As normas estabelecidas pelo Estado devem ser passíveis de prévio conhecimento, justamente para que cada um possa exercer a liberdade de orientar seu destino, optando por determinadas condutas, dentre as que se apresentarem possíveis. Agir sem a possibilidade de conhecer as consequências provenientes de suas ações inviabiliza a autonomia do exercício da atividade empresarial, já que o empreendedor ficará a contar com a própria sorte.
Da mesma forma, é inconcebível que se aja confiando na legislação em vigor, acreditando estar por ela regulado, para logo em seguida ser surpreendido, tendo valoradas as ações que praticou, por normas inexistentes ao tempo das condutas realizadas.
Nesse contexto, a confiança depositada no ordenamento jurídico é afrontada e a boa-fé do jurisdicionado desrespeitada, criando-se uma sistêmica insegurança jurídica, uma vez que o Estado, ao invés de agir com o seu dever de lealdade, afronta os direitos e garantias sobre as quais se fundamenta o Estado Democrático de Direito.
Nessa esteira, a segurança jurídica consiste na busca de certa previsibilidade e estabilidade dos negócios jurídicos, mesmo tendo seu fundamento legal alterado.
Humberto Ávila ensina que um dos fundamentos do princípio da segurança jurídica estaria vinculado estreitamente com as exigências de um mínimo de possibilidade de conhecimento do conteúdo da norma a regrar os comportamentos (cognoscibilidade); de confiança em não ser surpreendido, demonstrando-se aqui, o que do passado deve permanecer no presente (confiabilidade); e de, em um âmbito reduzido, ter a elevada capacidade de prever as modificações das normas presentes e em qual medida podem ocorrer, conhecendo-se assim, as consequências jurídicas que advirão da alteração (calculabilidade do Direito).
Conforme se depreende, o Direito posto tem de ser garantidor da tranquilidade, da confiança nas instituições sociais e no próprio direito, assegurando a eficácia da inviolabilidade à propriedade, à igualdade e à liberdade de se autodeterminar sem que haja surpresa a lesar àquele que se predispõe a exercer uma atividade econômica.
Como pressuposto indissociável do Estado de Direito, a Segurança Jurídica funciona como instrumento concretizador dos demais princípios e normas. Por isso, como assevera Carraza, a segurança jurídica seria mais que um valor, compondo a própria razão da existência da Carta Magna. Apresenta-se espraiada em todo o ordenamento jurídico, sendo o “direito fundamental à ordem jurídica segura”, bem como os próprios meios a garantirem a efetividade das liberdades e direitos protegidos. Constitui-se, assim, em um “princípio-síntese” enucleado na própria Constituição Federal. [1] O que nos dizeres de Cármen Lúcia Antunes, deixaria “todos e cada um certos de seus direitos e da eficácia que eles produzem.”[2]
Com esse mesmo direcionamento, Humberto Ávila explica que o princípio da segurança jurídica seria um “princípio-garantia” a instrumentalizar a realização dos demais princípios e direitos. Em vista disso, encontra-se em um plano superior aos demais princípios e regras, uma vez que os valida, assegurando-lhes a eficácia. Logo, “enquanto os princípios são luz, o princípio da segurança jurídica é a energia sem a qual a luz não é produzida. A iluminação pode ser produzida em uma ou outra direção, para clarear este ou aquele objeto, com este ou aquele propósito, mas, sem que haja energia, luz nenhuma existirá.” [3]
Em prosseguimento, Humberto Ávila preceitua que a forma como a segurança jurídica está posta na Constituição, posiciona-se de um lado a proteção dos direitos e garantias individuais do cidadão, e, de outro, a limitação à atuação do poder estatal. Sendo assim, demonstra se tratar de princípio protetivo dos direitos individuais frente ao Estado, não podendo ser utilizada, por este, como forma de restringir o exercício dos direitos fundamentais de liberdade.
Roque Antônio Carraza ainda declara que o princípio da segurança, como uma das manifestações do Estado Democrático de Direito, visa a proteger e assegurar as legítimas expectativas das pessoas que confiaram nos atos do Poder Público. E, com esse fim, veda a implementação de medidas legislativas, judiciais ou administrativas que possam frustrar essa a confiança ou justa expectativa. [4]
Irretroatividade, calculabilidade e confiabilidade do direito
Como regra, todas as normas jurídicas, são criadas para dispor sobre o futuro, não podendo alcançar ocasiões passadas. Seguindo esse imperioso comando de segurança jurídica, o Texto Constitucional veda a retroatividade [5]face às situações já consolidadas, como o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada. [6][7]
Tendo em vista que a questão da retroatividade de forma geral é atinente à confiabilidade no ordenamento jurídico, afastando a surpresa e a restrição da liberdade das pessoas, ela também deve ser evitada quando se exerce atividades lícitas e se dispõe de patrimônio e liberdade.[8]
Frisa-se, que as condutas praticadas, sobre as quais se visa à proteção, foram aquelas influenciadas diretamente pelo ordenamento, à época vigente.
Desse modo, a irretroatividade objetiva a impedir “a restrição surpreendente e enganosa do exercício passado de liberdade juridicamente orientada.” [9] E, como já salientado, além de obstar a modificação das consequências jurídicas no tempo (regradas por lei nova) em face de situações já consolidadas sob a vigência de outras normas, visa a proteger os administrados da surpresa e da restrição do exercício de seus direitos fundamentais, principalmente quando as condutas e os atos se deram, sob influência do Direito vigente à época de suas práticas.
Repisa-se que o Direito exerce um caráter orientador da conduta do indivíduo que, influenciado pelas normas jurídicas, define os rumos de sua existência.
A certeza, como alhures tratada, não é a imutabilidade do direito, e sim, a estabilidade do “movimento da mudança” a propiciar a calculabilidade do direito, em que o administrado tem a possibilidade de, antecipadamente e em grande capacidade, saber qual o conteúdo e em qual medida haverá alteração da norma, a fim de que possa orientar suas atividades devidamente em função da legislação em vigor, consubstanciando-se tais assertivas no que muitos nomeiam de “princípio da não surpresa”. [10]
Deixar as pessoas à própria sorte, obrigadas a se submeterem a regramentos inexistentes ao tempo de suas condutas é subverter a ordem e os fundamentos sobre os quais se ergue o Estado Democrático de Direito.
Da proteção à Boa-fé e à legítima expectativa – do ato jurídico perfeito
A expressão boa-fé possui várias acepções, dentre as quais, as que interessam ao foco em análise são a boa-fé subjetiva e a boa-fé objetiva, em que esta, conforme Carraza, corporifica-se na conduta que se espera de determinada pessoa ou do Estado (o dever de agir entre si com lealdade, consideração e transparência), independentemente da intenção de praticar qualquer negócio jurídico, compondo-se ainda em um princípio geral do Direito a instrumentalizar a interpretação das relações jurídicas, principalmente quando há envolvimento do Estado, que tem o dever de agir em consonância com a boa-fé objetiva.[11]
Impende observar que a boa-fé subjetiva do indivíduo que confia nas normas vigentes - submetendo seus comportamentos aos eventos condicionados, exclusivamente pelo Estado -, deve ser, eficazmente, protegida, inclusive responsabilizando-se o Estado pelo descumprimento de seu dever de lealdade e transparência com o particular (ofensa ao princípio da boa-fé objetiva).
Com isso, como o contrato de experiência ou os contratos por prazo determinado, por lei, são contratos a termo, não encontra-se guarida na legislação pátria, qualquer determinação de transformá-los em contrato por tempo indeterminado, mormente por sua natureza jurídica legalmente instituída, que inclusive, no contrato de experiência visa a que contratantes avaliem as habilidades profissionais e pessoais daqueles a que pretende contratar por tempo indeterminado, não podendo tal natureza ser transmutada por alteração de entendimento jurisprudencial.
Súmulas são ferramentas para facilitar a aplicação do Direito ao caso concreto, não para que, agindo como legislador positivo, edite-se norma geral, abstrata e imperativa, alterando institutos criados por outras leis, pois, do contrário, extrapola-se o limite da separação dos poderes.
A existência de súmula pressupõe a existência de lei. Esta de caráter obrigatório em que aquela, revela-se o alcance.
Esse é o entendimento esposado pelo saudoso Mestre e Ministro aposentado do Supremo Tribunal Federal, Alfredo Buzaid[12]:
Uma coisa é a lei; outra, a súmula. A lei emana do Poder Legislativo. A súmula é uma apreciação do Poder Judiciário, que interpreta a lei em sua aplicação aos casos concretos. Por isso, a súmula pressupõe sempre a existência da lei e a diversidade de sua exegese. A lei tem caráter obrigatório; a súmula revela-lhe o seu alcance, o sentido e o significado, quando ao seu respeito se manifestam simultaneamente dois ou mais entendimentos. Ambas têm caráter geral. Mas o que distingue a lei da súmula é que esta tem caráter jurisdicional e interpretativo. É jurisdicional, porque emana do Poder Judiciário; é interpretativo, porque revela o sentido da lei. A súmula não cria, não inova, não elabora lei: cinge-se a aplicá-la, o que significa que é a própria voz do legislador.
Se não entender assim, se a interpretação refugir ao sentido real da lei, cabe ao legislador dar-lhe interpretação autêntica.
A insegurança jurídica é agravada ao se considerar plausível a modificação da natureza jurídica de instituto criado por lei, mediante entendimento sumulado, ainda mais quando o ato jurídico perfeito realizado - o contrato de experiência ou outro contrato a termo -, encontra-se em vigência, no período da alteração de entendimento, como no caso o do Tribunal Superior do Trabalho.
Como já mencionado, a Carta Magna, em seu artigo 5º, inciso XXXVI,prescreve como Garantia e Direito Fundamental que “a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada”.
Ressalta-se que, como ocorre em todos os atos jurídicos com prazo certo, nos contratos a termo, a relação jurídica se extingue, com o simples implemento do termo pré-fixado.
Admitir a aludida transmutação da natureza jurídica de tal instituto ao arrepio dos princípios regentes do Estado Democrático de Direito e da lei, é aniquilar a ordem Constitucional, e, admitir que todos sejam obrigados ou fazer ou deixar de fazer qualquer coisa mesmo não tendo lei que determine [13], bastando mera modificação de entendimento sumulado que passaria a cumprir o papel de lei.
Por todo o exposto, como não houve alteração legislativa, apenas alteração de entendimento, deve ser haver a segurança jurídica, impedindo que o novo entendimento firmado surpreenda aos Empregadores com consequências jurídicas inimagináveis ao tempo em que os atos foram praticados, já que, se houvesse certeza da alteração do posicionamento poderia ter escolhido se orientar de forma diversa.
Notas
[1] CARRAZA, Roque Antônio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 28ª ed. Revista, ampliada e atualizada até a Emenda Constitucional n. 68/2011. São Paulo: Malheiros Editores, 2012.p. 463.
[2] ROCHA, Cármen Lúcia Antunes. O Princípio da Coisa Julgada e o Vício de Inconstitucionalidade. In ROCHA, Cármen Lúcia Antunes (Coord). Constituição e segurança jurídica: direto adquirido, ato jurídico perfeito e coisa julgada. Estudos em homenagem a José Paulo Sepúlveda Pertence. 2ª ed., ver. eampl. 1ª reimpressão. Belo Horizonte: Fórum, 2009. p. 168.
[3]ÁVILA, Humberto. Segurança Jurídica: entre a permanência, mudança e realização no Direito Tributário. São Paulo: Malheiros Editores, 2011. p.659.
[4] CARRAZA, op. cit. p. 463-464.
[5] Há exceções à irretroativade, como as leis materialmente interpretativas e àquelas que gerem situações mais benéficas em casos de infrações não definitivamente julgadas, conforme teor do Artigo 106 do Código Tributário Nacional.
[6] Vide Artigo 5º, inciso, XXXVI da Constituição da República Federativa do Brasil de 1998.
[7] As definições de cada uma dessas expressões foi dada pela Lei de Introdução às Normas de Direito Brasileiro (Decreto-Lei nº 4.657, de 04 de setembro de 1942), em seu artigo 6º que descreve em seus parágrafos:
“§ 1º Reputa-se ato jurídico perfeito o já consumado segundo a lei vigente ao tempo em que se efetuou.
§ 2º Consideram-se adquiridos assim os direitos que o seu titular, ou alguém por êle, possa exercer, como aquêles cujo comêço do exercício tenha têrmo pré-fixo, ou condição pré-estabelecida inalterável, a arbítrio de outrem.
§ 3º Chama-se coisa julgada ou caso julgado a decisão judicial de que já não caiba recurso.”
[8] ÁVILA, op. cit. p. 406, 417-418.
[9]Ibid., 2011. p.434-435.
[10] CARVALHO, op. cit.p.281.
[11] CARRAZA, op. cit. p.481.
[12] BUZAID, Alfredo. A súmula não comporta interpretação analógicaIn Anais do 17º Encontro dos Tribunais de Alçada do Estado de Minas Gerais – BH, 31 de maio a 3 de junho de 1983 - Revista Jurídica Consulex – Ano VI – nº 136 – 15 de setembro de 2002, p. 46.
[13]Vide Artigo 5º, inciso, II da Constituição da República Federativa do Brasil de 1998.