CONCLUSÃO
O estudo das questões que envolvem a municipalidade no bojo da federação possibilita o entendimento, ainda que parcial, da conjuntura político-institucional brasileira. Não é sem razão que se ouvem diversas entidades representativas dos municípios manifestarem-se cada vez com maior veemência contra o pacto federativo, nas condições que atualmente é estabelecido. Mais do que manifestações corporativas, os protestos que partem dos governos locais deveriam ser vistos como um sinal de alerta que põe em risco a estabilidade do próprio Estado.
Tudo isso porque há flagrante incongruência entre a configuração constitucional do Município e o exercício efetivo do poder no que tange à divisão de atribuições aos três entes federados. A União possui capacidade para atrair e concentrar recursos, distribuindo-os de maneira equívoca e insuficiente para os outros entes. Os Estados, em posição intermediária, agregam ao seu orçamento, além da arrecadação própria, os repasses da União. Destinam parte dessa arrecadação aos municípios, porém não abrem mão do montante maior. A fração menor do conjunto total da carga tributária destina-se ao tesouro municipal.
Esse quadro serve de base para se aferir o grau de autonomia que o município possui para gerir os seus destinos. Como ser autônomo com tamanha dependência dos outros entes federados? A pergunta orientou os estudos realizados na busca dos indícios de que a Constituição expressa a situação ideal, longe de ser concretizada plenamente na prática.
É evidente que houve um avanço significativo da conquista da Autonomia Municipal na ordem constitucional vigente. Ao se percorrer, mesmo que de forma rápida, a história do constitucionalismo pátrio, observou-se que o Município jamais teve o mesmo status. No princípio, serviu apenas de base para a extração de recursos naturais. Dessa situação, seguindo-se o modelo romano, os povoados foram organizados em torno dos interesses de arrecadar impostos pelo governo central. Faltou a orientação administrativa na base da formação da municipalidade brasileira. Um povo sem afirmação local, sujeito aos interesses de barões e coronéis, legítimos representantes do poder econômico, preocupados em garantir e ampliar suas riquezas. Assim, na origem, os Municípios padeceram por não possuírem força governamental para planejarem seus rumos.
Com o advento da República, pouco se alterou em termos de garantias de independência do governo local. Os prefeitos eram nomeados pelos governadores. Mesmo com a instituição do voto direto, a restrita parcela de eleitores votava em conformidade com os desejo do coronel mor, líder político regional. Essa cultura se propagou pelos séculos, de maneira que a autonomia, por mais que houvesse lutas por parte das lideranças locais, foi sempre concedida parcialmente. Também, o processo das conquistas municipais não foi regular. Há períodos de retrocessos constitucionais, notadamente, nos momentos em o Brasil foi governado por ditaduras, na era Vargas e no governo militar.
Por isso, ao estabelecer a autonomia política em seu sentido mais amplo, conferindo ao município a condição de ente federado, a Constituição atual consagrou enorme avanço para o municipalismo brasileiro. No entanto, ao arquitetar um sistema tributário totalmente centralizador, demonstrou que os resquícios dos tempos do coronelismo explícito não se resume aos livros de História. É bem verdade que a União deve transferir por força de lei os recursos que são devidos aos municípios independente da situação política local. Porém, trata-se apenas de uma pequena fatia que é vinculada.
Com mais de 50% da carga tributária disponível, já descontados os repasses legais aos Estados e aos Municípios, é claro que o Governo Federal possui um poder muito grande para negociar apoio político, liberando discricionariamente as verbas como melhor lhe convier. Isso não faz lembrar os primeiros anos da exploração portuguesa no Brasil. O Município, dessa forma, ainda não é visto como um reduto de sustentação política para os mandatários de Brasília?
Se é para ser autônomo, livre da ingerência administrativa dos outros entes federados, o Município deveria ser dotado de recursos orçamentários compatíveis com todas as suas competências institucionais. É o governo local que suporta, de imediato, todos os problemas de ordem pública. A população, que paga os tributos para sustentar os três entes federados, vive no Município. Tudo o que se faz em termos de Administração Pública, no país, envolve questões da municipalidade.
A União e o Estado, ao arrecadar e depois transferir os recursos, enredam-se numa teia burocrática que facilita os desvios e os desperdícios do dinheiro público. O Município deveria arrecadar mais impostos para contabilizar os recursos próprios. É o caso, por exemplo, do ITR (Imposto Territorial Rural) em que a União arrecada e repassa 50% aos municípios. Esse tributo deveria ficar em sua totalidade nos cofres municipais por ser uma fonte de arrecadação genuinamente local.
Sendo assim, evidenciou-se que, embora a intenção do constituinte fosse proporcionar ao Município a Autonomia, o fez parcialmente. Isso demonstra que há uma longa estrada a ser percorrida pelo municipalismo brasileiro, no sentido de convencer as autoridades federais e estaduais, por forças das carências municipais, de que é preciso o aperfeiçoamento da ordem constitucional vigente. Do contrário, o país continuará dividido, com um pé no futuro e outro no passado, sem definição clara de sua identidade: República Centralista, Monarquia Disfarçada ou, simplesmente, República da Eterna Simulação.
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ANEXO A
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Fonte: IBGE, Diretoria de Pesquisas, Departamento de População e Indicadores Sociais, Pesquisa Nacional de Saneamento Básico 2000.