Com a introdução do sistema acusatório na Constituição Federal de 1988, foi retirado do Estado o exclusivo poder de acusar e julgar – como se vislumbrava no sistema inquisitório – e essas funções foram separadas em diferentes sujeitos processuais, com o intuito de assegurar a imparcialidade do julgador, mantendo sua equidistância das partes, efetivando o direito à ampla defesa ao acusado.
A essência desse sistema pode-se dizer que se resume em não haver julgamento sem acusação, fazendo assim inerte a jurisdição, dependendo da provocação da acusação; buscando com isso, retirar o caráter vingativo da propositura da ação, colocando a vítima numa posição de assistente de quem irá representá-la no processo, evitando por logo novos conflitos.[1]
No entanto, pelo fato da acusação, no Brasil, ser representada pelo Ministério Público, há uma discussão doutrinária acerca da imparcialidade do Parquet. Como parte acusadora, o órgão recebe a promoção exclusiva da ação penal pública. Todavia também, há atribuição feita ao Ministério Público de defesa da ordem jurídica. Por essas diferentes atribuições de funções, é que se põe em dúvida o caráter de parte da instituição no processo penal.
Essas atribuições foram feitas a partir das mudanças do caráter institucional do Ministério Público, inseridas pela Constituição Federal, previstas em seus artigos 127 e 129, e também, expressamente, pelo artigo 257 do Código de Processo Penal, assim como análise da Lei Orgânica do Ministério Público 8625/93, do mesmo modo a Lei Complementar 75/93, as funções, as prerrogativas e as vedações atribuídas ao Ministério Público.
A ação penal pública é indissociável do início do processo, é o exercício do direito de agir, é o instrumento utilizado pela acusação para provocar o Judiciário à discussão da ocorrência de um delito. O direito de ação é um direito subjetivo público, previsto no artigo 5º, inciso XXXV[2] da Constituição Federal.
Como conceitua Afrânio Silva Jardim[3], “[...] ação penal é um direito subjetivo público de invocar a prestação jurisdicional do Estado, em face de uma determinada pretensão, lastreada em norma penal ou processual penal.”
A parte acusatória é quem instaura a ação penal, exercitando o jus acusationis, efetivando a pretensão acusatória do Estado-administrativo. Há um regular exercício do direito de ação, o qual surge então em resposta a esse direito; o Estado aparece com o seu direito e o dever de punir, jus puniendi, concretizando a pretensão punitiva e a contraprestação em razão da violação ao bem jurídico, ou seja, a busca pela condenação impondo assim, a sanção penal. A separação entre a pretensão acusatória com a pretensão punitiva é indiscutivelmente essencial para se ter um devido processo legal.[4]
No Brasil, a titularidade da acusação no processo penal é atribuída ao Ministério Público, estabelecido assim pela Constituição Federal de 1988, mais precisamente no artigo 129, inciso I[5]. O exercício da ação penal pública se concretiza com o oferecimento da denúncia pelo Ministério Público ao Estado-Juiz. No entanto, cabe ressaltar que existem subdivisões quanto esta ação penal de iniciativa pública, em condicionada e incondicionada.
A ação penal pública será condicionada quando o Ministério Público depender de autorização da vítima ou de requisição do Ministro da Justiça que verifica conveniência e oportunidade. É a exceção no âmbito da ação penal pública, estando sempre positivada em lei como previsto no Código de Processo Penal, artigo 24.[6]
Em regra, quando a lei é omissa, a ação penal pública é incondicionada. O direito de ação, nesse caso, é constitucionalmente exercido ao Ministério Público e também reafirmado no Código Penal, artigo 100 caput e § 1º[7], tendo este órgão indícios de autoria e materialidade, apresenta caráter obrigatório e indisponível à propositura da ação. Bem como explica José Antônio Paganella Boschi, “na ação penal pública incondicionada, o Ministério Público tem o dever de agir sem ter que esperar autorização ou solicitação do ofendido ou de terceiros”.[8]
Há em nosso ordenamento elementos que possibilitam o regular exercício ao direito de ação chamados condições gerais da ação; como a legitimidade das partes, o interesse de agir e a possibilidade jurídica da demanda, ainda nesse sentido, é considerada a quarta condição da ação para alguns doutrinadores o elemento da justa causa.[9]
Observando essas condições, poderá ocorrer o regular exercício do direito da ação penal pública perante Judiciário. Em alguns casos, haverá condições específicas da ação, as chamadas condições de procedibilidade, no qual se enquadram a representação, a requisição do Ministro da Justiça e a entrada do agente no território nacional.[10]
A observância de determinados princípios é indispensável ao propor a ação penal pública incondicionada. Na ação penal pública vigoram os princípios da obrigatoriedade, oficialidade, indivisibilidade e intranscendência.
Obrigatoriedade, num sentido de que estando: “[...] presentes os indícios de autoria e materialidade do fato o Ministério Público está obrigado a oferecer a denúncia [...]”.[11] Oficialidade, seguindo um raciocínio de que: “[...] o crime viola interesses públicos, sua repressão deve se dar por órgãos do Estado”[12], ou seja, o ingresso da ação penal se dar exclusivamente pelo Ministério Público. O princípio da indisponibilidade surge em decorrência ao princípio da obrigatoriedade, haja vista os indícios de autoria e materialidade o Ministério Público não pode dispor do processo. Um princípio é reafirmar o outro, como prevê o artigo 42[13] do Código de Processo Penal. O princípio da intranscendência se refere ao tocante ao suposto agente do delito: “como a pena não passa da pessoa do condenado (art.5º, XLV, CRF/1988), a ação penal da mesma forma só pode ser proposta contra a pessoa a quem se imputa a prática da infração penal [...]”.[14]
A partir dos conceitos expostos, começa-se entender o funcionamento do processo penal; com a iniciação do processo pela acusação com o oferecimento da denúncia, compreende-se assim, o procedimento do Parquet no sistema acusatório.
No Brasil, desde a implementação do sistema acusatório, a acusação é representada pelo órgão estatal Ministério Público. É através dele que se faz a propositura da ação penal pública, iniciando assim o processo penal, assegurada tal instituição também pela Lei Orgânica nº8625 de 1993 e ainda pela Lei Complementar nº75 de 1993.
Pode-se então verificar uma mudança histórica no desenvolvimento do caráter institucional do Ministério Público, fazendo os promotores e procuradores abrangerem responsabilidades sociais estabelecidas na Constituição Federal nas áreas de atuação do Ministério Público, previstas no artigo 129[15], como a defesa do meio ambiente, a atribuição de proteção dos direitos e garantias, ser o responsável pela defesa do regime democrático, entre demais funções previstas no mencionado artigo. Podendo assim, verificar tamanha importância e extensão que foi adquirindo o órgão.
Para o efetivo exercício das suas funções, o Ministério Público está orientado por princípios institucionais, estabelecidos pela Constituição Federal no parágrafo primeiro[16] do artigo 127. O princípio da unidade traz a ideia de que o Ministério Público é órgão uno e indivisível. Como doutrina Fernando da Costa Tourinho Filho “os órgãos do Ministério Público atuam como parte de um todo indivisível, e não órgãos isolados. É impessoal, constitui um corpo uno”.[17] Pelo princípio da unidade, deve se compreender a integralidade do órgão Ministério Público.
Visualiza-se esse preceito como impedimento do seu fracionamento enquanto instituição pública. Todavia, embora instituição una, as atribuições do Ministério Público são distribuídas entre seus órgãos distintos, como previsto no artigo 128[18] da Constituição Federal.[19] Em decorrência ao princípio da unidade, surge o princípio da indivisibilidade que aparece num sentido de que os membros do Ministério Público podem substituir-se uns aos outros em um mesmo processo. Sendo os membros do Ministério Público considerados juridicamente um só.[20]
Cabe ressaltar o entendimento do ex-ministro do Supremo Tribunal Federal, Sepúlveda Pertence, no HC 67759/RJ, sobre os princípios:
Os princípios da unidade e da indivisibilidade, enquanto predicados históricos do Ministério Público, tem significação própria e trazem consigo a idéia de uma organização hierarquizada e, com ela, a de certos poderes de direção de uma instituição una [...].[21]
A indivisibilidade possui reflexos diretamente na relação processual penal, dispondo que qualquer dos integrantes do Ministério Público possa participar do processo penal em curso, presentando o órgão.[22]
O princípio da independência funcional diz que, cada promotor é um independente no exercício de suas funções, não ficando sujeito à prestação de seus atos, se não perante à lei. No entanto, cabe ressaltar que esse é um princípio que rege os atos do órgão, não significa que seus membros não estejam sujeitos ao poder disciplinar, diretivo e fiscalizador. Tendo em vista a importância das funções desempenhadas pelo Ministério Público, o Poder Constituinte assegurou-lhe autonomia funcional e administrativa.[23]
Para cumprir as atribuições constitucionais, bem como a utilização dos princípios supracitados. Passa-se a analisar suas funções no âmbito criminal.
É um assunto não unânime na doutrina a respeito da posição do Ministério Público na ação penal pública. Alguns discorrem sobre a existência ou não de partes no processo, outros alegam a parcialidade do órgão quanto à função acusadora. Segue então para a discussão da atuação do Ministério Público e o desempenho de suas funções na ação penal pública.
Ao Ministério Público incumbe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis, como supracitado no artigo 127 da Constituição Federal, logo, suas funções estarão sempre condicionadas a esses fundamentos.
Previstas no artigo 129 da Constituição Federal e também expressamente pelo artigo 257[24] do Código de Processo Penal, as funções que se aplicam ao Ministério Público na ação penal pública são promover, privativamente, a ação penal pública, sua suposta participação da instituição como parte acusadora; e a fiscalização da execução da lei, analisando se assim, o Parquet realiza o papel de custus legis.
Com o advento da Constituição Federal, o conceito da instituição do Ministério Público foi amplamente modificado, assumindo um caráter de defensor da sociedade e fiscalizador dos poderes. Com a centralização da administração da justiça, o processamento e a punição dos crimes passou a ser enfrentado como questão de ordem pública necessitando, portanto no momento da ação penal, o Estado criar um órgão que atuasse de maneira impessoal, sem interesse na causa.[25] Faz-se imprescindível a atuação do Ministério Público na ação penal pública, tendo em vista que somente através dela há processo, pelo princípio da inércia da jurisdição, procurando assim garantir a imparcialidade do julgador e a equidistância das partes.[26]
Através da denúncia é que se inicia a fase processual. Após a conclusão do inquérito policial, os autos são encaminhados ao Ministério Público para a formação da sua opinio delicti.
Quando há entendimento de existência de fato típico, ilícito e culpável, o Ministério Público oferece a denúncia, baseado no artigo 40[27] do Código de Processo Penal. Ocorrido o oferecimento da denúncia, deve o acusado ser citado e, obrigatoriamente, oferecer a resposta a acusação.[28]
A denúncia como disposto no artigo 41[29] do Código de Processo Penal, deverá conter as circunstâncias em que ocorreu o fato, devendo elas se referir a quem cometeu o fato, observando à pessoa do suposto agente, seus antecedentes e personalidade; a que coisa, discorre sobre os acidentes do evento; onde ocorreu, menciona o lugar em que se deram os fatos; com o que, onde alude que instrumentos foram utilizados no caso concreto; o porquê, fala das razões que levaram ao crime; de que maneira, aborda sobre a forma que foi executado o delito; quando, refere ao tempo em que o delito foi cometido. Com isso, garante que o acusado não seja processado sem que tenha o conhecimento das razões que o levaram à imputação.[30]
Pelo princípio da obrigatoriedade, havendo os indícios de autoria, materialidade e demais condições da ação, o Ministério Público está obrigado a propor ação penal.
Não podendo deixar de mencionar a importância também do princípio da legalidade que orienta o Ministério Público do Brasil, ao contrário dos critérios de oportunidade e conveniência.
Princípio que fundamenta também a atribuição dos membros do Parquet, evitando arbitrariedades nas denominações por suposto impedindo desvios e estabelecendo que o órgão só poderá fazer o que a lei autorizar.[31]
Diante da formulação da acusação, pode-se discutir o ônus da prova. O ônus da prova deve ser utilizado para reconhecer a autoria e a materialidade do delito, assegurando assim, que o acusado não seja condenado sem provas, e que estas não tenham sido obtidas por meios ilícitos à observância ao inciso LVI[32] do artigo 5º da Constituição Federal.
A prova é essencial para se ter um devido processo legal. Não se pode acusar um cidadão para que esse se exponha perante a sociedade, sofrendo restrições, sem o mínimo de coerência. Num sistema acusatório, no qual há presença de sujeitos parciais, com diferentes interesses, suas atuações dependerão do ônus da prova.
A prova acompanha uma noção de ato unilateral, portanto, acompanha uma noção de atribuição. A quem é atribuída a carga da prova no processo penal, é ao Ministério Público, pois não há possibilidade de o juiz auxiliar o Parquet, e assevera-se que o réu está protegido pelo princípio da presunção de inocência, não havendo carga para a defesa, pois não lhe deve ser atribuído um prejuízo imediato.[33]
Assim, se o Ministério Público apresentar um conjunto probatório incapaz de colocar em discussão a inocência ou culpa do acusado, o último deverá ser absolvido, ao contrário do adotado nos processos judiciais, que comumente invertem o ônus da prova.[34]
Faz-se necessário observar como age o Ministério Público, sendo a parte acusadora. Semanticamente, pode se entender que acusador é aquele que apresenta uma imputação criminal a alguém em razão de ofício público, promovendo os atos processuais necessários ao cômputo da responsabilidade criminal do acusado.[35] Pode-se entender por este caminho, que o Ministério Público é aquele que satisfaz a pretensão acusatória.
Nesse sentido, o Ministério Público quando quer satisfazer sua pretensão acusatória, acaba por fazer um juízo de valores do caso penal. Presume-se de logo, que este suposto agente é culpado, tendo em vista que o órgão tem o ônus de buscar as provas e a autoria para evidenciar o fato; e assim poder propor ação penal. Entendendo assim, que a ação penal já inicia com a presunção de culpa e que por determinação constitucional, deve ser provada.
Com este encalço, pode-se concluir que o Parquet faz o papel de parte acusadora. Contudo, a concepção do Ministério Público como parte processual, ainda é muito discutida na doutrina.
No processo penal não cabe falar de parte com imparcial, além de semanticamente contraditório, quando se toma um posicionamento, não é cabível se manter neutro, estando em divergência a outra parte. No entanto, não é de todo unânime.[36]
Avigorando ainda, que tal imprecisão, em relação à configuração do Ministério Público como parte, deve ser superada. Se fosse assumido pela instituição o caráter de parte, induziria assim um maior equilíbrio no tratamento diante do Estado, não colocando mais o Ministério Público posicionado fisicamente ao lado do juiz, colocando-o ao mesmo patamar que a defesa, demonstrando assim um tratamento – perto de ser – mais igual.
A participação do Ministério Público no processo penal é sem dúvida crucial. Ainda assim, mesmo sendo acusação na ação penal, o Ministério tem o dever de zelar pela aplicação apropriada das leis. Passa-se ao estudo da figura do Ministério Público como custus legis.
Por definição do próprio Ministério Público Federal brasileiro:
Quando um processo [...] envolve interesse público relevante, como um direito coletivo ou individual indisponível, o Ministério Público Federal deve ser ouvido, mesmo que não seja autor da ação. Essa é a atuação como fiscal da correta aplicação da lei [...].[37]
Um dos deveres do Ministério Público é atentar pelos interesses sociais e individuais indisponíveis, garantindo o respeito aos direitos fundamentais por parte dos órgãos públicos e de seus representantes no que tange à aplicação das leis, exercendo assim, sua função de custus legis ou fiscal da lei.
O Parquet intervém como fiscal da lei na ação penal pública, atuando na segunda instância frente ao juízo de primeira instância, emitindo parecer; ou seja, dando sua opinião a respeito do caso em tela. Valendo-se do argumento que seus membros desempenham diferentes funções um como autor da ação, e outro como fiscal da lei.[38]
Pode-se interpretar que o disposto no artigo 610[39] do Código de Processo Penal que discorre sobre que a atuação do Ministério Público em segunda instância, no sentido de que nos recursos de sentido estrito e nas apelações interpostas das sentenças em processo de contravenção ou de crime a que a lei comine pena de detenção, os autos irão imediatamente com vista ao procurador-geral, deveria proceder à análise do processo e não ao mérito da causa, quanto à emissão de parecer.
Entretanto, o artigo 129 inciso VIII[40] refere que o Parquet deverá indicar os fundamentos jurídicos de suas manifestações processuais, embasando assim, a emissão do parecer. Além de todas prerrogativas dadas à instituição, cabe ainda a possibilidade de sustentação oral perante os tribunais.
Cabe aqui a análise do inciso IX[41] do artigo 129 da Constituição Federal, no qual observa-se a vedação à consultoria jurídica de entidades públicas, sob a ótica do doutrinador Paulo Vasconcelos Jacobina[42] “está vedado que o Ministério Público seja um opinador, um consultor de luxo dos juízes”.
Demonstra-se que no mesmo processo em que o Ministério Público acusa, em que é parte, também opina, votando pelo provimento ou improvimento da pretensão que ele mesmo ingressou, além das prerrogativas do artigo 83[43] do Código de Processo Civil.
Reforçando a ideia de que o Parquet é considerado parte no processo penal, diferentes são as funções impostas ao órgão, contudo há que se perceber que por mais que exista a função de custus legis, não pode se excluir a participação processual do Ministério Público como parte acusatória. Caso seja parte processual, há uma tendência a inclinar-se aos seus próprios interesses; logo, não deve então controverter sua atuação na suposta imparcialidade. Não é viável a concepção de que o Ministério Público seria uma parte imparcial; é no mínimo contraditório, fazer tal afirmação.[44]
Um tanto quanto utópico, é acreditar no argumento utilizado de que o Ministério Público pode agir separadamente com seus membros, confrontando com os princípios da unidade e da indivisibilidade.
Observando a necessidade de haver uma parte acusadora no sistema acusatório, consequentemente no processo penal, e não negando essa atribuição dada ao Ministério Público, não cabe falar em atribuição tão ampla como fiscal da lei ou melhor dizendo, guardião da Constituição.[45] Desta forma, leciona Maria Lucia Karan:
O Ministério Público se pretende um “fiscal da lei”, desinteressado do resultado do processo, ousando mesmo se apresentar, no processo penal, sob a paradoxal qualificação de “parte imparcial”. A suposta função de “fiscal da lei”, além de dar ao Ministério Público uma capa de “imparcialidade”, lhe dá também concretas oportunidades de intervir no processo que acabam por se mostrar superiores às da Defesa.[46]
Neste ponto do processo, não se pode mais alegar que há desinteresse por parte do Ministério Público, se perde ao transcorrer do processo o caráter impessoal.
Diante das disposições, cabe a discussão a respeito da compatibilidade ou incompatibilidade da vigência de ambas funções, parte acusadora e custus legis, impostas ao Parquet.
O Ministério Público, como parte acusadora exerce efetivamente sua função, como custus legis, o órgão esta deixando de cumpri-la. Então, não há necessidade de atribuir mais essa função fiscalizadora ao Parquet, tendo em vista sua dificuldade de cumprimento e quando cumprida apresenta déficits na realização. A cada momento se vislumbram mais obstáculos no exercício das atribuições ministeriais com imparcialidade.
O que se vem tentando demonstrar é que a garantia da defesa da ordem jurídica e a promoção da ação penal dão prerrogativas ao Ministério Público e que mal utilizadas no curso do processo desdobram-se na disparidade de armas para com a defesa. Aceitando a natureza de parte da instituição, e intentando sua relevância dentro do sistema acusatório, não se vislumbra necessidade explícita do desempenho da função fiscalizadora.
Todos os sujeitos devem zelar pelo processo para manter a regularidade da aplicação das leis, pois as partes possuem suas diversas teses, porém todas as teses tem respaldo legal e/ou jurisprudencial e/ou doutrinário, baseadas nas fontes de dizer o direito.
Desse modo, cabe ao constituinte reconhecer a natureza de parte acusadora do Ministério Público, e transferir a outro sujeito imparcial o direito e o dever de fiscalizar a lei.
A duplicidade nos papéis do Ministério Público como demonstrado anteriormente, acaba por fundamentar a disparidade de armas no processo. O que está sendo debatido, não é a magnitude do órgão ou a importância que a instituição tem para o ordenamento jurídico; mas sim, a indagação do motivo pelo qual são atribuídas ambas as funções, de parte acusadora e custus legis, a um mesmo órgão, se visivelmente não há – e dificultosamente há – possibilidade de exercê-las com imparcialidade.
É de suma importância a participação do Ministério Público no processo penal, pois devido à introdução de uma parte acusadora no processo, é que se pode falar no acusado como sujeito de direitos e não mais como mero objeto do processo penal. Jazendo num sistema acusatório é preceito máximo retirar do julgador a função de acusar. No entanto, não cabe confundir as atribuições dadas ao órgão.
Há necessidade de uma parte acusadora no processo penal, justamente essa é a intenção da introdução de um sistema acusatório, a dualidade de partes. O Ministério Público, como demonstrado, cumpre efetivamente sua função como parte acusadora, contudo, assume prerrogativas que lhes são atribuídas pelo caráter de fiscal da lei. Eis a desordem no acumulo de funções, visualiza-se o déficit na execução do papel do Parquet como fiscal da lei, no entanto, percebe-se que o órgão utiliza benefícios de tal atribuição para fortalecer os argumentos acusatórios, v.g, seu lugar na sala de audiência.
O Ministério Público é parte no processo penal, quando o órgão defende sua tese, ele assume materialmente seu interesse no processo, e se ele possui interesse é porque é parcial, e assim deve ser. A atuação do Ministério Público tanto como parte acusadora, como fiscal da lei, suas prerrogativas e vedações, são consentidas por lei. Então, deve ser assumido o caráter de parte pela instituição através da legislação, pois se o Ministério Público é parte no processo, ele tem interesse, portanto incompatível se torna a fiscalização na execução da lei, no qual não é visível a demonstração da sua imparcialidade.
Todos os sujeitos processuais zelam pelo cumprimento da lei, portanto como há, em regra, uma diferença de interesses entre acusação e acusado, o juiz deve garantir o devido processo legal. No atual ordenamento jurídico o juiz recebe a função de garantidor do cumprimento da lei, então não há necessidade de além do sujeito processual, que por sua vez recebe o caráter da imparcialidade, a parte acusadora do processo também assumir a função de guardião da lei.
Deste modo, já é tempo para legislação se adequar a mudança do sistema penal, para assim materializar os fundamentos e garantias que embasam a sociedade brasileira, adotados pelo regime Democrático de Direitos.