A Seguridade Social compreende um conjunto integrado de ações dos poderes públicos e da sociedade destinadas a assegurar os direitos à saúde, à previdência e à assistência social, de acordo com a Constituição Federal.
Todos que exercem atividade remunerada são segurados obrigatórios. Pela regra, de caráter cogente, o vínculo entre o trabalhador remunerado e a previdência social se estabelece independentemente da opção do trabalhador, mesmo que esse não tenha interesse em aderir ao seguro social.
Também é obrigatório ao aposentado que voltar ou continuar a laborar como empregado, em decorrência da previsão legal, ser segurado da Previdência. Em contrapartida, o sistema lhe garante somente o salário-maternidade, o salário-família e os serviços de reabilitação.
Entretanto, é assegurado ao aposentado que permanece com as contribuições à Previdência o direito público subjetivo de exigir do sistema amparo previdenciário pertinente, por meio de uma proteção hábil a atenuar os riscos sociais.
A maciça maioria dos aposentados continua ou retorna ao mercado de trabalho devido a necessidades financeiras. Em geral seus reajustes dos benefícios previdenciários não acompanham os salários pagos no mercado de trabalho ou não há paridade da renda mensal inicial do benefício com o último salário recebido na aposentadoria. Acrescenta-se a essa conjuntura, o impacto redutor que o fator previdenciário exerce sobre o valor do benefício.
Ante o cenário apresentado não resta alternativa ao aposentado que não seja retornar ao trabalho remunerado, voltando a contribuir como seus pares (segurados obrigatórios), nas mesmas condições, entretanto, sem os mesmos direitos a novos benefícios ou o recálculo de sua aposentadoria, quando do afastamento definitivo da atividade laborativa.
Justamente para corrigir esse desvio é que foi pensada a possibilidade de o segurado renunciar à aposentadoria com o propósito de obter benefício mais vantajoso, no Regime da Previdência Social ou em Regime Próprio de Previdência Social, mediante a utilização de todo seu tempo de contribuição. Essa possibilidade foi intitulada desaposentação – um neologismo trazido ao meio jurídico brasileiro pelo doutrinador , que consiste no desfazimento do ato administrativo de concessão de benefício previdenciário de aposentadoria.
A par de outros tantos questionamentos jurídicos que envolvem a questão, tem-se que, na grande maioria dos casos concretos, a desaposentação se mostra totalmente vantajosa, havendo casos, inclusive, em que a renda mensal inicial do novo benefício representa mais que o dobro do valor da aposentadoria que o segurado vinha percebendo.
Contudo, nem sempre ela é vantajosa. Quando o segurado tiver, voltando a trabalhar, salários de contribuição menores que os antigos ou mesmo houve em sua aposentadoria vigente o fator previdenciário, a renda mensal de sua nova aposentadoria poderá ser menor se cotejada com a renda atual do benefício a que se pretende renunciar.
De toda maneira, cabe ao segurado sopesar as vantagens e desvantagens. É preciso apurar cada caso concreto, por meio de cálculos segundo a lei vigente, pois o único objetivo da desaposentação deve ser assegurar um melhor status financeiro ao aposentado.
Outro ponto que muito se discute é a devolução dos valores percebidos enquanto vigeu o benefício posteriormente renunciado.
A corroborar para uma adequada conclusão a respeito é necessário ressaltar que o regime financeiro do sistema previdenciário brasileiro é o de repartição simples, motivo pelo qual não se justificaria tal reembolso, uma vez que o benefício não tem qualquer relação direta com a cotização individual.
O reembolso se justificaria caso o sistema fosse o de capitalização em que o benefício é concedido a partir da acumulação de capitais em conta individual, sujeito à variação de acordo com o nível contributivo e o tempo de acumulação. No sistema atual o custeio é intergeracional, com a população atualmente ativa sustentando benefícios dos aposentados de hoje.
Em suma, a desaposentação não tem o condão de prejudicar o equilíbrio atuarial do sistema, pois as contribuições posteriores à aquisição do benefício são atuarialmente imprevistas.
Observando-se tais premissas, acrescidas do nítido caráter alimentar do benefício previdenciário, não há que se falar em restituição de valores recebidos, mesmo porque enquanto perdurou a aposentadoria tais pagamentos eram indiscutivelmente devidos. Esse, inclusive, é o entendimento pacificado pelo Superior Tribunal de Justiça.
Segundo a Procuradoria Federal do INSS, atualmente, há mais de 20 mil processos distribuídos em todas as instâncias referentes ao assunto. Estima-se que 480 mil segurados seriam beneficiados pela desaposentação. Aos cofres da Previdência, pelos parâmetros da atual reserva orçamentária da União, espera-se que isso provoque um impacto de R$ 49,1 bilhões.
Convém lembrar que várias são as fontes de custeio da Seguridade Social além da contribuição do segurado e do empregador, para a qual, por sinal, não existe teto. Se o incremento da aposentadoria, por meio da desaposentação, já tivesse parâmetros legais, a exemplo do projeto de Lei que tramita no Congresso Nacional, não haveria necessidade da intervenção do Poder Judiciário.
Muitos países permitem o desfazimento do ato administrativo de concessão da aposentadoria anterior e sua imediata conversão do benefício mais vantajoso.
Em Portugal, a partir de 1º de janeiro de cada ano, o valor da aposentadoria é aumentado em razão do novo tempo de contribuição. Lá o segurado não necessita renunciar a um benefício para obter outro mais vantajoso, pois o benefício é aumentado anualmente com base nas novas contribuições do ano anterior. Em menor ou maior grau tal entendimento é compartilhado pelos EUA, Chile e Espanha.
Resta aguardar as futuras decisões de nossos tribunais superiores fundamentando o sobrestamento de todos os recursos especiais e extraordinários interpostos. A expectativa é que as mesmas sigam no mesmo sentido da missão constitucional da Previdência Social e em total observância ao princípio da dignidade humana.