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Aspectos político-criminais das sanções penais econômicas no Direito brasileiro

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19/03/2013 às 16:15
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Um dos aspectos mais controvertidos do Direito Penal Econômico é seu caráter simbólico, meramente retórico, já que não protege o bem jurídico. Limita-se a transmitir à população a impressão de que o Estado atua a favor dos interesses da sociedade apenas criando novos tipos penais, incrementando as sanções ou, ainda, tornando mais rigorosas as condições de execução das penas.

1.   Algumas considerações sobre o Direito Penal Econômico

A abrangência do Direito Econômico e o consequente desenvolvimento do Direito Penal Econômico refletem a evolução política e econômica de um país.  Sua importância releva-se durante os conflitos e nos regimes políticos totalitários, apresentando-se de forma diretamente proporcional, seja no conteúdo ou na intensidade, ao grau de intervencionismo.

Na primeira metade do século XX, por força de concepções ideológicas ou mesmo em decorrência do conflito mundial vivenciado pelos países europeus, surgiu um novo modelo de Estado – Welfare State ou Estado do Bem Estar Social - caracterizado por uma larga intervenção na vida econômica.

Na maioria dos países ocidentais, o intervencionismo estatal ocorreu em graus variados, através da própria Administração, pouco atenta às garantias individuais, assumindo um caráter subsidiário e corretivo à atuação privada, quando esta não estivesse desempenhando suas funções de maneira conveniente e adequada aos objetivos de política econômica.  Na Alemanha nazista, o grau de intervencionismo chegou a tal ponto, que toda a vida econômica esteve sob o seu domínio.

Essa política econômica manifestou-se igualmente na produção legislativa, desde a adoção de medidas gerais e regulação do sistema fiscal, direitos aduaneiros, importação, obras públicas, política monetária, política cambial e política social, passando pelo socorro financeiro a empresas ameaçadas de quebra, pela legislação protecionista de determinadas atividades econômicas, e, chegando ao grau máximo, quando o Estado passou a monopolizar determinadas atividades, como ocorreu no Brasil, até passado relativamente recente, em relação aos setores petrolíferos e das telecomunicações. 

Logo em seguida a algumas Constituições estrangeiras, como a mexicana (1917), de Weimar (1919), francesa (1947), italiana (1948), portuguesa (1976) e espanhola (1978), o Brasil, na Carta de 1934, editou normas sobre a "ordem econômica e financeira".

Com a Constituição da República de 1988, o Brasil acompanhou a tendência mundial, adotando normas reguladoras da ordem econômica e financeira (Título VII, artigos 170 a 192), dirigidas à regulamentação desta atividade.

Segundo Klaus Tiedemann, as normas penais econômicas em sentido estrito tutelariam a lesão ou o perigo a ordem econômica, como regulamentação jurídica do intervencionismo econômico estatal.  Em sentido amplo, incidiriam sobre a regulamentação jurídica da produção, distribuição e consumo de bens e serviços.[1]

Poderiam, ainda, alcançar as condutas praticadas no contexto e na prática de uma atividade econômica, pelo que estariam incluídos, no escopo desses crimes, tipos penais que tutelam outros bens jurídicos (vida, honra, etc.), desde que praticados em contexto econômico.[2]

Com o fim da Segunda Guerra Mundial, concluiu-se que, para que garantias, como legalidade, culpabilidade e devido processo legal, fossem respeitadas, em detrimento do recurso à analogia, só restava a criminalização dessas condutas.

Este modelo de Estado, aliado ao desenvolvimento da atividade financeira e da intervenção estatal, deu origem ao fenômeno da criminalidade econômica e aos criminosos do “colarinho branco”[3][4], cujas condutas tradicionalmente fogem aos modelos previstos pelo Direito Penal Clássico ou da Ilustração[5]


2.     Breve histórico do Direito Penal Econômico Brasileiro

Há muito, o potencial criminógeno das relações econômicas já era objeto da percepção de juristas, como Roberto Lyra, que, em sua tese de 1933, intitulada “Economia e Crime”[6], demonstrava a relação intrínseca entre os desajustes da economia e a criminalidade. 

O sentido fragmentário do Direito Penal, característico de regimes de orientação liberal, foi sendo abandonado, em prol de uma criminalização progressiva.  Com isso, logo em seguida, surgiria o primeiro diploma legal de natureza verdadeiramente penal econômica: Lei de Economia Popular de 1938 (Decreto-Lei 869 de 18/11/38[7], regulamentando o artigo 141 da Constituição da República de 1937 [8]).  

Algumas décadas depois, iniciaram-se nossas investigações científicas regulares sobre o ramo do Direito Penal Econômico:  em 1973, com a obra de Manoel Pedro Pimentel (Direito Penal Econômico)[9], seguida, em 1981, pela obra de mesmo título, de autoria de Gerson Pereira dos Santos[10].

Buscando a autonomia formal e material do Direito Penal Econômico, o esboço do Projeto de Nova Parte Especial do Código Penal Brasileiro, encaminhado ao Congresso em 1994, unificou, em um Título, toda a matéria relativa aos “Crimes contra a Ordem Econômica”, incluindo nesta categoria os crimes contra a dignidade, liberdade, segurança e higiene do trabalho; crimes de abuso do poder econômico, contra a livre concorrência, a economia popular e as relações de consumo; crimes falimentares; crimes contra o ordenamento urbano; crimes contra os sistemas de processamento e comunicação de dados; crimes contra o sistema financeiro; crimes fiscais e crimes cambiais.

Contudo, os trabalhos de reforma da Parte Especial do Código Penal foram interrompidos, quando o Presidente da República instituiu uma Comissão, através do Decreto 91.159/85, elaboradora de um Anteprojeto de Lei, que dispunha sobre as instituições financeiras e definia os delitos financeiros, terminando por transformar-se “provisoriamente” na Lei 7.492/86, a ser aperfeiçoada logo em seguida.

Retomando seu conceito, em sentido estrito, o Direito Penal Econômico seria a vertente repressiva, pela qual haverão de ser sancionadas determinadas condutas relativas a fatos econômicos; ou por outra, que atentem contra a atividade interventora e reguladora do Estado na economia.

Assinale-se que o exame das legislações estrangeiras demostra que a existência do Direito Penal Econômico não está condicionada a nenhum modelo econômico-social, podendo surgir tanto em países capitalistas de mercado, como em outros, de economia mista; ou, até mesmo, em países socialistas, sendo certo que, em todos eles, presta-se a prevenir e reprimir condutas ilícitas, cujo objeto seja o sistema econômico vigente.[11]

Adotando-se os critérios do esboço de Anteprojeto de 1994, estariam incluídos em nosso Direito Penal Econômico os seguintes diplomas legais: Código Penal; Lei 1.079/50 (Crimes de Responsabilidade); Lei 1.521/51 (Lei de Economia Popular); Lei 4.591/64 (Condomínios em Edificações e as Incorporações Imobiliárias); Lei 4.595/64 (Politica e as Instituições Monetárias, Bancárias e Creditícias); Lei 4.729/65 (Sonegação Fiscal); Decretos - Lei 16 e 47/66 (Produção, Comércio e Transporte Ilegal de Açúcar e Álcool); Decreto-Lei 201/67 (Responsabilidade de Prefeitos e Vereadores); Lei 5.741/71 (Esbulho Possessório no Sistema Financeiro de Habitação); Lei 6.385/76 (Mercado de Capitais); Lei 6.453/77 (Energia Nuclear; Lei 6.766/76 (Parcelamento do Solo Urbano); Lei 6.895/80 (Direitos Autorais); Lei 7.492/86 (Sistema Financeiro Nacional); Lei 7.646/87 e 9.609/98 (Propriedade Intelectual sobre Programas de Computador); Lei 8.078/90 (Consumidor); Lei 8.137/90 (Ordem Tributária, Econômica e Relações de Consumo); Lei 8.176/91 (Ordem Econômica e Combustíveis); Lei 8.245/91 (Locações de Imóveis Urbanos);  Lei 8.666/93 (Licitações); Lei 9.029/95 (Práticas Discriminatórias no Trabalho); Lei 9.279/96 (Propriedade Industrial); Lei 9.605/98 (Meio Ambiente);  Lei 9.609/98 (Propriedade Intelectual de Programa de Computador); Lei 9.613/98 (Lavagem de Dinheiro); Lei 10.303/2001 (Sociedades Anônimas); Lei Complementar nº 105/2001 (Sigilo das Operações Financeiras); Lei 11.101/2005 (Recuperação Judicial, Extrajudicial e Falência); e Lei 11.105/2005 (Organismos Geneticamente Modificados e Biossegurança).[12]


3.  A criminalidade econômica: os crimes de “colarinho branco”

O intenso crescimento econômico, marcado por uma forte industrialização, característico da sociedade norteamericana das primeiras décadas do século XX, após o fim da Primeira Guerra Mundial, pode ser apontado vetor do incremento da corrupção administrativa e especulação financeira, que terminaram com o crack da Bolsa de Valores (1929).  No cenário da Grande Depressão, a criminalidade – prostituição, contrabando entre outras atividades ilícitas – potencializada pela Lei Seca, deu origem à figura do gangster, mitificada por Al Capone[13].

O equilíbrio da economia não poderia ser recuperado apenas pelas forças do mercado, mas principalmente através do intervencionismo estatal, materializado pelo New Deal (1933), política econômica adotada pelo presidente norteamericano Franklin D. Roosevelt, com o objetivo atenuar as inevitáveis tensões sociais de um ambiente extremamente recessivo, a exemplo dos sindicatos. No lugar de um liberalismo econômico, a adoção do modelo de Estado intervencionista, com sua inerente regulamentação jurídica voltada, principalmente, para a atividade econômica e financeira, provocou a má absorção das novas regras pelos homens de negócios, normalmente habituados a um código de conduta próprio e impermeáveis ao controle estatal.

Em Chicago[14], onde formou-se uma escola que deslocaria o pensamento criminológico dominante do continente europeu para os Estados Unidos da América, Edwin H. Sutherland, considerado o “pai” da moderna Criminologia, desenvolveu a Teoria da Associação Diferencial ou dos Contatos Diferenciais.  Seu fundamento teórico foi a concepção original do francês Gabriel Tarde, para quem a carreira criminosa, assim como qualquer outra, demanda um aprendizado, a partir de um comportamento social, que, com sua reiteração, é assimilado e reproduzido, por costume, obediência ou educação; em outras palavras, não passaria da “imitação” de um “mau exemplo”. 

A delinquência variaria muito mais em função do modo, do que na medida da frequência e duração dos contatos dos indivíduos com terceiros. Assim, o processo de comunicação, entre relações pessoais íntimas (família, escola, Igreja), seria determinante da prática delitiva, transmitindo valores favoráveis ao crime, em determinado grupo, dentre os vários que compõem o mosaico social.

Nas investigações da “Escola de Chicago”, que deram início a uma perspectiva sociológica do crime (“Ecologia Criminal” e “Desorganização Social”), Edward Sutherland concluiu que os cidadãos das classes econômica e socialmente superiores adotam muito mais comportamentos criminosos, diferentes daqueles das classes menos favorecidas[15].  Essas violações da lei, cometidas pelos indivíduos das classes econômica e socialmente superiores, foram sugestivamente denominadas de crimes de “colarinho branco”[16], jogando luz sobre o fenômeno da criminalidade econômica das classes mais altas, cujas condutas tradicionalmente fogem aos modelos previstos pelo Direito Penal Clássico ou da Ilustração[17], voltados para a delinquência das classes menos favorecidas. 


4.  O processo de criminalização do ilícito econômico

É certo que, no fenômeno da delinquência econômica, lidam-se com interesses jurídicos supraindividuais, ou difusos, entre os quais encontramos a ordem econômica, com a substituição da vítima individual pela coletiva, ou, ainda, pela sociedade, pelo mercado, imprescindíveis para o funcionamento do próprio sistema, o que dá a dimensão de sua importância e gravidade, justificando a atenção do Estado, da sociedade e, em última instância, do legislador.

A transcendência e a dimensão de suas consequências podem traduzir-se em danos materiais: sejam físicos, como, por exemplo, nos delitos previstos na Lei 11.105/2005 (Organismos Geneticamente Modificados e Biossegurança); ou econômicos, cuja repercussão é supraindividual e, muitas vezes, transnacional, cujo exemplo recente foi a crise das hipotecas (subprimes) norte-americanas, que terminaram por provocar um abalo econômico de espectro global e dimensões imensuráveis.

Esta delinquência apresenta, ainda, efeitos criminológicos, imateriais, igualmente deletérios e potencialmente mais lesivos, ainda que não praticados com a violência conhecida pelo Direito Penal Clássico, que, ainda assim, sustenta um sistema punitivo incompatível, em termo de eficácia repressora e preventiva, com esta nova criminalidade.

Em uma economia extremamente competitiva, as práticas desleais surgem ao esgotarem-se as possibilidades legais de concorrência.  Neste cenário, o primeiro a delinquir, seja sonegando tributos, desrespeitando direitos trabalhistas ou comprometendo a qualidade dos produtos, entre outras possibilidades, obtém menores custos de produção, maximizando seu lucro, através de preços artificiais, o que obriga seus concorrentes a utilizarem as mesmas práticas, sob pena de não conseguirem manter-se no mercado (efeito “ressaca”). Deste modo, cada concorrente, individualmente, tem o poder de criar uma nova “ressaca” (efeito “espiral”)[18].

A criminalização dos ilícitos econômicos suscita questões peculiares, com referência aos princípios constitucionais penais, na própria estruturação dos tipos penais incriminadores, não apenas sob o aspecto da tipicidade (autoria, relação de causalidade, erro de tipo), mas também da ilicitude e culpabilidade (erro de proibição, responsabilidade penal das pessoas jurídicas).  A estrutura da dogmática jurídico-penal de 1941, assentada sobre os postulados de uma tutela de bens individuais, por si só, já impõe uma série de limitações naturais à resolução de questões inerentes aos atuais riscos.

Esse conflito exige uma reformulação ou, quanto mais não seja, um reexame da própria dogmática jurídico-penal[19][20], estruturada sobre uma responsabilidade subjetiva ou pessoal, inapta a resolver uma série de questões sobre os pontos dissidentes entre o Direito Penal Clássico e o Direito Penal Econômico. Neste passo, as sanções e seus substitutos, objeto deste breve estudo, também devem ser revistas, por mostrarem-se ineficazes aos fins a que se propõem, analisadas sob a perspectiva do perfil dos novos delinquentes.


5. Das penas adotadas no Direito Penal Econômico Brasileiro

Em que pese o fato do Direito Penal não ser o meio de controle social mais eficaz, indiscutivelmente é o mais restritivo e, por que não dizer, violento, pois apresenta, como sanção, a pena, pelo que deveria ser utilizado apenas quando não houvesse outros mecanismos preventivos e que o comportamento antissocial apresentasse especial gravidade.

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Mesmo sob a perspectiva de controle e diante do conflito de desvios, ressalte-se que o critério de criminalização de uma ou outra conduta, antes de ser uma questão atinente à política criminal, deve pautar-se pela relevância dos bens e valores protegidos, em conformidade com as limitações éticas e ditadas pelos princípios e dogmas inerentes ao Estado de Direito: legalidade; subsidiariedade ou da intervenção mínima; fragmentariedade; taxatividade; non bis in idem; e proporcionalidade das penas, acolhidos, implícita ou explicitamente, no texto constitucional (artigo 5º, XIII, XL, XLV a L, LIII a LVII, LXI a LXVIII) [21].

As dificuldades encontradas pela política criminal, em relação à prevenção da delinquência econômica, manifestam-se, igualmente, no que tange às sanções. 

Já no século XVIII,  no surgimento do Direito Penal da Ilustração, percebeu-se que um de seus valores essenciais é a fundamentação racional da pena, traduzida não só na necessidade de sua proporcionalidade ao fato cometido, mas, igualmente, sob o aspecto utilitário, na sua aptidão para a repressão da conduta ilícita, de forma a legitimá-la para seus aplicadores e destinatários[22].

Ao estabelecer a natureza de uma pena a ser aplicável na criminalização de uma conduta, o Estado deve buscar tanto quanto possível adequá-las às suas finalidades preventivas (geral/especial e positiva/negativa), reeducativas e retributivas. Afinal, para que a norma penal obtenha sua eficácia máxima, atendendo aos fins aos quais se propõe, é imprescindível que se insira no contexto social, econômico e cultural para o qual foi dirigida, pelo que deve ser objeto de constante revisão, quanto à sua legitimidade e efetividade. 

É certo que a pena apresenta efeitos simbólicos e instrumentais, aqueles reafirmando à sociedade o valor da norma penal e, deste modo, modificando a consciência social; estes ligados à função de tutela de bens jurídicos e que assumem diferentes funções, nos sucessivos momentos de concretização do Direito Penal: na cominação, a prevenção geral; em sua imposição, a retribuição, e, na execução, prevenção especial, traduzida em reeducação e socialização[23].

Sendo a pena a consequência do descumprimento do preceito contido na lei penal, cujo fim precípuo é a proteção dos bens fundamentais à vida em sociedade, não pode ser ela utilizada para garantir o cumprimento de leis que o Estado não logra fazer de outra forma, já que a função da norma penal não é coibir o descumprimento de outra norma, já descumprida[24]; nem tampouco a perda da liberdade pode salvaguardar bens menos importantes que ela própria.

Tradicionalmente, a culpabilidade serve como único pressuposto e limite de aplicação da sanção penal[25]; sob o aspecto normativo, é vista como reflexo da reprovabilidade da conduta incriminada e como medida de sua punibilidade.[26] No entanto, como restrição a um direito fundamental – liberdade - a pena não se legitima apenas em função da culpabilidade; mas, igualmente, em decorrência da prevenção, sua necessidade.[27][28]

Em outras palavras, o fundamento da pena é a proteção dos bens jurídicos e a defesa social, mas o limite desta prevenção é a retribuição, diretamente proporcional à culpabilidade do agente, impedindo que a finalidade preventiva ultrapasse aquele limite[29]

5.1  Pena privativa de liberdade

Dentre todas as modalidades de sanção, a que mais suscita polêmica, na criminalidade econômica, é a pena privativa de liberdade.  De fato, apesar da constatada preferência do legislador pelas penas privativas de liberdade, em quantum variável entre 1 (um) mês e 10 (dez) anos[30], esta modalidade de sanção tem se revelado medida praticamente inócua, a começar porque, de fato, tanto no Brasil[31], quanto em outros países[32], não se tem notícia de um número expressivo de condenações por delitos desta natureza.[33]

Além do desconto que deve ser atribuído à cifra negra (dark number)[34], a primariedade e condições judiciais favoráveis (Código Penal, artigo 59) tornam os delinquentes econômicos passíveis de se beneficiarem pelos diversos mecanismos despenalizadores criados pelo próprio legislador.

O primeiro deles é a transação penal (Lei 9.099/95, artigo 76), nas infrações de menor potencial ofensivo, cuja pena máxima não ultrapasse 2 (dois) anos, cumulada ou não com pena de multa; ou a suspensão condicional do processo (sursis processual), no oferecimento da denúncia, para os crimes cuja pena mínima não ultrapasse um ano (Lei 9.099/95, artigo 89).

Se assim não for possível, os processados e condenados por estes crimes, via de regra não sofrem penas superiores a 4 (quatro) anos, fazendo jus, por conseguinte, à substituição da privação de liberdade por multa (artigo 60, § 2º), quando não superiores a 6 (seis) meses; por pena de multa ou pena restritiva de direitos, quando não superiores a um ano e por uma pena restritiva de direitos e multa ou duas penas restritivas de direitos,  quando a condenação não for superior a 4 (quatro) anos (artigo 44, § 2º); e, não sendo estas cabíveis, à suspensão condicional da pena (sursis penal) (artigo 77), quando esta for igual ou inferior a 2 (dois) anos.

Na remota hipótese em que o condenado tenha efetivamente de cumprir pena de reclusão, o regime inicial de cumprimento seria semiaberto (Código Penal, artigo 33, 2º, “b”), já que a possibilidade da condenação ser superior a oito anos ou que ele seja reincidente, quando a execução inicia-se em regime fechado (Código Penal, artigo 33, 2º, “c”) afigura-se ainda mais improvável.  Apenas nos crimes contra a Administração Pública (Código Penal, artigos 334, caput e §§ 1º e 3º; 337 e 359), a progressão de regime está condicionada à reparação do dano (Código Penal, artigo 33, § 4º).

Uma situação emblemática pode ser encontrada nos crimes previstos na Lei 8.137/90 (Crimes contra a Ordem Tributária), nos quais a pena de reclusão ou detenção é passível de substituição por pena pecuniária (Lei 8.137/90, artigo 9º e 10).   Além dessas hipóteses, o legislador acena com a suspensão, na hipótese de parcelamento, ou extinção da punibilidade, através do pagamento integral (Lei 11.941/2009, artigos 68 e 69), a qualquer tempo, afastando, neste caso, a possibilidade do réu dotado de capacidade econômica, ser condenado.

Se em algum momento da história, o cárcere representou uma evolução frente a tempos de barbárie, caracterizados por penas cruéis, hoje há uma tendência, no sentido de sua progressiva redução aos casos de extrema gravidade, quer traduzida pela violência do agente, quer pela dimensão dos danos, diante da impossibilidade de sua total abolição.

Ainda que orientada para a reintegração do condenado (Lei 7.210/1984, artigo 1º), a pena privativa de liberdade apresenta graves inconvenientes em sua adoção, evidenciados, sobretudo, pelas altas taxas de reincidência, notório efeito não só dessocializador, mas criminógeno, desta modalidade de sanção.

A inidoneidade da pena privativa de liberdade tem sido afirmada como mais acentuada em relação aos delinquentes econômicos, que, no mais das vezes, pertencem ao mais alto estrato social, o que, aprioristicamente, prejudicaria a sua mais importante função legitimadora – a ressocialização - já que apresentam alto grau de integração social.

No entanto, é possível entender a ressocialização como a assimilação e aceitação dos valores da vida em sociedade, contendo o impulso de infringi-los.  Sob esta visão, o criminoso econômico pode ser submetido a um processo de ressocialização, ainda que revele-se remota a possibilidade desta finalidade ser alcançada através de uma pena privativa de liberdade.

Partindo-se da premissa que a pena privativa de liberdade não represente, de fato, qualquer possibilidade de ressocialização ou que, nesse particular, ela não almeje este objetivo, prejudicando a prevenção especial, as finalidades da sanção penal econômica concentrar-se-iam meramente na prevenção geral e na retribuição.

Sob esta perspectiva, é necessário examinar a validade de aplicação de uma pena de prisão de curta duração, sem possibilidade de suspensão condicional, progressão de regime, nem tampouco de livramento condicional (“short-sharp-shock”)[35],  com base em seu poder de intimidação.

Estudos criminológicos, realizados pelo alemão Klaus Tiedemann e norte americano Mark Green[36], a partir de questionários aplicados a cerca de 100 empresários, concluem que esta é a única sanção efetivamente temida pelos criminosos de “colarinho branco”, exatamente por pertencerem às classes mais altas e, por conseguinte, não desejarem sua estigmatização e perda de posição social.

No entanto, penas de curta duração representam uma iniquidade com os criminosos tradicionais, que, muitas vezes, sofrem sanções bem mais severas. Além disso, a considerar-se a relação entre o montante dos danos acarretados pela criminalidade econômica e a falta de severidade da pena, podem representar, para a sociedade, uma leniência por parte do sistema.

Ademais, as penas privativas de liberdade de curta duração, ainda que tenham indiscutível caráter dissuasivo entre os delinquentes do estrato social mais elevado, apresentam todas as desvantagens da carcerização, sem nenhuma vantagem, já que não permitem qualquer trabalho de reeducação ou ressocialização. Ao contrário, permitem apenas que o condenado seja introduzido na cultura da prisão, com suas normas e controles próprios. 

O próprio legislador brasileiro tem rejeitado esta modalidade de pena, tanto quanto possível, não só através da adoção dos institutos despenalizadores dos quais acabamos de falar, mas excepcionando sua conversão, a exemplo do artigo 51 do Código Penal.

5.2  Pena pecuniária

 Evitando os inconvenientes do encarceramento e proporcionando uma receita, em lugar de uma despesa para o Estado, as penas de multa têm larga utilização no sancionamento dos delitos econômicos, tradicionalmente considerados de média ou menor gravidade[37], com no quantum de pena privativa de liberdade abstratamente cominada.

A pena pecuniária tem caráter de sanção penal, embora não se confunda com a sanção pecuniária, pena restritiva de direitos (Código Penal, artigos 43, I e 45, § 1º), e tampouco com as multas de caráter administrativo[38], motivo pelo qual pode ser cominada sem prejuízo destas, ou seja, sem que, com isto, incorra-se em bis in idem, já que existe independência entre as instâncias.

Na legislação mexicana, por exemplo, o conceito de pena pecuniária engloba a multa e a reparação do dano, que, entre nós, é efeito automático e geral da condenação (Código Penal, artigo 91, I), embora em ambos os casos revistam-se basicamente das mesmas finalidades e características[39].

Acrescente-se que, por ser sanção penal, reveste-se das garantias proporcionadas pelo princípio da pessoalidade da pena (Constituição da República, artigo 5º, XLV), não sendo transmitida aos sucessores do condenado; além disto, só poderá ser aplicada pelo órgão judicial.

Na maior parte dos casos, a pena de multa é prevista cumulativamente à pena privativa de liberdade (Lei 1.521/51, artigos 2º, I a XI; 3º, I a IX; 4º, caput e § 1º; Lei 4.591/64, artigo 65; Lei 4.729/65, artigo 1º; Lei 5.741/71, artigo 9º; Lei 6.385/76, artigo 27-C, D e E; Lei 6.766/79, artigo 50 e § único e 52; Lei 7.492/86, artigos 2º a 23; Lei 7.646/87, artigos 35 e 37; Lei 8.078/90, artigos 63 a 72; Lei 8.137/90, artigos 1º a 3º; Lei 8.176/91, artigo 1º; Lei 8.666/93, artigos 89 a 98; Lei 9.029/95, artigo 2º; Lei 9.279/96, artigo183; Lei 9.605/98, artigo 29 a 34, 38, 39, 41 a 54, caput, 55, 56, 60 a 69; Lei 9.609/98, artigo 12; Lei 9.613/98, artigo 1º; Lei Complementar 105/2001, artigo 10; Lei 11.101/2005, artigo 168 a 178; e Lei 11.105/2005, artigos 24 a 29).

No entanto, há outros crimes nos quais pode ser cominada alternativamente (Código Penal, artigo 184, 337-A, § 3º; Lei 4.595/64, artigo 44; Lei 8.078/90, artigo 73 e 74; Lei 8.137/90, artigo 4º, I a VII, e 5º a 7º, I a IX; Lei 8.245/91, artigo 43 e 44; Lei 8.429/92, artigos 9º a 11; Lei 9.279/96, artigos 183 a 195, I a XIV e Lei 9.609/98, artigo 12, caput).

Excluída a hipótese do artigo 78 da Lei 8.078/90, em que é cominada como sanção principal, raramente é prevista isoladamente, a exemplo do que ocorre na Lei 4.591/64, artigo 66; e na Lei 8.078/90, artigo 77.

Ademais, ressalte-se a possibilidade de ser aplicada como sanção substitutiva à pena privativa de liberdade, sempre que esta não for superior a 6 (seis) meses (Código Penal, artigo 60, § 2º) ou nas hipóteses previstas na Lei 8.137/90, artigos 4º a 7º.

Nas diversas legislações, encontram-se basicamente três critérios para a fixação da pena de multa: do valor ou montante total, sua forma mais tradicional, adotada em muitos países latinoamericanos, que parte da gravidade do crime, calculada sobre o prejuízo causado ou do produto auferido fixando um valor, a exemplo da legislação brasileira, com a Lei 1.521/51, Lei 4.591/64, Lei 4.595/64, Lei 4.729/65, Lei 5.741/71, Lei 6.385/76, artigos 27-C e 27-D; Lei 6.766/79; Lei 8.137/90, artigo 4º, I a VII, 5º, 6º, 7º, I a IX; Lei 8.245/91; Lei 8.666/93; e Lei 9.029/95.

No regime de prazo ou tempo de multa, a cada caso concreto, é fixado o valor de cada parcela, considerando a situação econômica do condenado, de forma que, de seus rendimentos, reste um mínimo existencial.  As parcelas são pagas durante um prazo fixo, segundo seus rendimentos, dos quais lhe restará apenas uma parte, enquanto a pena durar[40].

Em outros casos, a multa é fixada proporcionalmente ao prejuízo causado pela conduta do agente (Lei 6.385/76, artigo 27-C e D; Lei 8.245/91, artigo 43; Lei 8.666/93, artigos 89 a 98), a exemplo do Direito Penal Espanhol, no qual o valor do dia multa também é baseado nas condições pessoais e financeiras do condenado, mas seu valor é proporcional ao dano causado, ao objeto do crime e ao benefício auferido com o ele, sendo que poderá ser reduzido, se houver mudança na situação financeira do condenado.[41]

O critério preferencial adotado pelo legislador brasileiro, desde o Código Criminal do Império[42], por herança portuguesa, tem sido o do dia multa[43], não só nos crimes previstos no Código Penal, mas, principalmente, na legislação posterior, explícita ou implicitamente (Lei 6.385/76, Lei 7.492/86, Lei 7.646/87, Lei 8.078/90, Lei 8.137/90, artigos 1º a 7º; Lei 8.176/91; Lei 9.029/95; Lei 9.279/96; Lei 9.605/98; Lei 9.609/98; Lei 9.613/98; Lei Complementar 105/2001; Lei 11.101/2005 e Lei 11.105/2005).

Entre nós, o valor unitário do dia multa – em quantum variável entre 10 (dez) e 360 (trezentos e sessenta) – é fixado com base na situação econômica do réu (Código Penal, artigo 60), cujo parâmetro de avaliação não é esclarecido, podendo ser aumentado até o triplo, se se mostrar incipiente (Código Penal, artigo 60, § 1º), através do que são ressaltados seu caráter retributivo e preventivo especial, sempre em busca de igualdade e proporcionalidade, pois não seria razoável a inflição da mesma pena a indivíduos com diferentes capacidades econômicas.

Contudo, há legislações que calculam o valor do dia multa[44] através da conjugação de fatores: a gravidade da infração e a culpabilidade do condenado, de um lado; de outro, sua situação financeira.  Resumindo, a multa é fixada em número de dias, em relação ao rendimento diário do réu.  O caráter justo desta modalidade de sanção explica sua longevidade e aplicação em muitos países.[45]

No Direito Penal Alemão, se houver enriquecimento com o crime, ou pelo menos tentativa, a multa, que seria alternativa, pode ser aplicada cumulativamente a uma pena privativa de liberdade, por tempo superior a dois anos ou até mesmo na prisão perpétua, com base em seu patrimônio estimado, excluído o ganho ilícito, se houver indicação pelas condições pessoais e financeiras do condenado[46].

No Direito Penal Federal Mexicano, por exemplo, o valor do dia multa é equivalente aos rendimentos líquidos diários do condenado, no momento da consumação do crime, com base em todas as suas receitas[47]. O mesmo critério é seguido pelo Direito Penal Alemão, que leva em conta as condições pessoais e financeiras do condenado, cuja base de cálculo inicial seria sua receita líquida diária média, real ou presumida, com base em seu patrimônio e outros valores.[48]

Na hipótese do artigo 77 da Lei 8.078/90, a pena pecuniária é fixada em dias-multa, correspondente ao mínimo e máximo de dias de duração da pena privativa de liberdade.

Há hipóteses em que a multa tem seus valores mínimo e máximo fixados no preceito secundário do tipo incriminador (Lei 1.521/51, artigos 2º a 4º; Lei 4.591/64, artigos 65 e 66; Lei 4.595/64, artigo 44; Lei 4.729/65, artigo 1º; Lei 5.741/71, artigo 9º; Lei 6.766/79, artigos 50 e 52; Lei 8.137/90, artigos 4º a 7º).

Aplicam-se causas especiais de diminuição (Lei 8.137/90, artigo 10), nas hipóteses em que se revelar excessivamente onerosa; e aumento de pena, quando for inexpressiva (Código Penal, artigo 60, § 1º e Lei 8.137/90, artigo 10, in fine).

No entanto, a pena de multa não está imune a críticas, principalmente quanto à sua idoneidade intimidativa, eis que, na maioria dos casos, sobretudo em relação às pessoas jurídicas, a quantia a ser paga pode revelar-se irrisória, mesmo se aplicadas causas de aumento, ressaltando sua desigualdade, a despeito da aparente igualdade formal[49]

Além disso, o delinquente econômico pode tentar provisionar a despesa com o pagamento de multas, repassando-a para o custo da mercadoria ou serviço e, em última instância, para o consumidor[50], ainda que isto seja cada vez mais difícil em uma economia de mercado, com forte competitividade. De outro lado, a pena pecuniária não pode ser excessivamente alta, sob pena de caracterizar confisco e, por isso, inviabilizar a atividade do agente, o que acarretaria outros custos sociais, como desemprego e alta de preços[51].

Acrescente-se, ainda, que a pena pecuniária não paga transforma-se em dívida exequível pela Fazenda Pública, impossibilitando sua conversão em pena privativa de liberdade, como no regime anterior à Lei 9.268/96[52] (Código Penal, artigo 51), excluindo o condenado da pena privativa de liberdade.

Em que pesem as dificuldades práticas, além da situação econômica financeira do condenado, a conjugação dos três outros critérios poderiam ser adotados para aperfeiçoar o valor do dia-multa: a gravidade da infração cometida, diretamente proporcional à extensão do prejuízo; a extensão do prejuízo e o lucro auferido com o crime, parâmetro lógico, ainda que de difícil apuração; e a gravidade da culpa, cuja apuração é ainda mais complexa na delinquência econômica do que na tradicional.[53]

A pena pecuniária preserva características positivas da pena privativa de liberdade, eis que, no cálculo do número de dias multa, são consideradas, entre as circunstâncias judiciais, a gravidade do fato e a culpabilidade do condenado, além de efeitos prolongados por determinado período, eis que seu pagamento pode efetuar-se em parcelas (Código Penal, artigo 50, caput, in fine).

A multa pode apresentar-se como uma pena bastante adequada ao sancionamento da criminalidade econômica, face à sua divisibilidade e compatibilidade com a manutenção da liberdade, sobretudo em face da tentativa de igualdade perseguida pelo sistema de dias multa, que visa atenuar os efeitos discriminatórios de uma multa tradicional, de valores fixos e preestabelecidos. Ressalve-se que, na criminalidade econômica, caracterizada por delinquentes de maior poder aquisitivo, o valor da multa deve ser fixado em valor suficientemente alto, para preservar sua finalidade preventiva e retributiva.

A inconveniência dessa modalidade de sanção reside na sua seletividade, decorrente da inaplicabilidade nas condenações de réus econômica e financeiramente hipossuficientes, como é o paradigma da população carcerária em países subdesenvolvidos ou em vias de desenvolvimento; ou em sociedades afetadas por recessões econômicas.

5.3  Penas restritivas de direitos

Alternativas à pena privativa de liberdade têm sido o centro do debate criminológico, dado o número crescente de pessoas encarceradas e todos os seus inconvenientes já vistos.  Como a pena privativa de liberdade tem se confirmado como inapta para a finalidade de ressocialização, a tendência político criminal é buscar penas mais eficazes para o alcance de seu objetivo preventivo.

Embora, lamentavelmente, o legislador brasileiro não tenha feito o melhor uso delas, não seria incorreto afirmar que as penas restritivas de direitos, seja como sanção principal, seja como sanção cumulativa, porém autônoma, são as que apresentam maior prognóstico de eficácia, na delinquência econômica.

No Direito Penal Econômico brasileiro, além das hipóteses em que se apresentam como substitutivos das penas privativas de liberdade (Código Penal, artigos 43 e 44) ou como efeitos genéricos ou específicos da condenação (Código Penal, artigos 91 e 92), encontramos as seguintes restrições de direitos, às quais acrescentamos algumas propostas:

I.  Perda do cargo, com inabilitação, até 8 (oito) anos, para o exercício de qualquer função pública, imposta pelo Senado Federal, nos processos contra o Presidente da República ou Ministros de Estado, contra os Ministros do Supremo Tribunal Federal ou contra o Procurador-Geral da República (Lei 1.079/50, artigos 5º a 12), que, nos crimes comuns, funciona como efeito específico da condenação (Código Penal, artigo 92, I);

II.  Advertência (Lei 4.595/64, artigo 44), admoestação ou repreensão (em audiência de caráter admonitório);

III.  Suspensão e inabilitação temporária ou permanente para o exercício de cargos (Lei 4.595/64, artigo 44 e Código Penal, artigos 43, V e 47, I), inclusive de prestar concurso público;

IV.  Cassação de autorização de funcionamento (Lei 4.595/64, artigo 44);

V.   Interdição temporária de direitos (Lei 8.078/90, artigo 78 e Código Penal, artigos 43, V e 47), como aquisição de passaporte e utilização de cheques e cartões de crédito[54]; proibição de contratar com pessoas jurídicas de direito público; e de exercer atividade comercial ou industrial; de direção, administração, gestão ou controle a qualquer título, direta ou indiretamente, em nome próprio ou de terceiro, de empresa comercial ou industrial[55]

VI. Publicação em órgãos de comunicação de grande circulação ou audiência, às expensas do condenado, de notícia sobre os fatos e da condenação (Lei 8.078/90, artigo 78), às custas do condenado em periódico de circulação local, a critério do juiz sentenciante[56];

VII.  Prestação de serviços à comunidade (Lei 8.078/90, artigo 78 e Código Penal, artigos 43, V e 46), sobretudo naqueles em que a falta de recursos públicos se faça sentir de forma mais contundente, como hospitais, escolas, abrigos de crianças e idosos;

VIII. Perda de bens ou valores (Lei 8.429/92, artigo 9º e 10 e Código Penal, artigos 43, II e 45, § 3º);

IX. Ressarcimento integral do dano, quando houver (Lei 8.429/92, artigo 9º a 11), que, nos crimes comuns, funciona como efeito genérico da condenação (Código Penal, artigo 91, I), ao qual acrescentamos o dano moral e das despesas do Estado com a persecução penal;

X. Perda da função pública (Lei 8.429/92, artigo 9º a 11), que, nos crimes comuns, funciona como efeito específico da condenação (Código Penal, artigo 92, I);

XI.   Suspensão dos direitos políticos por prazo determinado (Lei 8.429/92, artigo 9º a 11);

XII.   Pagamento de multa civil ou administrativa (Lei 8.429/92, artigo 9º a 11);

XIII. Proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, por prazo determinado (Lei 8.429/92, artigo 9º a 11); e

XIV.  Proibição de obter empréstimo ou financiamento junto a instituições financeiras oficiais (Lei 9.029/95, artigo 2º);

XV.  Confisco de bens ou produto do crime (Código Penal, artigo 91, II);

XVI. Proibição do exercício de profissão, atividade ou ofício que dependam de habilitação especial, de licença ou autorização do poder público (Código Penal, 47, II) ou que proporcionem facilidades para a prática do crime[57];

XVII.  Prestação alimentícia em favor de entidades de utilidade pública, governamentais ou não, carentes de recursos;

XVIII.  Expulsão do território nacional, para estrangeiros;

XIX. Estágio de cidadania[58]

XX. Proibição de residir em determinados lugares ou de sair deles, conciliando o interesse público (tranquilidade, segurança e saúde) e as necessidades do condenado; proibição de frequentar determinados lugares ou conviver com determinadas pessoas relacionados à prática do crime, sejam coautores, partícipes, testemunhas ou vítima, e com determinados condenados, designados pelo juiz sentenciante.[59]

Evidentemente, este rol não tem a pretensão de esgotar as inúmeras possibilidades que ainda estão por vir, ou já existentes nas legislações estrangeiras, muitas das quais adotam estas medidas como penas acessórias ou complementares, para as diversas espécies de delito (crimes, contravenções, infrações etc.).

Há que se ressaltar apenas que sejam quais forem as penas, hão de respeitar as espécies previstas pela Constituição da República (artigo 5º, XLVI), bem como os direitos do condenado previstos pelos artigos XLVII a XLIX, dentre os quais o respeito à sua integridade moral.  Por esta razão, qualquer restrição de direito que implique no aviltamento da dignidade do condenado, em limite superior à normalidade da própria pena, não poderá ser adotada.

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Sobre a autora
Cinthia Menescal

Professora de Direito Penal na Escola de Ciências Jurídicas da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro - UNIRIO (2004 - ). Professora licenciada de Direito e Processo Penal da Universidade Cândido Mendes - Ipanema (1992 - ). Doutoranda em Direito Penal na Universidade do Estado do Rio de Janeiro - UERJ (2010 - ). Defensora Pública no Estado do Rio de Janeiro (1989 - ). Advogada.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MENESCAL, Cinthia. Aspectos político-criminais das sanções penais econômicas no Direito brasileiro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3548, 19 mar. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/24006. Acesso em: 26 dez. 2024.

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