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Prisão cautelar: as inovações introduzidas pela Lei nº 12.403/2011

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30/07/2013 às 09:42
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2 PRINCÍPIOS NORTEADORES DO PROCESSO PENAL

Analisadas as modalidades de prisões cautelares existentes no ordenamento jurídico pátrio, passa-se agora a uma análise dos princípios constitucionais norteadores das medidas cautelares do processo penal.

Acerca dos princípios em geral, ensina Reale como sendo “enunciados lógicos admitidos como condição ou base de validade das demais asseções que compõem dado campo do saber.”[110]

Em outras palavras, dispõe ainda o referido autor que:

São ‘verdades fundantes’ de um sistema de conhecimento, como tais admitidas, por serem evidentes ou por terem sido comprovadas, mas também por motivos de ordem prática de caráter operacional, isto é, como pressupostos exigidos pelas necessidades da pesquisa e da práxis.[111]

Por sua vez, Bonfim conceitua os princípios do processo penal – ou princípios informativos do processo penal, como:

Aquelas normas que, por sua generalidade e abrangência, irradiam-se por todo o ordenamento jurídico, informando e norteando a aplicação e a interpretação das demais normas de direito, ao mesmo tempo em que conferem unidade ao sistema normativo e, em alguns casos, diante da inexistência de regras, resolvendo diretamente os conflitos.[112]

Portanto, quando os princípios conferem garantias de cunho fundamental, resguardados pela Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, aos jurisdicionados, alude-se então a garantias fundamentais, que, em sede de processo penal, configuram-se em garantias processuais.[113]

Dessa forma, ensina Bonfim que, “no específico âmbito do processo penal, os princípios inerentes a ele devem ser estudados sob a ótica do direito constitucional e do direito processual em íntima relação.”[114]

Sendo a liberdade um dos direitos fundamentais do indivíduo, natural que deva a Constituição resguardá-lo.  

2.1 PRINCÍPIO DO DEVIDO PROCESSO LEGAL

A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 consagrou o princípio do devido processo legal, que remonta à Magna Charta Lebertatum (Magna Carta inglesa) de 1215 e, igualmente, ao art. XI, n.º 1, da Declaração Universal dos Direitos do Homem, garantindo que:

Todo homem acusado de um ato delituoso tem o direito de ser presumido inocente até que a sua culpabilidade tenha sido provada de acordo com a lei, em julgamento público no qual lhe tenham sido asseguradas todas as garantias necessárias à sua defesa.[115]

O princípio do devido processo legal configura ampla proteção aos direitos individuais, tanto no âmbito material, no tocante à proteção da liberdade, quanto no âmbito formal, atribuindo aos litigantes diversas garantias na relação jurídica processual.[116]

“Devido processo legal” é a expressão que deriva do inglês due processo of law, constituindo, basicamente, a garantia de que o conteúdo da jurisdicionalidade é a legalidade (nullun actum sine lege), ou seja, o rigor da obediência ao previamente estabelecido em lei.[117] (grifo no original)

Apesar de ter se mantido silente, é induvidoso que a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 atribui à Autoridade Judiciária Competente a legitimidade para expedir ordem de prisão, nos casos previstos em lei, até mesmo porque, de acordo com o art. 5º, inciso LIV, do referido diploma, “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal.”[118]

O princípio do devido processo legal dispõe acerca da garantia do acusado de ser processado segundo a forma prevista em lei, reconhecendo no processo penal, além de sua instrumentalidade, também sua natureza constitucional.[119]

Sobre o tema, ensina Afonso da Silva que:

O princípio do devido processo legal entra agora no Direito Constitucional positivo com um enunciado que vem da Carta Magna inglesa: ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal (art. 5º, LIV). Combinado com o direito de acesso à Justiça (art. 5º, XXXV) e o contraditório e a plenitude de defesa (art. 5º, LV), fecha-se o ciclo das garantias processuais.[120]

No mesmo sentido doutrina Vicente Paulo, dispondo que:

O princípio do devido processo legal (due process of law) consubstancia uma das mais relevantes garantias constitucionais do processo, garantia essa que deve ser combinada com o princípio da inafastabilidade de jurisdição (CF, art. 5º, XXXV) e com a plenitude do contraditório e da ampla defesa (CF, art. 5º, LV). Esses três postulados, conjuntamente, afirmam as garantias processuais do indivíduo no nosso Estado Democrático de Direito. Do devido processo legal derivam, ainda, outros princípios pertinentes às garantias processuais, como o princípio do juiz natural, a só admissibilidade de provas lícitas no processo, a publicidade do processo, a motivação das decisões.[121]

Assim sendo, tem-se que o princípio do devido processo legal tem como consequência a ampla defesa e o contraditório, que deverão ser assegurados aos acusados em geral nos termos do que dispõe o inciso LV, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, in verbis:

LV – aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes.[122] (grefei)

O princípio do devido processo legal interfere na garantia da ampla defesa, na aferição, pelo juiz, da verdade real, e não somente da que formalmente é apresentada pelas partes do processo em juízo.[123]

Em seu aspecto central, “o princípio do devido processo legal deve ser entendido como garantia material de proteção ao direito de liberdade do indivíduo, mas também é garantia de índole formal, num dado processo restritivo de direto.”[124]

Em outras palavras, busca-se garantir ao indivíduo uma paridade de condições em relação ao Estado, quando este intentar restringir a liberdade ou o direito aos bens jurídicos constitucionalmente protegidos daquele.[125]

Por fim, conclui-se que o princípio do devido processo legal objetiva, através da observância dos demais princípios garantidos pela Constituição à proteção individual, bem como na legislação processual vigente, assegurar que uma eventual condenação imposta a um indivíduo, deu-se de manente justa.   

2.1.1 Princípio do Contraditório

O princípio do contraditório é pressuposto essencial ao exercício do direito de defesa.[126]

Sobre o princípio do contraditório, ensina Greco Filho que:

O contraditório pode ser definido como o meio ou instrumento técnico para a efetivação da ampla defesa, e consiste praticamente em: poder contrariar a acusação; poder requerer a produção de provas que devem, se pertinentes, obrigatoriamente ser produzidas; acompanhar a produção das provas, fazendo, no caso de testemunhas, as perguntas pertinentes que entender cabível; falar sempre depois da acusação; manifestar-se sempre em todos os atos e termos processuais aos quais deve estar presente; e recorrer quanto inconformado.[127]

Constata-se, assim, que o princípio do contraditório, “representa uma garantia conferida às partes de que elas efetivamente participarão da formação da convicção do juiz.”

O princípio do contraditório garante que cada ato praticado durante a instrução processual seja resultante da atuação ativa das partes. Assim, é relevante, que o juiz, antes de proferir uma decisão, ouça as partes, dando-lhes igualdade de manifestação para apresentarem argumentos e contra-argumentos.[128]

Conforme disciplina Silva Neto, não há dúvidas que seria desarrazoado concluir que alguém poderá promover sua defesa de forma adequada, sem que lhe seja proporcionado conhecimento acerca dos fatos constantes nos autos.[129]  

Ressalta-se que essas medidas de defesa estão previstas na legislação como uma faculdade do réu e não precisa efetivar-se em todos os casos, podendo o réu deixar de exercê-la quando entender desnecessárias.[130]

Não se utiliza, contudo, o princípio do contraditório no curso das investigações criminais principiadas pela polícia ou pelo Ministério Público, como ocorre nos inquéritos, representações e demais procedimentos na fase de investigação.[131]

2.1.2 Princípio da Ampla defesa

Acerca do princípio da ampla defesa, ensina Greco Filho, que referido princípio consiste na oportunidade do réu em contraditar a acusação que lhe é feita, mediante a previsão legal de termos processuais que possibilitem a eficiência da defesa. Dentro do que preceitua a prática forense, a lei estabelece os termos, os prazos e os recursos suficientes, de forma que a eficácia da defesa depende da presteza do réu, que fica obrigado a cumprir os prazos estabelecidos na lei, sob pena de não poder arguir se os deixou transcorrer sem justo motivo.[132]

Sobre o tema, em análise bastante precisa, leciona Moraes que “por ampla defesa entende-se o asseguramento que é dado ao réu de condição que lhe possibilitem trazer para o processo todos os elementos tendentes a esclarecer a verdade ou mesmo omitir-se ou calar-se, se entender necessário.”[133]

No mesmo sentido, Bonfim ensina que o princípio da ampla defesa “consubstancia-se no direito das partes de oferecer argumentos em seu favor e de demonstrá-los, nos limites em que isso seja possível.”[134]

Para o exercício da ampla defesa, exige-se, essencialmente, a presença da chamada “defesa técnica”, que deve ser realizada por advogado, mesmo nos casos em que o réu é revel.[135]

Acerca da necessidade da defesa técnica para o exercício da ampla defesa, ensina Bonfim, que:

A defesa técnica é aquela exercida em nome do acusado por advogado habilitado, constituído ou nomeado, e garante a paridade de armas no processo diante da acusação, que, em regra, é exercida por um órgão do Ministério Público. A defesa técnica é indispensável. Caso o réu não possa contratar um advogado, o juiz deverá nomear para sua defesa um advogado dativo ou, quando possível, determinar que assuma a defesa um defensor público. Sem isso, não poderá prosseguir o processo (arts. 261 e 264 do CPP).[136]

Dessa forma, conclui-se que a ampla defesa e o contraditório devem ser efetivados pelo réu, por meio de defensor, dentro dos limites do razoável e cabível em cada caso, sob pena da existência de nulidade processual, tendo um vista que nessa hipótese o réu será considerado indefeso.[137]

Existente a defesa técnica, é direito das partes a produção de provas que demonstrem a ocorrência dos fatos alegados que tenham pertinência à causa. Assim, se o juiz da causa rejeita a produção de uma prova que objetivamente seja necessária para a apuração da ocorrência de determinado delito, configura-se o cerceamento ao exercício do direito à ampla defesa [...], o que configura nulidade.[138]

Assim, a apresentação clara e completa da acusação, contendo a descrição do fato delituoso em todas as suas circunstâncias, é requisito essencial à ampla defesa, haja vista que uma descriminação incorreta acarreta na inépcia da exordial acusatória e na nulidade do processo, com a possibilidade de trancamento através de habeas corpus, caso o juiz não rejeite desde logo a inicial.[139]

Em outras palavras, conforme ensina Greco Filho, “para que alguém possa preparar e realizar sua defesa é preciso que esteja claramente descrito o fato de que deve defender-se.”[140]

Por fim, ressalta-se que o indeferimento de provas ou de outros instrumentos de defesa, em si, não constitui “a priori” cerceamento ao direito à ampla defesa. Se a prova faltante não for essencial ao deslinde da apuração da verdade real, ou quando o juiz entender dispensável a prova requerida, não há configuração de nulidade processual, desde que seu indeferimento seja razoável e desde que seja devidamente motivada a decisão denegatória.[141]

Ainda, no tocante ao prejuízo causado ao réu, nos casos em que não é observado o princípio em análise, verifica-se, que se a defesa realizada por advogado se der de forma deficiente, restará anulado o respectivo ato processual, ante o prejuízo causado ao réu.[142]

Neste norte, se pronunciou o Supremo Tribunal Federal:

Súmula nº 523. No processo penal, a falta de defesa constitui nulidade absoluta, mas a sua deficiência só o anulará se houver prova de prejuízo para o réu.[143]

Após a citação do acusado para responder à acusação, as leis atribuem prazos para a apresentação da defesa, permitindo ao acusado, a partir daí: contrariar a acusação, requerer a produção de provas e recorrer quando houver inconformismo com a decisão ou sentença prolatada pelo juízo.[144]

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2.2 PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA

O Princípio da presunção de inocência encontra-se expressamente previsto no art. 5º, inciso LVII da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 que dispõe, in verbis:

Art. 5.º Todos são iguais perante a lei, sem distinção da qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e a propriedade, nos termos seguintes:

[...]

LVII – ninguém será considerado culpado até o transito em julgado de sentença penal condenatória.[145]

A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 consagrou o princípio da presunção de inocência, como um dos princípios basilares do Estado de Direito, como garantia processual penal que visa à tutela da liberdade individual.[146]

Também chamado pela doutrina de princípio da não culpabilidade, dispõe o referido princípio que o estado penal de culpado de um indivíduo somente será reconhecido após o trânsito em julgado de sentença penal condenatória que concluiu pela culpabilidade do agente.[147]

O princípio do estado de inocência “refere-se sempre aos fatos, já que implica que seja ônus da acusação demonstrar a ocorrência do delito (actori incumbit probatio), e demonstrar que o acusado é, efetivamente, autor do fato delituoso.”[148]

Assim, não havendo provas acerca da existência do fato, nem de ter o réu concorrido para a prática delituosa ou não existir prova suficiente para fundamentar o édito condenatório, será o juiz obrigado a absolver o acusado, nos termos do art. 386, II, IV e VI, do Código de Processo Penal, aplicando-se, nesse caso, o princípio do in dubio pro reo.[149]

Conforme ensina Tourinho Filho, no coroado de todas as cláusulas pétreas, essa é a maior e mais expressiva delas, espraiada em todos os ordenamentos de sociedades civilizadas, determinando, assim, “que ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória.”[150]

A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 estabelece que somente o trânsito em julgado de uma sentença penal condenatória é capaz de afastar o estado de presunção de inocência, ou presunção de não culpabilidade, de um indivíduo.[151]

Contudo, conforme ensina Tourinho Filho, não se pode interpretar a expressão “presunção de inocência” ao pé da letra (literalmente) tendo em vista que diante dessa interpretação não seria possível a decretação de prisão cautelar antes do trânsito em julgado de sentença condenatória, sob pena de cumprimento antecipado da pena, devendo ser o acusado, enquanto ainda não condenado, considerado inocente.[152]

No mesmo sentido, acerca da decretação da prisão cautelar em conformidade o princípio em análise, Moraes ensina que:

A consagração do princípio da inocência, porém, não afasta a constitucionalidade das espécies de prisões provisórias, que continua sendo, pacificamente, reconhecida pela jurisprudência, por considerar a legitimidade jurídico-constitucional da prisão cautelar, que, não obstante a presunção juris tantum de não-culpabilidade dos réus, pode validamente incidir sobre seu status libertatis.

Com efeito, verifica-se que a prisão processual não constitui cumprimento de pena, ao contrário do que a denominação reservada a algumas modalidades de prisão processual possa erroneamente sugerir. Ainda, a decretação da prisão cautelar sem a prova induvidosa de culpa do acusado somente será exigível quando estiverem presentes elementos necessários que justifiquem a segregação. Sem a presença desses elementos, que devem ser avaliados em cada caso concreto, a prisão se torna ilegal, podendo ser atacada pela via do habeas corpus.[153]

Assim, constata-se que referido princípio veda a imposição de pena ao réu antes do trânsito em julgado da sentença condenatória, porém, permite que seja decretada uma prisão antes de ser proferida sentença desde que ela se mostre absolutamente necessária, possuindo, assim, caráter cautelar.[154]

2.3 PRICÍPIO DA PROPORCIONALIDADE OU DA RAZOABILIDADE

O Princípio da razoabilidade não se encontra expressamente previsto na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, tratando-se, assim, de postulado constitucional implícito.[155]

Doutrinariamente, conforme ensina Bonfim há uma discussão acerca da natureza jurídica do princípio da proporcionalidade, assegurando que:

Sua validade como verdadeiro “princípio” no sentido de ser uma norma-princípio de necessária aplicação. Aduz-se, contudo, não ser apenas um “princípio”, tal como estes são tradicionalmente concebidos, mas um princípio mais importante, um “princípio dos princípios”, ou um “superprincípio”, porque, enquanto todos os demais princípios jurídicos são relativos (não absolutos) e admitem flexibilizações ou balanço de valores, o princípio da proporcionalidade é um método interpretativo e de aplicação do direito para a solução do conflito de princípio.[156] (grifo no original)

No mesmo sentido ensina Lenza que:

O princípio da proporcionalidade ou da razoabilidade, em essência, consubstancia com uma pauta de natureza axiológica que emana diretamente das ideias de justiça, equidade, bom senso, prudência, moderação, justa medida, proibição de excesso, direito justo e valores afins; precede e condiciona a positivação jurídica, inclusive de âmbito constitucional; e, ainda, enquanto princípio geral do direito, serve de regra de interpretação para todo o ordenamento jurídico.[157]

A doutrina reconhece que o princípio da proporcionalidade é constituído de três subprincípios ou elementos: adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito.

Em sua essência, o princípio da razoabilidade disciplina “que ao ser analisada uma lei restritiva de direito, deve-se ter em vista o fim a que ela se destina, os meios adequados e necessários para atingi-lo e o grau de limitação e de promoção que ela acarretará aos princípios constitucionais”[158] envolvendo-se, aqui, o princípio da adequação, da necessidade e da proporcionalidade em sentido estrito.

O Supremo Tribunal Federal já deixou fundamentado que o princípio da proporcionalidade tem sua sede material fundamentada no princípio do devido processo legal, previsto no art. 5º, LVI da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, considerando em sua definição substantiva, não meramente formal. Assim, constata-se que todas as leis de um Estado Democrático de Direito têm que ir ao encontro das pretensões do povo, e o princípio do devido processo penal impede a permanência no ordenamento jurídico de leis desprovidas de razoabilidade.[159]

2.3.1 Princípio da adequação

Quanto ao subprincípio da adequação, também denominado da idoneidade ou pertinência, ensina Paulo que:

Significa que qualquer medida que o poder público adote deve ser adequada à consecução da finalidade objetivada, ou seja, a adoção de um meio deve ter possibilidade de resultar no fim que se pretende obter; o meio escolhido há de ser apto a atingir o objetivo pretendido. Se, com a utilização de determinado meio, não for possível alcançar a finalidade desejada, impende concluir que o meio é inadequado ou impertinente.[160]

Assevera Barros que, “um juízo da adequação da medida adotada para alcançar o fim proposto deve ser o primeiro a ser considerado na verificação da observância do princípio da proporcionalidade”.[161]

Assim, a atuação do Estado deve ser proporcional à finalidade objetivada, aplicando-se para esta uma medida proporcional ao caso em questão. “A adequação consubstancia em medida apta a alcançar o objetivo visado. É uma relação meio e fim.”[162]

2.3.2 Princípio da Necessidade

Por sua vez, o subprincípio da adequação, dispõe que “a adoção de uma medida restritiva de direito só é valida se ela for indispensável para a manutenção do próprio ou de outro direito, e somente se não puder ser substituída por outra providência também eficaz, porém menos gravosa.”[163]

Em outras palavras, ensina Barros que “o pressuposto da necessidade é o de que a medida restritiva seja indispensável para a conservação do próprio ou de outros direitos fundamentais e que não possa ser substituída por outra igualmente eficaz, menos gravosa.”[164]

Nesse sentido, significa dizer que será válida a restrição de um direito individual se não for possível aplicar outra medida menos restritiva, menos gravosa ao indivíduo e que, consequentemente, seja capaz de alcançar o mesmo objetivo, atingindo o mesmo resultado.[165]

Assim, verifica-se que a necessidade de uma medida restritiva, traduz-se por um juízo positivo, pois não basta afirmar que o meio adotado pelo legislador é aquele que causará menor lesividade ao indivíduo. O juízo há de indicar qual o meio mais idóneo – e menos gravoso, e por que objetivamente produziria menos consequências gravosas ao indivíduo, entre aos demais meios adequados ao fim objetivado.[166]

Ressalta-se que a aferição da necessidade aqui estudada, se dará através da livre apreciação do juiz, não retirando deste o seu caráter objetivo.[167]

Por fim, o que se pretende da análise do princípio – ou melhor dizendo subprincípio da necessidade, é que o processo de avaliação da necessidade de uma medida legal restritiva de direito é controlável e pode ser, em inúmeros casos, respaldada por provas, estando ligada à otimização de possibilidades fáticas.[168]

2.3.3 Princípio da Proporcionalidade em sentido estrito

Por fim, como terceiro subprincípio ao princípio da razoabilidade e proporcionalidade, o juízo de proporcionalidade em sentido estrito, somente será exercido “depois de verificada a adequação e necessidade da medida restritiva de direito.”[169]

Acerca do princípio em análise, dispõe Barros que:

Muitas vezes, um juízo de adequação não é suficiente para determinar a justiça da medida restritiva adotada em uma determinada situação, precisamente porque dela pode resultar uma sobrecarga ao atingido que não se compadece com a idéia de justa medida.[170]

Dessa forma, constata-se que o princípio da proporcionalidade strictu sensu, complementando o princípio da adequação e da necessidade, é de grande valia para indicar se o meio utilizado encontra-se em razoável proporção com a finalidade objetivada.[171]

A proporcionalidade em sentido estrito “encontra seu verdadeiro sentido quando conectada aos outros princípios da adequação e necessidade e, por isso mesmo, representa sempre uma terceira dimensão do princípio da proporcionalidade.”[172] (grifo no original)

Confirmada a configuração dos dois primeiros elementos, quais sejam a adequação e a necessidade, “cabe averiguar se os resultados positivos obtidos superam as desvantagens decorrente da restrição a um ou outro direito.”[173]

Acerca da matéria, dispõe Paulo:

Como a medida restritiva de direito contrapõe o princípio que se tenciona promover e o direito que está sendo restringido, a proporcionalidade em sentido estrito traduz a exigência de que haja um equilíbrio, uma relação ponderada entre o grau de restrição e o grau de realização do princípio contraposto.[174]

Assim, “sendo a medida necessária e adequada, deve-se investigar se o ato praticado, em termos de realização do objetivo pretendido, supera a restrição a outros valores constitucionalizados,”[175] que no caso de uma decretação de uma medida cautelar, no processo penal, seria o liberdade individual.

2.4 APLICAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA NECESSIDADE E DA ADEQUAÇÃO ÀS MEDIDAS CAUTELARES

Conforme dispõe o art. 282 do Código de Processo penal, as medidas cautelares prevista no referido diploma legal deverão ser aplicadas de acordo com a necessidade para a aplicação da lei penal, bem como a adequação à gravidade do crime, in verbis:

Art. 282. As medidas cautelares previstas neste Título deverão ser aplicadas observando-se a:

I – necessidade para aplicação da lei penal, para a investigação ou a instrução criminal e, nos casos expressamente previstos, para evitar a prática de infrações penais;

II – adequação da medida à gravidade do crime, circunstâncias do fato e condições pessoais do indiciado ou acusado.[176]

Ressalta o texto legal que toda e qualquer restrição a direitos individuais – mais precisamente sobre a liberdade individual, além da exigência de ordem judicial escrita e fundamentada, levará em contra a necessidade e a aplicação da medida cautelar a ser imposta, que serão avaliadas a partir da garantia da aplicação da lei penal e da conveniência da investigação ou da instrução criminal.[177]

Então, tanto nas medidas cautelares diversas da prisão, com previsão nos artigos 319 e 320 do Código de Processo Penal, quanto na decretação da prisão preventiva, terá que ser observado o juízo da necessidade.

Analisados os princípios norteadores do processo penal, bem como àqueles mais específicos ao tema em análise, passa-se agora a analise dos sistemas processual do processo penal.   

2.5 SISTEMAS PROCESSUAIS

Em virtude da natureza processual que envolve as medidas cautelares, inclusive a prisão processual, elementar que se entenda genericamente os sistemas processuais que regem o processo penal, demonstrando-se, por fim, a aplicabilidade de cada um desses sistemas no ordenamento jurídico brasileiro.

Observa Bonfim que, no Brasil, três correntes doutrinárias apontam  sistemas distintos de processo, fazendo-o, principalmente e conforme a distribuição da titularidade das atividades de julgar, acusar e defender, que serão analisadas na sequência.[178]

Para primeira corrente doutrinária, e majoritária, o Código de Processo Penal adotou o sistema acusatório; Para a segunda, o sistema adotado foi o misto, haja vista a existência e as características do inquérito policial e a não presença do respeito ao princípio do contraditório e da ampla defesa; e finalmente, a terceira corrente doutrinária, defende que o Brasil não utiliza o sistema acusatório “puro”, haja vista a existência do inquérito policial, entretanto havendo clara predominância do sistema acusatório.[179]

Para Pacelli, o sistema adotado pelo Código de Processo Brasileiro é mesmo o acusatório. Contudo, a questão não é tão simples. “há realmente algumas dificuldades na estruturação de um modelo efetivamente acusatório, diante do caráter evidentemente inquisitivo do nosso Código de Processo Penal e seu texto originário.”[180]

Divergentemente, ensina Nucci que, na verdade, o sistema processual brasileiro é misto. Isto porque existem dois aspectos, um constitucional e outro processual. A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, ao dispor sobre princípios, nos remete ao sistema acusatório. Por sua vez, o Código de Processo Penal de 1941, possui procedência nitidamente inquisitiva, remetendo-se a um sistema processual inquisitório.[181]

A partir desse impasse, entre a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 e o Código de Processo Penal, surgiu o sistema misto. Inicia-se a persecução penal na fase inquisitiva, com a produção e instrução do inquérito, passando-se, na sequencia, à fase acusatória, representada pelo oferecimento da ação penal em juízo, assegurando-se ao acusado todas as garantias constitucionais inerentes ao sistema acusatório.

Nota-se que, com o passar do tempo, algumas reparações importantes, apesar de pequenas, foram realizadas objetivando-se a criação de um modelo propriamente acusatório de processo penal.[182]

Visto isso, necessário que se analise as características de cada um desses sistemas processuais, iniciando-se pelo inquisitório.

2.5.1 Sistema Inquisitório

O Sistema Inquisitório é aquele em que as funções acusatórias e judicantes se encontram englobadas na mesma pessoa - o juiz inquisidor, não havendo distribuição da justiça, em virtude do comprometimento do magistrado com a acusação que ele mesmo formulou.[183]

Ensina Lima, que o sistema acusatório “tem como característica principal o fato de as funções de acusar, defender e julgar encontrarem-se concentradas em uma única pessoa, que assume assim as vestes de um juiz acusador, chamado de juiz inquisidor.”[184]

E se as funções de acusar, defender e julgar ficam concentradas nas mãos de um juiz inquisidor, não restam dúvidas que a imparcialidade deste será comprometida.

Em razão dessa concentração de poderes nas mãos do juiz inquisidor, não há que se falar em contraditório, tendo em vista que seria incabível em razão da falta de contraposição entre a acusação e defesa.[185]

Acerca da função dos poderes a serem exercidos pelo juiz, no sistema inquisitório, ensina Lima que:

No processo inquisitório, o juiz inquisidor é dotado de ampla iniciativa probatória, tendo liberdade para determinar de ofício a colheita de provas, seja no curso das investigações, seja no curso do processo penal, independentemente de sua proposição pela acusação ou pelo acusado. A gestão das provas estava concentrada, assim, nas mãos do juiz, que, a partir da prova do fato e tomando como parâmetro a lei, podia chegar à conclusão que desejasse.[186]

No referido sistema processual, o acusado é mero objeto processual, não sendo considerado sujeito processual. Assim, por exemplo, na busca da verdade por provas ensejadoras do fato delituoso, admitia-se a confissão obtida através de tortura do acusado.

Finalizando o assunto, conclui o doutrinador Lima, que:

Em síntese, podemos afirmar que o sistema inquisitorial é um sistema rigoroso, secreto, que adota ilimitadamente a tortura como meio de atingir o esclarecimento dos fatos e de concretizar a finalidade do processo penal. Nele, não há que se falar em contraditório, pois as funções de acusar, defender e julgar estão reunidas nas mãos do juiz inquisidor, sendo o acusado mero objeto do processo, e não sujeito de direitos. O magistrado, chamado de inquisidor, era a figura do acusador e do juiz ao mesmo tempo, possuindo amplos poderes de investigação e de produção de provas, seja no curso da fase investigatória, seja durante a instrução processual.[187]

Por suas características, fica claro que no processo inquisitório não há garantias e direitos individuais, violando os mais importantes princípios do processo penal. “Sem a presença de um julgado equidistante das partes, não há falar em imparcialidade, do que resulta evidente violação à Constituição Federal e à própria Convenção Americana sobre Direitos Humanos (CADH, art. 8º, nº 1).”[188]

2.5.2 Sistema Acusatório

Por sua vez, de forma oposta ao sistema inquisitório, “o sistema acusatório caracteriza-se pela presença de partes distintas, contrapondo-se acusação e defesa em igualdade de posições, e a ambas se sobrepondo um juiz, de maneira equidistante e imparcial.”[189]

No sistema acusatório, há uma separação das funções de acusar, defender e julgar.[190]

Leciona Greco Filho, que o sistema acusatório é aquele consistente na separação, ou melhor, distinção entre o órgão acusador e o órgão julgador.[191] Em outros termos, o referido autor ensina, ainda, que:

No sistema acusatório, adotado pelo Código de Processo Penal brasileiro, a ação penal pública é promovida pelo Ministério Público, e a ação penal privada pelo ofendido, de forma que pode o juiz manter-se equidistante da acusação e da defesa, garantindo uma decisão imparcial.

Antes de tudo, importante salientar que o sistema acusatório constitui uma conquista do Estado Democrático de Direito, fundado em princípios.[192]

Historicamente, o processo acusatório tem como suas características a oralidade e a publicidade, nele se aplicando o princípio da presunção de inocência. Assim, a regra era que o indivíduo permanecesse solto durante o processo.[193]

Quanto à iniciativa probatória, o juiz não possuía o poder de determinar a produção de provas de ofício, tendo em vistas que aquelas deveriam ser produzidas, ou melhor, fornecidas pelas partes. Assim, sob o ponto de vista probatório, tem-se que o juiz aspira uma posição de passividade na reconstrução dos fatos preservando, dessa forma sua imparcialidade, uma vez que as provas serão atividades probatórias das partes.[194]

Conforme Lima, “ainda que se admita que o juiz tenha poderes instrutórios, essa iniciativa deve ser possível apenas no curso do processo, em caráter excepcional, como atividade subsidiária da atuação das partes.”[195]

Assim, constata-se que o sistema acusatório não retira os poderes inquisitivos do juiz, no que se refere à prova e à investigação da verdade. Entretanto, neste caso, a atuação inquisitiva do juiz não se faz nem a favor da acusação, nem da defesa, bem como, não comprometerá a imparcialidade. O que se busca no sistema acusatório é restringir a inquisitividade na formulação da acusação, a qual deverá ser privativa do Ministério Público ou do ofendido.[196]  

O objetivo principal do juiz, no sistema acusatório, é resguardar os direitos e liberdades fundamentais, cabendo às partes a função de gestão das provas.[197]

Dessa forma, ensina Mougenot que, o procedimento “costuma ser realizado em contraditório, permitindo-se o exercício da ampla defesa, já que a figura do julgador é imparcial, igualmente distante, em tese, de ambas as partes.”[198]

Por ora, cabe ao juiz julgar; ao promotor de justiça cabe deduzir a pretensão acusatória, investigar e produzir provas; ao advogado cabe efetuar a defesa, garantindo, dessa forma, os direitos do réu e, ao legislador, cabe produzir legislação adequada ao sistema jurídico.[199]

O sistema acusatório caracteriza-se por determinar um processo de partes, em que o autor e o réu constroem através do confronto a solução justa do caso penal. A separação das funções de cada sujeito do processo de acusar, defender e julgar, o reconhecimento dos direitos fundamentais ao acusado, que passa a ser sujeito de direitos, bem como a construção dialética da solução do caso pelas partes, em igualdade de condições, passam a ser as principais características desse modelo processual.[200]

Segundo Ferrajoli, é característica do sistema acusatório a separação rígida entre o juiz e acusação, a paridade entre acusação e defesa, e a publicidade e a oralidade do julgamento. Lado outro, são tipicamente próprios do sistema inquisitório a iniciativa do juiz em campo probatório, a disparidade de poderes entre acusação e defesa e o caráter escrito e secreto da instrução.[201]

O sistema acusatório, que foi recepcionado pela Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, tornou privativa do Ministério Público a propositura da ação penal pública, a relação processual somente se inicia mediante a provocação de uma pessoa encarregada de deduzir a pretensão punitiva, e, embora não retire do juiz o poder de gerenciar o processo mediante o exercício do poder de impulso processual, impede que o magistrado tome iniciativas que não se alinham com a equidistância que ele deve tomar quanto ao interesse das partes.[202]

Nesse sentido, conforme Lima, “deve o magistrado, portanto, abster-se de promover atos de ofício na fase investigatória, atribuição esta que deve ficar a cargo das autoridades policias e do Ministério Público.”[203]

Acerca da distinção, entre o sistema inquisitorial e acusatório, verifica-se que há diferença na posição dos sujeitos processuais e a gestão da prova. No modelo acusatório, emerge a posição de igualdade entre os sujeitos do processo, cabendo a cada uma delas reproduzirem o material probatório em juízo, sempre observando os princípios, do contraditório, da ampla defesa, da publicidade e do dever de motivação das decisões judiciais.

Além das diferenças citadas, “o traço peculiar mais importante do sistema acusatório é que o juiz não é, por excelência, o gestor da prova.”[204]

2.5.3 Sistema Misto

Por fim, o sistema misto é um modelo que funciona com a fusão do sistema inquisitorial e acusatório, que foi inaugurado com o Code d’Instruction Criminelle[205], que constitui um sistema eminentemente bifásico. O referido sistema é composto por uma primeira fase, inquisitiva, de instrução ou investigação preliminar, sigilosa, escrita e não contraditória, e uma segunda fase, por sua vez, acusatória, corroborada pelos princípios do devido processo legal, com contraditório e ampla defesa.[206]

Nesse sentido, ensina Tourinho Filho que o processo de tipo misto se desenvolve em três partes:

a) investigação preliminar (de la policie judiciaire), dando lugar aos procés verbaux; b) instrução preparatória (instruction préparatoire); e c) fase do julgamento (de jugament). Mas, enquanto no inquisitivo essas três etapas eram secretas, não contraditórias, escritas, e as funções de acusar, defender e julgar encontravam-se nas mãos do Juiz, no processo misto ou acusatória formal somente as duas primeiras fases é que eram e continuaram secretas e não contraditórias.[207] (grifo no original)

Com o advento do Código de Processo Penal de 1941, a partir da sua entrada em vigor, passou a prevalecer o entendimento de que o sistema nele previsto era misto. Contudo, com a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, que prevê de maneira expressa a separação das funções de acusar, defender e julgar, restando assegurado o contraditório e a ampla defesa, além do princípio da presunção de não culpabilidade, adotou-se o sistema acusatório.[208]

Assim, visando contextualizar o tema central da presente pesquisa, far-se-á uma análise das medidas cautelares e as principais alterações sofridas pela lei 12.403/2011 e, por fim, abordar-se-á acerca da conversão da prisão em flagrante em preventiva, pelo juiz, de ofício, analisando-se os precedentes jurisprudenciais no tocante ao tema.

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Sobre o autor
Daniel Trindade da Silva

Bacharel em Direito em Florianópolis (SC).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Daniel Trindade. Prisão cautelar: as inovações introduzidas pela Lei nº 12.403/2011. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3681, 30 jul. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/24566. Acesso em: 22 dez. 2024.

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