua inocência, o sobrevivente Sebastião Naves se dispôs a procurar alguma pista da existência de Benedito Caetano. Esse reaparece vivo em Nova Ponte no dia 24 de julho de 1952, 15 anos após o seu desaparecimento.

Informado por um primo de que Benedito estava na casa dos pais, Sebastião vai com alguns policiais no local indicado e encontram o “morto”, que jurou não saber de nada que ocorrera em todos estes anos.

Os Irmãos Naves foram finalmente inocentados em 1953 em nova revisão criminal. Sebastião morreu em 1964 após ter conseguido processar o Estado e garantir uma indenização devida à sua família e aos descendentes legais de seu irmão pelo erro judiciário cometido que causou danos irreparáveis aos envolvidos. Morreram após ele, sua mãe Ana Rosa Naves e o defensor do caso João Alamy Filho;

b)  Escola Base:

Em março de 1994, vários órgãos da mídia publicaram diversas reportagens de que seis pessoas estariam envolvidas num caso de abuso sexual de menores, ocorrido na Escola de Educação Infantil Base, no bairro da Aclimação em São Paulo. A denúncia foi feita por duas mães que tinham filhos (de aproximadamente 4 anos de idade) que estudavam na referida escola.

Foram acusados os donos da unidade escolar Icushiro e Aparecida Shimada, os sócios da instituição Maurício e Paula Alvarenga, e, ainda, o casal Saulo e Mara Nunes que tinham um filho que estudava na Escola Base. A acusação era de que eles promoviam orgias sexuais com a participação dos alunos, onde registravam tudo através de vídeos e fotografias. Tudo era realizado fora da escola, mas no horário das aulas. Assim foi a acusação.

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Duas crianças foram levadas ao IML-Instituto Médico Legal para realizarem exames. A escola foi revirada pela polícia, com autorização judicial, para encontrarem provas do crime. Nada de comprometedor encontraram. Apenas acharam uma coleção com fitas de Walt Disney.

Com base apenas no laudo preliminar do IML[31], o delegado Edélcio Lemos divulgou as informações à imprensa dizendo que não havia dúvidas sobre a autoria dos crimes, mesmo sem verificar a veracidade das denúncias.

Os acusados da prática da infração penal foram encaminhados à delegacia, onde foram interrogados sobre os fatos. A partir de então a grande mídia passa a divulgar a notícia de forma ampla. É importante anotar que além de publicarem informações infundadas, mergulharam no sensacionalismo.

Os meios jornalísticos se antecipavam ao inquérito e passaram a informar fatos que não eram objetos do procedimento policial. Explicitaram mentiras de que a pedofilia se operava nas dependências da Escola Base e que durante as supostas orgias havia o consumo de drogas e a possibilidade de transmissão do vírus HIV para sete crianças (BRIGATTO, 2004, p. 22).

Importa destacar algumas manchetes que foram publicadas pelos meios de comunicação de massa sobre o caso:

- “Kombi era motel na escolinha do sexo”, notícia publicada no Jornal Notícias Populares do dia 31 de março de 1994. O mesmo jornal ainda destacou “Perua escolar levava crianças pra orgia no maternal do sexo” e no dia seguinte publicou “Exame procura a AIDS nos alunos da escolinha do sexo” (BRIGATTO, 2004, p. 31);

- “Uma escola de horrores”, publicação feita pela Revista Veja no dia 6 de Abril de 1994 (SILVA, 2009, p. 4);

- “Mães afirmam que meninos de 4 anos participaram de filmes pornográficos”, informação destacada pelo repórter Renato Lombardi do jornal O Estado de São Paulo no dia 30 de março de 1994, a mesma edição ainda aponta “Crianças podem ter sido violentadas” (BRIGATTO, 2004, p. 29).

Observa-se que os meios de comunicação social não pouparam os acusados, nem sequer observaram o princípio da presunção de inocência, a possibilidade de serem inocentes, de não terem cometido o crime. Com isso, a população ameaçava os envolvidos na denúncia. Eles tiveram que abandonar suas casas para não serem linchados. A escolinha foi depredada mais de uma vez.

Os suspeitos tentaram se defender através da mídia, negando o crime, mas não adiantou. Foi decretada a prisão preventiva de todos eles.

Necessário se faz relatar que a imprensa não poupou nem as crianças. Durante as transmissões, uma repórter interrogou um menor de quatro anos, que, sem a presença de algum psicólogo, respondia as perguntas feitas de forma monossílaba, da seguinte maneira:

– “A tia passou a mão em você?”, sugeria a repórter da Globo à criança inocente que brincava com o microfone.

O garoto olhava para a repórter e depois para a mãe, como se não tivesse entendido a pergunta ou a procura de ajuda na sua resposta, mas ficou em silêncio. A repórter continuou:

– Vocês assistiam filminho na escola? Tinha gente pelada?

– Esta mulher, ela deitava em cima de você?

Diante da insistência nas perguntas veio a primeira reposta da criança: “Deitava”.

– O que ela fazia, o que ela queria?

Mais uma vez, diante da relutância do garoto, a jornalista sugeriu a resposta:

– Te beijar a boca?

O garoto respondeu com um aceno de cabeça… (HRYUNDIK, 2010, p. 3).

Analisando essa entrevista realizada na época, verifica-se a falta de ética e de bom senso do profissional da imprensa que interrogou uma criança inocente sobre o caso de abuso sexual que estava sendo investigado.

Contudo, diante da inexistência de provas concretas (o resultado final do exame foi inconclusivo, as lesões encontradas no ânus de uma criança se deram por conta de problemas intestinais e não por abuso sexual) e pela grande repercussão social, o Ministério Público interferiu no caso e o delegado Edélcio Lemos foi afastado; em seu lugar assumiram Jorge Carrasco e Gérson de Carvalho.

A investigação foi reiniciada. Novas diligências e depoimentos foram realizados com calma. Através de uma denúncia anônima, a polícia passou a investigar o americano Richard Pedicini, que morava próximo à escola infantil e foi acusado de ser o contato internacional dos envolvidos da Escola Base. Invadiram a sua residência e encontraram materiais pornográficos contendo menores de idade.

Aproveitando-se novamente da situação, a imprensa relatou uma possível ligação entre o americano e os primeiros acusados da prática do crime. No entanto, Gérson de Carvalho que estava no comando das investigações afirmou através da mídia que não via nenhuma ligação entre os acusados.

Após muitas investigações, no dia 22 de junho de 1994, o inquérito policial do caso da Escola Base foi arquivado por falta de provas contra os acusados. Richard Pedicini foi o último inocentado. Essas foram as palavras de Gérson de Carvalho aos meios de comunicação de massa: “(...) Eu não ousaria dizer que não houve um crime, mas se houve este crime aconteceu em outro local e tendo outros protagonistas...” (CARVALHO apud SILVA, 2009, p. 137).

Mesmo sendo absolvidos do crime, os envolvidos no caso da Escola Base jamais tiveram sossego em suas vidas, que foram praticamente destruídas. Foram linchados moralmente, ameaçados de morte, acumularam problemas psicológicos e financeiros, abandonaram suas residências para não serem agredidos fisicamente. Maurício foi denominado “estuprador de criancinhas”; todos eles ficaram marcados como molestadores de crianças, sofreram danos irreversíveis.

Vários meios de comunicação social foram condenados a pagar indenizações justas pelos danos causados aos acusados da prática do crime[32]. A maioria dos veículos de notícias do país que divulgaram o caso não se retratou dos erros cometidos, com exceção da Folha de São Paulo que promoveu palestras e fez um editorial assumindo a falha cometida. O Estado também foi processado, mas nenhum jornalista que divulgou o caso foi punido;

c) Bar Bodega:

Era madrugada do dia 10 de agosto de 1996. No Bar Bodega[33], em Moema, na zona sul de São Paulo, um bando de homens armados, composto de aproximadamente cinco elementos desconhecidos, entraram no bar, renderam os funcionários e anunciaram o roubo.

Algumas mesas já estavam vazias, no entanto, ainda havia uns quinze clientes. Tudo era pra ser tranquilo, queriam somente bens de valor, nada mais. Dois homens pegaram dinheiro, jóias, relógios e outros pertences.

Já estavam de saída, foi quando Milton Bertolini Neto, sem saber do que acontecia no recinto, saiu do banheiro apavorado. Um dos ladrões, nervoso e portando um revólver, resolveu tirar o relógio do cliente; neste momento a arma disparou e atingiu o braço do rapaz. Houve gritaria e pânico.

No mesmo instante, José Renato Pousada Tahan (dentista) entrou no bar, surpreendido com a situação discutiu com um dos criminosos. Este com a ajuda de outro agrediu o homem que caiu, e, antes de se levantar levou dois tiros nas costas, que determinaram seu óbito. Os agressores correram para a porta, preparando-se para a fuga. 

Do lado externo do estabelecimento comercial, um dos delinquentes disparou o revólver para o interior do bar que atingiu Adriana Ciola (estudante de odontologia), vindo a óbito. Todos os “assaltantes” fugiram correndo.

O crime foi praticado sob violência e grave ameaça, resultando lesões corporais na vítima Milton e a morte das vítimas José Renato e Adriana, pessoas da classe média alta.

Por ter ocorrido num bairro nobre da cidade, a ação delituosa passou a ser divulgada pela imprensa de forma sensacionalista; era notícia das primeiras páginas dos jornais.

José Paulo Lanyi enfatiza que na época,

A sociedade precisava responder. Não a dos confins da periferia, mas aquela que, esquecida de tudo o mais – como a violência rotineiramente cometida contra aqueles que não lhe dizem respeito –, não poderia agora aceitar nem silenciar sobre o que, em outros extratos sociais, pode até não ser admissível, mas é, na melhor das hipóteses, indigno da sua atenção.

O Estado e a mídia algemaram-se e, sôfregos, puseram-se a caçar os autores, quaisquer que fossem eles e ainda que não o fossem, em vez de investigar (em sua estrita acepção) a autoria do crime. Dias depois, nove suspeitos foram presos e anunciados pela polícia como os responsáveis pelos delitos. Manchetes vulcânicas, comentários vazios e enviesados, histeria dos detentores da verdade policialesca: vários jornalistas cumpriram à risca a parte que lhes coube no que, com o tempo, soube-se ser a perpetração de uma das maiores injustiças (conhecidas) da história do Brasil (2010, p. 1).

Verifica-se, portanto, o anseio do Estado, da mídia e da sociedade em encontrar, o mais rápido possível, os autores do crime paulista de grande repercussão social praticado em agosto de 1996.

A comoção era geral; todos reagiram. A imprensa passou a noticiar vários crimes, até aqueles ocorridos no interior do Estado, que costumeiramente não tinham relevância jornalística alguma. A Segurança Pública era o tema discutido no momento e houve até a formação de um movimento contra a violência denominado Reage São Paulo[34].

Pressionada pela opinião pública, a Polícia Civil em quinze dias apresentou Cléverson Almeida de Sá, menor inimputável, preso por outro delito, que foi acusado por um carcereiro de ser um dos roubadores do Bar Bodega.

Sob torturas[35] e diante das ameaças de violências, Cléverson confessou o crime, inclusive perante a imprensa, e, inicialmente, delatou os seguintes co-autores: Valmir da Silva, Luciano Francisco Jorge, Natal Francisco Bento dos Santos, Valmir Vieira Martins. Posteriormente, o menor entregou ainda Marcelo Nunes Fernandes, Jailson Ribeiro dos Anjos, Marcelo da Silva e Benedito Dias de Souza. Todos eles eram negros ou mulatos, pobres e moradores da periferia da cidade.

Cumpre registrar que a prisão temporária dos envolvidos foi decretada, bem como a custódia do menor. Foram apresentados à imprensa, algemados e com placas penduradas no corpo para serem fotografados e interrogados.

É consabido que os meios de comunicação social divulgaram a prisão dos “assassinos do Bar Bodega” e registraram que não haveria qualquer tipo de recuperação para os “criminosos”.

Além do adolescente, todos os demais presos confessaram a prática da infração penal, pois sofreram violência, grave ameaça ou agressões físicas cruéis. Após a reconstituição do crime, a mídia atribuiu o assassinato do dentista a Valmir da Silva.

Novas diligências foram realizadas sob o comando do Delegado de Polícia Titular João Lopes Filho. Ele queria encontrar os produtos e a arma do crime. Testemunhas foram coagidas a reconhecer os criminosos, mas não fizeram com certeza, disseram que os autores da ação criminosa eram brancos e mais velhos, enquanto os acusados eram morenos e mais jovens.

No que tange aos depoimentos dos presos, havia muitas contradições, só o menor Cléverson apresentou mais de uma versão dos fatos. Sendo assim, iniciou-se uma investigação paralela e sigilosa, realizada pelo serviço reservado da Polícia Militar.

O Promotor de Justiça Criminal Eduardo Araújo da Silva resolveu investigar o caso com a ajuda dos policiais do reservado, alguns funcionários do Bar Bodega e o perito criminal designado para a reconstituição do delito. A confusão e as contradições continuaram. A Polícia Civil concluiu o inquérito e apresentou-o ao Ministério Público que teria que se manifestar no prazo legal.

Diante das retratações dos acusados, das confissões que não foram espontâneas, por não terem encontrado nenhuma arma utilizada no crime, nem tampouco qualquer bem subtraído na ação criminal em poder dos suspeitos, o Promotor de Justiça Eduardo Araújo requereu o relaxamento das prisões temporárias, pois não havia provas concretas contra os investigados e ainda denunciou as torturas.

O juiz Francisco Galvão Bruno decretou a liberdade de sete acusados[36]. Cléverson permaneceu no SOS Criança, pois ele estava sendo processado por outro crime cometido e Marcelo Nunes continuou preso, porque tinha pena por roubo a cumprir.

A imprensa se aproveitou do momento novamente. Um clima tenso entre parte da cúpula da Polícia Civil e o Ministério Público era explorado pela imprensa que publicou: “a decisão de soltar sete dos nove acusados caiu como uma bomba na polícia” (DORNELES, 2007, p. 144).

Cabe registrar que o clima de revolta se operou tanto nos meios jornalísticos quanto no meio social, pois estavam indignados com a postura do Promotor de Justiça.

Carlos Dorneles enfatiza que o pai de Adriana Ciola, morta no Bodega, protestou: “Esse promotor colocou bandidos culpados na rua e que dificilmente serão recapturados. E o caso Bodega esse senhor estragou tudo. Graças à ação desse senhor o caso Bodega provavelmente ficará impune” (2007, p. 145).

A sociedade já estava mais do que influenciada pela mídia. Era difícil de aceitar outros rumos para o caso. A opinião pública já estava formada, manipulada. A maioria dos jornalistas tinha certeza de que eram eles os autores da ação criminosa.

A investigação do crime continuou no DHPP-Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa. Foram presos os verdadeiros criminosos: Sandro Márcio Olímpio, Silvanildo de Oliveira Silva, Francisco Ferreira de Souza, Sebastião Alves Vital, o Basto e Zeli Salete Vasco, mulher apontada como participante do crime.

Juntamente com o bando apreenderam ainda, dentre outros produtos, três relógios, uma corrente de ouro e um anel. Confessaram o crime espontaneamente e foram reconhecidos por testemunhas.

No dia 20 de março de 1997, os autores do crime foram condenados por duplo latrocínio com penas que variaram de 23 a 48 anos. Na sentença, o Juiz de Direito José Ernesto de Mattos Lourenço, além de destacar o despreparo policial na apuração do crime e a coragem do Promotor de Justiça, ele não deixou de registrar o comportamento da imprensa durante o desfecho da investigação criminal, conforme seguem suas palavras:

Seria a imprensa também a provocadora da ação desvairada que vitimou jovens inocentes que injustamente foram presos, sem qualquer interferência, é verdade, quanto aos sofrimentos experimentados?

A resposta é sim.

Arvorou-se uma parte da imprensa em defensora da sociedade e exerceu uma pressão insuportável e incompatível com o bom senso.

De há muito tempo a imprensa afastou-se da função de noticiar o fato e assumiu ares de julgadora, na ânsia desesperada de noticiar escândalos e explorar a miséria humana, sem se dar conta dos seus limites.

Passaram a acusar, julgar e penalizar com execração pública.

A lição ainda não serviu. Diariamente continuam explorando as notícias na corrida louca da audiência que, na verdade, tem por finalidade o lucro, o dinheiro dos patrocinadores que não têm qualquer escrúpulo em mostrar seus produtos, à custa da degradação.

(...)

Os holofotes das câmaras funcionam como luzes de ribalta. A vaidade descontrolada provoca esquecimento dos valores. A dignidade do ser humano passou a ter importância mínima ou nenhuma. A imagem das pessoas é a matéria-prima da diversão (DORNELES, 2007, p. 259-260).

Necessário se faz anotar que a decisão judicial em comento, disserta que a imprensa também teve a sua parcela de “culpa” na ação danosa contra os primeiros acusados do Bar Bodega. Pois ela acusava, julgava e penalizava os inocentes, na ânsia de colocá-los imediatamente atrás das grades e solucionar o problema.

O que se releva é que nenhum meio de comunicação sequer se retratou do erro cometido. Nenhum veículo de imprensa foi processado;

d)  Casal Nardoni:

Não se pode deixar de registrar o caso da menina Isabella Nardoni, morta em 2008. Foram condenados pela prática do crime, o pai da vítima, Alexandre Nardoni e a madrasta Anna Carolina Jatobá. A mídia divulgou o caso de forma ampla. Na fase investigativa, uma foto dos acusados foi publicada na capa de uma revista de grande circulação nacional, com a seguinte frase “Para a polícia, não há mais dúvidas sobre a morte de Isabella: FORAM ELES” (VEJA, 2008), este último destaque foi feito com letras maiores do que as demais.

Além disso, cabe destacar que os investigados foram entrevistados sobre o crime e exibidos, em canal de televisão, num programa com grande índice de audiência (FANTÁSTICO, 2008). Foi um verdadeiro espetáculo da imprensa, que chocou o senso comum, formando-se a opinião pública. Sem entrar no mérito da causa, deve-se reconhecer que a defesa do casal Nardoni foi prejudicada antes mesmo de ser julgado pelo Tribunal do Júri, onde os jurados eram membros de um povo que já estava influenciado pelas notícias sensacionalistas e exacerbadas;

e) Goleiro Bruno:

Vale trazer à tona, um dos fatos de grande repercussão social mais recentes ocorrido em nosso país. Trata-se do desaparecimento de Eliza Samúdio, apontada como ex-amante de Bruno Fernandes[37], que é réu no processo, juntamente com outros oito acusados, e responde por homicídio triplamente qualificado (impossibilidade de defesa da vítima, motivo torpe e a utilização de meio cruel), sequestro e cárcere privado, ocultação de cadáver, formação de quadrilha e corrupção de menores.

De acordo com informações, a suposta vítima, desaparecida desde junho deste ano de 2010 até os dias atuais, fez uma viagem do Rio de Janeiro à grande Belo Horizonte, a pedido do jogador, a quem ela atribuía a paternidade de seu filho. Afirma-se que a mesma teria sido espancada até a morte no sítio do goleiro, em Esmeraldas, Estado de Minas Gerais.

Necessário se faz lembrar que este fato também foi tratado de forma sensacionalista pela mídia. Veículos da imprensa qualificaram o suspeito como “um monstro” por ter cometido a infração penal. Um vídeo, feito de forma ilícita e clandestina, com declarações do próprio jogador, que não sabia que estavam filmando, foi divulgado em canais de televisão. A repercussão foi mundial.

Lembrando que a mesma mídia que vangloriava o goleiro Bruno, ídolo e capitão do time do Flamengo, atual campeão brasileiro de futebol, em poucos dias, passou a escrachá-lo de assassino, sendo ele ameaçado de linchamento pela população.

Bruno e seus amigos foram julgados e condenados pela imprensa; todos os acusados estão presos preventivamente, até o presente momento, e respondem o processo penal. Vale dizer que eles poderão ser condenados ou até mesmo absolvidos pelos crimes imputados. O corpo de Eliza ainda não foi encontrado.

Indaga-se sobre a função social da imprensa que foi criada para comunicar, transmitir, repassar informações relevantes ao povo, trazendo-lhe conhecimentos, cultura etc. Nestes casos em análise, a imprensa trabalhou visando lucros, status, audiência, já que quanto mais divulgava os fatos controvertidos, mais atingia o seu objetivo comercial e econômico, extrapolando seus reais fins.

É de extrema relevância notar que nos casos acima delineados, não foi observado e respeitado o princípio da presunção de inocência em relação aos investigados. Registre-se que houve a violação da Constituição Federal, sobretudo da dignidade da pessoa humana, da imagem, da honra, dentre outros direitos fundamentais do cidadão. Impossível é verificar a ética jornalística nas condutas acima descritas, independentemente da culpa ou não do investigado.

Cabe ressaltar ainda sobre os danos gravíssimos e irreparáveis sofridos pelos envolvidos nos três primeiros casos, em que, nenhuma indenização seria capaz de repará-los. Cumpre anotar os danos dos mais variados tipos: psicológicos, morais, físicos, sociais, e penas intermináveis, já que ainda nos dias atuais é possível encontrar nos meios eletrônicos registros dos fatos, nomes, imagens e demais detalhes dos crimes em que foram declarados inocentes.

Torna-se relevante observar que essas pessoas merecem uma vida digna e normal. A imputação que lhes deram no passado sobre a prática de uma infração penal não deveria constar em nenhum tipo de registro. Afinal no Brasil não é permitido pena de caráter perpétuo (artigo 5º, inciso XLVII, alínea “b” da Constituição Federal).

Ademais, importa consignar que a sociedade não precisa ser informada de fatos mentirosos, confusos e controversos. O que se nota é que esse tipo de informação não é de interesse público, uma vez que não agrega nenhum tipo de valor, apenas traz a desordem e os conflitos sociais e também a injustiça; logo, essa conduta é imoral, antiética e ilegal.

Cumpre explicitar sobre os limites possíveis que estariam sujeitos a imprensa, tendo por fim o devido respeito aos direitos fundamentais dos indivíduos, mesmo daqueles acusados da prática de um crime, antes de uma sentença penal condenatória transitada em julgado, após o devido processo legal.

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Sobre o autor
Moisés da Silva Santos

Advogado. Bacharel em Direito pelas Faculdades Integradas de Ourinhos – FIO (2010). Pós-Graduando em Direito do Estado pelas Faculdades Integradas de Ourinhos – FIO. Pós-Graduando em Direito Processual Civil pelo Centro Universitário UNINTER.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SANTOS, Moisés Silva. A influência dos órgãos da mídia nos crimes de grande repercussão social em face da presunção de inocência do acusado. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3548, 19 mar. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/23994. Acesso em: 22 dez. 2024.

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